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Budismo

O u repele o que te agrada? E atrai o que desagrada?
Rapaz, que coisa @Ecuador
Passados alguns dias esta sua frase não sai da minha cabeça. Num primeiro instante eu não gostei muito de ler ela. Mas de alguma maneira, parece que no modo automático que o dia a dia acontece, sinto que isso se aplica.
Valeu pela reflexão.
 
(28)
Os inimigos interiores, raiva, apego e assim por diante,
Não tem armas nem pernas,
Tampouco possuem coragem ou habilidades;
Então, por que fazem de mim seu escravo?

Guia do Estilo de Vida do Bodhisattva
Capítulo 4

Shantideva
 
(...)

Tudo o que passa a existir depende de tudo o mais. Nada surge por si só.

No budismo, geralmente falamos sobre "não-eu". Essa é uma idéia difícil de entender em inglês. O que queremos dizer é que o eu, como normalmente imaginamos, realmente não existe. Assim como o narciso é composto dos nutrientes que extrai do solo, da energia da luz solar, da água que o ajuda a crescer e das abelhas que polinizam, também somos feitos do ar que respiramos, da comida nós comemos, a água que bebemos, os antepassados que vieram antes de nós e tornaram nossa vida possível.

Mas isso significa que, como o narciso é composto de materiais não narcisos, não é um narciso? Claro que não! E da mesma forma para cada um de nós.

Em chinês, a palavra "não-eu" é wuwo, mas wu não significa "não" em chinês. Nega mais do que define. É indefinido. Não é fixo ou concreto. Wu conota fluidez, movimento e até esperança.

A realização de não-eu não é niilista. Significa simplesmente que o eu é algo diferente do que habitualmente supomos que seja.

No Chan, o vazio não é nada. E o nada não é nada. Poderíamos dizer "não-coisa" em vez disso. Nenhum eu pode ser melhor expresso como não. Não o não, não-.

Qual é o significado de não-eu? Infinitude.

(...)


Livre tradução de parte do texto de Guo Jun em: The Calligrapher’s Apprentice
 
"Quanto mais sutil nossa mente, menos dualista ela é - menos pronunciada é a aparência da existência inerente, ou coisas que existem como entidades localizáveis, "lá fora" em algum lugar. Nosso nível mais profundo da mente, chamado mente muito sutil ou mente da luz clara, é naturalmente bem-aventurado e não dualista. As coisas não aparecem "lá fora" para essa mente."

Luna Kadampa

 
De mãos vazias entrei no mundo
De pés descalços, eu parto.
Meu vir, meu ir — Dois simples eventos
Que se enredaram. - Kozan Ichikyo

A Iluminação é um processo destrutivo. E não tem nada a ver com tornar-se melhor ou mais feliz. A Iluminação é a desintegração da mentira. É Ver através da fachada da pretensão. É a completa erradicação de tudo que imaginamos ser verdade. – Adyashanti

OS BUDISTAS VÊEM A MORTE COMO UMA TREMENDA OPORTUNIDADE DE TRANSCENDÊNCIA PARA O ESPIRITUAL. MAS POR QUÊ?

Sem precisarmos fazer absolutamente nada, o processo pelo qual nós naturalmente passamos vai nos colocar cara a cara com a base da liberação. O grande Chögyam Trungpa Rinpoche famosamente descreveu essa base como “a bondade básica do ser humano”. No momento da morte, a mente se separa do corpo e, por uma fração de segundo, todos nós experienciamos a nudez da nossa natureza de buda, tathagatagarbha. Nessa fração de segundo, se a base da liberação for apontada e nós a reconhecermos, seremos liberados.

Colocando de outra forma: se você morrer num ambiente favorável, se uma pessoa qualificada estiver presente nessa hora para apresentá-lo à sua natureza de buda, e se você estiver receptivo a essa apresentação, poderá ser liberado. Portanto, sim, o momento da morte oferece uma oportunidade imensa.

