Caro Fidel,
Uma leitura por alto dos seus posts, várias perguntas me surgem:
1) Que idade tens? Ou que idade tinhas há 10 anos...
2) Aconteceu algum evento significativo na tua vida durante o período dos 6 meses (sem problemas) com consumos cannabis que mencionaste? Ex. Morte de familiar, mudança de cidade, terminus de uma relação, mudança de escola ou entrada na universidade, etc... Existe algum episódio marcante na tua infância que possas associar?
3) Qual era a frequência e intensidade dos consumos que referes nesse período?
4) Qual o ambiente dos consumos do passado? Como foi o ambiente do consumo recente (já que referes que foi diferente...)?
5) Referes que estás/és deprimido. Há quanto tempo te sentes assim? É algo que sentes ou foi um diagnóstico que te foi dado? Elabora sobre esta questão.
6) Como era a tua situação familiar na altura dessas referidas bad trips?
7) Qual foi o conteúdo da bad trip recente? Referes que te auto-medicaste mas penso que não referiste o conteúdo simbólico desta bad trip.
8) Após esse período das bad trips (e depois de teres deixado de fumar) continuaste com os mesmos sintomas?
Também me surgiram várias deambulações / sugestões:
1) Não considero que os cogumelos sejam bons anti-depressivos (embora compreenda a associação). São manifestadores da psiché (daí o termo psicadélico), ou seja, fazem surgir/manifestar bastantes conflitos psíquicos que estão recalcados, adormecidos, etc. Nesse sentido sou da mesma opinião que alguns teceram de que não existem bad trips. Apenas existem experiências/conteúdos psíquicos que não conseguimos processar/integrar e a magnitude e intensidade destes conteúdos muitas vezes é cristalizada num bloqueio a meio da experiência. É claro que em teoria devemos ir aprendendo a aceitar e vivenciar estes conteúdos, mas nem sempre estamos preparados ou temos um ambiente/pessoas que nos rodeiam que permitam o surgir destes conteúdos.
Comparar cogumelos com cannabis é bastante difícil. São dois campeonatos diferentes. Na minha experiência a cannabis é uma alteradora da consciência com alguns níveis de expansão, nomeadamente ao nível do devaneio imaginativo e a da percepção sonora. Porém não é incomum algumas pessoas terem alguns surtos psicóticos que algumas vezes são associados ao seu uso (mas julgo haver sempre uma predisposição genética/ambiental); também é comum (e menos conhecido) que várias pessoas com traços psicóticos fazem um consumo diário e quase crónico da substância.
2) Pelo pouco que disseste, mas baseando-me na tua referência ao teu traço depressivo, recomendava alguma moderação nesse teu impulso para os cogumelos.
Penso que é abusivo e prematuro dizer (como foi dito) que tens uma predisposição à esquizofrenia (que é uma rótulo tão popular e tão desconhecido ao mesmo tempo...). O que podes ter é uma maior predisposição para surtos psicóticos (na minha opinião podemos todos estar sujeitos a isso, alguns com maior frequência que outros).
3) Convém distinguir depressão reactiva (ou depressão normal) que consiste numa episódio depressivo em reação a um acontecimento (ex. perda de uma relação); depressão major (que requer tratamento psiquiátrico - e goste-se ou não é mesmo necessário!) que consiste num quadro depressivo que afecta o sono, a capacidade de trabalhar e de ter cuidados básicos; e a personalidade depressiva (padrão estável). Note-se que a habilidade para deprimir é um sintoma de boa saúde mental. O que é patológico é a estagnação nessa etapa. O problema da depressão é que se torna egosintónica, ou seja, o indivíduo sente-a como parte de si e muitas vezes não nota que está diferente pois a depressão afecta a maneira como pensamos e vemos o mundo.
4) Como tão bem referiste é quase cómico (e triste ao mesmo tempo) dizer a um deprimido para "se sentir bem e curtir a vida".
Pela minha experiência e com base na minha personalidade (também tenho alguns traços depressivos) recomendaria-te uma ida a um psicoterapeuta no sentido de teres alguém com quem partilhar a tua realidade psíquica e conjuntamente, na relação, ir abordando a origem (muitas vezes bastante profunda) desses teus conflitos (no teu caso imagino que de culpa pelo que mencionaste). Não é uma decisão fácil (penso que o tomar uma substância é bem mais fácil) nem é barato economicamente mas é um investimento. Chegando a este passo penso que a escolha do terapeuta (e da sua vertente) é bastante importante. Deves de escolher algo que se adapte a ti e ao teu problema. Poderíamos iniciar um debate sobre o tipo de correntes psicoterapêuticas adequadas... (é quase como a escolha do mestre....).
Recomendo-te que leias e que vejas com a qual te identificas mais.
Como estamos num forum dedicado aos cogumelos e visto teres curiosidade pelos estados alterados de consciência (nem que seja só porque achaste que faria bem à depressão), tens uma linha terapêutica que, pelo menos teoricamente, me parece interessante: a Respiração Holotrópica desenvolvida por Stanislav Grof (pioneira da terapia com LSD). Podes encontrar vários livros na internet do autor.
Também tens a Psicologia Transpessoal (que inclui vários tipos de abordagens), pesquisa e vê se há alguma que gostes.
E também tens as psicoterapias psicodinâmicas e a psicanálise - que na minha opinião são bastante adequadas e eficazes (embora longas e economicamente dispendiosas). Há um autor brasileiro que gosto bastante chamado David Zimerman (mas isto só para saber de teoria).
Relativamente às terapias penso que uma frequência regular (1x por semana no mínimo) é essencial para estabelecer a relação entre o par terapêutico e permitir a exploração dos conteúdos emergentes. Ler teorias ou fazer auto-análise não funciona, muito menos na depressão pois o aparelho de pensar está deturpado.
5) Na minha opinião pessoal os cogumelos (e outras substâncias/plantas) proporcionam uma das experiências mais importantes da vida, permitindo uma expansão de consciência que nunca imaginaríamos que fosse possível e o contacto com sentimentos e memórias escondidos/adormecidos. Porém os conteúdos e experiências que obtemos podem não ser de fácil "digestão". E se não tivermos bem psicologicamente o mais fácil é ficarmos presos/bloqueados/paralisados por não conseguirmos aceitar o que está a emergir. Acontece a todos

Nesse sentido e fazendo o paralelismo da sessão psicadélica com a sessão psicoterapeutica, o papel do terapeuta será fazer-te companhia, receber e transformar conjuntamente esses conteúdos difíceis... de forma a que os possas voltar a integrar e seguir a tua viagem/vida.
Desculpa a mensagem extensa,
Abraço,
Dandy