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A utopia da teoria unificada do Universo e outros textos de Marcelo Gleiser

08/12/2013 - 01h45
Por que tanta pressa?

Sei que ninguém gosta muito de pensar em assuntos pesados durante essa época pré-natalina, mas, como todo momento de reflexão, o fim de ano é sempre propício para darmos uma parada e analisarmos um pouco como andam as coisas.

A primeira palavra que me vem em mente quando penso na vida moderna é dispersão. Existe uma competição constante pela nossa atenção entre os produtores de novas tecnologias, de comida, de roupas; há uma necessidade crescente de estarmos "ligados" com o que está acontecendo, e já não basta rádio e televisão; tem que ser pelo Facebook, pelo Twitter, pelo Google Plus e um bando de outras redes sociais.

Cada instante é ocupado por algo que vemos numa tela, pequena ou grande. A informação vem em torrentes incessantes. Se esquecemos nosso celular em casa, é como se tivéssemos perdido um dedo ou outra parte do corpo. Os celulares tornaram-se parte integral de nossa existência, um apêndice tecnológico que nos define como indivíduos. Tornaram-se um vício, como verificamos assim que pousa um avião e todo mundo se precipita para ligar seu iPhone ou seu Galaxy, como se naquele voo de 45 minutos a história do mundo tivesse se transformado de forma profunda e aquele e-mail que mudará a sua vida tivesse finalmente chegado.

Não nos permitimos mais espaço para a contemplação.

Sei que isso está parecendo papo de velho, atravancado com os avanços tecnológicos. Mas não é nada disso; eu mesmo tenho todos os brinquedos tecnológicos que existem e os uso como todo mundo, com muito prazer. Portanto, essa reflexão é para mim também, mesmo se digitada em meu laptop.

Muita gente me pergunta se o tempo está mudando, passando mais rápido. Essa é uma percepção psicológica da passagem do tempo, que nada tem a ver com a passagem física do tempo. A duração do dia muda muito lentamente, e muda no sentido inverso, aumentando e não diminuindo, devido à fricção gravitacional das marés causadas pelas atração entre Terra, Lua e Sol.

O tempo está passando mais rapidamente, ou assim o percebemos, porque cada vez temos menos controle sobre ele. O ócio é algo que consideramos quase que pecaminoso (esquecendo os pecados capitais); qualquer brecha de tempo nós enchemos com uma leitura no Twitter, do Facebook, de e-mail, um videozinho no YouTube, ou um podcast qualquer.

Uma das maiores vítimas dessa correria moderna é nossa conexão com a natureza.

Na ânsia pela informação, pouco desviamos os olhos das telas. Olhar para o céu é algo que raramente fazemos, especialmente nas grandes cidades. Para a maioria das pessoas a natureza é um conceito, algo que existe lá longe, nas fotos que vemos nas revistas, ou nos vídeos do YouTube e especiais de TV.

Para resgatarmos nosso controle sobre o tempo é necessário retornarmos à natureza, criarmos espaço para a contemplação das formas de vida, das árvores, das flores e animais; é necessário olharmos para o céu noturno, longe das luzes da cidade. Assim conseguiremos desacelerar, buscando outro tipo de informação que nos liga ao que temos de mais essencial: nossa relação com os ciclos e ritmos do Cosmo.

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcelogleiser/2013/12/1382257-por-que-tanta-pressa.shtml
 
15/12/2013 - 01h49
Sobre a origem de tudo

Volta e meia retorno ao tema da origem de tudo, que inevitavelmente leva a reflexões em que as fronteiras entre ciência e religião meio que se misturam. Sabemos que as primeiras narrativas de criação do mundo vêm de textos religiosos, os mitos de criação. O Gênesis, primeiro livro da bíblia, é um exemplo deles, se bem que é importante lembrar que não é o único.

Talvez seja surpreendente, especialmente para as pessoas de fé, que a ciência moderna tenha algo a dizer sobre o assunto. E não há dúvida que o progresso da cosmologia e da astronomia levaram a um conhecimento sem precedentes da história cósmica, que hoje sabemos teve um começo há aproximadamente 13,8 bilhões de anos. Tal como você e eu, o Universo também tem uma data de nascimento.

A questão complica se persistimos com essa analogia: você e eu tivemos pais que nos geraram. Existe uma continuidade nessa história, que podemos traçar até a primeira entidade viva. Lá, nos deparamos com um dilema: como surgiu a primeira entidade viva, se nada vivo havia para gerá-la? Presumivelmente, a vida veio da não vida, a partir de reações químicas entre as moléculas que existiam na Terra primordial. E o Universo? Como surgiu se nada existia antes?

A situação aqui é ainda mais complexa, visto que o Universo inclui tudo o que existe. Como que tudo pode vir do nada? A prerrogativa da ciência é criar explicações sem intervenção divina. No caso da origem cósmica, explicações científicas encontram desafios conceituais enormes.

Isso não significa que nos resta apenas a opção religiosa como solução da origem cósmica. Significa que precisamos criar um novo modo de explicação científica para lidar com ela.

Para dar conta da origem do Universo, os modelos que temos hoje combinam os dois pilares da física do século 20, a teoria da relatividade geral de Einstein, que explica a gravidade como produto da curvatura do espaço, e a mecânica quântica, que descreve o comportamento dos átomos. A combinação é inevitável, dado que, nos seus primórdios, o Universo inteiro era pequeno o bastante para ser dominado por efeitos quânticos. Modelos da origem cósmica usam a bizarrice dos efeitos quânticos para explicar o que parece ser inexplicável.

Por exemplo, da mesma forma que um núcleo radioativo decai espontaneamente, o Cosmo por inteiro pode ter surgido duma flutuação aleatória de energia, uma bolha de espaço que emergiu do "nada", que chamamos de vácuo. O interessante é que essa bolha seria uma flutuação de energia zero, devido a uma compensação entre a energia positiva da matéria e a negativa da gravidade. Por isso que muitos físicos, como Stephen Hawking e Lawrence Krauss, falam que o Universo veio do "nada". E declaram que a questão está resolvida. O que é um absurdo. O nada da física é uma entidade bem complexa.

