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Aqui discutimos micologia amadora e enteogenia.

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Budismo

Quando a prática dá frutos


Charlotte Joko Beck (EUA, 1917 ~ 2011):

[...] O desejo que exige ter satisfação é o problema. É como se nos sentíssemos constantemente com sede e, para extinguí-la, tentamos colocar uma mangueira em alguma torneira na parede da vida. Continuamos pensando que com essa ou aquela torneira, teremos a água que precisamos. Ao escutar meus alunos, todos parecem sedentos por algo. Podemos conseguir um pouco de água aqui e ali, mas isso apenas nos atormenta. Estar realmente sedento não é divertido. [...]
Se estamos tentando por anos fixar nossa mangueira nessa ou naquela torneira, e cada vez descobrimos que não é suficiente, vai chegar um momento de profundo desencorajamento. Começamos a sentir que o problema não é falharmos em nos conectar com algo lá fora, mas que nada externo poderá jamais satisfazer a sede. É aqui que, bem provavelmente, começamos uma prática séria.
Este pode ser um momento horrível — compreender que nada jamais irá satisfazer. Talvez tenhamos um bom emprego, um bom relacionamento ou família, e ainda assim estamos com sede — e torna-se claro para nós que nada realmente pode preencher nossas demandas. Podemos compreender que até mudar nossa vida — rearranjar os móveis — também não vai funcionar. Esse momento de desespero é na verdade uma bênção, o verdadeiro começo.
Uma coisa estranha acontece quando deixamos ir todas nossas expectativas. Obtemos um vislumbre de uma outra torneira, uma que permanecia invisível. Conectamos nossa mangueira a ela e descobrimos, para nosso deleite, que a água está jorrando. Pensamos: “Agora peguei! Peguei!”. E o que acontece? De novo, a água seca. Trouxemos nossas exigências para dentro da própria prática, e de novo estamos sedentos.
A prática precisa ser um processo de desapontamento sem fim. Temos que ver que tudo que demandamos (e até obtemos) eventualmente nos desaponta. Essa descoberta é nosso professor. [...] Eventualmente, ficamos suficientemente espertos para antecipar nosso próximo desapontamento, para saber que nosso próximo esforço para matar a sede também vai falhar. A promessa nunca é cumprida. Mesmo com uma prática longa, às vezes buscamos soluções falsas, mas ao perseguí-las, reconhecemos nossa futilidade muito mais rapidamente. Quando ocorre essa aceleração, nossa prática está dando frutos.
“Nothing Special”, loc. 677

http://darma.info/trechos/2012/09/quando-a-pratica-da-frutos/
 
Aceitação da vida


Pensar e falar sobre a prática são substitutos fáceis para o esforço de fato que uma vida de prática requer. Nós resistimos a vida como ela é porque isso significaria abandonar nossas visões sobre como pensamos que ela deveria ser. A forma mais básica de resistir é querer que a vida seja alguma outra coisa além do que ela é.
Ezra Bayda, “Breaking Trough”

(Tricycle – Daily Dharma, 2012-05-30)

http://darma.info/trechos/2012/09/aceitacao-da-vida/
 
Quebra da identidade fixa

Pema Chodron:

No budismo, chamamos a ideia de ter uma identidade fixa de “fixação no ego”. É o modo como tentamos estabelecer um chão sólido sob nossos pés, em um mundo em constante transformação.
A prática da meditação começa a erodir essa identidade fixa. Ao meditar, você começa a se ver com mais claridade, e percebe o quão apegado está a suas opiniões sobre si mesmo.
Com frequência, o primeiro golpe na identidade fixa é precipitado por uma crise. Quando as coisas desmoronam em sua vida, você sente como se todo o mundo estivesse se desfazendo. Mas na verdade é sua identidade fixa que está desmoronando. E, como Chögyam Trungpa costumava nos dizer, isso é motivo para comemorar.
“Living Beautifully with Uncertainty and Change”
(Weekly quote from Pema Chodron, 2012-09-12)

http://darma.info/trechos/2012/09/quebra-da-identidade-fixa/
 
Alerta de consciência plena


Joseph Goldstein:

Aprender a viver em um espaço de amizade e amor requer paciência e constância. Com muita frequência, caímos de volta nos padrões costumeiros de nos sentir perturbados, sentir irritação, raiva e inimizade. Mas esses estados também podem ser para nós como um sino de alerta para a consciência plena, nos lembrando de investigar em vez de se afogar nesses sentimentos.
Thomas Merton sabia que passar por situações difíceis é uma parte essencial da jornada espiritual. Ele escreveu:
“Oração e amor são aprendidos no momento em que orar se tornou impossível e o coração se transformou em pedra.”
“One Dharma” (loc. 1741)
(traduzido no Brasil como “Dharma – O caminho da libertação”)

http://darma.info/trechos/2012/09/alerta-de-consciencia-plena/
 
Amanhecer da sabedoria


Dzongsar Khyentse Rinpoche (Butão, 1961 ~):

O vajrayana nos diz para, sempre que uma emoção como o desejo surgir, apenas observar e não fazer nada, “não fabricar”. Mas essa é uma instrução facilmente mal compreendida. Quando a emoção surge, “não fabricar” significa simplesmente parar de fazer qualquer coisa.

O que isso não significa é que, se você está caminhando na rua, deve parar, achar um banco, sentar de pernas cruzadas e tentar “observar” a emoção. O ponto aqui é que, tendo notado a emoção, a maioria de nós tende não a “observar”, mas sim seguir. Sentimos desejo, então seguimos nossos desejos; sentimos raiva, então seguimos a raiva — ou, no máximo, apenas a suprimimos.

Então, como devemos lidar com as emoções? Sem fabricar nada, apenas observe. E no momento que você olha a emoção, ela desaparece. Iniciantes vão descobrir que a emoção reaparece bem rápido, mas isso não importa. O importante é que no momento em que você começa a observar a emoção, ela imediatamente desaparece. E, mesmo que só desapareça por uma fração de segundo, o fato de que uma emoção desapareceu também significa que a sabedoria, momentaneamente, amanheceu. O reconhecimento dessa atenção nua: é a isso que a palavra “conhecer” se refere.

