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Aqui discutimos micologia amadora e enteogenia.

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Vários tópicos de poesia e comentários reunidos

"NÃO FOSTE TU QUE ATIRASTE, MAS DEUS; AQUELAS FLECHAS ERAM DE DEUS, NÃO TUAS "

É a luz de Deus que ilumina a luz dos sentidos,
Esse é o significado de "Luz sobre luz".
A luz dos sentidos nos atrai para a terra,
A luz de Deus carrega-nos para os céus.
Como os objetos dos sentidos são de baixa condição,
A luz de Deus é um oceano, e a luz dos sentidos, uma gota de orvalho.
Mas aquela luz que está "sobre esta luz" não se vê,
Salvo por sinais e discursos santos.
Como a luz dos sentidos é opaca e densa,
Ela permanece escondida na pupila negra do olho.
Se não podes ver a luz dos sentidos com o olho,
Como podes ver com o olho a Luz da mente?
Se a luz dos sentidos esta escondida nesses grossos véus,
Não deve aquela Luz que é pura estar também escondida?
Como os sentidos, este mundo é governado por um Poder oculto.
Ele confessa sua impotência perante esse Poder oculto,
Que às vezes o exalta e às vezes o rebaixa.
Às vezes o faz seco e às vezes úmido.
A mão está oculta, no entanto vemos a pena escrevendo;
O cavalo está galopando, no entanto o cavaleiro esta escondido da visão.
A flecha foi lançada, no entanto o arco não é visto;
As almas são vistas, a Alma das almas (Deus) está oculta.
Não quebres a flecha, pois é a flecha do Rei;
Sim, é uma flecha do arco da Sabedoria.
"Não foste tu que atiraste quando atiraste",
foi dito por Deus;
A ação de Deus predomina sobre todas as ações.
Quebra tua própria paixão, não quebres essa flecha,
O olho da paixão toma o leite por sangue.
Beija essa flecha e leva-a ao Rei,
Embora ela esteja manchada com teu próprio sangue.
O que é visto é fraco, vil e impotente;
O que está oculto é forte e firme.
Nós somos a caça capturada; quem é o ardil?
Nós somos as bolas; quem é o taco?
Ele corta e remenda; quem é este alfaiate?
Ele abana e incita a chama; quem é este incitador?
Em um momento Ele faz do fiel, infiel,
Em outro, Ele faz do ateu, devoto!

Jalaluddin Rumi - MASNAVI
 
Que grande delícia afogar o olhar na imensidão do céu e do mar! Solidão, silêncio, incomparável castidade do azul! Um pequeno veleiro tremulante no horizonte, que imita em sua pequenez e isolamento minha existência irremediável, melodia monótona das vagas, todas essas coisas pensam por mim, ou penso eu por elas (pois na grandeza do devaneio o eu logo se perde!); pensam, dizia, mas musicalmente e pitorescamente, sem argúcias, sem silogismos, sem deduções.

Baudelaire
 
Sou como você me vê.
Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania,
Depende de quando e como você me vê passar..

E se me achar esquisita, respeite também.
Até eu fui obrigada a me respeitar.

Olhe, tenho uma alma prolixa e uso poucas palavras.
Sou irritável e firo facilmente.
Também sou calma e perdôo logo.
Não esqueço nunca. Mas há poucas coisas de que eu me lembre.

... Que minha solidão me sirva de companhia.
Que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Que eu saiba ficar com o nada
E mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo.

Clarice Lispector
 
De Adélia Prado:

Louvado sejas por que eu quero morrer, mas tenho medo
E insisto em esperar o prometido

Uma vez quando eu era menino
Abri a porta de noite
A horta estava branca de luar
E acreditei, sem nenhum sofrimento: LOUVADO SEJAS!
 
É primavera, e tudo lá fora germina, até mesmo o enorme cipreste.
Nós não devemos abandonar este lugar.
Próximo a borda do copo em que ambos bebemos, leem-se as palavras,
“Minha vida não me pertence.”

Se alguém viesse tocar alguma música, teria de ser uma doce canção.
Nós estamos a beber vinho, mas não através dos lábios.
Nós estamos a sonhar, mas não em nossas camas.
Esfregue o copo em sua testa.
Este dia se encontra além da vida e da morte.

Desista de desejar o que os demais possuem.
Nesta via estará seguro.
“Onde, onde estarei seguro?”, você pergunta.

