Esses escritos eu publiquei em 2011.. não são propriamente poemas, mas na falta de um tópico mais adequado posto aqui:
Divagações de Certezas Outonais
Papéis de bala voam iludidos como folhas secas. No meio delas, descoloridas de outono, ela assistia à dança do lixo fumando câncer comprado com orgulho e sem ressentimento. Consciência pesada mata mais que cigarro, aumenta a tendência ao ataque cardíaco. Fumando ou não, morremos da mesma forma. Como se hoje, de algum jeito, tivessem se tornado parte da natureza. Mas era mais um segundo de efemeridade transitória. Estaria condenada a enfeitiçar e queimar tristezas nos corações inocentes?
Inocentes? Queimar folhas é mais fácil que papel de balas. Pelo menos é natural, inocente é aquele que manipula sem saber, que sofre por não amar, ao contrário do amor, egoísmo em quatro letras. Ela sentia o troco gelado da esmola que pediu pra comprar o maço que carregava na ponta dos dedos. Poderia comprar mais balas, das baratas, de menta, de limão com gengibre ou pimentas desconhecidas ou. Poderia comprar mais cigarros, avulsos, baratos, falsificados, paraguaios. Iria garantir sua segurança em fumar, o seu não-temor aos efisemas, à traqueostomia, ao escuro.
A brasa ilumina seu rosto tanto quanto as folhas de papel alumínio rasgadas no meio fio, tanto quanto a lua virtual dos postes brancos fluorescentes, o doce das árvores, as balas, os plásticos de salgadinhos, recheados, copos de isopor amassados plantados na terra seca, inalterada da capital. As bitucas brotam nos canteiros, flores belas, no asfalto, só assim, Drummond, só assim, pensava.
O nascer podre, vertiginoso e caótico a confundia mas, mesmo assim, caminhar assim pela noite era tranquilizante. Aquele cheiro e aquela cor quase inexistentes, a voz do outro, a respiração do outro, a saudade do outro, o silêncio do outro. O céu ainda está azul, azul-cor-de-noite. Quando a noite é tão clara que parece final de tarde chuvosa. Ainda resta um azul. Passaram alguns meses da primavera e esse incenso só pode acabar lá, precisa de aroma das flores nascidas. E quem sabe de mais música de passarinho.
É quase inverno, mas aquela árvore tem flores rosadas. Quiçá um sinal no meio de toda essa mediocridade. Uma saída? O sol já foi há horas, e é sempre a única saída. Agora o fim do cigarro. Por entre as enormes construções ela sentia a luz, no máximo um feixe no meio desse caos estúpido. O vento encanado nessas enormes avenidas junto com o reflexo dos faróis dos autos-poluentes cegavam seus olhos e a faziam perceber o quanto enxergar pode ser bom, mesmo no caos. E que mesmo da parte mais imunda da vida, do submundo aonde a levamos, podemos tirar a luz.
A dependência a prendia nesse futuro-agora deprimente no presente que corrói o interior daqueles dependentes desse feixe de luz brilhante entre as torres. De sol, ou de farol. Alguma esperança resta, pensava, enquanto incrível e loucamente o sol e toda pureza da natureza resistiam e venciam a destruição cega do homem. E ela sabia, será essa
raça infame, essa espécie destruidora a principal prejudicada por todos os transtornos que já acontecem, e que a maioria dos líderes e formadores de opinião, todos aqueles imbecis com os quais era obrigada a conviver, insistiam em dizer que está apenas no início.
Parecem uma pintura. Caos cosmos poemas. Ter esperança, afinal, não pode se confundir com sonhar o sonho impossível como um ingênuo alienado. A esperança é uma espécie de parteira do futuro desejado. Preferia, de certa forma, não desacreditar. Soava como música, pensamentos soltos, memes, Richard Dawkins, aprendeu há anos e não esquecia. Unidades de informação, formação das ideias ou parte delas, a transmissão de natureza tem a sua magia e renascimento e sobrevivência natural, redundante, porém verdadeiro. A partir disso, para ela era visível o quanto fazia parte de mais uma próxima geração de dinossauros segmentados.