“Conhecer” a emoção é compreender que, já que ela não tem nenhuma raiz, não há e nunca houve nenhuma emoção. Algumas pessoas falam sobre emoções, particularmente as emoções negativas, como se elas fossem algum tipo de força demoníaca horrível que intencionalmente invade nosso ser, mas elas não são nada disso.

Quando sentir raiva, apenas observe a raiva. Não a causa da raiva ou seu resultado, apenas a emoção da raiva. Ao encarar sua raiva, você descobrirá que não há nada que você possa apontar e dizer: “Aqui está minha raiva”. E a compreensão de que não há absolutamente nada ali é o que é chamado de “amanhecer da sabedoria”.

“Not For Happiness”, loc. 3167

http://darma.info/trechos/2012/10/amanhecer-da-sabedoria/
 
Momentos de consciência desperta

Tenzin Palmo (Inglaterra, 1943 ~):

As pessoas têm essa ideia de que a Iluminação e realização são coisas lá longe — um acontecimento bem fantástico e magnífico que irá transformar todas as coisas de uma só vez e para sempre. Mas não é nem um pouco assim.

É algo às vezes tão simples que você quase não vê. Está bem aqui na nossa frente, tão perto que não notamos. É algo que pode acontecer a qualquer momento. E, no momento que vemos, ali está. Esteve ali o tempo todo, mas estávamos com nosso olho interior fechado.

Quando os momentos de consciência desperta se unem todos, então nos tornamos um Buda.

“Cave in the Snow”, loc. 3118

http://darma.info/trechos/2012/10/momentos-de-consciencia-desperta/
 
[...] O Buda ensinou que tudo que está condicionado é impermanente. Mesmo num nível sutil, tudo está em movimento constante. Tudo que ascender a uma alta posição cairá para uma posição mais baixa; tudo que se juntar, ficará separado, tudo que for ganho, será perdido e tudo que for criado, será destruído. Estas são verdades universais. Qualquer situação que dependa de condições passará. Isto inclui relacionamentos, posses e nossos próprios corpos.

B. Alan Wallace, em "Budismo com Atitude".


Nossas ações viram causas e, dessas causas, naturalmente, vêm resultados. Tudo que é colocado em movimento produz um movimento correspondente. Se você joga uma pedra em uma lagoa, formam-se ondulações em círculos, batem na margem e voltam. O mesmo se passa com o movimento dos pensamentos. Quando os resultados desses pensamentos retornam, sentimo-nos vítimas indefesas: "Estávamos inocentemente vivendo nossa vida... por que todas essas coisas estão acontecendo conosco?" O que acontece é que as ondulações estão voltando para o centro. Isso é o carma.

Chagdud Tulku Rinpoche, em "Portões da Prática Budista".
 
Cristalização do ego


Matthieu Ricard (França, 1946 ~):

O ego, escreve o filósofo budista Han de Wit, “é também uma reação afetiva ao nosso campo de experiência, um movimento mental de recuo baseado no medo”. Por medo do mundo e dos outros, por receio de sofrer, por angústia sobre o viver e o morrer, imaginamos que ao nos escondermos dentro de uma bolha — o ego — estaremos protegidos. Criamos, assim, a ilusão de estarmos separados do mundo, acreditando que dessa forma evitaremos o sofrimento. Na realidade, o que acontece nesse caso é justamente o contrário, uma vez que o apego ao ego e à auto-importância são os melhores ímãs para atrair o sofrimento.
O genuíno destemor surge com a confiança de que seremos capazes de reunir os recursos interiores necessários para lidar com qualquer situação que surja à nossa frente. Isso é totalmente diferente de retirar-se na auto-absorção, uma reação de medo que perpetua profundos sentimentos de insegurança.
Cada um de nós é, de fato, uma pessoa única, e está certo reconhecermos e apreciarmos quem somos. Mas ao reforçarmos a identidade separada do ego, perdemos a sintonia com a realidade. A verdade é que somos fundamentalmente interdependentes das outras pessoas e do ambiente. Nossa experiência é o conteúdo do fluxo mental, do continuum da consciência, e não há justificativa para ver o ego como uma entidade distinta desse fluxo.
Imagine uma onda que se propaga, influencia o ambiente e é influenciada por ele, sem que por isso se transforme no meio de veiculação ou transmissão de qualquer entidade particular.
Porém estamos tão acostumados a fixar o rótulo de “eu” a esse fluxo mental, que chegamos a nos identificar com este último e temer o seu desaparecimento. Segue-se daí um poderoso apego ao ego e à noção de “meu” — meu corpo, meu nome, minha mente, minhas posses, meus amigos, e assim por diante — que leva ao desejo de possuir ou ao sentimento de repulsa pelo “outro”.
É assim que os conceitos de “eu” e “outro” se cristalizam na nossa mente. Ficamos com a impressão errada de que existe uma dualidade irredutível e inevitável, criando assim a base para todas as nossas aflições mentais, como o desejo alienante, o ódio, o ciúme, o orgulho e o egoísmo.
Nesse ponto percebemos o mundo através do espelho deformante das nossas ilusões e permanecemos em desarmonia com a verdadeira natureza das coisas, o que leva à frustração e ao sofrimento.

“Felicidade”, cap. 7


http://darma.info/trechos/2012/10/cristalizacao-do-ego/
 
Não menospreze os venenos


Ilustração do livro
“Don’t Look Down on the Defilements”


Sayadaw U Tejaniya (Birmânia):

Atitudes errôneas são causadas pela ilusão. Todos nós temos isso em nossas mentes. Todas as atitudes errôneas são os obscurecimentos do apego e aversão, ou qualquer um de seus parentes como excitação, depressão ou preocupação.
Não aceitar os obscurecimentos apenas dá mais força a eles. Os obscurecimentos bloqueiam seu progresso na meditação e evitam que você viva sua vida plenamente. Eles também evitam que você encontre paz verdadeira e liberdade. Não menospreze os obscurecimentos, eles vão rir de você.
Procure pelos obscurecimentos. Familiarize-se com os obscurecimentos que surgem em sua mente. Observe e tente entendê-los. Não se apegue a eles, rejeite ou ignore, e não se identifique com eles. Assim que você para de se apegar ou se identificar com os obscurecimentos, a força deles lentamente diminui. Você precisa ficar verificando e reverificando para ver qual é a atitude com que você está meditando.