Esse é apenas um modelo, que pressupõe uma série de conceitos e extrapolações para fazer sentido: espaço, tempo, energia, leis naturais. Como tal, está longe de ser uma solução para a questão da origem de tudo. Não me parece que a ciência, tal como é formulada hoje, pode resolver de vez a questão da origem cósmica. Para tal, precisaria descrever suas próprias origens, abranger uma teoria das teorias. O infinito e seu oposto, o nada, são conceitos essenciais; mas é muito fácil nos perdermos nos seus labirintos metafísicos.

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcelogleiser/2013/12/1385521-sobre-a-origem-de-tudo.shtml
 
22/12/2013 - 01h45
Homenagem ao fracasso

Numa sociedade em que o sucesso é almejado e festejado acima de tudo, onde estrelas, milionários e campeões são os ídolos de todos, o fracasso é visto como algo embaraçoso e constrangedor, que a gente evita a todo custo e, quando não tem jeito, esconde dos outros. Talvez não devesse ser assim.

Semana passada, li um ensaio sobre o fracasso no "New York Times" de autoria de Costica Bradatan, que ensina religião comparada em uma universidade nos EUA. Inspirado por Bradatan, resolvi apresentar minha própria homenagem ao fracasso.

Fracassamos quando tentamos fazer algo. Só isso já mostra o valor do fracasso, representando nosso esforço. Não fracassar é bem pior, pois representa a inércia ou, pior, o medo de tentar. Na ciência ou nas artes, não fracassar significa não criar. Todo poeta, todo pintor, todo cientista coleciona um número bem maior de fracassos do que de sucessos. São frases que não funcionam, traços que não convencem, hipóteses que falham. O físico Richard Feynman famosamente disse que cientistas passam a maior parte de seu tempo enchendo a lata de lixo com ideias erradas. Pois é. Mas sem os erros não vamos em frente. O sucesso é filho do fracasso.

Tem gente que acha que gênio é aquele cara que nunca fracassa, para quem tudo dá certo, meio que magicamente. Nada disso. Todo gênio passa pelas dores do processo criativo, pelos inevitáveis fracassos e becos sem saída, até chegar a uma solução que funcione. Talvez seja por isso que o autor Irving Stone tenha chamado seu romance sobre a vida de Michelangelo de "A Agonia e o Êxtase". Ambos são partes do processo criativo, a agonia vinda do fracasso, o êxtase do senso de alcançar um objetivo, de ter criado algo que ninguém criou, algo de novo.

O fracasso garante nossa humildade ao confrontarmos os desafios da vida. Se tivéssemos sempre sucesso, como entender os que fracassam? Nisso, o fracasso é essencial para a empatia, tão importante na convivência social.

Gosto sempre de dizer que os melhores professores são os que tiveram que trabalhar mais quando alunos. Esse esforço extra dimensiona a dificuldade que as pessoas podem ter quando tentam aprender algo de novo, fazendo do professor uma pessoa mais empática e, assim, mais eficiente. Sem o fracasso, teríamos apenas os vencedores, impacientes em ensinar os menos habilidosos o que para eles foi tão fácil de entender ou atingir.

Claro, sendo os humanos do jeito que são, a vaidade pessoal muitas vezes obscurece a memória dos fracassos passados; isso é típico daqueles mais arrogantes, que escondem seus fracassos e dificuldades por trás de uma máscara de sucesso. Se o fracasso fosse mais aceito socialmente, existiriam menos pessoas arrogantes no mundo.

Não poderia terminar sem mencionar o fracasso final a que todos nos submetemos, a falha do nosso corpo ao encontrarmos a morte.

Desse fracasso ninguém escapa, mesmo que existam muitos que acreditem numa espécie de permanência incorpórea após a morte. De minha parte, sabendo desse fracasso inevitável, me apego ao seu irmão mais palatável, o que vem das várias tentativas de viver a vida o mais intensamente possível. O fracasso tem gosto de vida.

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcelogleiser/2013/12/1388789-homenagem-ao-fracasso.shtml
 
mais é.
a natureza premia o sucesso e queira ou não a experiencia humana está atrelada a esta condicionante.


Está se referindo ao sucesso em deixar descendência, ou a famosa sobrevivência do mais apto?


Bem, talvez os humanos tenham escapado um pouco da questão biológica. E para mim o fracasso que ao que o Gleiser se refere é o fracasso de todo dia. As questões pessoais, profissionais, emocionais etc. que não correm tão bem como gostaríamos. Onde erramos e sofremos para depois aprender. E nisso não tem jeito. Se você me apresentar alguém que nunca fracassou vou ter até medo do indivíduo.

São esses fracassos que devemos aprender a respeitar. E ele tem mesmo gosto de vida.
 
eu quero é ver juntar esses intelecctuais que se dizem isso é isso, aquilo é isso, a sociedade eh uma conjuntura disso, bolsos cheios de conhecimentos juntos, numa chuva forte ou num calor desgraçado, com uma taça cheia de ayahuasca, ou muitos cogus dentro da barriga, no meio do mato, vendo a luz do luar, sentindo aquelas colicas e tendo pensamentos milagrosos de si mesmo, e parar com o revolucionamento de achar que com palavras mostra para aqueles que o mundo eh assim e aculá, tem q falar pra esses intelectuais ir pro mato, sair do conforto do ar condicionado e sentir o mosquito picar e entrar em vibracao com a natureza natural, e nao com a natureza artificial do nosso dia a dia, eu sou um daqueles que tem a natureza artificial tb, mas tb tenho dentro de mim a natureza real, de colher aquilo que me foi dado para sair fora dessa porra de intelectualidade que cada vez enche mais o meu saco, com tantos mimimis e palavras bonitas que nao passam de falacias. passa frio, passa fome, enterre num formigueiro de sauvas emburracheirado ou cogumelado e sente a epiderme com aquela energia forte de querer menos pra depois falar, nossa eu quero eh mais...eu acho que o povo precisa mais de realidades naturais no meio onde vive e parar com essa babaquice de conformismos, entao tenho q me recolher pq as 5 graminhas de cogumelos q ingere agora ha pouco estao ja derretendo isso aqui...obrigado a todos em eespecial aqueles que eu admiro aqui
 
Está se referindo ao sucesso em deixar descendência, ou a famosa sobrevivência do mais apto?


