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E-Book Roger Heim - História da Descoberta dos Cogumelos Alucinógenos do México

Artigos & Livros details

Retirado do livro : Mandala - A experiência alucinógena. ed. civilização brasileira s.a. 1972 (original: Essai sur L'experience Hallucinogène - 1969).

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História da Descoberta dos Cogumelos Alucinógenos do México

Roger Heim

O CULTO ANTIGO

As relacöes dos primeiros viajantes espanhóis e as reliquias pré-cortesienses, os afrescos, as estatuetas e as cerâmicas, certamente anteriores a era cristã, ensinam-nos que o culto dos cogumelos sagrados do Mexico remonta a um passado longínquo, Desde o século XVI, alguns frades espanhois nos dão as primeiras indicações, aliás muito fragmentãrias, sôbre o uso, pelas tribos indias do Mexico meridional, dos cogumelos cujos efeitos singulares eram utilizados pelos adivinhos, durante as cerimônias rituais. F. Bernardino de Sahagün, Francisco Hernandez, Jacinto de la Serna tinharn assinalado o efeito narcótico e embriagador produzido pela absorc do teonanacatl, ou “carne de Deus”, e as alucinaçoes estranhas, os sonhos coloridos, as vêzes acompanhados de visôes demoníacas, de acessos de hilaridade, de excitação erotica, ou, ao contrário, por fases de torpor, ate mesmo de bem-estar, que a ingestão dêsses agáricos produzia; o partido, enfim, que tiravam desse estado, durante as ágapes que faziam parte da vida comunitária, os curandeiros, aptos então a revelar aos assistentes o futuro e, às vítimas vindas para consultas, o esconderijo dos objetos desaparecidos ou das esposas que haviam fugido.

Entre os dados que nos deixou a literatura antiga, os que Diego Duran apresenta em sun História de las Indias de Nueva España são particularmente preciosos. Dizem respeito as cerimônias que acompanharam e seguiram a sagracão de Montezuma II. Vejamos a tradução de linhas muito instrutivas a êste respeito:

“... Aos estrangeiros foram dados cogumelos silvestres, para que se embriagassem; depois disso, eles entraram na danca. Terminado o sacrifIcio e estando os degraus do templo e o patio banhados de sangue humano, todos foram comer cogumelos crus, alimento que fazia com que perdessem a razão, deixando-os num estado pior do que se tivessem tornado muito vinho: achavam-se a tal ponto bebedos e privados da razão que muitos se suicidavam e gracas ao poder dësses cogumelos tinharn visões e o futuro lhes era revelado, o Diabo falando com eles, enquanto estavam em estado de embriaguez”,

Sahagun, celebre historiador do Mexico, dedicou várias passagens de seu livro fundamental a comparar as propriedades dos teonanacatls empregados pelos astecas corn Os efeitos do cacto chamado peyote, descoberto provavelrnente pelos otomis e utilizado ainda hoje no norte do vale do Mexico e ate no Sul dos Estados Unidos, planta que os botãnicos chamam Lophophora Williamsii e da qual foi isolado o alcaloide hoje bem conhecido, a mescalina, de surpreendentes efeitos alucinatorios. “Os Chichimecas”, diz-nos Sahugun, “usavam o peyote em lugar de vinho ou de cogumelos”. Esta afimrnacao nos mostra a importância que então havia adquirido o uso dêstes ultimos na vida dos astecas. “Eles se reuniam em terreno plano, cantavam, dancavam a noite e o dia inteiros, E, no dia seguinte, choravam copiosamente, enxugando as lagrimas dos olhos”. O mesmo autor acrescenta que êsses cogumelos “nascem sob a grama nos campos ou nos brejos e são usados contra as febres e a gota. Aqueles que comem tem visões e sentem palpitacöes no coracão; tais visóes são as vëzes assustadoras e as vêzes risiveis. Os cogumelos excitam o desejo sexual”.

Destas relacoes e de outras resulta a constatação de que, na época pré-colombiana, os cogumelos sagrados eram consumidos em publico, que êsses costumes estavam muito difundidos e se aplicava em cerimõnias abertas, e não a portas fechadas, como se processaram depois que os monges espanhóis se entregaram a essas práticas profanas. E principalmente nas regiôes zapoteca, nahuatl, otomi, que êles eram usados de longa data, mas sabemos, graças a investigacôes recentes, que as regioes mazateca, chinanteca, chatina, mixe, mixteca, totonaca, e, provàvelmente, houasteca e tarasca devem ser acrescentadas a esta lista; sabemos que êsses cogumelos so deviam ser consumidos frescos — crus — ou secos, mas jamais cozidos ou depois de terem ficado em água fervente, Estas precaucôes se explicam pela natureza dos corpos quimicos responsâveis, solúveis na água.

AS PROVAS ARQUEOLÓGICAS

Foram estas precedentes indicacöes fragmentárias que, em 1953, colocaram na pista fecunda da etnomicologia nossos amigos R. Gordon e Valentina P. Wasson, aos quais nos associamos em exploracoes comuns, R. G. Wasson dedicou-se especialmente a procurar as próprias origens dos conhecimentos antigos, tais como os que as obras pós-cortesienses lhe forneciam, e a encontrar provas arqueologicas. Os afrescos de Teotihuacan, no vale alto da cidade do Mexico, lhe revelaram, no célebre local de Tepantilla, as figuraçöes murais próprias ao culto de Tlaloc, divindade do raio e das águas, onde chapeus de cogumelos se sucedem, esquematizados ate a extrema simplificacão de dois círculos concêntricos, alterando-se com conchas ao longo de um riacho

Essa proximidade pictórica com a aqua e o fato de serem esses cogumelos sagrados ligados ao Deus das Chuvas, pois são chamados “filhos das águas” — apipiltzin — pelos descendentes diretos e atuais dos astecas, correspondem a sua localização geografica e climãtica. São, na maioria, espécies higrófilas, digamos mesmo aquãticas (o psilocybe Zapotecorum cresce na agua) cruzando no limite das terras quentes e das terras frias, entre 900 — 1800 metros de altitude, nas zonas abundantemente molhadas pelas precipitaçöes atmosféricas, Wasson encontrou, em relacão ao período de Teotihuacan III, num afrésco de Teopancalco evocando os ritos da ernbriaguez, uma alternância sugestiva de conchas e de cogumelos. Mas são os cogumelos de Vera Cruz que fornecem a estas pesquisas as provas mais suqestivas.