Este não é um dia para se fazer perguntas, este não é um dia de algum calendário. Este dia é a consciência de si mesmo.
Este dia é o amante, o pão, e a gentileza, ainda mais manifestos do que os lábios poderiam dizer.

Pensamentos tomam forma através das palavras, mas a luz desta manhã vai além, ela é ainda mais antiga do que os pensamentos e a imaginação.

Esses dois estão tão sedentos... Mas é isto o que confere suavidade à água. Suas bocas estão secas, e eles estão exaustos.
O restante deste poema está demasiadamente embaçado para que eles consigam prosseguir na leitura.

Rumi

http://textosparareflexao.blogspot.com/2016/07/para-ser-feliz-parte-final.html
 
Eu sou provavelmente um dos homens mais perigosos do mundo, se eu quiser ser. Mas eu nunca quis ser nada além de mim.
Charles Manson
.​
 
O Arco

Que quer o anjo? chamá-la
Que quer a alma? perder-se
Perder-se em rudes guianas
para jamais encontrar-se.

Que quer a voz? encantá-lo
Que quer o ouvido? embeber-se
de gritos blasfematórios
até quedar aturdido.

Que quer a nuvem? raptá-lo
Que quer o corpo? solver-se,
delir memória de vida
e quanto seja memória.

Que quer a paixão? detê-lo.
Que quer o peito? fechar-se
contra os poderes do mundo
para na treva fundir-se.
Que quer a canção? erguer-se
em arco sobre os abismos.
Que quer o homem? salvar-se,
ao prêmio de uma canção.

Carlos Drummond de Andrade
 
O livro sobre nada
É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.
Tudo que não invento é falso.
Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
Tem mais presença em mim o que me falta.
Melhor jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.
Sou muito preparado de conflitos.
Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.
O meu amanhecer vai ser de noite.
Melhor que nomear é aludir. Verso não precisa dar noção.
O que sustenta a encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo.
Meu avesso é mais visível do que um poste.
Sábio é o que adivinha.
Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições.
A inércia é meu ato principal.
Não saio de dentro de mim nem pra pescar.
Sabedoria pode ser que seja estar uma árvore.
Estilo é um modelo anormal de expressão: é estigma.
Peixe não tem honras nem horizontes.
Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não desejo contar nada, faço poesia.
Eu queria ser lido pelas pedras.
As palavras me escondem sem cuidado.
Aonde eu não estou as palavras me acham.
Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
Uma palavra abriu o roupão pra mim. Ela deseja que eu a seja.
A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.
Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos.
Esta tarefa de cessar é que puxa minhas frases para antes de mim.
Ateu é uma pessoa capaz de provar cientificamente que não é nada. Só se compara aos santos. Os santos querem ser os vermes de Deus.
Melhor para chegar a nada é descobrir a verdade.
O artista é erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito.
Por pudor sou impuro.
O branco me corrompe.
Não gosto de palavra acostumada.
A minha diferença é sempre menos.
Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria.
Não preciso do fim para chegar.
Do lugar onde estou já fui embora.

Manoel de Barros
 
No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele
delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer
nascimentos —
O verbo tem que pegar delírio.


Manoel de Barros
 
de vez em quando eu sumo
desvio do canto e fumo
nimbus trazem chuvas
no limbo crianças cantam
inspecionando insumos
preocupa o tumor nos brônquios
ou o fulgor no céu noturno

essas plantas tem poder
sinto o cheiro das estrelas
Vênus brilha ao entardecer
no Boieiro tem Arcturus
terráquios em apuros
inconsciente sujo
finalizando cartas
dedicatórias pra um ser
que para muitos não é vencer

abro a janela do cosmos
só vejo matéria escura
o que pra muitos é frescura
para min é só transcender
lombras boas de viver
isso nunca vai morrer
isso sim vai me trazer o que eu quero
escrevo o que penso
canto o que escrevo
bom senso

mas antes de aprender a cair, respeito!
até a comida dos deuses nasce no esterco
vi meteoros e nem fiz pedidos
eu nunca oro e nem preciso disso
meus sonhos estão todos reconstruídos
onde a loucura virou combustível

mais misterioso que as linhas de Naska
percebo detalhes que o Hubble não capta.
 
Haikai

Na beira da estrada
o carro passou
e não disse nada

Autor: thiaguera
 
[Poema 5]


Ó asceta,

Como é difícil renunciar a Maya!