Bem, talvez os humanos tenham escapado um pouco da questão biológica. E para mim o fracasso que ao que o Gleiser se refere é o fracasso de todo dia. As questões pessoais, profissionais, emocionais etc. que não correm tão bem como gostaríamos. Onde erramos e sofremos para depois aprender. E nisso não tem jeito. Se você me apresentar alguém que nunca fracassou vou ter até medo do indivíduo.

São esses fracassos que devemos aprender a respeitar. E ele tem mesmo gosto de vida.

certo ecuador, sei que o texto é sobre relações sociais, o valor de se aprender com o insucesso e talz.
só quiz dizer que "passar seus genes adiante, ou virar almoço" ainda é uma condição humana primal que não nos faz ver o fracasso com bons olhos.
 
12/01/2014 - 01h48
Pensando livremente sobre o livre arbítrio

Todo mundo quer ser livre; ou, ao menos, ter alguma liberdade de escolha na vida. Não há dúvida de que todos temos nossos compromissos, nossos vínculos familiares, sociais e profissionais. Por outro lado, a maioria das pessoas imagina ter também a liberdade de escolher o que fazer, do mais simples ao mais complexo: tomo café com açúcar ou adoçante? Ponho dinheiro na poupança ou gasto tudo? Em quem vou votar na próxima eleição? Caso com a Maria ou não?

A questão do livre arbítrio, ligada na sua essência ao controle que temos sobre nossas vidas, é tradicionalmente debatida por filósofos e teólogos. Mas avanços nas neurociências estão mudando isso de forma radical, questionando a própria existência de nossa liberdade de escolha. Muitos neurocientistas consideram o livre arbítrio uma ilusão. Nos últimos anos, uma série de experimentos detectou algo surpreendente: nossos cérebros tomam decisões antes de termos consciência delas. Aparentemente, a atividade neuronal relacionada com alguma escolha (em geral, apertar um botão) ocorre antes de estarmos cientes dela. Em outras palavras, o cérebro escolhe antes de a mente se dar conta disso.

Se este for mesmo o caso, as escolhas que achamos fazer, expressões da nossa liberdade, são feitas inconscientemente, sem nosso controle explícito.

A situação é complicada por várias razões. Uma delas é que não existe uma definição universalmente aceita de livre arbítrio. Alguns filósofos definem livre arbítrio como sendo a habilidade de tomar decisões racionais na ausência de coerção. Outros consideram que o livre arbítrio não é exatamente livre, sendo condicionado por uma série de fatores, desde a genética do indivíduo até sua história pessoal, situação pessoal, afinidade política etc.

Existe uma óbvia barreira disciplinar, já que filósofos e neurocientistas tendem a pensar de forma bem diferente sobre a questão. O cerne do problema parece estar ligado com o que significa estar ciente ou ter consciência de um estado mental. Filósofos que criticam as conclusões que os neurocientistas estão tirando de seus resultados afirmam que a atividade neuronal medida por eletroencefalogramas, ressonância magnética funcional ou mesmo com o implante de eletrodos em neurônios não mede a complexidade do que é uma escolha, apenas o início do processo mental que leva a ela.

Por outro lado, é possível que algumas de nossas decisões sejam tomadas a um nível profundo de consciência que antecede o estado mental que associamos com estarmos cientes do que escolhemos. Por exemplo, se, num futuro distante, cientistas puderem mapear a atividade cerebral com tal precisão a ponto de prever o que uma pessoa decidirá antes de ela ter consciência da sua decisão, a questão do livre arbítrio terá que ser repensada pelos filósofos.

Mesmo assim, me parece que existem níveis diferentes de complexidade relacionados com decisões diferentes, e que, ao aumentar a complexidade da escolha, fica muito difícil atribuí-la a um processo totalmente inconsciente. Casar com alguém, cometer um crime e escolher uma profissão são ponderações longas, que envolvem muitas escolhas parciais no caminho que requerem um diálogo com nós mesmos. Talvez a confusão sobre o livre arbítrio seja, no fundo, uma confusão sobre o que é a consciência humana.

http://www1.folha.uol.com.br/coluna...sando-livremente-sobre-o-livre-arbitrio.shtml
 
Minority report?
interessante, ainda mais se você associar isto com os recentes avanços do tal de neuromarketing. Talvez já sejamos todos completamente autômatos e aquela sensação de egodeath dos cogus seja um desligamento temporário do software.

Admirável esse mundo
 
Universo-máquina e liberdade

19/01/2014 01h40

Na semana passada, escrevi sobre a questão do livre-arbítrio, se somos ou não agentes de nossas próprias decisões. Essa reflexão foi despertada pelo livro de Sam Harris sobre o assunto e por minha participação numa mesa redonda sobre o tema. Harris, que tem doutorado em neurociências, é um autor conhecido nos EUA. No livro, diz que a sensação que temos de controlar nossas ações não passa de uma ilusão.

Harris não tirou sua conclusão do nada. Vários experimentos realizados nas últimas duas décadas mostram que a decisão é tomada antes que o sujeito tenha consciência disso. Nesses experimentos, o cérebro age antes da mente.

Argumentei que a questão não é tão simples, que não pode ser reduzida a um simples sim (o livre-arbítrio existe) ou não (escolhas são todas de forma subconsciente). Há todo um espectro de decisões que tomamos na vida que exige ponderação mais profunda. Esses casos são muito diferentes dos investigados no laboratório. E, aqui sim, me parece que o livre-arbítrio, compreendido como nossa habilidade de fazer escolhas mesmo sob uma série de condições, tem seu papel.