“Don’t Look Down on the Defilements, They Will Laugh At You”, pg. 15 (disponível online)

http://darma.info/trechos/2012/11/nao-menospreze-os-obscurecimentos/
dont-look-down-defilements.png
 
Meditação e neurose


Chogyam Trungpa (Tibete, 1939 – Canadá, 1987):

Tem havido algumas concepções enganadas sobre meditação. Algumas pessoas a vem como um estado mental do tipo transe. Outras pensam nela em termos de treinamento, no sentido de ginástica mental. Mas a meditação não é nada disso, embora envolva lidar com estados mentais neuróticos. O estado mental neurótico não é difícil ou impossível de lidar. Ele tem energia, pressa e um certo padrão.
A prática de meditação envolve deixar ser — tentar acompanhar o padrão, tentar acompanhar a pressa e a velocidade. Nesse sentido aprendemos como lidar com esses fatores, como se relacionar com eles, não no sentido de fazê-los amadurecer do modo como gostaríamos, mas no sentido de conhecê-los pelo que são e trabalhar com seu padrão.
“Cutting Through Spiritual Materialism”, introdução
(“Além do Materialismo Espiritual”)

http://darma.info/trechos/2012/11/meditacao-e-neurose/
 
Eu, outro, apego e aversão


Chagdud Tulku Rinpoche (Tibete, 12 de agosto de 1930 – Brasil, 17 de novembro de 2002):

Como não reconhecemos nossa natureza essencial — não compreendemos que embora aparências surjam incessantemente, não há nada de fato ali — damos solidez e realidade à aparente verdade do eu, outro e ações entre esse eu e o outro.

Esse obscurecimento intelectual faz surgir apego e aversão, seguido por ações e reações que criam karma, se solidificam em hábitos e perpetuam os ciclos de sofrimento. Esse processo inteiro precisa ser purificado.

“In the Presence of Masters”
(Newsletter Shambhala)


http://darma.info/trechos/2012/11/eu-outro-apego-e-aversao/
 
Certa vez, quando o Bhagavat residia no país dos Kurus, num burgo chamado Kammassadhama, dirigiu-se aos discípulos como se segue:

- Ó discípulos!
- Senhor! responderam eles.
E o Sublime falou:
- Só há um caminho, ó discípulos, que conduz à purificação dos seres, à
extinção do sofrimento e da tristeza, à destruição dos males físicos e morais, à
aquisição da conduta reta, à realização do Nirvana. Este caminho é o dos Quatro
Fundamentos do Estabelecimento da Atenção (Vigilância).
- E quais são esses Quatro Fundamentos?
- Ei-los aí, ó discípulos. Primeiro, observando o corpo, o discípulo permanece
enérgico, claramente consciente, compreensivo, atento, vencendo os desejos e as
contrariedades do mundo; segundo, observando as sensações; terceiro, observando a
mente; quarto, observando os diferentes assuntos da Doutrina, ele se torna enérgico,
compreensivo, atento, afastando os desejos e as contrariedades deste mundo.

1. Vigilância em relação ao corpo (Kaya)

E como, ó discípulos, um discípulo permanece observando a corpo?
Aqui, ó discípulos, indo à floresta, ao pé de uma árvore, ou num lugar isolado,
o discípulo se senta com as pemas cruzadas, o corpo ereto, permanece atento e fixa a
atenção em frente a si. Então, atentamente ele inspira, atentamente ele expira. Ao
inspirar lentamente, observa: "Lentamente inspiro." Ao expirar lentamente, observa:
"Lentamente expiro." Inspirando rapidamente, observa: "Rapidamente inspiro."
Expirando rapidamente observa: "Rapidamente expiro."
"Sentindo todo o corpo, inspiro", assim se exercita.
"Sentindo todo o corpo, expiro", assim ele se exercita.
"Acalmando as atividades do corpo, inspiro", assim se exercita.
"Acalmando as atividades do corpo, expiro", assim ele se exercita.

Do mesmo modo, ó discípulos, que um hábil oleiro, ou um aprendiz de oleiro, torneando
lentamente um vaso, observa: "Faço girar lentamente", e torneando rapidamente, observa:
"Rapidamente faço girar." Da mesma maneira, ó monges, um monge inspirando lentamente,
observa: "Lentamente inspiro... Acalmando as atividades do corpo, expiro", Assim ele se
exercita. Desta maneira, permanece o discípulo observando o corpo interiormente e exteriormente.
Permanece observando a dissolução do corpo (sensação de não sentir a presença do corpo);
permanece observando o surgimento do corpo (sensação de sentir a presença do corpo);
permanece observando o surgimento e a dissolução do corpo. "Eis aí o corpo" - diz, e esta
introspeção está presente nele, somente para o necessário conhecimento e reflexão, ficando
liberto e não se apegando a nada neste mundo.

É assim, ó monges, que um discípulo permanece observando o corpo.
Ainda mais, ó monges, um discípulo quando caminha, observa: "Caminho"; quando está em
pé, observa: "Estou em pé"; e quando está sentado, observa: "Estou sentado"; quando está
deitado, observa: "Estou deitado"; estando o corpo nesta ou naquela posição, o discípulo tem
consciência de estar nesta ou naquela posição.
Deste modo, permanece o discípulo observando o corpo, interior e exteriormente...(aqui se
repete a mesma fórmula acima).

É assim também, ó monges, que o discípulo permanece observando o corpo.
Ainda mais, quando o discípulo vai ou vem, tem plena consciência disto; olhando em frente
ou ao redor, estendendo ou encolhendo os membros, tem plena consciência disto; levando a
cuia de mendicância e usando vestes monásticas, ele tem plena consciência disto; comendo,
bebendo, mastigando, saboreando, evacuando, urinando, ele está perfeitamente consciente
disto; andando, estando em pé, sentando, adormecendo, levantando, falando, ou guardando
silêncio, ele está perfeitamente consciente disto.
Do mesmo modo que permanece observando o corpo interiormente, permanece observando o
corpo exteriormente.

