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Vários tópicos de poesia e comentários reunidos

O guardador de rebanhos - VIII

Fernando Pessoa
(Alberto Caeiro)

[213]


Num meio dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia
Vi Jesus Cristo descer à terra,
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.


Tinha fugido do céu,
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras,
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem


E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.


Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!


Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três,
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz


E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz no braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras nos burros,
Rouba as frutas dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.


A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas,
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.


Diz-me muito mal de Deus,
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia,
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.


Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
"Se é que as criou, do que duvido" -
"Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
mas os seres não cantam nada,
se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres".
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.
..........................................................................

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.


A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.


A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos a dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.


Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.


Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade


Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales,
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.


Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos,
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
.................................................................................

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu no colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
....................................................................................

Esta é a história do meu Menino Jesus,
Por que razão que se perceba
Não há de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?


http://www.releituras.com/fpessoa_guardador.asp
 
O guardador de rebanhos - VIII


Demorou mas alguém fez isso por mim, valeu!!

“Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é.
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem por que ama, nem o que é amar...”
 
Aproveitando o embalo do tópico (morto?) para me introduzir ao fórum com alguns poemas.
Esse vem de 11 de Novembro de 2010.

Pouco sabe o homem teonanacatlar
Não sabem os homens que andam sobre a terra,​
que são feitos de areia e barro os carneiros de ouro,​
os ídolos de aluvião que eles veneram,​
esses tolos a quem os homens adoram.​
Não sabem os homens que andam sobre a terra,​
que são feitas de luz e paixão as carnes que desprezam,​
os límpidos nuances condenados como sacrilégios venéreos,​
essas sutilezas as quais suas mentes tornam em vindouras.​
Pois fui até o laboratório mais elaborado onde laboram os sábios da ciência;​
e estive entre homens do progresso, da estirpe e espólio limiar à decência;​
e conheci pelos monges todos os mistérios da fé que ascenderam ao culumus;​
mas ali em todos esses lugares, não vi nada que já não estivesse no humus.​
Pois por muito tempo os segui, e por muitas eras lhes tive decoro:​
eis que por eras recrudesci em auxílio a putrefação de minha beleza e sapiência;​
mas então procurei por mim, e achei o brilho de liberação em ausência que hoje assumo,​
pois aqui nesses íntimos falares, não disse nada que já não estivesse no humus.​

Essa eu fiz agora.


Storia ideale eterna
Ela, Polidêixis, semilanceata​
Ele, Elêusis, pós-eleata​
Você, Exegeses, Narciso-lata.​
Acatalepsia, Ataraxia, Apatheia​
Sýnopse , Sócrates, Descarte​
Sinapse --< ela, ele, você.​
 
Tive uma ideia que me pareceu interessante. Outro dia, lendo um livro do modernista Murilo Mendes em um momento de expansão de consciência, deparei-me com alguns poemas que considerei bastante pertinentes a qualquer (aspirante de) visionário. Compartilho ambos a seguir, e gostaria de propor que vocês os lessem durante as brisas de vocês e postassem aqui suas impressões (vou me resguardar de fazer o mesmo, por hora, para não contaminar as visões particulares).

Overmundo

Os pinheiros assobiam, a tempestade chega:
Os cavalos bebem na mão da tempestade.

Amarro o navio no canto do jardim
E bato à porta do castelo na Espanha.
Soam os tambores do vento.

“Overmundo, Overmundo, que é dos teus oráculos,
Do aparelho de precisão para medir os sonhos,
E da rosa que pega fogo no inimigo?”

Ninguém ampara o cavaleiro do mundo delirante,
Que anda, voa, está em toda a parte
E não consegue pousar em ponto algum.
Observai sua armadura de penas
E ouvi seu grito eletrônico.

“Overmundo expirou ao descobrir quem era”,
Anunciam de dentro do castelo na Espanha.
“O tempo é o mesmo desde o princípio da criação”,
Respondem os homens futuros pela minha voz.

Poema da tarde

A tarde move-se entre os galhos das minhas mãos.
Uma estrela aparece no fim do meu sangue,
Minha nuca recebeu o hálito fino de uma rosa branca.
Todas as formas servem-se mutuamente,
Umas em pé, outras se ajoelhando, outras sentadas,
Regando o coração e a cabeça do homem:

E dentre os primeiros véus surge Maria da Saudade
Que, sem querer, canta.
 
Opa! :) estava procurando um tópico +o- assim! Vou postar dois "textos" que escrevi nessa ultima semana, tomara que caiba-os aqui.