Porém, não mencionei a questão do determinismo, essencial numa discussão sobre o livre-arbítrio. Na física, um sistema é determinístico se seu comportamento futuro (e passado) pode ser obtido de seu comportamento presente. Na prática, sistemas físicos determinísticos são descritos por equações que permitem esse avanço preciso no tempo.

A imagem que temos é a de um relógio que vai avançando seguindo as leis da mecânica. Daqui vem a metáfora do Universo-relógio, que foi tão importante nos séculos 18 e 19, culminando com a declaração do francês Pierre Laplace: se uma supermente conhecer a posição e a velocidade de todas as partículas existentes no Cosmo em um determinado instante, poderá prever suas posições futuras com precisão. Nesse caso, tudo é predeterminado pelas leis da mecânica: eu ter escrito este ensaio, o país que ganhará a Copa, a inflação no ano 2045.

É claro que, no caso de um determinismo perfeito, o livre-arbítrio não existe. Somo todos autômatos, seguindo uma coreografia predeterminada. Não é à toa que os românticos detestavam a mecanicidade da ciência do século 19.

Felizmente, esse determinismo é impossível. Não podemos saber a posição e velocidade de todas as partículas que existem num mesmo instante: como medir à distâncias de bilhões de anos-luz? Ademais, sistemas com interações complexas (do Sistema Solar a um cérebro) são sensíveis à precisão com que sabemos a posição e velocidade de seus componentes. Como nenhuma medida tem precisão absoluta, não podemos prever o futuro distante.

A física quântica também impõe limites na precisão das medidas de posição e velocidade de uma partícula. Do nosso ponto de vista, o determinismo é inviável, especialmente para sistemas complexos como o cérebro ou a sociedade.

A alternativa é que o Cosmo seja determinístico e que nós sejamos incapazes de saber como isso ocorre. A "máquina" existiria além de nossos instrumentos ou capacidade de cálculo. Me parece que esse tipo de determinismo é uma outra versão de Deus: onisciente, inescrutável e impossível de ser comprovado.

http://www1.folha.uol.com.br/coluna...01/1399467-universo-maquina-e-liberdade.shtml
 
Do que ter medo?

09/02/2014 - Marcelo Gleiser

Enquanto no Brasil as pessoas vão se preparando para o Carnaval e esquecendo dos medos até março, nos EUA, em pleno inverno gélido, sairá no dia 14 um livro sobre os medos dos cientistas e filósofos.

O livro "Com o que devemos nos preocupar?" foi editado pelo agente literário John Brockman, que todos os anos põe uma pergunta aos membros do grupo de discussão Edge. (Veja em www.edge.org) As respostas são então publicadas em um livro. Eu costumo participar, mas desta vez não deu, já que estava escrevendo o meu próprio livro. Eis uma brevíssima seleção das 150 respostas que aparecem no livro.

O linguista Steven Pinker, da Universidade de Harvard, identifica a maior ameaça de guerras futuras na mente de líderes instáveis ou de grupos que julgam ter valores acima de outros. Cita o slogan da Unesco: "Como guerras começam nas mentes dos homens, é na mente dos homens que as defesas da paz devem ser construídas". Para ele, guerras resultam mais de patologias e impulsos tribais do que da escassez de recursos ou de expansionismo econômico.

Vernor Vinge, matemático e escritor de ficção-científica, teme que a automação do controle de armas nucleares torne-as vulneráveis à ataques de grupos terroristas. Martin Rees, astrônomo real do Reino Unido concorda, pintando ainda um cenário cataclísmico baseado no desequilíbrio econômico e social causado pelo aquecimento global, que pode forçar a migração de milhões de pessoas das regiões costeiras e a desintegração do sistema financeiro. Adiciona, também, o bioterrorismo, ciberterrorismo e nanoterrorismo como outras ameaças. O filósofo Daniel Dennett e o historiador da ciência George Dyson concordam especialmente com o ciberterrorismo, salientando que o mundo viria abaixo se alguém conseguisse sabotar a internet. Várias contribuições giram em torno desses temas.

Um outro grupo de temores aparece organizado em torno da questão do consciente e da sua relação com as máquinas. Timo Hannay, co-criador das conferências Sci Foo, teme que nossa ignorância do que seja o consciente e de como se manifesta em outras espécies leve a uma incompreensão crescente das nossas emoções e relação com outros seres vivos. Max Tegmark, físico do MIT, teme que a inteligência artificial venha a suplantar nossa humanidade (algo que já tratamos aqui), tornando-nos supérfluos. Já outros desmentem que a chegada desse momento de dominação de mentes artificiais, a singularidade, seja viável ou esteja se aproximando. Por outro lado, algo que está crescendo é a eficiência de videogames com realidade virtual. Será que em duas gerações jovens não saberão mais distinguir entre realidade e realidade virtual?

Dado que meu espaço está acabando, menciono um outro medo que devemos ter, o da incompreensão crescente entre dois grupos sociais, os engenheiros e druidas, como sugeriu Paul Saffo, da Universidade de Stanford. Os engenheiros acham que a ciência terá todas as respostas para os problemas do mundo: fome, doença, escassez de água e energia; os druidas acreditam no oposto, que o excesso de ciência levará à crises ainda maiores e que soluções não serão encontradas. A solução ideal, sugere Saffo, é encontrar um equilíbrio entre os dois, sem fanatismos tribais. Afinal, tudo começa em nossas mentes.


http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcelogleiser/2014/02/1409340-do-que-ter-medo.shtml
 
Folha e São Paulo - 16/02/2014

É possível viver sem mistério?

O que nos torna humanos é a atração pelo desconhecido, a qual comove e inspira nossa criatividade

Na semana passada, foi publicado um artigo na revista americana "The New Yorker", de autoria de Adam Gopnik, escritor e intelectual muito conceituado nos EUA (http://tinyurl.com/llywzql).