É assim também, ó monges, que um discípulo permanece observando o corpo.
Ainda mais, o discípulo observando o corpo da planta dos pés ao alto da cabeça, coberto de
pele e cheio de diversas impurezas, ele pensa: "Há neste corpo: cabelos, pelos, unhas, dentes,
pele, músculos, tendões, ossos, medula, rins, coração, fígado, pleura, baço, pulmões,
intestinos, mesentérios, estômago, excrementos, biles, pus, sangue, suor, gordura, lágrimas,
saliva, mucos, urina."
Do mesmo também, ó discípulos, que num saco com duas aberturas, contendo diferentes
grãos, tais como arroz, feijão, ervilha, grão-de-bico, gergelim, então um homem que vê com
clareza, tendo-o aberto, examina os grãos dizendo: isto é arroz, isto é feijão, isto é ervilha,
isto é grão-de-bico, isto é gergelim; assim, também, um discípulo que observa o corpo da
planta dos pés ao alto da cabeça, percebe-o coberto de pele e cheio de diversas impurezas,
sabe: "Há neste corpo: cabelos, pelos, unhas, gordura, lágrimas, saliva, mucos, sinóvia,
urina."
Deste modo o discípulo permanece observando o corpo interiormente e exteriormente...

É assim também, ó monges, que um discípulo permanece observando o corpo.
Ainda mais, ó monges, o discípulo examina o corpo tal como é composto pelos elementos:
“Há neste corpo o elemento terra, o elemento água, o elemento fogo, o elemento ar.
Do mesmo modo também, ó discípulos, um hái1 açougueiro ou um aprendiz de açougueiro,
um homem que trabalha para sustentar-se, que tivesse abatido uma vaca e, tendo-a
esquartejado, senta-se numa encruzilhada (para vender a carne). Assim também, o discípulo
examina este corpo tal como é, composto de elementos: "Há neste corpo o elemento terra, o
elemento água, o elemento fogo, o elemento ar."
E ainda mais, quando um discípulo vê um corpo morto há um dia ou mais, inchado, azulado,
putrefato, refletirá sobre seu próprio corpo, observando: "Meu corpo tem a mesma natureza
deste, ele se tornará também assim, não posso evitá-lo."10
Deste modo, permanece observando o corpo interiormente, permanece observando o corpo
exteriormente...

É assim também, ó monges, que um discípulo permanece observando o corpo.
E mais ainda, quando um discípulo vê um cadáver despedaçado pelos abutres, roído pelos
vermes, refletirá sobre seu próprio corpo: "Este corpo tem a mesma natureza, ele se tornará
também assim, não posso evitá-lo."
Assim permanece observando o corpo interiormente; permanece observando o corpo
exteriormente...

É assim também, ó monges, que um discípulo permanece observando o corpo.
E mais ainda, quando um discípulo vê um cadáver com o arcabouço ainda unido por tendões,
tendo ainda restos de carne e manchas de sangue, refletirá sobre seu próprio corpo: "Este
corpo tem a mesma natureza, ele se tornará também assim, não posso evitá-lo."
Assim permanece observando o corpo interiormente, permanece observando o corpo
exteriormente...

É assim também, ó monges, que um discípulo permanece observando o corpo.
E mais ainda, quando um discípulo vê um cadáver com o arcabouço ósseo ainda ligado por
tendões, sem nenhuma carne, porém com manchas de sangue, refletirá sobre seu próprio
corpo: "Este corpo tem a mesma natureza, ele se tornará também assim, não posso evitá-lo."
Assim permanece observando o corpo interiormente, permanece observando o corpo
exteriormente...

É assim também, ó monges, que um discípulo permanece observando o corpo.
E mais ainda, quando um discípulo vê um cadáver com o arcabouço ósseo ainda ligado por
tendões, sem nenhuma carne ou manchas de sangue, ele refletirá sobre seu próprio corpo:
"Este corpo tem a mesma natureza, ele se tornará também assim, não posso evitá-lo."
Assim permanece observando o corpo interiormente e exteriormente...

É assim também, ó discípulos, que um discípulo permanece observando o corpo.
E ainda mais, quando o discípulo vê um cadáver, os ossos dispersos separados dos tendões,
aqui um osso da mão, lá um osso do pé, aqui uma tíbia, lá um fêmur; aqui uma bacia, lá
vértebras, adiante um crânio, ele refletirá sobre seu próprio corpo: "Este corpo tem a mesma
natureza, ele se tornará também assim, não posso evitá-lo."
Assim permanece observando o corpo interiormente e exteriormente...

É assim também, ó monges, que um discípulo permanece observando o corpo.
Além disso, quando o discípulo vê um esqueleto com os ossos embranquecidos como
conchas ao sol, ele refletirá sobre seu próprio corpo observando: "Meu corpo tem a mesma
natureza que este, ele se tornará também assim, não posso evitá-lo."
Deste modo permanece um discípulo observando o corpo interiormente e exteriormente...

É assim também, ó monges, que um discípulo permanece observando o corpo.
E ainda mais, quando o discípulo vê um esqueleto após um ano, que não é mais do que um
rnontículo de ossos empilhados, ele refletirá sobre seu próprio corpo dizendo: "Meu corpo
tem a mesma natureza que este, ele se tornará também assim, não posso evitá-lo."
Do mesmo modo permanece um discípulo observando o corpo interiormente e
exteriormente...

É assim também, ó monges, que um discípulo permanece observando o corpo.
E ainda mais, quando um discípulo vê um esqueleto, os ossos desintegrados e reduzidos a
pó, ele refletirá sobre seu próprio corpo: "Meu corpo tem a mesma natureza que este e se
tornará igual, não posso evitá-lo."