O ato de ter a base da liberação apontada para você causa uma impressão poderosa no seu alaya. Assim, mesmo que você não se libere na hora da morte, na sua próxima vida, quando ouvir palavras como “natureza de buda”, “tathagatagarbha”, “bondade básica do ser humano” e “base da liberação”, elas soarão familiares ou trarão uma sensação de déjà vu, — ambos são sinais de que você é um bom recipiente para a prática de Mahasandhi.

Neste exato instante, sua natureza de buda está envolta pelo casulo do seu corpo físico, dos rótulos e nomes que você atribui a todos os fenômenos, das distinções que você faz, e dos seus hábitos, cultura, valores e emoções. O propósito inteiro do Darma do Buda é nos libertar desse casulo. Mas, para que possamos entender plenamente essa libertação, precisamos primeiro conhecer a base da liberação.

O QUE É A “BASE DA LIBERAÇÃO”?

É mais ou menos assim: imagine que você está sentado num sofá, numa sala muito pequena. De repente, tudo o que você quer é dançar. Então, você move o sofá para a sala de jantar. Você consegue mover o sofá porque, não importa o quão pesado e volumoso ele seja, ele é móvel, e o espaço para onde você o leva é intrinsecamente disponível.

Explicando de outra forma, a base da liberação — também chamada de “base do despertar” — é algo como um estado de sonho acordado. Quando temos um pesadelo, por mais aterrorizante que seja a experiência, nada acontece de fato porque, no momento em que acordamos, o pesadelo se dissolve sem deixar nenhum traço. O fato de que nada acontece é “a base da liberação”, a “natureza de buda”.

Assim, se não há nenhuma aranha na sua cama antes de você deitar, enquanto você dorme e quando você acorda, por maiores e mais cabeludas que as aranhas do seu pesadelo sejam, não há nem nunca houve uma aranha na sua cama. Em outras palavras: você não é o seu sonho. Ninguém experiencia sonhos de forma constante, apenas ocasionalmente. E porque você não é o seu sonho, você pode acordar. Se você o fosse, nunca seria capaz de despertar.

É a “base da liberação” que faz com que seja possível nós acordarmos da ilusão dessa vida, que se assemelha ao estado de sono. Para um budista que está morrendo, é extremamente encorajador saber que nesse momento nos é dada a todos a oportunidade de acordarmos para a base da liberação. Isso nos lembra de que a hora da morte é a grande chance que temos para despertar e atingir a liberação.

Mas é claro que todos esses exemplos e argumentos são baseados em conceitos budistas específicos. Sempre me pergunto se alguém que não é budista e, portanto, não conhece o jargão budista usado para descrever esses métodos seria capaz de aproveitar a oportunidade que a morte oferece. Talvez a morte só seja uma oportunidade quando olhada desde uma perspectiva budista.

CORTE TODOS OS EMARANHADOS MUNDANOS

Os grandes yogis budistas do passado, como Milarepa, costumavam ansiar de todo o coração por morrer em um local solitário e completamente sozinhos.

Ninguém para me perguntar se estou doente,
Ninguém para chorar minha morte:
Morrer sozinho neste eremitério
É tudo o que um yogi pode desejar.

Que os homens não saibam da minha morte,
E que os pássaros não vejam meu cadáver apodrecer.
Se eu puder morrer em retiro nessa montanha,
O desejo deste ínfimo ser se realizará.

Como um praticante budista, ainda que você saiba de cor e salteado que a morte é iminente e inescapável, provavelmente sua agenda estará sempre cheia de reuniões de trabalho e de eventos sociais. Quaisquer que sejam as suas crenças, haverá sempre umas férias de verão a serem planejadas, ou um natal em família, ou um jantar de ação de graças, ou uma festa de aniversário. Contudo, como eu já mencionei, não há nenhuma garantia de que qualquer um dos seus planos se realizará de fato. Agarrar-se à crença de que tudo vai dar certo apenas atiça a fogueira da decepção — lembre-se disto, é importante. A maioria dos problemas mais sérios da humanidade se origina da esperança cega e de suposições irracionais.