O artigo trata da questão do ateísmo e sua aparente ascensão, ao menos na América e Europa, resenhando um par de livros sobre o assunto. Gopnik argumenta que a questão ou a dificuldade dela é a seguinte: "Quem semeou o solo é a pergunta fácil para o historiador; o que fez o solo receber as sementes é uma pergunta mais complexa". Ou seja, listar os nomes dos ateus famosos e seus feitos é bem mais fácil do que compreender porque suas ideias são aceitas por tantas pessoas.

Gopnik identifica três períodos em que o ateísmo teve uma clara ascensão: no século 18, logo antes da Revolução Francesa; no século 20, logo antes da Revolução Russa; e agora. É óbvio que a expectativa é que a nossa época também tenha a sua revolução. Difícil imaginar que, no nosso caso, ela seja também de natureza política, como nas duas antecedentes. Mas então o quê?

Conforme escreveu Peter Watson em seu "A Era dos Ateus: Como buscamos viver desde a morte de Deus", existem dois grupos --e não os tradicionais crentes e não crentes--: os supernaturalistas, que acreditam que uma explicação estritamente materialista da existência é inadequada para nossas experiências de natureza espiritual; e os autocriadores, que dão à mente humana o poder de explicar todos os aspectos da existência.

Gopnik aponta para uma convergência entre os supernaturalistas e os autocriadores, mesmo que clandestina. Descontando os que têm fé tradicional, acreditando piamente na Bíblia ou no Corão ou nos textos xintoístas (que são contados em bilhões no mundo), os supernaturalistas modernos acreditam em algo maior do que a matéria, mesmo que não seja caracterizado por uma divindade óbvia, uma celebração do mistério, da complexidade e de coisas que fogem à nossa compreensão ou mesmo a uma descrição puramente racional. Os supernaturalistas respondem à emoção indescritível da experiência humana.

Por outro lado, Gopnik argumenta que os autocriadores também experimentam algo como a fé.

Segundo Gopnik, todos têm algum tipo de vida espiritual, seja na adoção de rituais secretos, na ida à igreja no Natal ou na busca por algum tipo de transcendência por meio de atividades diversas, da meditação à corridas em trilhas, surfando ondas, escalando montanhas ou lendo poesia.

Me parece que o ponto de convergência não está nos detalhes da prática de cada um, mas na inevitabilidade do mistério que todos confrontamos. O próprio Richard Dawkins, o grande sacerdote do novo ateísmo, escreveu um livro com o título "A Mágica da Realidade"; sua autobiografia é "Um Apetite pelo Maravilhamento". Outro ateu conhecido, Sam Harris, está escrevendo um livro sobre espiritualidade.

Como exploro em meu próximo livro, "A Ilha do Conhecimento" (Ed. Record, que será lançado em agosto de 2014), o que nos torna humanos é precisamente nossa atração pelo desconhecido, atração que tanto comove quanto inspira nossa criatividade, seja ela científica ou artística. Dela, ninguém escapa.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook: goo.gl/93dHI
 
Platão, o filme Matrix e liberdade - 23/02/2014 - Marcelo Gleiser

No seu diálogo "A República", o filósofo grego Platão oferece uma das primeiras meditações sobre a natureza da realidade e nossa limitada percepção dela, sua famosa Alegoria da Caverna.

O tema é revisitado no filme de ficção científica Matrix, lançado em 1999 e dirigido pela dupla Lana e Andy Wachowski. Entre os 24 séculos separando as duas obras, presenciamos o nascimento da ciência moderna e, nas últimas décadas do século XX, dos computadores digitais extremamente rápidos.

Com eles, e com as simulações cada vez mais realistas que podemos programar, a noção de realidade ganhou uma nova dimensão: somos capazes de criar alegorias virtuais que imitam ou satirizam o nosso mundo.

E surge uma questão um tanto desconfortável, elaborada pelo filósofo da Universidade de Oxford, Nick Bostrom, em 2003: será que vivemos numa simulação? Se sim, quem seriam o Simuladores?

Na sua Alegoria, Platão imaginou um grupo de escravos que nasceram já presos e acorrentados numa caverna. Os Acorrentados podiam apenas olhar para a parede da caverna à sua frente, vislumbrando as sombras e imagens que apareciam nela.

Não sabiam que atrás deles, um grupo de Simuladores havia feito uma grande fogueira, e que as sombras que viam na parede nada mais eram do que projeções de objetos que os Simuladores erguiam contra o fogo. Para os Acorrentados, a realidade consistia nas projeções na parede da caverna. Sua percepção da realidade era profundamente limitada e falsa.

Platão usou a Alegoria para argumentar que nossos sentidos criam uma ilusão falsa do real; para ele, a realidade só podia ser contemplada pela mente e seu poder de raciocínio puro, sem as distorções causadas pelos sentidos.

Hoje, sabemos que Platão tinha razão, ao menos em parte: nossa percepção sensorial da realidade é mesmo limitada, mesmo quando ampliada com instrumentos científicos, como o microscópio e o telescópio. Apesar do incrível poder de nossos instrumentos, temos sempre uma visão limitada do mundo.

Imagino que o leitor tenha já ouvido falar do videogame Os Sims. Como diz o nome, o jogo é uma simulação da realidade, onde os personagens são pessoas envolvidas nas tarefas do dia a dia: ir à escola, comer, ir ao médico, cuidar dos filhos e animais, namorar etc.

Imagine uma versão superavançada do jogo, onde os personagens se sentem autônomos: apesar de controlados por Simuladores, se acham independentes, sendo responsáveis por suas ações. Nesse caso, esses personagens são essencialmente como os Acorrentados, tendo uma noção da realidade limitada e controlada por outros, sem que saibam disso.

Bostrom sugeriu algo semelhante, mas agora os Acorrentados somos nós. Se simulações continuarem a ficar mais realistas, podemos imaginar que, num futuro distante, seríamos capazes de criar mundos virtuais essencialmente indistinguíveis do mundo real: a divisão entre realidade e fantasia desapareceria.