É assim que um discípulo permanece observando o corpo interiormente e exteriormente... Ele
permanece observando o surgimento do corpo; permanece observando a dissolução do corpo;
permanece observando o surgimento e a dissolução do corpo.
"Eis aí o corpo" - esta introspeção está presente nele, somente para o necessário
conhecimento e reflexão, e ele se torna liberto, não se apegando a nada neste mundo.

É assim, ó monges, que um discípulo permanece observando o corpo.


2. Vigilância em Relação as Sensações (Vedana)

E como, ó discípulos, um discípulo permanece observando as sensações?
Eis aí: um discípulo sentindo uma sensação agradável, observa: "Esta é uma sensação
agradável"; sentindo uma sensação desagradável, observa: "Esta é uma sensação
desagradável"; sentindo uma sensação indiferente, observa: "Esta é uma sensação
indiferente."
Sentindo uma sensação física agradável, observa: "Esta é uma sensação física agradável";
sentindo uma sensação sutil agradável, observa: "Esta é uma sensação sutil agradável";
sentindo uma sensação física desagradável, observa: "Esta é uma sensação física
desagradável"; sentindo uma sensação sutil desagradável, observa: "Esta é uma sensação sutil
desagradável"; sentindo uma sensação física indiferente, observa: "Esta é uma sensação
carnal indiferente"; sentindo uma sensação sutil, nem agradável, nem desagradável, observa:
"Esta é uma sensação sutil nem agradável, nem desagradável."

Assim, ele permanece contemplando as sensações nas sensações internamente, permanece
contemplando as sensações nas sensações externamente, permanece contemplando as
sensações nas sensações interna e externamente.

Ele permanece contemplando a originação das sensações, permanece contemplando a
dissolução das sensações, ou contempla a originação e dissolução das sensações. Sua plena
atenção está estabelecida com o pensamento: "Sensações existem" até o ponto necessário
para o conhecimento e reflexão, e vive independente sem se apegar a nada deste mundo.

Assim, ó discípulos, o discípulo permanece contemplando as sensações nas sensações.

3. Vigilância em Relação à Mente (Citta) - Estados de Consciência

E como um discípulo permanece observando os estados de consciência nos estados de
consciência da mente?

Aqui, um discípulo, tendo um estado mental com luxúria, observa: "Este é um estado mental
com luxúria"; tendo uma mente livre de luxúria observa: "Esta é uma mente livre de luxúria."
Quando há ódio em sua mente, observa: "Há ódio na mente"; quando a mente está livre do
ódio, ele observa: "Esta é uma mente livre de ódio"; quando sua mente está perturbada,
observa: "Esta é uma mente perturbada"; quando sua mente está livre de perturbações, ele
observa: "Esta é uma mente livre de perturbações"; quando sua mente está concentrada,
observa: "Esta é uma mente concentrada"; quando sua mente está distraída, sabe: "Esta é uma
mente distraída"; quando em sua mente há nobreza, observa: "Esta é uma mente nobre";
quando há vileza em sua mente, ele observa: "Esta é uma mente vil"; tendo em sua mente
estados, ele observa que estes estão presentes nela; tendo uma mente livre, ele observa: "Esta
é uma mente livre"; tendo uma mente pouco livre, observa: "Esta é uma mente pouco livre."
Tendo um estado mental com medo, ele observa: "Este é um estado mental com medo"; tendo
uma mente livre do medo, ele observa: "Esta é uma mente livre do medo."

Assim ele compreende e observa o estado mental com desejo e o estado mental sem desejo, o
estado mental com ressentimento e o estado mental sem ressentimento.
Assim ele permanece contemplando os estados de consciência nos estados de consciência
internamente, ou permanece contemplando os estados de consciência externamente, ou
permanece contemplando os estados de consciência interna e externamente. Sua atenção está
estabelecida com o pensamento: "Eis aí os estados de consciência da mente"; esta
introspecção está presente nele, somente para o necessário conhecimento e reflexão e ele
permanece livre, sem se apegar a nada neste mundo.

É assim, ó discípulos, que um discípulo permanece observando os estados de consciência da
mente.

4. Vigilância Relacionada aos Assuntos da Doutrina (Dhamma)

Observação dos Cinco Impedimentos
E como um discípulo permanece observando os diferentes assuntos?

Aqui, o discípulo permanece observando os Cinco Impedimentos.
E como um discípulo permanece observando os Cinco Impedimentos?
Aqui, ó discípulos, um discípulo, quando sente o desejo sensual, observa: "Em mim está o
desejo sensual"; quando o desejo sensual não está presente nele, observa: "Em mim não está
presente o desejo sensual"; ele observa como o desejo sensual não-aparecido, aparece. Ele
observa como o desejo sensual aparecido é desenraizado. Ele sabe como o desejo sensual
desenraizado não surgirá mais.
Quando a maldade está presente nele, observa: "Há maldade em mim." Quando a maldade
não está presente, ele observa: "Em mim não há maldade." Ele sabe como a maldade não
aparecida, surge; ele sabe como a maldade que surgiu é desenraizada. Ele sabe como a
maldade desenraizada não surgirá mais.
Quando a inércia e o torpor estão presentes nele, ele observa: "Em mim estão presentes a
inércia e o torpor." Quando a inércia e o torpor não estão presentes nele, ele observa: "Em
mim não estão presentes a inércia e o torpor." Ele sabe como a inércia e o torpor
aparecidos são desenraizados. Ele sabe como a inércia e o torpor desenraizados não surgirão
mais.
Quando a agitação e o remorso estão presentes nele, ele observa: "Em mim estão presentes a
agitação e o remorso." Quando a agitação e o remorso não estão presentes nele, ele observa:
"Em mim não estão presentes, nem agitação, nem remorso." Ele sabe como a agitação e o
remorso não-surgidos, aparecem; ele sabe como a agitação e o remorso surgidos, são
desenraizados; ele sabe como a agitação e o remorso desenraizados não surgirão mais.
Quando a dúvida está presente nele, ele observa: "Em mim está presente a dúvida." Quando a
dúvida não está presente nele, ele observa: "Em mim não está presente a dúvida." Ele sabe
como a dúvida não-surgida, aparece; ele sabe como a dúvida que surgiu é desenraizada; ele
sabe como a dúvida desenraizada não surgirá mais.