Quando a morte for se aproximando, tente desistir das suas preocupações mundanas. Pare de se preocupar com a sua família. Pare de fazer planos. Pare de pensar sobre o que você não conseguiu alcançar e sobre todos os compromissos da sua agenda.

Se você for corajoso e se sua situação lhe permitir fazer escolhas, normalmente é melhor não contar para o seu círculo maior de amigos e conhecidos que você vai morrer. Sobretudo para as pessoas espirituais, é importante se distanciar de preocupações mundanas desnecessárias que possam causar apreensão e ansiedade no momento da morte. Tantrikas devem, é claro, contar para o guru e para os amigos espirituais próximos que talvez sejam capazes de oferecer ajuda espiritual durante o processo do morrer e além. Mas tente se afastar dos seus amigos e familiares mundanos. Filhos(as), irmãos, irmãs, pais e mães não budistas muito dificilmente compreenderão o aspecto espiritual da sua morte, e sua dor e pesar poderão facilmente distraí-lo e preocupá-lo.

Os ensinamentos budistas recomendam que, quando a morte estiver chegando, nós sigamos o exemplo de um veado ferido e nos retiremos para um local solitário. Entretanto, na nossa vida mundana de hoje, é muito difícil que nós de fato consigamos escolher morrer sozinhos. Imagine o escândalo público que a mídia faria, as teorias conspiratórias e os processos judiciais que se seguiriam à descoberta de um cadáver em decomposição semanas após a morte! Para a maioria de nós, a total solidão na morte será impossível. Contudo, o que nós podemos controlar é quem sabe e quem não sabe sobre a iminência da nossa morte.

CONFESSE!

Traga à mente cada um dos seus pensamentos e atos vergonhosos, egoístas, negativos e confesse-os todos. Se você for um tantrika, também traga à mente e confesse todos os Samaias, votos e compromissos quebrados. Se puder, faça essa confissão cara a cara, seja para um lama ou para um(a) irmã(o) do Darma. Se nenhum dos dois for possível, confesse mentalmente. Em seguida, tome refúgio e renove seus votos de Bodisatva. Idealmente, tantrikas deveriam pedir a um(a) irmã(o) vajra que segue o mesmo guru para testemunhar a reafirmação dos seus votos de Bodisatva e Vajrayana.

LEMBRE-SE DO QUE ESTÁ PARA ACONTECER.

Comece a recordar a si mesmo sobre o que acontece no “doloroso bardo do morrer”. Lembre-se de que os estágios da dissolução podem acontecer todos ao mesmo tempo, um depois do outro ou numa ordem diferente, dependendo da sua situação particular. Portanto, é vital que você se familiarize com todos os detalhes antes de morrer. Se você sabe que vai morrer em breve — se foi diagnosticado com uma doença terminal, por exemplo — deve imediatamente retornar a estes ensinamentos para que, na morte, você saiba o que está acontecendo.

TOME REFÚGIO E GERE BODHICITTA.

Para os budistas, a mais simples das respostas à pergunta “como devo me preparar para a morte?” é: tome refúgio e gere bodhicitta.

O alicerce da sua preparação para a morte é a tomada de refúgio, que lhe apresentará muito do que você precisa saber e fazer. Despertando bodicita e “pensando grande”, você encontrará a coragem e a determinação necessárias para continuar na direção do seu objetivo de iluminar todos os seres, incluindo você mesmo, aconteça o que acontecer.

A sua disposição de morrer e renascer bilhões de vezes para seguir ajudando os seres em sofrimento colocará a morte em perspectiva. Assim, quando você estiver diante da sua própria morte, ao invés de ela ser um grande obstáculo, vai parecer pouco mais do que um pequeno revés.