Portanto, podemos imaginar que outras civilizações inteligentes estejam fazendo o mesmo; potencialmente, nós seríamos uma simulação controlada por Simuladores, sejam eles pós-humanos ou extraterrestres. Uma pergunta estranha então ocorre: se não podemos saber, importa sermos uma simulação? A liberdade só importa quando sabemos que não a temos?


http://www1.folha.uol.com.br/coluna...16207-platao-o-filme-matrix-e-liberdade.shtml
 
O mundo segundo Einstein


Como escrevo estas linhas no aniversário de Einstein (14/3/1879), nada mais apropriado do que celebrar a visão desse homem que tanto contribuiu para transformar nossa visão de mundo.

A revista americana "Time" escolheu Einstein como a pessoa mais influente do século 20.

Nada mal para um garoto que teve dificuldades na escola (mais por rejeitar a rigidez do sistema educacional alemão do que por dificuldades pedagógicas), que quase não conseguiu completar seu doutorado em física (por se desentender com seu orientador, questionando sua autoridade), e iniciou sua carreira científica isolado do meio acadêmico (como fiscal de patentes em Berna, na Suíça, por não ter conseguido uma posição numa universidade).

O que fez a diferença para Einstein foi sua incrível independência e coragem intelectual. Por rejeitar a noção de que a autoridade é dona da verdade, Einstein questionou as suposições da física de seu tempo, sem se deixar intimidar pela fama de seus colegas mais velhos.

Em 1905, com 26 anos, publicou, sozinho e escrevendo do escritório de patentes, quatro artigos revolucionários. Seus interlocutores eram sua esposa, também física e colega de turma, e alguns amigos, que encontrava nos cafés à noite.

Na virada do século 20, a física clássica estava em crise: várias descobertas feitas em laboratórios contradiziam os ensinamentos dos três pilares da física clássica: a mecânica e a teoria da gravitação de Newton; o eletromagnetismo de Faraday e Maxwell; e a termodinâmica, o estudo do calor. Quando os grandes cientistas da época tentavam aplicar essas teorias para explicar o que mediam no laboratório, obtinham resultados desastrosos. Algo tinha que mudar, e com urgência.

Em 1900, Max Planck propôs algo que a ele mesmo soava absurdo: objetos absorvem e emitem energia em pacotes (em "quanta"), e não continuamente. Usando essa ideia estranha, e contra a sua vontade, Planck resolveu um dos desafios da época: provar que um corpo, quando aquecido, não emite energia sem controle. A revolução quântica, que hoje domina nossa tecnologia digital, teve início com a audácia de Planck.

Baseando-se nos "quanta" de Planck, Einstein propôs três ideias revolucionárias: a luz pode ser interpretada como vindo em pacotes, os fótons, e não só como sendo uma onda (dualidade onda-partícula); a velocidade da luz é sempre a mesma, independentemente da velocidade da sua fonte ou do observador (teoria da relatividade especial); uma amostra de matéria pode ser convertida em luz (ou melhor, em radiação eletromagnética), sua energia convertida na energia da radiação resultante multiplicada pela velocidade da luz ao quadrado (E=mc2).

Cada uma dessas ideias é digna de um prêmio Nobel, e todas surgiram nesse mesmo ano, 1905. De quebra, o quarto artigo do ano provava a existência das moléculas.

Einstein era uma criatura da luz, e fez da luz sua grande inspiração. Uma das consequências da sua teoria da relatividade geral, de 1915, é que vivemos num universo em expansão. Desse universo, podemos apenas perceber o que existe dentro de uma bolha de informação, demarcada pela distância que a luz pôde viajar desde o Big Bang. Somos parte luz e parte prisioneiros dela.


http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cienciasaude/156603-o-mundo-segundo-einstein.shtml
 
Apesar das problematizações serem interessante, algumas afirmações precisam ser revisadas do ponto de vista científico.
Da para ver que o autor é dotado de certo positivismo na maneira de ponderar as coisas. Nesse exemplo abaixo ele agride o que há de mais contemporâneo nos princípios da física para tentar justificar que tudo que existe é só "físic@":

[...] Existe apenas matéria, ou pelo menos não temos razão para supor que exista uma entidade imaterial capaz de interagir com a matéria. Do ponto de vista científico, algo imaterial não pode interagir com a matéria. Se existe uma interação, deve ser descrita pelas leis da física. [...]

Porém a descoberta da antimatéria e da não-matéria (são coisas distintas) já nem é tão recente. Inclusive hoje em dia o estudo da antimatéria tem revelado uma poderosa fonte de energia. As frases que destaquei em vermelho justamente não coincidem com as leis da física.

Antimatéria É o inverso do que é a matéria. Ela é composta de antipartículas, que possuem a mesma característica das partículas (massa e rotação), mas com carga elétrica contrária. Ela foi descoberta a partir da revisão da equação de Einstein E=mc2 (matéria = energia aprisionada, e energia = matéria em movimento), considerando que a massa também poderia ser negativa (E=+ ou - mc2). A antimatéria de uma partícula é como se fosse o espelho dela, tudo igualzinho, só a carga negativa.

Não-matéria é a Função Ondulatória Quântica. Significa dizer que os elétrons, átomos, prótons, etc, podem existir ou em modo de matéria (na medida em que têm massa) ou em modo de onda (onde a massa ou é mínima ou residual ou não existe mesmo).A não-matéria não é energia propriamente dita, entendida segundo o conceito de E=mc2, ela existe fora do espaço-tempo.
A Função Ondulatória Quântica, quando existe em forma de onda, permite por exemplo que uma partícula possa viajar no espaço-tempo a velocidades muito superiores à velocidade da luz (“torneando” o muro de luz, ou cone de luz), e em teoria é mesmo possível que a sua deslocação fora do espaço-tempo permita a instantaneidade (desmaterialização e materialização instantâneas, segundo a nossa percepção do espaço-tempo).