Deste modo ele permanece observando os diferentes assuntos interiormente; ele permanece
observando os diferentes assuntos exteriormente; ele permanece observando os diferentes
assuntos interiormente e exteriormente.12 Ele permanece observando o aparecimento dos
diferentes assuntos e permanece observando o desaparecimento dos diferentes assuntos. Ele
permanece observando a originação e a dissolução dos diferentes assuntos.
"Eis aí os diferentes assuntos" - esta introspecção está presente nele, somente para o
necessário conhecimento e reflexão; e assim ele permanece livre e não se apega a nada deste
mundo.

É assim, ó discípulos, que um discípulo permanece observando os Cinco Impedimentos.


Budismo - Psicologia do Auto Conhecimento
 
Ajuda prática para os outros

Joseph Goldstein:

Eu também tenho a firme opinião de que aqueles que praticam sinceramente o Buda Darma também deveriam servir à sociedade.

Com muita frequência temos como objetivo de nossas preces e meditações o que chamamos de “a felicidade de todos os seres sencientes”, mas quando nos levantamos de nossas almofadas de meditação, falhamos em ajudar de maneira prática nossos vizinhos e outros necessitados.

Sem a presença de nossos seres companheiros nem poderíamos praticar, e sem uma preocupação pelo seu bem-estar, nossa prática tem pouco sentido.

“One Dharma” (loc. 1268)
(traduzido no Brasil como “Dharma – O caminho da libertação”)


http://darma.info/trechos/2012/12/ajuda-pratica-para-os-outros/
 
Vidas mais amplas


Charlotte Joko Beck (EUA, 1917 ~ 2011):

É natural sermos egoístas, querer o que queremos; e inevitavelmente somos egoístas, até que vemos uma alternativa. A função do ensinamento em um centro como este é ajudar a vermos a alternativa e nos perturbar em nosso egoísmo.

Enquanto estivermos capturados pelo primeiro ponto de vista, governados pelo desejo de se sentir bem, em êxtase ou iluminado, precisamos que nos perturbem. Precisamos ficar incomodados. Um bom centro [de darma] e um bom professor auxiliam nisso.

Não venha a este centro para se sentir melhor, não é para isso que esse lugar serve. O que quero são vidas que se tornam mais amplas, para poder cuidar de mais coisas, de mais pessoas.

“Nothing Special”, loc. 873

http://darma.info/trechos/2012/12/vidas-mais-amplas/
 
Desequilíbrio sobressaindo do equilíbrio


Shunryu Suzuki (Japão, 1904 ~ EUA, 1971):

Viver no reino da natureza Buda significa morrer como um ser pequeno, um momento depois do outro. Quando perdemos nosso equilíbrio, morremos, mas ao mesmo tempo também nos desenvolvemos, crescemos.

O que quer que vejamos está mudando, perdendo seu equilíbrio. O motivo porque todas as coisas parecem bonitas é porque cada uma está fora do equilíbrio, mas ao fundo, o segundo plano está sempre em harmonia perfeita. É assim que cada coisa existe no reino da natureza Buda, perdendo seu equilíbrio contra um fundo de equilíbrio perfeito.

Então, se você ver as coisas sem compreender o fundo da natureza Buda, tudo parece estar na forma de sofrimento. Mas se compreender o pano de fundo da existência, você compreende que o próprio sofrimento é como vivemos, e como traçamos nossa vida. Então, no Zen, às vezes enfatizamos o desequilíbrio e a desordem da vida.

“Zen Mind, Begginer’s Mind”, loc. 285


http://darma.info/trechos/2012/12/desequilibrio-sobressaindo-do-equilibrio/
(traduzido no Brasil como “Mente Zen, Mente de Principiante”)
 
Fundação da prática


Gyatrul Rinpoche (China, 1924 ~):

Muitos de vocês são muito instáveis em sua prática e na vida em geral, com muitos altos e baixos, como uma gangorra. A razão principal para isso ocorrer é que vocês não têm a fundação necessária sobre a qual construir a estabilidade. Vocês falharam em cultivar um campo — o fluxo mental — puro e limpo para poder, então, aplicar às práticas.

O melhor jeito de fazer isso é completar as preliminares*. Muitas pessoas, mesmo após dez anos de prática, vão descobrir que ainda não estão fazendo muito progresso, e que os obstáculos e dúvidas ainda são abundantes. O único motivo para isso é a falha em preparar o campo da mente — realizar as preliminares antes de mudar para técnicas mais elevadas e avançadas, que a mente simplesmente não está pronta para receber.

Isso é verdade não apenas para praticantes budistas, mas também para cristãos, muçulmanos, hindus e todos os praticantes de todas as grandes religiões do mundo. Os princípios e preceitos básicos de todas as religiões verdadeiras são muito puros. O que você vê como impuro é apenas a inabilidade daqueles que aderem a elas.

Então para budistas, por exemplo, se você falhar em abraçar e internalizar os princípios e preceitos básicos da prática, então sua mente sempre será atropelada pelas cinco aflições mentais. Essas aflições negativas são o desejo, ódio, inveja, orgulho e ignorância. Elas são os obstáculos básicos que te impedem de fazer qualquer progresso real no caminho.

Na verdade, a função do treinamento preliminar é preparar o campo da mente para que você realmente seja capaz de colocar de lado as ilusões mais grosseiras e de fazer surgir suas qualidades ocultas. Isso permite a você efetivar sua verdadeira natureza de bodhicitta [mente do despertar], a mente que cuida dos outros mais do que de si.