Cotidiano Verossímil

Sol que ilumina servindo a vida
Brilha compondo a criação
Luz que nos envolve em energia
Essencial na imensidão

Girando na Gaia ao seu redor
Contemplando sua beleza
Vemos que faz o teu melhor
A mestra divina natureza

Grande ciclo perfeito
O Pai de todos elementos
A noite clareia nossa Mãe
Que faz vibrar os pensamentos

linda Lua la no céu
Todos liquidos a obedecem
Seiva, sangue, até o mel
Abelhas vivem, flores crescem

Regendo os fluxos da Rainha Terra
Influente calendário de prata
O teu perdão desfaz as guerras
Ensinou o sabio das matas

Forças que ninguem há contra
Maestram a eterna oscilação
A nenhum filho desaponta
Destinando-os a evolução

Salve as Estrelas que ensinam
Trazendo a tona essa Verdade
Selos Escudos que brilham
Guiando toda humanidade

Disse um Rei se exprimindo
Das seis pontas misteriosas
Que o Sagrado Amor é o caminho
Para que seja a Paz vitoriosa

Escutando a voz do Coração
O tambor ressonante de toda Alma
Tocando a musica da união
Com Fé, firmeza e muita calma
-------------------------------

Vistando

Quando pensei que era muito
Descobri que era mais
Sempre foi meu intuito
Ir em busca da Paz

Derepente percebo
Que a Paz é querer
Como se fosse um placebo
Com o minimo se surpreender

Atento a infinita rota
Escuto o vento soprar
Vejo numa parte decomposta
Um Divino fruto brotar

Fruto que expande a mente
Fazendo Um todo perceber
Transforma expectador inconsciente
Pulsando a maravilha do Ser

Quando passa a sensação
Resta se questionar
Mas não ha comparação
Que possa se afirmar

Então me jogo na rede
Tentando me pescar
Pois ha uma grande sede
Deste misterio desvendar

Nesse micelio virtual
Informações são nutrientes
Cada momento sem igual
Presença do presente

Na esperança alquimica
De um cultivo progredir
Gerando a pedra filosofal fungica
Para verdade dicernir
 
Última edição:
Rio Invisivel

Um dia, um índio me acordou,
Em meu leito quente de sono,
E sua forma foi se diluindo, aos poucos,
Como se fora um gênio saído
De alguma lâmpada de Aladim...
Mas sua feição austera em mim ficou.
Era como se dissesse, com seus olhos-fagulha:
“Acorda, curumim! Acorda, txai de minha alma!
Por quantos sóis e quantas luas ainda vais dormir?”.

Fui despertando, aos poucos, embora sem querer...
E, seguindo o rio invisível
De minhas lembranças esquecidas,
O poeta, que sou, percorreu um improvável caminho
Até se encontrar.

A dor de se ver como se é
Só vale pela alegria de não mais ser.

Deram-me, na cuia,
Beberagem forte dos xamãs!
A Ayahuasca, estuante sangue vegetal,
Seria, agora, o vinho a embriagar minha alma.
Meu rio invisível tinha cores, formas e sons!

Eu me senti um dervixe
Rodopiando... rodopiando...
Dentro e fora de mim,
Como se fora humano maracá.

E, novamente, o índio se apresentou
Com força, mas com amor.
Mas, agora, só via as penas de arara
De seu cocar do Astral...

Ele foi me trazendo para mim...
Até me resgatar.

E as ervas foram me puxando...
Me puxando... me fazendo entender
Que são plantas sagradas
No jardim da Mãe-Natureza.

Eu me senti conectado ao meu irmão gavião,
Ao meu irmão Sol,
À minha irmã Lua
E às minhas irmãs estrelas.
E, nas matas, me senti mais eu,
Pleno e depurado.

Que doce esse rio invisível
Que percorre minhas artérias,
Minha alma e meu coração!

Sou uno com as formigas,
Com as abelhas
E com as flores em gestação nas sementes.
Sinto o pulsar da Mãe-Terra
Na palma da minha mão!

Este rio invisível me completa
E me guia.
E quando me afoga é que eu mais respiro,
Porque me entrego às suas espirais de amor.

Este rio invisível,
Que percorre rios e cachoeiras
E murmura, nas pedras, mantras ancestrais
Que o tempo já esqueceu,
Nasce dentro de mim.

M. Henrique Poeta
 
Última edição:
Sacio a fome de meu corpo
com o fastio de minha alma:
vendo poesia.

[o poema só fica completo se estiver afixado em um poste com fonte: arial black 36. Licença: Livre para uso comercial]
 
Quando nasci, um anjo torto
Poema de Sete Faces
Carlos Drumond de Andrade
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
 
tópico dedicado ao vocalista e poeta Jim Morrison.


Curiosidade​

Digamos que estava a pôr à prova​
Os limites da realidade​
Estava curioso​
em ver o que aconteceria.​
Era tudo apenas curiosidade.​



Jim Morrison​
LA, 1969​
 
Lema do Sussa

O presente, ja foi, será, está, se dando
Recebi, amanhã, agradecerei, agora

Sou
Satisfeito, sendo, a imperfeição, da vida, perfeita
Levanto, caio, fecho o olho, caraio! hahaha
Num foi nada, que é tudo, pra mim, uma risada, kkkkkkk - disse o teclado
 
Última edição:
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