Isso a aliviava! Seria extinta, enfim, a pior raça já existente. A fraternidade virá somente com a extinção, junto do homem, da ambição e da ganância, que são intrínsecas nessa humanidade suja e podre. Morin é, como tantos, mais um sonhador da unidade mundial. Mas ela já desacreditou.
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Escritos ao Acaso
Respirava feliz e celebrava a liberdade caminhando, dançando pelas calçadas, subindo e descendo ladeiras sem sentir a panturrilha. Lembrava como a felicidade é automática para quem não espera. Explorava novos-velhos-caminhos, lugares que já passou, outro olhar e pensava como é incrível e excitante. Tinha medo, mas o medo é tão bom que faz cócegas na felicidade, porque Dylan escreveu e seu amigo Fraga relembrou: "quando você não tem nada, não tem nada a perder". Dava medo, mas era excitante! É aquela sensação de acender um cigarro no outro, uma sede de café. Era bom, pelo menos pra ela.
Insônia, vícios, café, cigarro, a loucura natural a faziam pensar, e se quisesse ser saudável um dia, então não seria mais ela mesma? Consumia-se naturalmente, dali, também, todas as suas ânsias. Esse algo que precisa sair e explode em certas ocasiões. Eram um grupo com extremos e se encontravam por uma mesma ideologia, no infinito, igualzinho às linhas paralelas. Não suportava sinais fechados assim como noites tórridas e desperdício.
Encontrou Levy sentado na esquina, umas duas da madrugada, quando saiu de chinelos-verdes-de-pneu-com-meia-azul e calça-de-abrigo-curta-e-vermelha para comprar cigarros. Como ele a acalmava! Já tinha grandes amigos, mas grandes de velhos, grandes de muito tempo, grandes de começos pequenos e crescer juntos. Levy era pequeno, mas já era grande, era novo, um ano a menos, e com a cabeça nas alturas, transcendia o visível, suas portas estavam constantemente abertas, por isso não tinha vergonha de nada. Ele era como ela. Sentou entre ele e uma cachaça mendiga à sua espera.
- Levy, não lembro de nada. Nem da surra-sexual que o dito-cujo disse que aplicou em mim. Me lembro apenas de um detalhe, um frame noturno-crepuscular-amanhecido, mas que carrega o principal detalhe da noite. Impublicável.
- Eu te entendo, nem começa, o caminho está aberto, por que se preocupar? - ele a olha com seu mar tranquilo, sereno e reluzente, mesmo à noite. - Tudo é muita luz, voltar, viver, reviver e viver de novo.
- A saudade também é parte do passado, brilho de aluguel. - guardou o choro num gole de cachaça. - Quase mentira. Melhor seria não lembrar nunca, para evitar sofrer. Não viver, para também não cair nas mesmas armadilhas que nós mesmos montamos e esquecemos aonde.
- É preciso sofrer!
- Eu nunca vou saber, pois não controlo meu sofrimento nem a saudade que ainda vou sentir. - olhou para a garrafa já vazia. - Sofro e sofro. Hoje eu só quero que o dia termine bem. Simples desejo, lembra?
- É assim que se ama! Ter um sorriso no rosto sem perceber. Querer estar com alguém apesar desse alguém não ter nada a ver com você. - afirmava com uma certeza que a animou. - E quem me ensinou isso foi tu.
- Oh my God, estou sendo realmente-verdadeiramente-inegavelmente uma mulherzinha - brincou, mas sabia - porém, contudo, entretanto, eu sou uma mulherzinha e agora estamos no momento decisivo!
- Claro que não, porque se no outro dia se tu não lembrava nem da surra-sexual, ele não deve nem imaginar que tu lembra disso. La questión es o que vais fazer, camponesa-humilde-de-bom-coração?
- I really want it. Mas é extremamente extra-oficial e eu acho que só tu sabes disso!