“Meditation, Transformation and Dream Yoga”, loc. 742

* preliminares: no budismo vajrayana isso é chamado de “ngondro”, um conjunto de práticas essenciais que são acumuladas de modo similar a como um piloto em treinamento acumula horas de vôo antes de transportar passageiros.

http://darma.info/trechos/2012/12/fundacao-da-pratica/
 

A tradição budista lida com as suposições sobre a prioridade para o sucesso com um diagnóstico diferencial de oito partes chamado de “as oito preocupações mundanas”, oito direções para a busca da felicidade baseadas em suposições não investigadas. A fixação nessas preocupações subverte nossos melhores esforços, conduzindo ao sucesso falso ou frustração real.​
As oito preocupações mundanas consistem em quatro pares de prioridades: buscar aquisições materiais e evitar sua perda; buscar o prazer dirigido pelo estímulo e evitar o desconforto; buscar o elogio e evitar a crítica; e manter a boa reputação e evitar a má reputação. Essas oito preocupações resumem, em geral, nossa motivação pela busca da felicidade, e este é exatamente o problema. As oito preocupações mundanas — que não são erradas em si — são a base de nossa motivação, e é a motivação, mais do que qualquer outro fator, que determina o resultado da prática espiritual.​
Não há nada de errado em adquirir bens materiais — um carro, uma casa; e, inversamente, a pobreza não é necessariamente uma virtude. Não há nada de errado em aproveitar um pôr-do-sol, um bom livro, uma conversa agradável ou uma bela música. Não é errado ser elogiado. Ser amado e respeitado pelos outros também não é errado.​
Por outro lado, não é ruim ser criticado pelos outros se você estiver levando uma vida benéfica e significativa. Muitos praticantes bem-sucedidos no darma estão contentes e felizes vivendo em total pobreza. A reputação pode melhorar e piorar, mas é possível que o contentamento permaneça constante. A verdadeira fonte da felicidade não está no domínio das oito preocupações mundanas. Ricos, pobres, elogiados, criticados, estimulados, entediados, respeitados, ultrajados — nenhuma dessas preocupações mundanas em si são fonte de felicidade. Nem impedem a felicidade.​
O problema é que, quando nos concentramos nas preocupações mundanas como um meio para a felicidade, a vida se torna um jogo de dados. Não há garantias. Se você aspira à riqueza material, pode não conquistá-la, e se conseguir, não há garantias de que será feliz. Se aspira ao prazer, quando o estímulo acabar, a satisfação também terminará. Não existe felicidade duradoura em sair correndo atrás do prazer. As pessoas que são respeitadas e famosas tendem a ter os mesmos problemas pessoais que as outras.​
A deficiência fatal das oito preocupações mundanas é que elas são Darma falsificado, modos mal dirigidos de buscar a felicidade e — ao confundir habitualmente as preocupações mundanas com o Darma genuíno — nossos esforços para atingir a felicidade genuína são continuamente sabotados.​

 
Cadeia de sentimentos anexos


Pema Chodron:

Quando alguém nos culpa, como reagimos? Quando perdemos algo, como reagimos? Quando sentimos que ganhamos algo, como reagimos? Quando sentimos prazer ou dor, é simples assim? Sentimos apenas o prazer ou a dor, ou há todo um encarte que vem junto?

Quando ficar curioso sobre essas coisas, olhe para elas, veja quem somos e o que fazemos, com a curiosidade de uma criança nova: o que parecia um problema se torna uma fonte de sabedoria. De modo bem único, essa curiosidade começa a desenraizar o que chamamos de dor do ego ou centramento egoísta, e vemos mais claramente.

“When Things Fall Apart”
(Weekly quote from Pema Chodron, 2012-06-13)


http://darma.info/trechos/2013/01/cadeia-de-sentimentos-anexos/
 
Jûgyû-no-zu
As Dez Figuras do Apascentar do Boi
Entre as várias formulações dos níveis de realização do Zen, nenhuma é mais amplamente conhecida do que as Figuras do Apascentar do Boi, uma seqüência de dez ilustrações com comentários em prosa e verso. É provavelmente por causa da natureza sagrada do boi na antiga Índia que esse animal veio a ser usado como símbolo da natureza primária do homem, ou natureza búddhica.

Os desenhos originais (nota Ecuador: pelo que pude perceber o conceito dos mesmos, pois há várias versões semelhantes, e escolhi uma com traços claros para colocar aqui) e o comentário que os acompanha são atribuídos a Kakuan Shien (Kuo-an Shih-juan), um mestre Zen chinês do século XII, mas ele não foi o primeiro a ilustrar por meio de figuras as sucessivas etapas da realização Zen. Existem versões mais primitivas da quinta e oitava figuras, nas quais o boi branqueia progressivamente e o último desenho é um círculo. Isso deixa subentendido que a percepção da unidade (isto é, o apagamento de qualquer concepção de si e do outro) era a meta final do Zen. Kakuan porém, julgando que isso estava incompleto, acrescentou mais duas figuras além do círculo, para tornar claro que o homem do Zen de mias elevado desenvolvimento espiritual vive no mundo secular de forma e diversidade e se une com a máxima liberdade aos homens comuns, inspirando-os, pela sua compaixão e irradiação, a andar pelo caminho do buddha. Essa versão foi a mais largamente aceita no Japão e se revelou no decorrer dos anos como uma fonte de instrução e inesgotável inspiração para os estudantes Zen.

Adaptado do livro Os Três Pilares do Zen (Editora Itatiaia).



1. Procurando o boi



O boi nunca se extraviou realmente, então por que procurá-lo? Tendo dado as costas à sua verdadeira natureza, o homem não pode vê-lo. Por causa de sua corrupção, perdeu de vista o boi. Repentinamente, defronta-se com um labirinto de caminhos cruzados. A ambição de ganhar terreno e o pavor da perda surgem como chamas extintas; idéias de certo e errado projetam-se como adagas.

Desolado através das florestas e aterrorizado nas selvas, ele procura um boi que não encontra.
Acima e abaixo, rios escuros, sem nome espraiados;
Em matas espessas ele percorre muitas trilhas.
Cansado até os ossos, com o coração pesado, continua a buscar algo que não pode encontrar.
Ao entardecer, escuta cigarras gorjeando nas árvores.



2. Encontrando os rastros



Através dos sutras e dos ensinamentos, ele distingue os rastros do boi. Foi informado que, assim como vasos de ouro de diferentes feitios são basicamente do mesmo ouro, também cada e toda coisa é uma manifestação do si. É, porém, incapaz de distinguir o bem do mal, a verdade da mentira. Não passou realmente pelo portão, mas tenta ver os rastros do boi.