*

Quando renunciei ao lar,

Apeguei-me às roupas.

Quando renunciei às roupas,

Apeguei-me aos farrapos.

*

Renunciei à paixão,

E inflamei-me com a raiva.

Renunciei à raiva,

E enregelei-me com a avidez.

*

Quando venci a avidez,

Enchi o peito de orgulho –

Minha mente ainda presa

Na vaidade da renúncia.

*

Apenas quando a mente se aquietou,

Foi que enfim pude sorrir para Maya.

Antigas memórias e nova concentração

Fundiram-se então em minhas palavras.

*

Kabir diz: Escutai, meus bons irmãos!

Somente um em um milhão resolveu este mistério.
 
LIBERDADE

Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.

Sophia De Mello Breyner Andresen
 
O tempo

Tempo
Todos tem medo do tempo
Esse inimigo invencível do homem
Essa impossibilidade impossível de se possibilitar
Essa mentira
Que a gente inventou para não chorar

O tempo é relativo
Ele não existe
E existe
Saiba que nem tudo o tempo pode curar

Como pode decisões de dias
Alguém levar minutos para tomar?

Como pode o amor mais forte
Em segundos se transformar?

A resposta é simples,
O tempo é ilusão
Você pode vive-lo
Com o cérebro ou com o coração

Psilo

Paz, amor e muita poesia!​
Sempre reflito sobre o tempo igual a música time do pink floyd
 
Esses escritos eu publiquei em 2011.. não são propriamente poemas, mas na falta de um tópico mais adequado posto aqui:

Divagações de Certezas Outonais​

Papéis de bala voam iludidos como folhas secas. No meio delas, descoloridas de outono, ela assistia à dança do lixo fumando câncer comprado com orgulho e sem ressentimento. Consciência pesada mata mais que cigarro, aumenta a tendência ao ataque cardíaco. Fumando ou não, morremos da mesma forma. Como se hoje, de algum jeito, tivessem se tornado parte da natureza. Mas era mais um segundo de efemeridade transitória. Estaria condenada a enfeitiçar e queimar tristezas nos corações inocentes?

Inocentes? Queimar folhas é mais fácil que papel de balas. Pelo menos é natural, inocente é aquele que manipula sem saber, que sofre por não amar, ao contrário do amor, egoísmo em quatro letras. Ela sentia o troco gelado da esmola que pediu pra comprar o maço que carregava na ponta dos dedos. Poderia comprar mais balas, das baratas, de menta, de limão com gengibre ou pimentas desconhecidas ou. Poderia comprar mais cigarros, avulsos, baratos, falsificados, paraguaios. Iria garantir sua segurança em fumar, o seu não-temor aos efisemas, à traqueostomia, ao escuro.

A brasa ilumina seu rosto tanto quanto as folhas de papel alumínio rasgadas no meio fio, tanto quanto a lua virtual dos postes brancos fluorescentes, o doce das árvores, as balas, os plásticos de salgadinhos, recheados, copos de isopor amassados plantados na terra seca, inalterada da capital. As bitucas brotam nos canteiros, flores belas, no asfalto, só assim, Drummond, só assim, pensava.

O nascer podre, vertiginoso e caótico a confundia mas, mesmo assim, caminhar assim pela noite era tranquilizante. Aquele cheiro e aquela cor quase inexistentes, a voz do outro, a respiração do outro, a saudade do outro, o silêncio do outro. O céu ainda está azul, azul-cor-de-noite. Quando a noite é tão clara que parece final de tarde chuvosa. Ainda resta um azul. Passaram alguns meses da primavera e esse incenso só pode acabar lá, precisa de aroma das flores nascidas. E quem sabe de mais música de passarinho.

É quase inverno, mas aquela árvore tem flores rosadas. Quiçá um sinal no meio de toda essa mediocridade. Uma saída? O sol já foi há horas, e é sempre a única saída. Agora o fim do cigarro. Por entre as enormes construções ela sentia a luz, no máximo um feixe no meio desse caos estúpido. O vento encanado nessas enormes avenidas junto com o reflexo dos faróis dos autos-poluentes cegavam seus olhos e a faziam perceber o quanto enxergar pode ser bom, mesmo no caos. E que mesmo da parte mais imunda da vida, do submundo aonde a levamos, podemos tirar a luz.