Quando vi que ele citou Suzana Herculano logo percebi qual era a do autor. Conheço bem Suzana, foi minha professora na faculdade em diversas disciplinas. Ela defende uma corrente das neurociências muito materialista... acaba negligenciando aspectos muito importantes do fenômeno consciência. :meh:

É irônico pensar que, na história das ciências, a física (uma entre as mais "louváveis" das ciências do ponto de vista materialista) vai tão fundo na tentativa de "dominar" a matéria, "entrar" na matéria, vê-la de perto, pressupor que só ela existe que acaba se deparando com a não matéria; constata que as partículas que compõe os objetos brutos se comportam ora como matéria ora como onda. Acabam tocando em fenômenos execrados pelos cientistas positivistas: aqueles fenômenos estigmatizados espiritualistas (cf. "O Tao da Física" de Fritjof Capra).

Tentar sustentar a exclusividade da matéria através da física (atualmente) é tão contraproducente quanto a afirmação "50% de minhas afirmativas são mentiras". A própria existência da formulação sugere a sua inviabilidade.
 
Da para ver que o autor é dotado de certo positivismo na maneira de ponderar as coisas. Nesse exemplo abaixo ele agride o que há de mais contemporâneo nos princípios da física para tentar justificar que tudo que existe é só "físic@":

Bem, @pedori, nem vou me preocupar em defender os pontos de vista do Gleiser, mesmo porque acho a discussão interessante. E creio que você já tenha visto as qualificações dele. Mas tudo depende do que você considera "contemporâneo nos princípios da física".

Um link de acesso aberto para essa coluna dele, relativamente antiga, está aqui: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcelogleiser/2013/03/1251265-do-nada-tudo.shtml

Lá você pode fazer comentários e talvez ele responda, não sei. Se você comentar lá e ele responder me avise, por favor, porque quero ler. E tem novas colunas para você comentar também, caso se interesse.

Quanto à antimatéria, duvido que ele desconheça a existência dela, se era essa a sua argumentação. Quanto ao outro constructo que você deu destaque, não sei.
 
É um assunto realmente interessante!

Depois eu vou me cadastrar na Folha para poder fazer comentários no artigo do Gleiser.
O que mais me surpreende é quando ele diz que "existe apenas matéria". Como assim? Não precisamos nem ir na física subatômica para refutar isso, já em E=mc2 vemos que, pelo contrário, tudo que "não há é matéria". A fórmula de Einstein, tão célebre e inquestionável (na atual conjuntura científica), ao dizer que a matéria é uma forma de manifestação de algo tão sutil como a energia, desmistifica o paradigma da ciência materialista e industriosa.

Sobre a questão do Big Bang, ou da origem de tudo, concordo que seja algo difícil até de começar a pensar, porém a teoria mais difundida atualmente envolve a antimatéria:
Matéria e antimatéria não coexistem. Quando se encontram, geram uma explosão que transforma massa em energia. Essa explosão gera energia em forma de raio gama - que possui 10 mil vezes mais energia que o raio solar e o raio X. A ciência acredita que matéria e antimatéria existiam em quantidades iguais quando ocorreu o Big Bang, mas se destruíram. Por alguma razão, sobrou mais matéria - que se moldou e formou planetas, galáxias e estrelas.

Para pluralizar os pontos de vista vou colar aqui um artigo do Boff, que já no título problematiza a questão "tudo é matéria":

MATÉRIA NÃO EXISTE, TUDO É ENERGIA

"O título deste artigo diz uma obviedade para quem entendeu minimamente a teoria da relatividade de Einstein pela qual se afirma ser matéria e energia equivalentes. Matéria é energia altamente condensada que pode ser liberada como o mostrou, lamentavelmente, a bomba atômica.

O caminho da ciência percorreu, mais ou menos, o seguinte percurso: da matéria chegou ao átomo, do átomo, às partículas subatômicas, das partículas subatômicas,
aos “pacotes de onda” energética, dos pacotes de onda, às supercordas vibratórias, em 11 dimensões ou mais, representadas como música e cor.

Assim um elétron vibra mais ou menos quinhentos trilhões de vezes por segundo. Vibração produz som e cor. O universo seria, pois, uma sinfonia de sons e cores. Das supercordas chegou-se, por fim, à energia de fundo, ao vácuo quântico.

Neste contexto, sempre lembro de uma frase dita por W.Heisenberg, um dos pais da mecânica quântica, num semestre que deu na Universidade de Munique em 1968, que me foi dado seguir e que ainda me soa aos ouvidos : “O universo não é feito por coisas mas por redes de energia vibracional, emergindo de algo ainda mais profundo e sutil”. Portanto, a matéria perdeu seu foco central em favor da energia que se organiza em campos e redes.

Que é esse”algo mais profundo e sutil” de onde tudo emerge?

Os físicos quânticos e astrofísicos chamaram de “energia de fundo” ou “vácuo quântico”, expressão inadequada porque diz o contrário do que a palavra “vazio” significa.

O vácuo representa a plenitude de todas as possíveis energias e suas eventuais densificações nos seres. Dai se preferir hoje a expressão pregnant void “o vácuo prenhe” ou a“fonte originária de todo o ser”

Não é algo que possa ser representado nas categorias convencionais de espaço-tempo, pois é algo anterior a tudo o que existe, anterior ao espaço-tempo e às quatro energias fundamentais, a gravitacional, a eletromagnética, a nuclear fraca e forte.

Astrofísicos imaginam-no como uma espécie de vasto oceano, sem margens, ilimitado, inefável, indescritível e misterioso no qual, como num útero infinito, estão hospedadas todas as possibilidades e virtualidades de ser.

De lá emergiu, sem que possamos saber porquê e como, aquele pontozinho extremamente prenhe de energia, inimaginavelmente quente que depois explodiu (big bang) dando origem ao nosso universo.

Nada impede que daquela energia de fundo tenham surgido outros pontos, gestando também outras singularidades e outros universos paralelos ou em outra dimensão.