Ha meio seculo mais ou menos, o Dr. C. Sapper foi primeiro a chamar a atencão para curiosos objetos arqueologicos encontrados principalmente na Guatemala, espécies de ídolos em forma de cogumelos, nos quais se julgou ver, a principio, representacôes fãlicas, Essas estatuetas de pedra foram estudadas pelo Dr. St. F. Borhegyi, que publicou uma monografia recentemente completada por suas observacôes sobre as cerâmicas e as microcerâmicas pintadas, do Sul e do Leste do Mexico. Os Wasson sugerem que essas esculturas “poderiam ser a expressão surpreendente de uma fase de um culto dos mayas das montanhas, culto desaparecido muito antes da chegada dos espanhóis”. Esta explica cão, com a qual concordamos plenamente, poderia estar ligada a própria origem das cerimônias anteriores, das quais Sahagún nos transmitiu o eco. R. G. e P. Wasson, no capitulo que dedicaram a êsses ornamentos pre-colombianos, em seu prirneiro trabalho de conjunto sôbre os problemas de etnomicologia estenderam-se sôbre esta extraordinãria interpretacão. Depois, o Dr. St. F. Borhegyi, com quem os Wasson tinham percorrido a Guatemala em 1953, atribuiu os mais antigos dêsses cogumelos de pedra ao século X, ate mesmo ao século XIII antes de Cristo, e os mais recentes a 800 e 900 anos depois de Cristo.
Tais esculturas, de 20 a 35 centímetros de altura, constam de um chapeu grosso e abaulado sustentado par um estipe sôbre o qual frequentemente são representadas figuras de animais, sapo, jaguar, quati e, a vêzes, um rosto humano. E principalmente nas montanhas da Guatemala que ainda se encontram semelhantes reliquias mayas — ha espécimes no Museu Rietberg, em, Zurique, e também em Washington, no Museu do Homem, e alhures — mas nenhuma lembrança do culto do qual os cogumelos sagrados foram antigamente o objeto subsiste nas regiôes de origern. O Dr. Borhegyi, no entanto, descobriu duas narracôes indígenas muito antigas e muito sugestivas que fazem alusão a sacrifícios — cujo desenrolar as pedras suportavam — aos quais estavam associados os cogumelos. Wasson acredita que o culto hierático maya, muito antigo, era o apanágio de uma aristocracia de padres, que passou para o povo devido a perturbaçoes politicas e depois foi para o Norte, para os paises mexicanos onde se popularizou e onde persistiu ate nossos dias, ao passo que, pouco a pouco, todos os vestígios a seu respeito perdiam-se nos paises mayas.

A descoberta de cerâmicas pintadas é mais recente e nao menos digna de interesse. A mais espetacular, a mais demonstrativa também, a que dá a prova definitiva da propria natureza desses objetos, pertence hoje a coleção de Wasson, que a adquiriu no Mexico; provem dos arredores de Vera Cruz. Representa uma mulher sentada, tendo na cabeca uma espécie de turbante, o braco esquerdo erguido para invocar o poder divino, a mao direita pousada num cogumelo, sendo que a parte inferior do chapeu do cogumelo se funde como que para simular o himen partido. A feitura desta peca única é indiscutivelmente totonaca (pode-se encontrar no Museu do Homem uma estatueta de mulher totonaca que tem uma grande semelhanca com a que acabamos de descrever sucintamente).

O CULTO NO SECULO XX

Após os primeiros escritos dos viajantes espanhóis, fez-se um silêncio integral de três séculos sobre os cogumelos sagrados do Mexico, e ao botânico Richard Evans Schultes e ao etnologo Robert Weitlander que cabe o mérito de terem assinalado, ha uns trinta anos a persistência das cerimônias rituais associadas aos cogumelos sagrados no país mazateca.
R. Ev. Schultes publicou duas notas a ésse respeito, em 1939 e 1940, falando do pretenso cogumelo utilizado, o panaeolus sphinctrinus, especie cuja identidade especifica pude confirmar depois, mas que não era a que os indios utilizavam, tendo estes dado ao botanico americano especimes de um cogumelo estranho ao uso. Os Wasson, vivamente interessados por essas indicacoes, tiveram a sorte de, em 1953, conseguir de uma missionãria americana, Miss Eunice V. Pike, informacoes ineditas sôbre o emprëgo, pelos mazatecas da região de Huautla de Jirnenez, dos cogumelos alucinogenos e divinatórios, utilizados nas cerimônias que, evidentemente, lembrarm aquelas de que Sahagun nos fala, mas que o rito católico havia modificado notàvelmente.

Estas primeiras informações abriram ao Sr. e a Sra. Wasson, desde o mês de agosto de 1953, o caminho de Huautla, onde suas investigacoes foram frutiferas. Puderam reunir uma documentacão sôbre os nomes vernáculos apropriados aos cogumelos sagrados, recolher quatro espécimes déles, que me entregaram e as quais pude estudar, descrever e maioria, cultivar no laboratório de Criptogamia do Museu, a partir de seus esporos: uma, nova para a ciéncia, era frequentemente usada para fins divinatorios: relativamente comum, nativa nos pastos e campos de milho, foi chamada psilocybe mexicana Helm; outra, comum no estrume de vaca, identificava-se corno a stropharia cubensis Earle; uma terceira, parecida com o psilocybe do Sul dos Estados Unidos descrito por Murril com o nome de caerulescens chama-se var. Mazatecorum; a quarta, lignicola, pertencia ao género conocybe (C. siligineoides Helm). Melhor ainda, R. G. Wasson, sua mulher e sua filha tiveram a possibilidade de assistir as estranhas cerimônias noturnas, durante as quais o curandeiro Aurelio Carreras consumiu quatorze pares de psilocybe mexicana e trés de stropharia cubensis. O rito, do qual participam numerosos acessorios, foi depois descrito munuciosamente em inglês pelos Wasson, em seu primeiro trabalho, depois em lingua francesa por Wasson em nosso livro, publicado em colaboracão com êle, em 1958.

Mas foi em 1955 que os Wasson participaram pessoal mente dos ágapes mazatecas noturnos, presididos pela extraordinaria Maria Sabina. Tiveram alucinacões das quais nos deram as primeiras relacoes nos volumes acima citados: “formas geométricas ricamente coloridas, depois colunatas, patios de esplendor real, edifícios de cores brilhantes, visões em seqüências infinitas, nascendo umas das outras, cada qual emergindo do centro da precedente”. A noção do tempo é perturbada. “Todas as impressões visuais e auditivas ficam gravadas na memória como que por um buril”. Depois, Wasson repetiu a experiência em sua casa, em New York, ficando toda a cena então animada pela intensidade anormal das cores aparecidas, “Vi os céus de Greco girarem acima de New York”.