A dependência a prendia nesse futuro-agora deprimente no presente que corrói o interior daqueles dependentes desse feixe de luz brilhante entre as torres. De sol, ou de farol. Alguma esperança resta, pensava, enquanto incrível e loucamente o sol e toda pureza da natureza resistiam e venciam a destruição cega do homem. E ela sabia, será essa raça infame, essa espécie destruidora a principal prejudicada por todos os transtornos que já acontecem, e que a maioria dos líderes e formadores de opinião, todos aqueles imbecis com os quais era obrigada a conviver, insistiam em dizer que está apenas no início.

Parecem uma pintura. Caos cosmos poemas. Ter esperança, afinal, não pode se confundir com sonhar o sonho impossível como um ingênuo alienado. A esperança é uma espécie de parteira do futuro desejado. Preferia, de certa forma, não desacreditar. Soava como música, pensamentos soltos, memes, Richard Dawkins, aprendeu há anos e não esquecia. Unidades de informação, formação das ideias ou parte delas, a transmissão de natureza tem a sua magia e renascimento e sobrevivência natural, redundante, porém verdadeiro. A partir disso, para ela era visível o quanto fazia parte de mais uma próxima geração de dinossauros segmentados.

Isso a aliviava! Seria extinta, enfim, a pior raça já existente. A fraternidade virá somente com a extinção, junto do homem, da ambição e da ganância, que são intrínsecas nessa humanidade suja e podre. Morin é, como tantos, mais um sonhador da unidade mundial. Mas ela já desacreditou.

***************************************************

Escritos ao Acaso​

Respirava feliz e celebrava a liberdade caminhando, dançando pelas calçadas, subindo e descendo ladeiras sem sentir a panturrilha. Lembrava como a felicidade é automática para quem não espera. Explorava novos-velhos-caminhos, lugares que já passou, outro olhar e pensava como é incrível e excitante. Tinha medo, mas o medo é tão bom que faz cócegas na felicidade, porque Dylan escreveu e seu amigo Fraga relembrou: "quando você não tem nada, não tem nada a perder". Dava medo, mas era excitante! É aquela sensação de acender um cigarro no outro, uma sede de café. Era bom, pelo menos pra ela.

Insônia, vícios, café, cigarro, a loucura natural a faziam pensar, e se quisesse ser saudável um dia, então não seria mais ela mesma? Consumia-se naturalmente, dali, também, todas as suas ânsias. Esse algo que precisa sair e explode em certas ocasiões. Eram um grupo com extremos e se encontravam por uma mesma ideologia, no infinito, igualzinho às linhas paralelas. Não suportava sinais fechados assim como noites tórridas e desperdício.

Encontrou Levy sentado na esquina, umas duas da madrugada, quando saiu de chinelos-verdes-de-pneu-com-meia-azul e calça-de-abrigo-curta-e-vermelha para comprar cigarros. Como ele a acalmava! Já tinha grandes amigos, mas grandes de velhos, grandes de muito tempo, grandes de começos pequenos e crescer juntos. Levy era pequeno, mas já era grande, era novo, um ano a menos, e com a cabeça nas alturas, transcendia o visível, suas portas estavam constantemente abertas, por isso não tinha vergonha de nada. Ele era como ela. Sentou entre ele e uma cachaça mendiga à sua espera.

- Levy, não lembro de nada. Nem da surra-sexual que o dito-cujo disse que aplicou em mim. Me lembro apenas de um detalhe, um frame noturno-crepuscular-amanhecido, mas que carrega o principal detalhe da noite. Impublicável.

- Eu te entendo, nem começa, o caminho está aberto, por que se preocupar? - ele a olha com seu mar tranquilo, sereno e reluzente, mesmo à noite. - Tudo é muita luz, voltar, viver, reviver e viver de novo.

- A saudade também é parte do passado, brilho de aluguel. - guardou o choro num gole de cachaça. - Quase mentira. Melhor seria não lembrar nunca, para evitar sofrer. Não viver, para também não cair nas mesmas armadilhas que nós mesmos montamos e esquecemos aonde.

- É preciso sofrer!

- Eu nunca vou saber, pois não controlo meu sofrimento nem a saudade que ainda vou sentir. - olhou para a garrafa já vazia. - Sofro e sofro. Hoje eu só quero que o dia termine bem. Simples desejo, lembra?

- É assim que se ama! Ter um sorriso no rosto sem perceber. Querer estar com alguém apesar desse alguém não ter nada a ver com você. - afirmava com uma certeza que a animou. - E quem me ensinou isso foi tu.