À medida que você for se aproximando cada vez mais da morte, pense sobre e contemple bodhicitta tanto quanto puder. Inicialmente, isso vai lhe parecer falso, mas só porque você não acredita que é capaz de despertar a bodhicitta genuína. Desde este estado de espírito, é fácil se sentir decepcionado consigo mesmo e se considerar uma fraude. Pare de pensar assim! Tudo o que você precisa para gerar bodhicitta é o desejo de fazer os outros felizes, e você tem esse desejo. Você é generoso e bom. Você já fez pessoas felizes muitas vezes ao longo da sua vida, e fazê-las felizes te alegrou. Lembre-se disso tudo, pois isso prova que você tem a habilidade e a capacidade de querer fazer todos os seres sencientes felizes. Confie nessa habilidade. Desperte e desenvolva o desejo de ajudar.

É claro que haverá momentos em que você vai ansiar por dirigir sua BMW numa autoestrada alemã pela última vez. Ou, ao olhar para aquela mala tão querida, talvez você deseje profundamente visitar a Índia antes de morrer. Ou quem sabe você sinta vontade de viver o suficiente para ver sua sobrinha linda e gordinha ou seu sobrinho magrelo se casar. Nessas horas, é importante contemplar a bodhicitta absoluta.

BODHICITTA ABSOLUTA.

Será difícil pensar sobre a bodhicitta absoluta quando você estiver morrendo e na hora da morte. Por isso, contemple-a enquanto ainda está vivo.

PENSE:

A vida é uma projeção, a vida é uma miragem;
A morte é uma projeção, a morte é uma ilusão;
O nascimento é uma projeção, o nascimento é um sonho;
A própria existência é uma projeção, esta existência é um sonho.
Até mesmo o sabor do café é uma projeção, até mesmo o café é uma ilusão.

Lembre-se da natureza ilusória do samsara, por mais artificial ou falso que isso pareça — ideias costumam soar falsas até que a gente se acostume a elas. Esse fingimento é a melhor preparação para o momento da morte. E quando a morte chegar, você realmente vai precisar convocar toda a sua coragem.

Recordar que a vida é tão ilusória quanto um sonho ajuda a fazer com que vida e morte pareçam pouco mais do que um pesadelo. Morte e vida são ilusões, mas isto não significa que elas não existam. Café tem sabor de café, não de suco de laranja; ouro é ouro, não é latão. Aceitar que vida e morte são ilusões é reconhecer que tudo o que nós vemos e sentimos é uma projeção humana. Café não é café para um besouro; suco de laranja não é suco de laranja para um camelo; ouro não tem valor para um cachorro. Algumas projeções parecem valiosas enquanto outras parecem inúteis, e você deve distinguir entre as duas com base nos valores que aprende através de projeções humanas.

Quando você finalmente acordar para a iluminação, perceberá que tudo o que experienciou ao longo de trilhões de vidas foi apenas um sonho. É como derramar água fria sobre água fervente. Este tipo de contemplação ajuda.

FOQUE NA SUA PRÁTICA ESPIRITUAL.

Se você tiver a sorte de saber que irá, quase certamente, morrer dentro de um ano, um mês ou uma semana, então é claro que deve se concentrar na sua própria prática. Foque nas práticas mais fáceis porque você já vai morrer: não terá tempo de aprender uma nova filosofia ou de se acostumar a uma nova técnica, ou outra coisa do tipo. Para você, a prática mais importante, e que também é a mais fácil e a mais compatível com todos os seres, é se render ao Buda, ao Darma e à Sanga tomando refúgio e, se for um praticante Mahayana, gerar bodicita. Se envolva de pleno coração com estas práticas e faça preces de aspiração.

Se você for um tantrika, ofereça seu corpo na prática de Kusali enquanto ainda estiver vivo. Esta prática é particularmente boa porque ela se assemelha à prática de transferência da consciência no momento da morte (phowa).