Antes, em maio de 1954, Wasson explorou a região mixe, aí encontrando vestígios de cerimonias análogas, embora diferentes nos detalhes, ao passo que em julho de 1955, em companhia de Robert Weitlaner, percorreu a região de San Agustin Loxicha, em território zapoteca, onde anteriormente o Dr. Bl. Pablo Reko em 1953 e o Dr. Pedro Carrasco em 1949 haviam constatado, durante uma viagem de investigação etnológica, que os cogumelos sagrados, assim como outras substãncias vegetais alucinógenas, ainda estavam em uso. Precisamente nesta região, pude estabelecer que duas espécies utilizadas pelos zapotecas eram ainda o psilocybe mexicana e o psilocybe a que chamei Zapotecorum, encontrado êste nos charcos e lugares ümidos abandonados.

Mas os ensaios culturais empreendidos no Museu de Paris, depois de 1955, com a ajuda de meu assistente Roger Cailleux, deveriam com o tempo mostrar-se proveitosos. A stropharia proveniente das primeiras coiheitas de Wasson frutificava perfeitamente sobre estrume, em condiçoes nao estéreis. Graças a êsses materiais vivos, eu deveria realizar pessoalmente em Paris uma primeira experiência de ingestão, em 18 de maio de 1956, poucas semanas antes da expedicäo que realizamos corn M.R.G. Wasson, a qual se juntou o etnologo frances Guy Stresser-Péan. Fiz um relato pormenorizado deste primeiro ensaio realizado a partir de 120 gramas de stropharia fresca, dose que hoje sabemos ser excessiva, pois correspondia, provàvelmente, a absorcão de mais ou menos 40 miligramas de substância ativa, ou seja, quatro vêzes mais que a quantidade considerada como eficaz e não perigosa, como revelaram estudos posteriores. Não falarei aqui sobre os fenomenos experimentados, que se aplicavam principalmente a modificacões óticas profundas, propicias a intensificacões fulgurantes e surpreendentes das cores, a uma excitacäo alegre, a uma duplicacao movel dos objetos. Os ensaios feitos em nós mesmos, independentemente, por Wasson e por mim, apesar das diferenças ligadas as particularidades genéticas de nossas respectivas individualidades, traziam a confirmacão dos experimentadores do século XX.

Nossas expediçoes de julho de 1956 vieram a princípio ampliar os conhecimentos reunidos anteriormente sabre os ritos em zona mazateca, na região de Huautla de Jimenez, centro de estudos para o qual Wasson havia anteriormente voltado sua atencäo. Novos documentos sobre as cerimonias presididas por Maria Sabina e dois outros curandeiros de Huautla juntaram-se aos precedentes. Participei, com G. Stresser-Péan, dos ágapes mexicanos e experimentamos todos os seus efeitos; registros sonoros de sessoes noturnas haviam sido realizados por R. G. Wasson e seu fotografo Al. Richardson. Sucediam-se inúmeras coiheitas de cogumelos alucinógenos na própria terra onde cresciam, Depois fomos ao território chatino, ao norte do istmo de Tehuantepec, na região de Jochila, onde três especies de cogumelos sagrados eram colhidos: o psilocybe Zapotecorum, que cresce nos charcos, e a var. nigripes do ps. caerulescens e, de novo, o ps. mexicana, Outra cerimonia abria-se a nossas investigacoes. Conduzida pelo curandeiro Balthazar, realizada durante o dia, tinha por objeto descobrir, sob a acao dos cogumelos, o diagnostico e o remêdio de uma afeccao que afligia um menino da aldeia a êle levado por sua avó.

Finalmente, duas excursões a região asteca, uma nos flancos do Popocatepetl, outra no vale do México revelaram-me ou confirmaram respectivamente a existência de dois psilocybes — anteriormente comunicados também por Wasson — utilizados pelos Nahua — aos quais eu atribuia as denominaçoes de Ps. Aztecoruin e Ps. Wassonii. Em 1956, eu havia também percorrido os Chiapas, aonde já fôra sozinho em 1952. G. Stresser-Péan acompanhou-me, da segunda vez, mas não pudemos encontrar nenhum psilocybe alucinógeno, nem percebemos vestigios de sobrevivência das cerimônias das quais os cogumelos pudessem ter sido o objeto. Logo se juntaram três grupos de documentos üteis: Teófilo Herrera, da Universidade do Mexico, ainda em 1956, depois Stresser-Péan e Weitlaner em 1957 me deram amostras e indicacöes sôbre o uso ao qual se prestava o psilocybe Wassonii. O ano de 1958 foi igualmente proveitoso: R. G. Wasson atingiu em julho a antiga região florestal do Rio Santiago, em território mazateca, e trouxe a espécie lignícola que identifiquei como o psilocybe yungensis Sting. e Sm., cogumelo achado anteriormente na floresta boliviana, por Rolf Singer, ao passo que Searle Hoogshagen me comunicava, no mesmo mës, da região mixe, a existência de inümeros espécimes de duas outras espécies que eu descrevia respectivamente pelos nomes de Ps. mixaensis e Hoogshagenii, e das quais fizemos a cultura, juntamente com R. Cailleux, obtendo da primeira, no laboratório, frutificaçoes espetaculares.