- Oh my God, estou sendo realmente-verdadeiramente-inegavelmente uma mulherzinha - brincou, mas sabia - porém, contudo, entretanto, eu sou uma mulherzinha e agora estamos no momento decisivo!

- Claro que não, porque se no outro dia se tu não lembrava nem da surra-sexual, ele não deve nem imaginar que tu lembra disso. La questión es o que vais fazer, camponesa-humilde-de-bom-coração?

- I really want it. Mas é extremamente extra-oficial e eu acho que só tu sabes disso!

Riram, só que ela ficou tão neurótica não sabe se da cachaça, da falta de cigarro, pela conversa ou pela angústia natural de amar e, por mais contraditório que fosse, ter medo, ela sonhou, a noite inteira, dormiu mal. Queria vê-lo e falar coisas inimagináveis, coloridas, secretas, fluorescentes. No seu sonho segurava seu braço bem forte e dizia as coisas mais cafonas que podem existir para serem ditas, mas seria feliz, liberaria aquela ânsia amorosa e degradante que mais parecia título de novela mexicana.

Têm coisas na vida que simplesmente não precisam de explicação.

O nervosismo, a ânsia, a náusea pelo medo e, ao mesmo tempo, pela aventura. É assim que começa. Porque o início, mesmo, foi na formação da blástula. Se caule, felogênio. A parte mais interna, mais densa do medo é também a mais pura. Um cheiro de arco-íris em dia de chuva cansativa que não molha, fria que não refresca, um dia de verão sem calor. Nesses dias inertes surge o arco-íris. Nele, esse cheiro de vontade, de tesão, de amor - a melhor parte do amor - que nos deixa com medo.

- É o que eu sei fazer de melhor. É o que me faz esquecer dos outros problemas, meus, do mundo e até daqueles que eu desconheço.
Assim, bem dia-a-dia usual é o que eu mais amo fazer. Estar contigo, escrever, tocar, colocar letras com letras que juntas criam sentidos que só nós dois entendemos. É tirar notas, tons, acordes de garrafas de cerveja, inventar novas combinações, músicas, na dança dos dedos, das mãos, das bocas.

E tem umas horas em que simplesmente se sabe. - Eu sei, te disse. Acho que tu acreditou. Acho porque acho que é assim como eu, acredito em tudo que tu proferes. Qualquer cuspe, vômito ou poesia que sair dali eu quero. Quero que absolutamente tudo dê tão certo, que até disso eu tenho medo e suo amor. Medo do meu exagero de amor. O amor por tocar, a vontade de te tocar, tocar as letras, tocar sons palpáveis, medir sonhos e amores no ar.

Eu não sabia o que era amor. É muito mais do que eu pensava. É ter cheia de admiração as mesmas dores diarréicas por medo. Eu não sabia o que era ter medo. Agora eu sei: não vivo sem ti, sem a tua respiração, sem a tua presença, para que eu possa correr sobre as letras e fazer a única coisa que sei: te (d)escrever.

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Considerações Metafísicas

Ali nos seus encontros cinematográficos, costurando corredores entre uma tomada e outra o colocaria na parede, literalmente - poderia até ser de madeira, cenário, papelão, uma parede sem endereço, ou qualquer outra bosta semelhante - e diria you make me love you, love you babe. Mas não, era horrível. Não dormiu, acostumada, como sempre a empenhar sonhos semanais para os sábados e domingos exatamente enquanto sua fonte principal brilhava reluzindo calçadas e cegando pupilas dilatadas de ópio. Achava inoportuna e infantil sua preocupação. Todas as preocupações na realidade são inúteis aos olhos dos outros e, a princípio, os seres não deveriam se preocupar tanto. Eram inúteis mesmo aos seus olhos. A vida é tão fácil.