DISTRIBUA SEUS BENS MUNDANOS.

Falando em termos práticos, uma vez que você souber que sua morte é iminente e certa, tente garantir que será feito um bom uso da sua propriedade e de seus pertences. Ofereça o que quer que você possua aos seres sencientes e à propagação do Darma — mesmo as menores coisas, como agulhas e linhas. Oferecendo tudo ao Darma, você se torna destemido. Também é bom fazer oferendas a instituições de caridade, hospitais, escolas e assim por diante.

ACOSTUME-SE À IDÉIA DE QUE A MORTE É IMINENTE.

Ainda que você seja suficientemente atlético e saudável para ganhar do Michael Phelps nos 200 metros borboleta, nunca é cedo para começar a se preparar para a morte.

Quando estiver pegando no sono, tente fazer a prática mencionada na página 47 (do livro Living is Dying, do qual este capítulo foi extraído). Convença-se a si mesmo de que você vai morrer durante a noite e anseie por renascer instantaneamente na terra de Amitaba. Quando acordar na manhã seguinte, lembre que toda a existência fenomenal é temporária.

SE SONHAR, RECORDE-SE QUE O SONHO É UM BARDO.

Originalmente, este capítulo foi escrito especificamente para budistas, mas, na verdade, qualquer um pode praticar estes métodos: budistas experientes, aqueles que recém descobriram os ensinamentos do Buda, agnósticos, ateus, aqueles que se importam com o morrer. Todo mundo.
_____________________________________________

Fonte: Como budistas se preparam para a morte - Revista Bodisatva

Capítulo extraído do livro Living is Dying: How to Prepare for Dying, Death and Beyond (2018), escrito por Dzongsar Khyentse Rinpoche e disponível na íntegra para download gratuito no site da Siddhartha’s Intent:

COMPLEMENTO DA LEITURA👇

Yongey Mingyur Rinpoche nos conta como ele enfrentou as crises de pânico e o medo da morte por meio da meditação: Meditando sobre a impermanência e a morte 👉 Meditando sobre a impermanência e a morte | Revista Bodisatva

Erik Pema Kunsang compartilhou conosco os ensinamentos que recebeu de seu mestre, Tulku Urgyen Rinpoche sobre o Bardo de Darmata, que ele preferia chamar de Bardo da Realidade Bardo da realidade - Revista Bodisatva
 
Certa vez, um iogue disse:

Primeiro, devido ao medo da morte, corri em direção ao Dharma.
Depois, treinei no estado da imortalidade.
Finalmente, realizei que a morte não existe e relaxei!

Geshe Kelsang Gyatso - Budismo Moderno
 
Precisamos contemplar e meditar sobre a nossa morte repetidamente, até obtermos uma profunda realização da morte. Embora no plano intelectual todos nós saibamos que vamos morrer, nossa consciência da morte permanece superficial. Como nosso conhecimento intelectual da morte não toca nosso coração, todos os dias continuamos a pensar: “Não vou morrer hoje, não vou morrer hoje”. Até mesmo no dia da nossa morte, estaremos pensando no que temos que fazer no dia ou na semana seguinte. Essa mente que pensa todos os dias “não vou morrer hoje” é enganosa – ela nos leva para a direção errada e torna nossa vida humana vazia. Por outro lado, meditando sobre a morte, conseguiremos gradualmente substituir o pensamento enganoso “não vou morrer hoje” pelo pensamento não enganoso “talvez eu morra hoje”. A mente que pensa espontaneamente, todos os dias, “talvez eu morra hoje” é a realização da morte. Essa realização elimina diretamente a preguiça do apego e abre a porta para o caminho espiritual.