Depois, duas novas series de expedicoes ao Mexico foram feitas por Wasson e por mim mesmo, em 1959 e em 1961. Delas participaram igualmente Roger Cailleux e, das primeiras, Guy Stresser-Péan.
Em 1959, a região mazateca foi de novo o centro de nossas investigaçöes e por três vêzes pudemos explorar a magnifica floresta do Rio Santiago (onde as colheitas do psilocybe yungensis foram abundantes), assim como toda uma flora micológica silvestre. Os prados da região de Huautla ainda nos indicaram a presenca do psilocybe (principalmente mexicano), Hoogshageni Heim e aí encontramos o semperviva selvagem, descrito anteriormente em cultura, por mutacão do primeiro — problema genético que merecerá novos estudos. Aproveitei para explorar mais completamente a flora micologica da região mazateca. A segunda expedicao levou-nos de Mitla a Zacatepec, em territãrio mixe, onde as colheitas foram menos abundantes, mas onde colhemos o psilocybe mexicana e várias formas de caerulescens cujo uso ainda subsiste, embora enfraquecido. Durante êsse tempo, R. G. Wasson atingia, nesta mesma região, Cotzocon e San Pedrito Ayacaxtepec, onde os índios lhe entregaram espécimes de uma variedade clara — albida [creio q seja albina] — desta ültima espécie, que daí em diante consideramos como reunindo formas estáveis ligadas a microclimas diferentes e perfeitamente distintos, Depois exploramos a floresta de fagus mexicana de Zacatlamaya, ao sul de Zacualtipan, nos confins das regioes houasteca e totonaca, que nos deu uma especie inédita de psilocybe (Ps. fagicola Heim e Cailleux) brotando no humus dessa árvore, a mais meridional das faias americanas. Finalmente, a região totonaca de Villa Juarez e Necaxa nos deu os psilocybe mexicana semperviva e caerulescens, mas a sobrevivencia desses usos estava mais ou menos perdida nesta região. Em 1961, enfim, levei ao Mexico Roger Cailleux e um excelente operador cinematográfico, M. Pierre Ancrenaz, colaborador do Dr. Pierre Thevenard, com quem pudemos preparar, após esta data, um filme de longa metragem (mais ou menos duas horas e meia) em 35 milímetros, colorido, sôbre os cogumelos alucinogenos do Mexico e os diversos prolongamentos, cultural, quimico, psicofisiologico, aos quais seu estudo pôde conduzir, realizacão levada a efeito gracas a generosa contribuiçao financeira da Fundacão Singer-Polignac. Pudemos assim trabaihar no local, filmando e, ao mesmo tempo, fazendo a exploracào micológica, Após algumas dificuldades, pudemos, em Huautla de Jimenez, tornar as providencias necessàrias ao registro das manifestacoes provocadas pela absorcão dos cogumelos em casa de Maria Sabina, sua irma, suas filhas e seu cunhado, sessão noturna que será uma das mais espetaculares cenas do fume. Após térmos recolhido, apesar da séca, os psilocybes mexicana e semperviva e depois explorado a floresta de San Bernardino, atingimos a região mixteca; na sua parte central e elevada, perto da vila de San Miguel Progreso, travamos conhecimento corn o indio Agapito, que nos conduziu aos lugares onde crescem as duas espécies de Lycoperdons, conhecidas por sua acão sedativa, sendo uma delas o L. cruciatum (de segunda qualidade), Apesar da experiência pretensamente positiva a qual Agapito e o etnólogo americano Robert Ravicz se submeteram durante nossa estada ali, em San Miguel Progreso, ficamos um pouco céticos, M. Wasson e eu, quanto a ação real désses cogumelos que, segundo os indios, provocariam sonhos coloridos, durante os quais seriam dadas respostas a perguntas feitas em estado de vigilia. Por seu lado, R. G. Wasson foi para a região de Juxtlahuca (1,500 ms, de altitude), na Mixteca ocidental, dedicando-se ainda ao uso do psilocybe mexicana, principalmente em San Pedro Chayko.

Nesse meio tempo, Guy Stresser-Péan tinha percorrido, em novembro de 1959, o municipio de Misantla, que depende do Estado de Vera Cruz, nos vales da vertente setentrional da Sierra de Chiconquiaco, onde o uso divinatório de diversas drogas alucinógenas e, portanto, também do cogumelo, era difundido na ocasião. Hoje, o uso dos psilocybes restringe-se a alguns velhos curandeiros e a lembranca que dele guardam alguns informantes que se lembram do perigo decorrente da ingestâo em alta dose. Parece realmente que empregavam estas espécies na região totonaca para tratar de casos de espanto, doenca devida a perda da alma. Visões agradáveis e revelacoes relacionadas com os problemas que preocupam o sujeito acompanham esta consumacão com imersão na água onde se macerou uma pequena labiada aromâtica. A dose ideal désse psilocybe zapotecorum Heim var. elongata correspondente a sete exemplares em estado seco. As duas outras especies utilizadas, determinadas igualmente por nós mesmos, são uma forma de psilocybe yungensis — ou talvez cordispora Heim — e ps. caerulescens Murr.

Em setembro de 1960, Stresser-Péan dedicou-se a novas investigacôes nesta mesma região totonaca, onde encontrou uma grande espécie, o ps. Zapotecorum (assirn como, ao que parece, também no Municipio de Tenochtitlan) e os ps. caerulescens e ps. mexicana. Os relatos feitos pelos indios confirmaram o que tínhamos sabido por outro lado; uns, sob esta influência riem, outros ficam amedrontados, “Um doente pode chegar a saber (gracas a presenca de um parente que registre suas palavras) onde, quando e em que circunstâncias foi atingido pelo espanto. Pode então tomar as providéncias necessarias para que sua alma se reintegre ao corpo do qual saira, o que estabelece o bom equilIbrio do organismo”

Nossa ültima viagem realizou-se em meados de agosto de 1961, na região de Pahuatlan (1050 m de alt,), de onde atingimos Xolotla (1190 m) ao norte de Tulancongo (ao sul do limite entre as provincias de Vera Cruz e de Hidalgo), onde as informacoes pareciam indicar que ali era mantido o culto dos cogumelos sagrados. Mas esta excursão, através de um país suntuosamente belo, foi um fracasso. O encarregado das cerimônias omitiu-se, a sêca era terrlvel e não colhemos nenhurna espécie de alucinogeno. Pudemos, pelo menos, voltar a Villa Juarez e Necaxa e colhêr, numa época muito chuvosa, em companhia de Roger Cailleux, assim como haviamos feito dois anos antes, os psilocybes mexicana e semperviva, nos campos úmidos e nas matas de pinheiros e carvalhos vizinhos; pudemos, enfim, registrar várias seqüências de nosso filme sôbre a própria coiheita dos psilocybes alucinógenos.

A essas novas aquisicôes, poderiamos ainda acrescentar as de uma viagem de Henry K. Puharich, nos anos de 1960 e 1961, território chatino, de onde êsse colecionador me enviou os psilocybes zapotecoruin e caerulescens.