Viu pegadas sem número
Na floresta e à margem das águas.
Em que distâncias vê ele a relva pisada?
Mesmo as gargantas mais profundas das mais altas montanhas
Não podem esconder o focinho desse boi que toca diretamente o céu.



3. Primeiro vislumbre do boi



Se ele apenas escutar atentamente os sons cotidianos, chegará à compreensão e no mesmo instante verá a verdadeira fonte. Os seis sentidos não são diferentes dessa verdadeira fonte. Em qualquer atividade a fonte está manifestamente presente. É algo análogo ao salto na água ou à liga na tinta. Quando a visão interior está corretamente focalizada, chega-se à compreensão de que aquilo que é visto é idêntico à verdadeira fonte.

Um rouxinol gorjeia num ramo,
O som brilha nos salgueiros ondulantes.
Ali está o boi, onde poderia esconder-se?
Essa esplêndida cabeça, esses cornos majestosos,
Que artista poderia retratá-lo?



4. Agarrando o boi



Hoje ele encontrou o boi, que tinha estado longamente corcoveando nos campos agressores e realmente o agarrou. Por tanto tempo ele demonstrou nestes arredores que não era fácil fazê-lo romper com os velhos hábitos. Continua com os velhos hábitos. Continua a ansiar por pastagens cheirosas, é ainda obstinado e indomável. Se o homem quiser domá-lo inteiramente, tem de usar seu chicote.

Ele precisa agarrar o laço com firmeza e não deixá-lo escapar
Porque o boi tem ainda tendências doentias.
Ora se precipita para as montanhas,
Ora vagueia numa garganta nevoenta.



5. Domando o boi



Ao surgir um pensamento, outro e mais outro nasceram. A iluminação traz a compreensão de que esses pensamentos não são irreais, já que brotam de nossa verdadeira natureza. É somente porque a ilusão ainda permanece que eles são considerados irreais. Esse estado de ilusão não tem origem no mundo objetivo, mas em nossas próprias mentes.

Ele deve segurar com firmeza o cabresto e não permitir ao boi vaguear
Para que não se extravie por lugares lamacentos.
Devidamente cuidado, torna-se limpo e gentil.
Solto, segue de bom grado a seu dono.



6. Montando no boi e trazendo-o de volta à casa



Cessou a luta, ganho ou perda não mais o afetam. Ele cantarola melodias rústicas dos lenhadores e toca os cantos simples das crianças da aldeia. Montando no boi, contempla serenamente as nuvens no alto. Não volta a cabeça na direção das tentações. Embora alguém possa tentar perturbá-lo, permanece impassível.

Cavalgando livre como o ar, ele volta animadamente para casa
Através da bruma a tarde, de capa e amplo chapéu de palha.
Aonde quer que vá, produz uma brisa fresca
Enquanto uma profunda tranqüilidade domina em seu coração.
Esse boi não precisa nem de uma folha de relva.



7. O boi foi esquecido, ele está só



No Dharma não há dualidade. O boi é a natureza primária; ele o reconheceu agora. Uma armadilha não é mas necessária quando se apanhou um coelho, uma rede torna-se inútil quando se pegou um peixe. Como o ouro separado da escória, como a lua que atravessa as nuvens, um raio de luz brilha eternamente.

Somente no boi poderia chegar à casa
Mas eis que agora o boi desapareceu
E o homem se senta, sozinho e tranquilo.
O rubro sol anda alto no céu
Enquanto ele sonha placidamente.
Ao longe, sob o telhado de palma
Jazem seu chicote inútil e seu laço inútil.



8. Esquecido do boi e de si mesmo



Todos os sentimentos ilusórios pereceram e as idéias de sanidade também se extinguiram. Ele não permanece no estado de "Eu sou um buddha" e supera rapidamente o estágio de "Agora me purifiquei do orgulhoso sentimento de que não sou buddha". Mesmo os mil olhos dos quinhentos buddhas e ancestrais não podem discernir nele uma qualidade específica. Se centenas de pássaros fossem agora juncar de flores o seu quarto, ele não poderia envergonhar-se de si mesmo.

O chicote, o laço, o boi e o homem pertencem igualmente ao vazio.
Tão vasto e infinito é o céu azul
Que não pode atingi-lo.
Conceito de nenhuma espécie.
Sobre um fogo ardente, um floco de neve não pode subsistir.
Quando a mente atinge esse estado,
Chega finalmente a compreensão
Do espírito dos antigos ancestrais.



9. Voltando à fonte



Desde o puro princípio não houve tanto quanto um grão de poeira para macular a pureza intrínseca. Ele observa o crescer e o descrever da vida no mundo, enquanto permanece imparcial num estado de imperturbável serenidade. Esse crescer e decrescer não é fantasma ou ilusão, porém uma manifestação da fonte. Por que então há necessidade de lugar por alguma coisa? As águas são azuis, as montanhas verdes. Só consigo mesmo ele observa a mudança incessante das coisas.

Ele voltou à origem, retornou à fonte,
Mas foi em vão que tomou suas providências.
É com se estivesse agora cego e surdo.
Sentado em sua cabana, não almeja as coisas que estão fora.
Os riachos serpenteiam por si mesmos,
As flores vermelhas desabrocham naturalmente vermelhas.



10. Entrando na praça do mercado com mãos serviçais



O portão de sua casinha está fechado e mesmo os mais sábios não podem encontrá-lo. Seu panorama mental desapareceu por fim. Segue seu próprio caminho, não tentando seguir os passos dos antigos sábios. Carregando uma cabaça, passeia pelo mercado; apoiado em seu bordão, volta para casa. Ele guia os estalajadeiros e os peixeiros no Caminho do Buddha.

Com o peito descoberto e descalço, ele entra na praça do mercado.
Enlameado e empoeirado, como sorri mostrando os dentes!
Sem recorrer a místicos poderes,
faz árvores secas florescerem de repente.



(Shien, Kakuan. As dez figuras do apascentar do boi com comentário e versos.
In: Kapleau, Philip. Os Três Pilares do Zen. Coleção Corpo e Alma.
Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1978. Pág. 313-323.)
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