Kelsang Gyatso - Budismo Moderno
 
Precisamos contemplar e meditar sobre a nossa morte repetidamente, até obtermos uma profunda realização da morte. Embora no plano intelectual todos nós saibamos que vamos morrer, nossa consciência da morte permanece superficial. Como nosso conhecimento intelectual da morte não toca nosso coração, todos os dias continuamos a pensar: “Não vou morrer hoje, não vou morrer hoje”. Até mesmo no dia da nossa morte, estaremos pensando no que temos que fazer no dia ou na semana seguinte. Essa mente que pensa todos os dias “não vou morrer hoje” é enganosa – ela nos leva para a direção errada e torna nossa vida humana vazia. Por outro lado, meditando sobre a morte, conseguiremos gradualmente substituir o pensamento enganoso “não vou morrer hoje” pelo pensamento não enganoso “talvez eu morra hoje”. A mente que pensa espontaneamente, todos os dias, “talvez eu morra hoje” é a realização da morte. Essa realização elimina diretamente a preguiça do apego e abre a porta para o caminho espiritual.

Kelsang Gyatso - Budismo Moderno
Conhecendo algumas pessoas bastante mais velhas ao longo de minha ainda não tão longa vida tive a impressão de que grande parte dos casos a pessoa estava "de boa" com a idéia de morte. Sinceramente, nos meus trinta e tantos anos eu já não tenho mais esse receio da morte que, certamente, me assolava quando um pouco mais novo. Sei lá, independente de crença sempre imaginei que a aceitação da "morte" (seja como o final ou como algo passageiro, inexistente, volta ao universo, considere como preferir) vinha naturalmente com a idade.
 
Como o venerável Milarepa diz:

Do ponto de vista da verdade última,
Nem mesmo os Budas existem.
Meditadores, objetos de meditação,
Solos e caminhos também não existem.
O corpo e a sabedoria resultantes não existem.
Portanto, [o estado] além do sofrimento não existe.
Tudo isso são, meramente, palavras e nomes designados.
Desde o princípio, todos os ambientes e os seus seres - dos três mundos -
Nunca existiram e não foram produzidos.
Não há fundação nem produção simultânea.
Não há ações nem o amadurecimento de ações.
Portanto, não há sequer o nome "samsara".
Eu percebi que tudo isso é o significado último.

Oceano de Néctar - Kelsang Gyatso
 
Baseado no que o @Ecuador disse em outro tópico, trago aqui minha pergunta em seriedade, para não tumultuar o outro tópico.

Eis a citação:

Um Buda surge de tempos em tempos para girar a roda do Darma

E meu questionamento, que faço abrindo um paralelo com o Cristianismo:

Então, segundo o Budismo, um "Buda encarnado" é tipo um "Jesus da vez" que vem para nos salvar que sem ele não conseguiríamos? Mas enquanto no Cristianismo só precisou vir um único Salvador uma vez, no Budismo um (de diversos) "Iluminador" (desculpe não ter termo melhor, mas estou traçando um paralelo) tem que ficar ressurgindo e ressurgindo e ressurgindo? Pode-se dizer, em termos leigos, que seria algo assim?

Se sim, por quê?
 
o Budismo um (de diversos) "Iluminador" (desculpe não ter termo melhor, mas estou traçando um paralelo) tem que ficar ressurgindo e ressurgindo e ressurgindo? Pode-se dizer, em termos leigos, que seria algo assim?


Em termos leigos, sim. De tempos em tempos surge um Buda capaz, ou com a incumbência, de girar a roda do Dharma, e iniciar um novo Budadarma. Porque? Há diversas interpretações, embora não sejam realmente necessárias. Por exemplo, cada era tem seres com carmas diferentes, e os ensinanentos budistas sempre são contextuais, ou seja, dependem de para quem estão sendo transmitidos, então, para cada conjunto de seres sencientes e carma, um Budadarma diferente. O próprio Buda de cada Budadarma deve surgir em um contexto que os seres sencientes tenham maior ligação cármica com ele para que os ensinamentos sejam mais eficazes.