A CULTURA NOS “PSILOCYBES” ALUCINOGENOS REALIZADA EM PARIS​

Nesse meio-tempo, tinhamos abordado no Museu de Paris os problemas propostos pela cultura dos cogumelos alucinatôrios e vimo-nos forçados, a partir de 1953, a obter carpóforos, metôdicamente, com o auxIlio de nosso colaborador Roger Cailleux. Desde as primeiras tentativas, a cultura da stropharia sôbre estrume parecia viável e relativamente fácil, e foi por esse processo que os resultados apareceram desde 1955, levando-me a uma experiência positiva de ingestão. Após a expedicão de 1956, várias tentativas feitas corn algumas espécies de psilocybes pouco a pouco se revelariam proveitosas. Registramos suas etapas e, numa nota feita corn Roger Cailleux, mencionamos desde 1957 os resultados promissores, que experiências ulteriores confirmaram. O conjunto destas pesquisas permitiu-nos atingir os trés objetivos que nos tinhamos proposto: primeiramente, obter culturas puras, a partir da carne e dos espórios, de espécies alucinógenas (hoje, entre quatorze espécies ou variedades selvagens, onze são cultivadas em laboratórios), e estudar comparativamente seus micélios; em seguida, realizar a cultura de carpóforos sôbre estrume ou em Erlenmeyer, segundo as condicoes precisas do meio fisico-químico e da ambiência, procurando frutificacoes nas condiçoes rnais aptas a um estudo descritivo completo das formas; enfim, a partir destes resultados, reunir a quantidade de material necessário as investigaçães de ordem química e, depois, fisiológica.

Esses tres objetivos puderam ser completamente atingidos. Sucessivamente, os psilocybes mexicana, caerulescëns (variedades mazatecarum e nigripes), zapotecorum mixaeensis e, bem entendido, a stropharia cubensis e a espécie menor ps. yungensis, além da extraordinãria espécie “mutante” psilocybe semperviva, puderam, não somente frutificar, mas serem obtidas em abundãncia, o que permitlu precisar as particularidades fisionômicas, anatômicas e biologicas désses cogumelos. Melhor ainda, os sucessos excepcionais a que conduziu, nestas condiçoes, o psilocybe mexicana nos autorizaram a dar a esta cultura uma significacão restrita que o Dr. Albert Hofrnann, de Basiléia, iria explorar numa escala mais ampla.

Encontrei, realmente, uma colaboracão essencial por parte désse sábio químico, cujos trabalhos sôbre as substâncias indolicas e principalmente os alcalóides do fungo merecem fé, e também de Arthur Brack e Hans Kobel. Em primeiro lugar, era-nos permitido desenvolver as culturas do psilocybe mexicana do qual tinhamos notado, com R. Cailleux, em Paris, a segregacão, segundo várias origens de caracteres distintos, mas mantidos constantemente. Por outro lado, este cogumelo pequeno podia produzir, em cultura, escleródios, cujo peso variava de 5 a 10 gramas, mas podendo atingir ate 22 gramas para um tubérculo de 5 centírnetros de comprimento por 3,5 centímetros de largura. No laboratório de Criptogamia do Museu, 650 terrinas foram sucessivamente semeadas numa primeira série de ensaios, a partir de trés origens distintas de psil. mexicana, produzindo 1.070 gramas de cárpoforos secos. Logo em seguida, obtinham-se, na Basiléia, 2,350 kg de escleródios e micélios secos. Esses ensaios tinham posto em evidéncia as influéncias respectivas, de um lado, do teor do meio de cultura em substância nutritiva (mosto de cerveja, malte); do outro lado, o fluxo luminoso sôbre a formacão dos carpóforos e os escleródios e o contraste notável entre as condiçoes propícias a uma ou a outra das colheitas para uma mesma temperatura (20 a 24 graus C): os escleródios apareciam difícilmente a luz e, sem düvida, mais abundantemente na obscuridade, e para teores em mosto de cerveja relativarnente elevados (1,7 a 7%); os carpóforos, ao contrârio, so se formavam a luz, jamais na obscuridade, e para taxas rnuito fracas em matéria nutritiva (1 a 0,15%, o máximo correspondente a um teor de 0,3 a 0,4%). Sôbre éstes resultados, sobre os processos de cultura em estrume e as precaucöes tomadas neste sentido, ja antes nos estendemos longamente, principalmente em nosso trabalho de conjunto.



Outro bom resultado iria, enfim, charnar nossa atencão: independentemente das origens diferentes as quais a cultura do psilocybe mexicana levava, conforme as frutificacôes constantemente reproduzidas, de caracteres varietaux fixos, a partir de semeaduras de exemplares selvagens aparentemente idénticos, obtivemos um mutant, de origem aparentemente ainda própria ao psilocybe mexicana lato sensu e cujas particularidades fisionômicas, esporíferas, biológicas deveriam precisar-se pela cultura, conduzindo a um tipo específico estavel e surpreendentemente distinto dos exemplares selvagens primitivos. Esta espécie, mais poderosa, de teor mais alto era princípio ativo de frutificacoes dotadas de uma duracão de vida excepcionalmente longa — quatro a cinco semanas foi chamada psilocybe semperviva. Mais tarde tornaremos a falar do extraordinãrio interésse desta especiação.

Mas os ensaios e seus resultados deveriam levar a outro objetivo, que nos parecia essencial: o estudo qulrnico dos cogurnelos alucinógenos, a procura da natureza e da estrutura dos corpos responsáveis pelos efeitos provocados.

É este o histórico das contribuiçoes trazidas ao conhecimento, antigo e moderno, dos teonanacatls. Conviria acrescentarmos as notas descritas de R. Singer e Al. H. Smith, que acompanharam nossas primeiras publicacöes e as de nossos amigos mexicanos, Teof, Herreda e M. Zenteno e, enfim, as de Gaston Guzman, que estudou principalmente a divisão dos psilocybes alucinógenos e suas caracteristicas ecologicas.

O ASPECTO QUIMICO: PSILOCIBINA E PSILOCINA​

O resultado essencial das primeiras investigacoes de origem quimica pelo método cromatografico, investigacôes efetuadas gracas a obtencão em cultura de um material abundante, próprio do psilocybe mexicana e dos escleródios surgidos apenas em laboratório, em condiçoes de obscuridade e principalmente de alta nutricão, foi consignado numa primeira nota, assinada por A. Hofmann, R. Helm, A. Brack e H. Kobel, que apareceu em Experientia, depois na Revue Mycologie e, finalmente, em nosso trabalho coletivo. Neste último, assim como no presente volume, poderão ser encontradas as precisoes trazidas por Albert Hofmann sôbre as diversas etapas das pesquisas de ordem química que levaram sucessivamente a obtencão dos cristais de psilocina e de psilocibina, ao conhecimento de sua formula de contribuicào e a sua dupla síntese. Poderão ser encontrado, alias, nos relatos que publicamos em 1959 e depois em nosso trabalho sôbre os cogumelos tóxicos e alucinogenos o resumo das investigacões químicas sôbre a psilocibina e a psilocina, investigacões empreendidas por A. Hofmann e seus colaboradores. Lembremos aqui os resultados essenciais:

Se saturarmos de gas carbônico uma solução aquosa de psilocibina a fim de eliminar o oxigênio do ar, e se a aquecermos num tubo fechado a 150 graus [F?ouC?] durante uma hora, a molécula, por cisão hidrolítica, partir-se-á em uma molécula de hidroxi-4-dimetiltriptamina e uma molécula de âcido fosfórico.