Ligou para ele. Não nos falávamos havia, no mínimo, três anos. Não nos falávamos diretamente no plano físico, mas as trocas de energia, de vibrações coloridas, de pensamentos esvoaçantes, de apoio mútuo foram sempre constantes. Ele costumava falar exatamente o que ela precisava ouvir. As piores, mais subterrâneas, sub-espirituais, nonsense falas de amor e decadência. Ele era fluido, quase lânguido, escapando por qualquer vão, como água por entre os dedos, sem deixar sobrar uma só gota. Ele e tudo o que representava. Eu não queria, me sinto culpada. É verdade, não durmo há três dias. Psicoses nascem naturalmente de noites intranquilas e mal dormidas. Estava acordada há três dias e não tomava café. Não bebeu em nenhum desses dias. Nem remédio. Era uma luz, como o sol ao meio dia, próprio reflexo que cega, um carrasco de retinas. Os olhos fechavam mesmo quando recepções sensoriais mandavam-no, no reflexo mais alongado, fenderem-se para nenhuma luz, nenhuma ligação, nenhuma sensação, nenhuma companhia, nada. Só o seu sonho, só a felicidade bruta, escapando nas entradas da luz caótica que não entrava e aquele cheiro de mofo, um cheiro de podre fedia a cansaço a inveja e a expressão externa extinta estava cansada mais uma vez, já estava enfadada da limpeza diária do mijo do rato, por anos consecutivos. Compra um gato, they told her, bem capaz, não sairia de casa nunca mais e todos iriam pensar que era muito chapada, muito louca psicótica isso sim. Mas como não dormia há três noites e três dias pensava que essas ondas gigantes de ideias e planos assuntos impensáveis se a confusão externa estava sendo causada pela interna. Ruído privado. Veria que o rato na verdade estava morto dentro da gaiola de metal fluorescente há três dias, o cheiro é de morte, não de mijo, e a senhora, por respeito, não por idade, deveria comprar um gato, funciona melhor. Menos mão-de-obra e, no momento em que suas pupilas encontrarem o sol, o centro da circunferência em chamas, serão apagadas. Sumiram no ar, os olhos ardiam, o ar gelado entrava ceifando as paredes de seus débeis pulmões, injetando ácidos naturais no seu âmago enquanto absorviam o vento podre e sujo reduzindo incertezas, listras horizontais, denim, rosas francesas, divindades esculpidas em manteiga que, ao derreter, representam a beleza que de tudo acaba. Samsara, porém ontem não somos hoje o holocausto da sapiência. Vamos enrijecendo, tanto psíquica, quanto fisicamente, enquanto caminhamos para padrões atuais de duvidosa felicidade, a plenitude na renúncia perturbadora. Colapso de auto-consumo metafísico.

Ela flertava de longe e sentia-se tão plena como quando o vento gelado de inverno lambia seu rosto exposto ao sol, queimava de frio sua pele, de sair pedaços, de esbranquiçar, de quase não conseguir sorrir. Uma realidade aflita, instigante e dolorida como toda boa felicidade. Felicidade com medo do prazo. Ele estava ali, espreitava com olhos de luz, o mesmo olhar chamou sua atenção, que a deixava assim, de sentir o vento, de despertar aflita cheia-de-tremores e desejos, mas puramente feliz. Eles não tinham nada a perder, pensava. Ela não tinha. Pensava demais a cabeça doía o pulmão com ruídos de uma pneumonia mal curada mas sabe, eu não tenho nada a perder. Se esse sentir é demais para ele, ele é pouco pra mim. E não ia ficar segurando sentimentos, como doces, esperando a hora certa pra comer, depois dos salgados, porque essa hora pode nunca chegar, you know. Ela achava bom ser auto-suficiente e quase infeliz. Nada de gelo, só suor. Rosto molhado de medo e solidão, mesmo no frio seco do sul. Nunca mais. Não queria. Agora tinha encontrado, como aquela sua amiga from Yoguslavia lhe dizia, enquanto segurava o pandeirinho com fitas, o bom e o bem vêm porque passamos por toda essa lama. Lama. Depois ficou seca murcha sem som e sem cor pálida esquálida dura e. Depois ficou achando que teria que ser assim, perdeu bons amores, bons carinhos por causa da sua auto-suficiência ridícula. Como dizia Flor, era melhor e mais lucrativo virar puta no subúrbio do Chile, trazia mais experiência também, trabalhar em botecos baratos. Se chorou menos? Não. Muito mais. Como se água salgada, choro, pingos marcados, sulcos abertos na face demonstrassem sofrimento, quando a pior ferida é aquela que absorve tudo isso e esfria a alma. Chorou porque perdeu sem tentar. Não iria morrer sem nascer, mais uma vez.
 