Riram, só que ela ficou tão neurótica não sabe se da cachaça, da falta de cigarro, pela conversa ou pela angústia natural de amar e, por mais contraditório que fosse, ter medo, ela sonhou, a noite inteira, dormiu mal. Queria vê-lo e falar coisas inimagináveis, coloridas, secretas, fluorescentes. No seu sonho segurava seu braço bem forte e dizia as coisas mais cafonas que podem existir para serem ditas, mas seria feliz, liberaria aquela ânsia amorosa e degradante que mais parecia título de novela mexicana.
Têm coisas na vida que simplesmente não precisam de explicação.
O nervosismo, a ânsia, a náusea pelo medo e, ao mesmo tempo, pela aventura. É assim que começa. Porque o início, mesmo, foi na formação da blástula. Se caule, felogênio. A parte mais interna, mais densa do medo é também a mais pura. Um cheiro de arco-íris em dia de chuva cansativa que não molha, fria que não refresca, um dia de verão sem calor. Nesses dias inertes surge o arco-íris. Nele, esse cheiro de vontade, de tesão, de amor - a melhor parte do amor - que nos deixa com medo.
- É o que eu sei fazer de melhor. É o que me faz esquecer dos outros problemas, meus, do mundo e até daqueles que eu desconheço.
Assim, bem dia-a-dia usual é o que eu mais amo fazer. Estar contigo, escrever, tocar, colocar letras com letras que juntas criam sentidos que só nós dois entendemos. É tirar notas, tons, acordes de garrafas de cerveja, inventar novas combinações, músicas, na dança dos dedos, das mãos, das bocas.
E tem umas horas em que simplesmente se sabe. - Eu sei, te disse. Acho que tu acreditou. Acho porque acho que é assim como eu, acredito em tudo que tu proferes. Qualquer cuspe, vômito ou poesia que sair dali eu quero. Quero que absolutamente tudo dê tão certo, que até disso eu tenho medo e suo amor. Medo do meu exagero de amor. O amor por tocar, a vontade de te tocar, tocar as letras, tocar sons palpáveis, medir sonhos e amores no ar.
Eu não sabia o que era amor. É muito mais do que eu pensava. É ter cheia de admiração as mesmas dores diarréicas por medo. Eu não sabia o que era ter medo. Agora eu sei: não vivo sem ti, sem a tua respiração, sem a tua presença, para que eu possa correr sobre as letras e fazer a única coisa que sei: te (d)escrever.
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Considerações Metafísicas
Ali nos seus encontros cinematográficos, costurando corredores entre uma tomada e outra o colocaria na parede, literalmente - poderia até ser de madeira, cenário, papelão, uma parede sem endereço, ou qualquer outra bosta semelhante - e diria
you make me love you, love you babe. Mas não, era horrível. Não dormiu, acostumada, como sempre a empenhar sonhos semanais para os sábados e domingos exatamente enquanto sua fonte principal brilhava reluzindo calçadas e cegando pupilas dilatadas de ópio. Achava inoportuna e infantil sua preocupação. Todas as preocupações na realidade são inúteis aos olhos dos outros e, a princípio, os seres não deveriam se preocupar tanto. Eram inúteis mesmo aos seus olhos. A vida é tão fácil.