Hofmann ja havia mostrado em 1959, juntamente corn Stoll, Trouxler e Peyer, que os insômeres do hidroxi-indol eram reconhecidos pelos caracteres bem particulares de seu espectro ultravioleta. É assim que podemos deduzir, pela marcha de curva de absorcao da psilocina, que se trata aqui de um derivado indólico em posicão 4, e a precisa estrutura dêste corpo, identificável a da psilocibina dephosphorylée pode ser mostrada gracas a um espécime auténtico de hidróxi-4-dimetiltriptamina obtido, alias, por síntese. Quanto ao ácido fosfórico, nós o precipitamos e identificamos sob a forma de sal amoníaco-magnesiano.

Tratando, pelo diazometano, a psilocibina em solucão metílica, Hofmann e seus colaboradores obtiveram um com posto neutro no qual entraram dois grupos meliticos; êle é identificável ao ester metílico do sal quaternário da psilocibina, Hofmann foi auxiliado na realização da síntese da psilocibina pelo fato — conforme ja o dissemos — de ter estado, anteriormente, associado a preparacão por síntese do benziloxi-4-indol; e assim que êle obteria, pelo método do cloreto oxálico, o hidroxi-4-dimetiltriptamina, que se mostra idéntico ao produto da hidrólise da psilocibina desfosforizada. Pela esterificacao do hidróxilo fenólico deste corpo por meio do cloreto de dibenzilfosforil e a cisão redutiva dos grupos benzilicos, voltamos a própria psilocibina. Espectros infravermelhos, pontos de fusão, formas cristalinas, solubilidades, reacôes de coloracão identificam-se perfeitamente aos dois corpos, natural e sintético.

Assim sendo, os trabalhos de Hofmann e seus colaboradores tiveramn como resultado pôr em evidência a existência da primeira substância indólica fosforizada que havia sido encontrada na natureza e do primeiro derivado natural da triptamina, no qual o sistema indólico seja substituído em posicão 4 por um agrupamento hidróxilo. O eminente químico Basiléia acrescentava: “Por sua estrutura, a psilocibina estã estreitamente ligada a derivados naturais da hidroxytriptamina, a bufetenina (hidroxi-5-dirnetiltriptamina), a bufotenidina (base quaternária da bufotenina). Além do mais, é ela aparentada com os alcalóides de acão psicotrópica, tais como a tabernantina, a harmina e a reserpina”.

Hofmann, alias, estava em boa situação para insistr ainda sôbre o parentesco entre a psilocibina e a dietilamida do ácido lisergico — ou LSD 25 — pois entre os derivados indólicos naturais, sômente a psilocibina, o LSD 25 e os alcalóides do fungo do centeio, aos quais se liga o LSD 25, oferecem um sitema indólico substituido em posicão 4.

Pouco depois, afinal, A. Hofmann e F. Troxier de monstraram irrefutàvelmente que a psilocina é idêntica a psilocibina desfosforizada. Acrescentaram que, de acôrdo com os primeiros resultados, as reaçöes psíquicas e somáticas, após aplicacoes perorales de psilocina, no homem, estão muito próximas das que produz a psilocibina. Dêstes fatos, resulta que o resto do ácido fosfórico, ligado a molécula da psilocibina, não é necessário para desencadear os efeitos psicofarmacológicos. Contrariamente ao que pudéssernos pensar após as primeiras análises, o átomo do fósforo não representa nenhum papel no mecanismo alucinogeno ou psicodisléptico ao qual se ligam as propriedades dos agáricos alucinógenos mexicanos.

A presenca da psilocibina e da psilocina estava, enfim, confirmada pelo estudo cromatográfico sistemàticamente aplicado a diversas espécies de psilocybes e da stropharia alucinógenos. Apos uma primeira nota que mostrava uma percentagem de psilocibina de 0,3% e de psilocina de 0,01% no psilocybe mexicana, e de 0,4% do primeiro corpo, de 0,03% do segundo na espécie “mutante” semperviva, as taxas forarn precisadas por novas anâlises das espécies de psilocybes mexicana, caerulescens var., mazatecorum, zapotecorurn, aztecorum, semperviva Wassonii e da stropharia cubensis que haviamos nesse rneio-tempo (1957) descoberto na Tailãndia e no Cambodja e cultivado, a partir dessas novas fontes, no Museu de Paris.

O ASPECTO FISIOLÓGICO:​
AS EXPERIÊNCIAS PRELIMINARES​
Estas experiências nos vêm, em primeiro lugar, é claro, dos múltiplos usos aos quais as populacöes indígenas do Mexico se entregaram e cujo eco, transmitido pelos viajantes espanhóis por ocasião da Conquista e logo após, foi transcrito acima. Três séculos de silêncio seguiram-se a êsses capítulos e a seus objetos, mas os ritos continuavam a suceder-se na noite, atrãs de portas fechadas de casas isoladas, no coração de regiões montanhosas do Mexico meridional.

E aos Wasson e depois a nós mesmos que competiria a verificaçao das surpreendentes propriedades dos teonanacatls com os proprios indios, durante suas cerimônias, de um lado, e, de outro, a luz do dia, em New York e em Paris. Quando a cultura semi-industrial foi realizada no Museu e depois largarnente aplicada em Basiléia, novas experiências a partir de cogumelos foram tentadas por Albert Hofmann, Arthur Brack, Hans Kobel, na Suíça; por Roger Cailleux, P. Nicolas-Charles, em Paris. Quando se extrairam os primeiros cristais de psilocibina, A. Hofmann e A. Brack verificaram seus efeitos, que se revelaram idênticos aos dos proprios cogumelos.

Dai em diante é que o estudo psicofisiologico e clínico da psilocibina seria empreendido sistemàticamente em Paris pelo Prof. Jean Delay e seus colaboradores Pierre Pichot, Thérêse Lemperière, P. Nicolas-Charles, Anne-Marie Quétin e, depois, na Suica, Alemanha, na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos, com experimentadores voluntãrios e normais, e também com doentes mentais. Acrescentamos, enfim, que Henri Michaux se dedicou, em princípios de 1959, a algumas experiências.