Última edição:

uma vagina com snorkel

tenho uma vagina com snorkel
tenho uma vagina com snorkel

tenho uma vagina com snorkel

mergulho em todos seus sabores
nado na beira dos seus temores

e mal conseguem compreender
o ar que me preenche

tenho uma vagina com snorkel
uma vagina com snorkel

~~

por enquanto boio no topo do oceano
tão acima que acham profano

o único jeito dela respirar tão fundo assim
é um longo tubo de marfim

tenho uma vagina com snorkel
vagina com snorkel
tenho uma vagina com
uhhh
AH
tenho uma vagina com snorkel

~~

tenho uma vagina com snorkel
tenho uma vagina com snorkel

tenho uma vagina com snorkel

vimos formas de vida mágicas e coloridas
nisso as nuvens criavam sombras

tenho uma vagina com snorkel
vagina com snorkel
tenho uma vagina com
uhhh
uhh
uma vagina com snorkel
uma vagina com snorkel




Estou Eso

estou livre agora
para direcionar a lua
até o encontro
das ondas
soltei minha voz
no fim do mundo
até o derradeiro
paredão
para me revelarem
estou naquilo
aquilo que reflete
que dói explicar
que como o Sol
de repente chega e
sinto falta do abraço de deus

a manhã chega e sinto falta


foi sem querer
uma gafe
pode me chamar de sem noção

critiquei e admito
deus fez um mal trabalho

critiquei e admito
deus fez um mal trabalho
mas é bom o suficiente

~
preso o suficiente
suficiente para acordar
suficiente para ser livre
suficiente para dormir
~


estou livre agora
para direcionar a lua
até o encontro
das ondas
soltei minha voz
no fim do mundo
até o derradeiro
paredão
para me revelarem
estou naquilo
aquilo que reflete
que dói explicar
que como o Sol
de repente chega e
sinto falta do abraço de deus

a manhã chega e sinto falta


foi sem querer
uma gafe
pode me chamar de sem noção

critiquei e admito
deus fez um mal trabalho

critiquei e admito
deus fez um mal trabalho
mas é bom o suficiente
 

minmaxing



um olho na frente do outro
essa é a forma de vida
que desencadeia labirinto
para domar o tempo, estica
sonhos são pedras
enrolados em memórias
na bota-concha da cobra
que lambe a morte própria
e depois que morre
o veneno que sobra
é o espaço que escorre
o veneno que sobra
é o espaço que escorre

se afaste
mas continue sendo

se afaste
mas continue sendo

~

fraco pro corpo
átomos um com outro
fraco pro corpo
antes que seja sufoco
pare de se enganar
que aí a peçonha some
você vira outro
além mulher-homem
com fileira de olhos de
lente reversa olhando seus
nervos ópticos e recebendo
a vista de si mesmo agarrado
na imagem imersa do vasto
endo-salão de escrituras tortas
obras daquele que implantou
engrenagens inumanas
na pulsão-viva quase posta para
dissolver a psique que sobrou
ao arrastar a membrana sob
a superfície da geração
que se abre para receber
fragmentos que destroem
a luz que se recebe
sobrando espaço para vermos
como vermes de si, basta
moem os dentes, bebe os credos
onde eu sou sempre seu
e você sempre meu
 
moldes prontos para escória de ouro
furtando a utilidade para balançarem
não é pra isso que serve o útil puro?
espere até as antiguidades se vingarem

dei razão para existência das pedras
além de sustentar o ar que faísca cometas
somos arquitetos das cidades de fogo
já que ele aceso ascende aos poucos
tentei subir até o Sol mas percebi que a terra é uma pedra central
forjada no topo de um aro que fica no mostruário de Deus


agora encontrar significado
é mais do que um mero simples fardo
os vazios sabem para onde vão
e a loucura vem com sua proporção


sete bisturis na crosta terrestre
cada um é uma espécie de "sim"
eles cortam o que dizem ser testes
esqueceram que a prova é seu próprio fim

dando razão para o mundo ser carne
e o céu ser ossos do antigo encarne
ao prosseguir as estrelas são almas
num recipiente guardado ao lado das camas
tentei falar com a coisa nela mesma e acabei passando mal
os sete cirurgiões não sabiam onde colocar os olhos de Deus


agora encontrar significado
é mais do que um mero simples fardo
os vazios sabem para onde vão
e a loucura vem com sua proporção

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nas profundezas do que chamam de "eu"
encontrei solitário todo o mundo
conversei com um parente próximo de Deus
que é consenso gostarem de histórias que destroem o mundo
fiz uma oração com a criança que sabe de tudo
ela me disse que o coração da palavra se esconde no vazio dos muros
 