Ligou para ele. Não nos falávamos havia, no mínimo, três anos. Não nos falávamos diretamente no plano físico, mas as trocas de energia, de vibrações coloridas, de pensamentos esvoaçantes, de apoio mútuo foram sempre constantes. Ele costumava falar exatamente o que ela precisava ouvir. As piores, mais subterrâneas, sub-espirituais, nonsense falas de amor e decadência. Ele era fluido, quase lânguido, escapando por qualquer vão, como água por entre os dedos, sem deixar sobrar uma só gota. Ele e tudo o que representava. Eu não queria, me sinto culpada. É verdade, não durmo há três dias. Psicoses nascem naturalmente de noites intranquilas e mal dormidas. Estava acordada há três dias e não tomava café. Não bebeu em nenhum desses dias. Nem remédio. Era uma luz, como o sol ao meio dia, próprio reflexo que cega, um carrasco de retinas. Os olhos fechavam mesmo quando recepções sensoriais mandavam-no, no reflexo mais alongado, fenderem-se para nenhuma luz, nenhuma ligação, nenhuma sensação, nenhuma companhia, nada. Só o seu sonho, só a felicidade bruta, escapando nas entradas da luz caótica que não entrava e aquele cheiro de mofo, um cheiro de podre fedia a cansaço a inveja e a expressão externa extinta estava cansada mais uma vez, já estava enfadada da limpeza diária do mijo do rato, por anos consecutivos. Compra um gato,
they told her, bem capaz, não sairia de casa nunca mais e todos iriam pensar que era muito chapada, muito louca psicótica isso sim. Mas como não dormia há três noites e três dias pensava que essas ondas gigantes de ideias e planos assuntos impensáveis se a confusão externa estava sendo causada pela interna. Ruído privado. Veria que o rato na verdade estava morto dentro da gaiola de metal fluorescente há três dias, o cheiro é de morte, não de mijo, e a senhora, por respeito, não por idade, deveria comprar um gato, funciona melhor. Menos mão-de-obra e, no momento em que suas pupilas encontrarem o sol, o centro da circunferência em chamas, serão apagadas. Sumiram no ar, os olhos ardiam, o ar gelado entrava ceifando as paredes de seus débeis pulmões, injetando ácidos naturais no seu âmago enquanto absorviam o vento podre e sujo reduzindo incertezas, listras horizontais, denim, rosas francesas, divindades esculpidas em manteiga que, ao derreter, representam a beleza que de tudo acaba. Samsara, porém ontem não somos hoje o holocausto da sapiência. Vamos enrijecendo, tanto psíquica, quanto fisicamente, enquanto caminhamos para padrões atuais de duvidosa felicidade, a plenitude na renúncia perturbadora. Colapso de auto-consumo metafísico.
Ela flertava de longe e sentia-se tão plena como quando o vento gelado de inverno lambia seu rosto exposto ao sol, queimava de frio sua pele, de sair pedaços, de esbranquiçar, de quase não conseguir sorrir. Uma realidade aflita, instigante e dolorida como toda boa felicidade. Felicidade com medo do prazo. Ele estava ali, espreitava com olhos de luz, o mesmo olhar chamou sua atenção, que a deixava assim, de sentir o vento, de despertar aflita cheia-de-tremores e desejos, mas puramente feliz. Eles não tinham nada a perder, pensava. Ela não tinha. Pensava demais a cabeça doía o pulmão com ruídos de uma pneumonia mal curada mas sabe, eu não tenho nada a perder. Se esse sentir é demais para ele, ele é pouco pra mim. E não ia ficar segurando sentimentos, como doces, esperando a hora certa pra comer, depois dos salgados, porque essa hora pode nunca chegar, you know. Ela achava bom ser auto-suficiente e quase infeliz. Nada de gelo, só suor. Rosto molhado de medo e solidão, mesmo no frio seco do sul. Nunca mais. Não queria. Agora tinha encontrado, como aquela sua amiga from Yoguslavia lhe dizia, enquanto segurava o pandeirinho com fitas, o bom e o bem vêm porque passamos por toda essa lama. Lama. Depois ficou seca murcha sem som e sem cor pálida esquálida dura e. Depois ficou achando que teria que ser assim, perdeu bons amores, bons carinhos por causa da sua auto-suficiência ridícula. Como dizia Flor, era melhor e mais lucrativo virar puta no subúrbio do Chile, trazia mais experiência também, trabalhar em botecos baratos. Se chorou menos? Não. Muito mais. Como se água salgada, choro, pingos marcados, sulcos abertos na face demonstrassem sofrimento, quando a pior ferida é aquela que absorve tudo isso e esfria a alma. Chorou porque perdeu sem tentar. Não iria morrer sem nascer, mais uma vez.