O conjunto destes dados estabeleceu que a absorcão, quer seja dos cogumelos sagrados do Mexico e das espécies aparentadas encerrando as duas substâncias isoladas — ou uma dentre elas — quer seja de dois corpos obtidos por sintese, produzidos em condiçoes favorãveis, segundo quantidades nem muito fracas nem muito fortes, na ordem de 8 a 15 miligramas de psilocibina, de mais ou menos 2 a 6 gramas de cogumelos secos, ou de 13 a 40 gramas de cogumelos frescos, conforme as espécies e as reatividades dos sujeitos, determina inümeras manifestacoes somáticas, sendo algumas constantes em todos o indivíduos submetidos a estas ações, outras variando conforme o capital genético dêsses indivíduos.

Mais tarde, a descoberta dos cogumelos sagrados do Mexico e a dos corpos responsáveis que êles encerram provocaram inúmeros estudos experimentais de ordem clínica, alguns orientados para o lado psiquiátrico, na ocasião em que jornalistas em busca de artigos sensacionalistas, repórteres de radio, vulgarizadores raramente bem informados e viajantes amantes de reclame davam a conhecer ao publico, frequentemente de maneira discutivel, os fatos e as investigações ligados a história de publicacoes iniciais.

Por outro lado, trabalhos ou brochuras, quer de literatos especializados no uso das drogas, quer de psiquiatras conhecidos, ou de especialistas em moléstias nervosas, vinham felizmente alargar o campo assim aberto. O escritor Henri Michaux, em texto cuja maneira e estilo podem inquietar certos espíritos ortodoxos, transmitia dados que nao deixavam de ser preciosos; os Drs. Cavanna e Servadio publicavam um estudo aprofundado sôbre suas experiências, vários colaboradores do Prof. Jean Delay dedicavam sua tese de medicina a essas questões. Contentar-nos-emos aqui em resumir o estado atual das conclusôes essenciais a que chegaram êsses diversos estudos.

OS EFEITOS SÔBRE OS INDIVIDUOS NORMAIS​
Foram as publicacöes iniciais de Jean Delay e de seus discípulos que primeiramente puseram em evidëncia, logo apôs os ensaios preliminares, a maioria das reaçöes observadas por individuos considerados normais. Esta documentação, juntamente com certas experiências registradas em nosso filme realizado com o Dr. P. Thévenard, feitas com pessoas que a isto se prestaram voluntàriamente, ja basta para dar uma idêia exata da amplidão e do interêsse das reações registradas. Vamos resumi-las aqui.

Nos indivíduos normais, podemos estabelecer os efeitos essenciais destas drogas da seguinte forma:

Efeitos somáticos
Midríase das pupilas (mais de 90%; diminuicâo da pulsacão e hipotensão em geral) — o que é contrário a ação provocada pela mescalina e pelo LSD 25 — astenia, sonolência, bocejos, sensaçao repetida de fome;
Congestão facial quase constante, congestão das mãos, acompanhadas de frio, ou de calor; suores frequentes;
Tremores analogos aos arrepios provocados pelo frio, formigamento caracteristico nos dedos, vertigens, cefaleias;
Modificacöes da sensibilidade cutãnea;
Andar ébrio;
Diminuicão da glicemia e da caliemia, nenhuma açao sôbre o eletroencefalograma;
Efeitos psiquicos e caracterologicos;
Perturbaçöes da atenção, extroversäo;
Modificacôes na percepcào do tempo e dos espacos — o tempo se encurta ou se alonga, os objetos se aproximam ou se distanciam — quer dizer: desregramento do tempo vivido e do espaco vivido, com ilusôes visuais, hiperestesia e alucinacões auditivas, modificacöes olfativas e hiperacusia, ambiência bizarra;
Visão acelerada e caleidoscópica do movimento;
Às vêzes disforia, com instinto de oposicao, de contradicao; excitação, ou simplesmente apreensão, perplexidade, mêdo, crises de angüstia;
Modificacoes do humor de tipo eufórico com loquacidade, jovialidade, familiaridade aumentada, crises imotivadas de riso;
Obsessão ligada a uma aproximacäo mnemônica, a uma reminiscência: uma imagem se impôe, reaparece incessantemente sob formas diversas, num animal fabuloso; constantemente, o vegetal se introduz;
As vêzes, sentido de situacôes cômicas, propensão as pilherias de mau gösto; frequentemente, satisfacao a respeito de si próprio — “Fui um gênio durante três horas” — e, no entanto, pobreza de raciocínio; enfim, fuga das idéias, dificuldade em fixar o pensamento e ate mesmo o vazio mental ou então alegria contemplativa, introversão, beatitude;
A despersonalizacão é observada em 70% dos casos, traduzida, seja por sensacöes psíquicas correspondentes a um verdadeiro desdobramento, seja por manifestação somáticas próprias a modificação da densidade do corpo, ou pela impressão de intrusão de organismos parasitas, a desrealizacão, a “perda da funcão do real” (P. Janet), chegando ao delírio, as vêzes agressivo, violento, inquietante.