O mensageiro do Caos

Vê?
Como você é inverno
e eu a primavera?
Sente o frio que espalha e que a alma congela?
Que dá uma prova do doce e assiste a engolir o amargo?
Vê? Como ama um mês e declara a eternidade?
Vê? Como o sentimento disponível é rasteiro e insípido?
Vê, criança, a inocência perdida?
A cantiga que você cantarolava e que já foi esquecida?
Não há como exprimir ou desenhar na fugacidade.
O que você não entenderia uma eternidade.
A saudade sentida foi inserida num lugar vazio.
Somos iguais,criados na desordem, parte da mesma poeira anti cósmica.
O seu olhar reflete meu princípio vital.
Meu corpo ferido é uma condição natural.
Estou à deriva.
Não se apoie, não me espere.
Não serei a muleta do seu devaneio.
Eu que fiz do seu ventre um lugar seguro.
O leite materno um veneno eterno.
No útero da terra é um lugar escuro.
Eu nasci de todas as ofensas,
Eu sou a próprio flagelo
Meu nome não se pronuncia.
Risco o sigilo que me mostra o senhor da morte.
A foice é a certeza de que posso decepar o que você chama de mal
O mal que você bebe me alimenta e também e me
faz mais forte.
E o que é o mal?
Não há um escárnio que possa me denegrir.
Ou curto-circuito que me faça ficar no escuro.
Nem relâmpago que possa me atingir
Não há água que consiga me afogar
Nem fogo que possa me engolir.
Não há, anjo, um demônio que você possa frustar.
É preciso parar o corpo em exaustão.
Use o gládio, a serpente,o escorpião.
Sou o filho que
cravará a espada no núcleo, no cerne da terra profana.
Afie e use a segadeira com destreza e habilidade.
Testemunhe o sagrado sacrifício.
Foi tudo planejado para que
o barro seja aniquilado.
E o sangue que envolve o jarro se dissemine até que no abismo desta terra infértil,sem nenhum ruído e definitivamente,
No vazio descanse
No absoluto caos.
A luz invocada será desviada
para onde nunca deveria ter saído.

Regina Serpes 19/out/19

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Des re cons tru i ção
Antonio Artesan

Remove meus órgãos
Fratura minhas costelas
Parte meu coração
Reparte meus rins
Desregula meu pâncreas
Estilhaça meus lábios
Desenraiza meus cabelos
Cura meu esôfago
Vaza meus olhos
Arranha minha garganta
Despedaça minhas mãos
Dobra meus joelhos
Rompe meus tendões
Arrebenta meus pés
Fratura minhas vértebras
Remove meus pulmões
Arranca meus dentes
Arromba meus ouvidos
Mata minhas papilas
Seca minha língua
Come meu fígado
Apaga minhas digitais
Queima meu esôfago
Alimenta minha boca
Levanta meus pelos
Arrepia meus mamilos
Remexe meus quadris
Amassa minha cara
Violenta meus olhos
Rasga minha carne
Racha meu crânio
Devasta minha púbis
Rompe meu (ca)baço
Quebra meus braços
Subjuga meu estômago
Esvazia meus intestinos
Esmaga minha coluna
Despedaça meus dedos
Desvirgina minha boca
Apara minhas unhas
Pule minha careca
Me destrói
Parte sem aviso
Reparte meus bens
Desregula minha TV
Estilhaça minha família
Desenraiza minhas crenças
Cura minha miopia
Vaza minha senhas
Arranha meus óculos
Despedaça meus sonhos
Dobra minhas vontades
Rompe minhas cercas
Arrebenta meus muros
Fratura minhas paredes
Remove minhas grades
Arranca minhas portas
Arromba minhas janelas
Mata minhas plantas
Seca minhas garrafas
Come do meu prato
Apaga meu passado
Queima minhas panelas
Alimenta meu ego
Levanta meu ânimo
Arrepia minha alma
Remexe minhas gavetas
Amassa meus selos
Violenta meus cadernos
Rasga meus livros
Racha minhas ideias
Devasta minha paciência
Rompe minha resistência
Remove minhas defesas
Fratura minhas certezas
Quebra minhas regras
Subjuga minhas verdades
Esvazia minha esperança
Esmaga meus cristais
Despedaça meus vitrais
Desvirgina meus ideais
Apara minhas arestas
Pule minhas facetas
Me reconstrói
 
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