Entretanto, o que tem início tem fim. O Budadarma se esgota e então deve surgir um novo Buda para girar a roda do Darma e iniciar um novo ciclo. Desde quando? De um ponto de vista samsárico, desde tempos sem início. Tem um fim para o Samsara? Tem mais de uma opinião. Mas de um ponto de vista último, talvez não seja importante. Como disse Nagarjuna, não há diferença essencial entre o samsara e o nirvana.

Lembrando que o budismo não é teísta. Ou seja, Buda não é Deus, como Jesus no Cristianismo. Ele é um modelo. Uma pessoa que já esteve no samsara mas que se livrou de todas as limitações de corpo e mente, e portanto uma demonstração que é possível.
 
Caminho do Meio significa que a natureza genuína dos fenômenos que vivenciamos está no meio, entre todos os extremos possíveis que possam ser concebidos pelo intelecto. A natureza intrínseca da realidade não pode ser descrita por nenhuma construção conceitual, por nenhum termo ou expressão convencional. Desse modo, ela não é existente, não é não existente, não constitui algo e também não constitui o nada, não é permanente nem extinta; não é ausência dessas coisas nem está no meio delas, já que isso também é um extremo produzido conceitualmente. A natureza autêntica da realidade transcende todas as noções que possamos ter sobre o que ela possa ser.

Khenpo Tsultrim Gyamtso - O sol da Sabedoria
 
Baseado no que o @Ecuador disse em outro tópico, trago aqui minha pergunta em seriedade, para não tumultuar o outro tópico.

Eis a citação:



E meu questionamento, que faço abrindo um paralelo com o Cristianismo:

Então, segundo o Budismo, um "Buda encarnado" é tipo um "Jesus da vez" que vem para nos salvar que sem ele não conseguiríamos? Mas enquanto no Cristianismo só precisou vir um único Salvador uma vez, no Budismo um (de diversos) "Iluminador" (desculpe não ter termo melhor, mas estou traçando um paralelo) tem que ficar ressurgindo e ressurgindo e ressurgindo? Pode-se dizer, em termos leigos, que seria algo assim?

Se sim, por quê?
Nesse kalpa, que é um kalpa considerado "bom" pois totalizará 1002 Budas, Buda Sakyamuni foi o quarto Buda. Um kalpa é um período em que um universo se forma, existe por um tempo, e desaparece. Houveram muitos kalpas antes do presente kalpa, alguns sem Buda algum, outros com bem mais Budas do que em nosso kalpa "médio".

Repare que um Buda não apenas atinge o nirvana, um Buda atinge iluminação completa, e quando estamos falando desses 1002, por exemplo, eles são Samasambudas, isto é, Budas que surgem sem a existência, naquele momento, do ensinamento restante de nenhum Buda. Isto é, são 1001 Budas que surgem nesse kalpa a partir de um estado em que os ensinamentos do Buda anterior não são mais sequer lembrados. Para cada Buda destes, que marca o início de um período onde existem os ensinamentos budistas, há centenas, milhares ou milhões... talvez bilhões, que ao longo do tempo em que seu ensinamento persiste atingem o nirvana. Durante o período de vida do Buda Sakyamuni, que foram 42 anos após ele atingir a iluminação, ele levou cerca de 500 praticantes ao nirvana. Muitos outros atingiram esse estado através dos ensinamentos de seus alunos ao longo dos tempos. Além do nirvana, muitos praticantes também se tornam efetivos Budas, mas como eles ainda estão num período em que os ensinamentos do Buda Sakyamuni estão preservados, raramente nos referimos a esses seres iluminados como Budas, embora existam alguns casos em que sim, praticantes ao longo do tempo que atingiram a iluminação também são chamados de Budas. Em todo caso, eles não entram na contagem dos 1002 Budas num kalpa bom: estes são Budas que surgem sem base no ensinamento preservado historicamente de outro Buda, só em possivelmente lembranças de terem estudado com eles em vidas passadas.