Perturbacoes intelectuais
As palavras acorrem difícilmente, ate ser atingido o mutismo; o sujeito troca uma palavra por outra, não termina as frases, concentra-se num têrmo que repete, ao qual volta, que contempla como que com uma satisfacão admirativa, que envolve de um verbalismo confuso;
A escolha das palavras e frequentemente mal adaptada ao objeto em questão, ou os têrmos se contradizem: “Simplifico, mas introduzo detalhes”, “Bonito e monstruoso” (M . M.); mas as vêzes surge uma expressão imaginosa, feliz: “Mau como um ôlho de galinha”;
Insistência sôbre pontos sem importãncia, mostrando uma interpretacão inexata do valor dos fatos;
Leitura dificil, a ortografia torna-se incorreta, a caligrafia modifica-se, desarticula-se, aparece colorida (R. H,);
Insistiremos, enfim, sôbre êste aspeto: “Libertacao de uma memória dessocializada” (J. Delay), afluxo de lembrancas da infância, confusäo do presente e do passado.
Certos aspectos caracteristicos dêste quadro merecem ser examinados mais de perto. Parece que o fundo do indivíduo não fica prejudicado pela experiência. Em outras palavras, a prova psilocibiana revela modificaçoes, principalmente psiquicas, que rnerecem a análise de uma introspeccão psicologica. As reaçôes, eufóricas ou disfóricas, tem um sentido. Mas não são adquiridas. Não se criou o hábito.
De um modo geral, podemos dizer que as reminiscências interessam, nos planos prático e terapãutico.
Outro fato, raro, alias, do qual registramos um caso, juntamente com o Dr. P. Thévenard, concerne a aquisicão apos a prova, de uma qualidade que o paciente não possuía anteriormente e que êle registrou depois. A observacão aplica-se a um experimentador, M.E., que foi submetido a seis ensaios sucessivos. Durante a terceira sessão, sentiu de repente vontade de desenhar, o que realizou em condicões cada vez mais satisfatórias, quando antes não havia manifestado nenhuma disposicão dessa natureza. Primeiro seria uma ave de rapina estilizada, com suas garras. Ele traca as ondas do mar. Esquematiza numa linha dupla o ziguezague do rio. Com dois traços, representa o túmulo do Imperador — reminiscencia dos Invalides. Após a quinta experiência, dedica-se a espiral ate atingir o funil, que se torna uma obsessão. Depois, exprime o desejo de pintar. Dão-lhe tintas e pincêis. Ele rabisca. A principio serão sinais heráldicos, ate o typha dos egípcios, depois uma silhuêta de galo, com esporões proeminentes. Meses mais tarde, sente bruscamente, em seu estado normal, uma espécie de impulso imperativo que leva, a partir do galo da experiência, com seus esporöes, a desenhar no muro do quarto um Cristo, extraordinãrio pelo traco e pela firmeza, e tambêm um Adão e uma Eva de linhas incompletas mas harmoniosas; aparece — ainda — a silhueta de um galo digno de um artista. Assim, a experimentacão psilocibiana conduziu o paciente a uma aquisicão surpreendente; não se trata apenas de urna recordacão ligada a ação da droga; é a traducão imprevista de um talento que ela fez nascer. Mas traducão momentânea, logo desaparecida, pois o sujeito não conservou depois êsse poder nascido da prova.

A PSILOCIBINA NOS DOENTES MENTAIS​

É impossível resumir aqui o conjunto de estudos empreendidos neste campo. Contentemo-nos em lembrar que os efeitos somáticos — midriase, hipotensão, congestão facial, suor, astenia, sono — são mais ou menos os mesmos que nas pessoas normais; andar êbrio, sacudidelas, tremores, acontecem paralelamente.

Quanto aos efeitos psiquicos, são caracterizados em primeiro lugar por perturbaçoes do humor — euforia, jovialidade, sensacão de bem-estar. É interessante notar uma inversão do humor nos melancolicos. As veses, pelo contrário, trata-se de uma disforia, traduzindo-se por um mal-estar geral, fadiga com apreensão, perplexidade, ate mesmo ansiedade, principalmente quando o doente está merguihado num estado de sonho, de despersonalizacão A agitação é freqüente.

Os fenômenos intelectuais são deficitârios, com perturbacoes de concentração; as vêzes são de um tipo onirico que pode ser ansioso, ate erótico (êste ültimo aspeto não tem sido objeto de preocupacôes ate hoje, tanto em relacao aos experimentadores quanto aos doentes, mas Henri Michaux liga a êste tema relacoes (1964) próprias ao haxixe e a mescalina que, por serem expressas de maneira literária, nem por isso deixam de despertar sêrio interésse).

Os contatos com o mundo exterior traduzem modificaçôes que levam, por exemplo, os melancolicos a sorrir, os catatânicos a procurar um contato. Às vêzes desaparecem as reticências.

As perturbacoes da despersonalizacão não são raras.

As manifestacoes mais interessantes aplicam-se as evocaçôes, revivendo os doentes suas crises de angüstia ou cenas que podem të-los marcado no periodo que precedeu imediatamente o estado mórbido. A supressão das inibicoes permanece também como um dos resultados mais dignos de atencão.

De um modo geral, podemos considerar que existe grande semelhanca entre os efeitos da psilocibina respectivamente nos sujeitos normais e nos doentes mentais.

Se as reminiscências sobrevém igualmente a uns e outros, nas pessoas normais, entretanto, são recordacoes de infância geralmente não penosas, ao passo que nos doentes mentais são, mais frequentemente, cenas traumatizantes. Se os sintomas somáticos são comparáveis, pelo menos os de ordem fisiologica, por outro lado, quando sua origem e neurove getativa, a participacão psIquica é mais importante nos sujeitos normais: cafaléias, bocejos, etc.

Convém separar os efeitos da droga conforme se tratar de casos de psicose ou de neurose. Nos esquizofrénicos crônicos, nos dementes, tôda possibilidade de resposta afetiva parece abolida; os risos discordantes são frequentes. Nos paranóicos de evolucão recente as reacões são violentas, as vézes provocadas por poderosas recordacões nas quais as testemunhas presentes podem ser identificadas a personagens ligadas a cenas do passado do doente, que as reencontra, sob o efeito da droga. Assim sendo, a agressividade dêste em relacão a certas pessoas de seu ambiente renascerá, devido a esta lembranca provocada.

Nos casos de neurose, determina-se o interesse da aplicação da psilocibina. Nos psicopatas, a atitude se revelará teatral ou pueril. As lembrancas afluem, o sujeito registra-as com todo o cortejo afetivo: reivindicacôes, frustrações, invejas, culpabilidade (S.M. Quetin). Assim sendo, a supressão das inibicoes e das reticéncias acelera-se, fixa-se. Em alguns casos, essas modificacöes chegam a uma verdadeira tomada de consciéncia intelectual do paciente sôbre seu estado, o que pode levar a uma espécie de euforia, a qual agucaria, por exemplo, o apetite renovador.

Nos histéricos, enfim, numa primeira fase ansiosa acentuada pela desconfianca, sucederá um desaparecimento progressivo da hostilidade em relacão as testemunhas. Pouco a pouco, as lembrancas longinquas se reconstituem, acumulam, as circunstãncias do passado tornam a juntar-se. Também nos obcecados o sentimento de culpa pode exteriorizar-se, fazendo nascer os elementos que permitirão que talvez se desenhem — definidas pelo próprio doente — as etapas sucessivas de sua despersonalizacão.

No estado atual da questão, uma certeza se impöe, por tanto: nas mãos do psiquiatra, a psilocibina pode agir francamente söbre o ressurgimento de lembrancas perdidas, e esta descoberta, despertando um desejo de aproximação do doente com o medico, permite a um e outro que colaborem de certo modo para a revelação da origem das perturbacoes mentais. A ontogënese da afeição talvez possa, desta forma, precisar-se. Disto resultariam para o medico preciosos elementos apropriados a aplicação de uma terapêutica eficaz, ou, em todo o caso, melhor adaptada.



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