No link abaixo tem uma série de perguntas e respostas desse e de outros temas relacionados ao budismo. Para quem interessar.

 
Num certo sentido, a iluminação é perceber que não existe nenhum "eu" separado. Podemos ouvir isto cem mil vezes, "Não existe nenhum eu separado." Mas o que acontece quando nós trazemos isto para dentro e consideramos seriamente o que isto poderia significar? Nós iríamos descobrir que significa que tudo o que eu, como um eu separado, considero verdadeiro, não é.

O sabor de "nenhum eu separado" é totalmente libertador. "Nenhum eu separado" não significa que há uma experiência espiritual tal como, "eu me estendi infinitamente por toda a parte, e me fundi com tudo." Essa é uma experiência bela e maravilhosa para um "eu" separado ter, mas não é isso que é a Unidade. A Unidade não está se fundindo.

A fusão ocorre entre dois e uma vez que existe apenas Um, então qualquer experiência de fusão é uma ilusão se fundindo com outra, por mais linda e maravilhosa que essa experiência possa ser. Mesmo quando eu experimentei fundir-me com o absoluto, com o infinito, com Deus, isso significa simplesmente que o meu "eu" fictício se fundiu com outra ficção. Experiências místicas não são iluminação.

Adyashanti
Chega a causar um certo riso não é mesmo? Parece quase um paradoxo.

A busca do ego pela iluminação é a destruição dele mesmo. Assim ele nos ilude de infinitas formas nos fazendo acreditar que realmente está interessado em tal evolução.
...

O Homem é um deus enfaixado. O Tempo é uma faixa. O Espaço é uma faixa. A carne é uma faixa e do mesmo modo são faixas todos os sentidos e as coisas por ele percebidas. A mãe sabe que as faixas não são a criança. A criança, porém, não sabe.

- Mirdad
 
"Este corpo não sou eu.
Eu não sou limitado por este organismo.
Eu sou a vida sem limites.
Eu nunca nasci,
Eu nunca morri.
Olhe para o mar e o céu cheio de estrelas,
manifestações da minha mente,
verdade maravilhosa.
Desde antes dos tempos, eu sou livre.
O nascimento e a morte são apenas portas pelas
quais passamos,
limiares sagrados no nosso caminho.
Nascimento e morte são um jogo de esconde-esconde.
Então ria comigo,
segura minha mão,
vamos dizer adeus,
despedir-se, reunir-se novamente em breve.
Nós nos encontramos hoje.
Nós vamos nos encontrar novamente amanhã.
Nós vamos nos encontrar na fonte a cada momento.
Nós nos encontramos uns aos outros em todas as formas de vida"

No Death, No Fear: comforting wisdom for live. Riverhead Books, New York: 2002. p. 186

Thich Nhat Hanh (1926-2022)
 
"Este corpo não sou eu.
Eu não sou limitado por este organismo.
Eu sou a vida sem limites.
Eu nunca nasci,
Eu nunca morri.
Olhe para o mar e o céu cheio de estrelas,
manifestações da minha mente,
verdade maravilhosa.
Desde antes dos tempos, eu sou livre.
O nascimento e a morte são apenas portas pelas
quais passamos,
limiares sagrados no nosso caminho.
Nascimento e morte são um jogo de esconde-esconde.
Então ria comigo,
segura minha mão,
vamos dizer adeus,
despedir-se, reunir-se novamente em breve.
Nós nos encontramos hoje.
Nós vamos nos encontrar novamente amanhã.
Nós vamos nos encontrar na fonte a cada momento.
Nós nos encontramos uns aos outros em todas as formas de vida"

No Death, No Fear: comforting wisdom for live. Riverhead Books, New York: 2002. p. 186

Thich Nhat Hanh (1926-2022)
Isso ai soa muito ... eu nao tenho a burracheira a burracheira sou eu...
 
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