Com o surgimento do universo, irrompeu simultaneamente o espaço-tempo.

O tempo é o movimento da flutuação das energias e da expansão da matéria. O espaço não é o vazio estático dentro do qual tudo acontece mas aquele processo continuamente aberto que permite as redes de energia e os seres se manifestarem.

A estabilidade da matéria pressupõe a presença de uma poderosíssima energia subjacente que a mantém neste estado.

Na verdade, nós percebemos a matéria como algo sólido porque as vibrações da energia são tão rápidas que não alcançamos percebê-las com os sentidos corporais. Mas para isso nos ajuda a física quântica, exatamente porque se ocupa das partículas e das redes de energia, que nos rasgam esta visão diferente da realidade.

A energia é e está em tudo. Sem energia nada poderia subsistir. Como seres conscientes e espirituais, somos uma realização complexíssima, sutil e extremamente interativa de energia.

Que é essa energia de fundo que se manifesta sob tantas formas?

Não há nenhuma teoria científica que a defina. De mais a mais, precisamos da energia para definir a energia. Não há como escapar desta redundância, notada já por Max Planck.

Esta Energia talvez constitua a melhor metáfora daquilo que significa Deus, cujos nomes variam, mas que sinalizam sempre a mesma Energia subjacente.

Já o Tao Te Ching (§ 4) dizia o mesmo do Tao: ”o Tao é um vazio em turbilhão, sempre em ação e inexaurível. É um abismo insondável, origem de todas as coisas e unifica o mundo”.

A singularidade do ser humano é poder entrar em contacto consciente com esta Energia. Ele pode invocá-la,acolhê-la e percebê-la na forma de vida, de irradiação e de entusiasmo.



Leonardo Boff com Mark Hathaway é autor de The Tao of Liberation. N.York(2010)"
 
É um assunto realmente interessante!

Depois eu vou me cadastrar na Folha para poder fazer comentários no artigo do Gleiser.
O que mais me surpreende é quando ele diz que "existe apenas matéria". Como assim? Não precisamos nem ir na física subatômica para refutar isso, já em E=mc2 vemos que, pelo contrário, tudo que "não há é matéria". A fórmula de Einstein, tão célebre e inquestionável (na atual conjuntura científica), ao dizer que a matéria é uma forma de manifestação de algo tão sutil como a energia, desmistifica o paradigma da ciência materialista e industriosa.


@pedori , como matéria e energia são intercambiáveis, creio que não é preciso muita extrapolação para entender que quando ele diz que só existe matéria, bem, ele está falando do conjunto matéria + energia + o que puder ser provado que é intercambiável. E ele está opondo isso ao que é imaterial, ou seja, não intercambiável. Interpretação de texto e verificar o contexto são bons para o entendimento. Sem crítica pessoal, somente uma observação.

Quanto ao Boff, é uma figura interessante, e esse texto dele também. Já tive alguns livros dele e conservo pelo menos "A Águia e Galinha". Mas digamos que eu prefiro os textos sobre física de autores mais identificados com a área.
 
Não creio que haja um problema de interpretação de texto. Observemos:
"Do ponto de vista científico, algo imaterial não pode interagir com a matéria. Se existe uma interação, deve ser descrita pelas leis da física."

Eu, ignorante que sou, posso dar mais de um exemplo:
1. A não-matéria interage com a matéria.
2. O coração dos buracos negros (onde o tempo pára e o espaço deixa de existir) interage constantemente com a matéria.

Primeiro, essas interações ocorrem entre algo imaterial e algo material e, segundo, essas interações são descritas pelas leis da física.
Depois Gleiser diz:

"Num exemplo meio prosaico, se alguém crê ter visto um fantasma, esse fantasma emitiu radiação eletromagnética no visível. Para ser visto, o fantasma interagiu com seu sistema visual e é uma entidade física, não tendo nada de sobrenatural."

Tentando conferir o estatuto de imparcialidade epistemológica, ele vai contra grandes descobertas da física subatômica, feitas por físicos renomados, "autores mais identificados com a área", se prefere, @Ecuador . O experimento de Heisemberg com a Dinâmica de spin da cadeia antiferromagnética, por exemplo, mostra como uma cadeia de spin é influenciada pelo ângulo do olhar do cientista, alterando sua frequência de cargas (+,-,+,-,+...) em toda sua extensão, até outros pontos observáveis em que outro cientista possa constatar a alteração (mesmo que este não tenha consciência do modo, ângulo ou momento em que o 1º cientista tenha mudado a forma de observação). A alteração ocorre de maneira instantânea (não é causa-consequência) e todas as outras variantes são rigorosamente controladas: a única coisa que muda é a consciência perceptiva do cientista, demonstrando (1º) toda a parcialidade das conclusões científicas, (2º) que "radiação eletromagnética no visível" (como disse Gleiser) não é a única forma de interação entre a consciência humana e os fenômenos físicos (não necessariamente materiais, como também ondulatórios) e (3º) como nossa consciência e percepção constroem o entorno (também contraponto a perspectiva de Geliser, quando diz que "se interage no sistema visual é entidade física"...)

Para mim, a contraposição aqui é entre um modelo de pensamento cartesiano (por mais que Gleiser questione Descartes), reducionista e o paradigma emergente do século XX, holista ou sistêmico (que vê o todo como indissociável, de modo que o estudo das partes não permite conhecer o funcionamento do organismo).
Desculpe, sei e admito que estou sendo parcial e pejorativo nessa descrição, mas é como me soa: eu me identifico com o segundo modelo, gosto do debate, respeito as múltiplas perspectivas (estaria sendo completamente contraditório se dissesse que não), mas realmente me identifico muito mais com um paradigma sistêmico.
Quando Gleiser diz, por exemplo, "o fantasma interagiu com seu sistema visual e é uma entidade física" me soa realmente causalista e Newtoniano.
(cf. "O Ponto de Mutação", do físico quântico Fritjov Capra)
 
Para mim, a contraposição aqui é entre um modelo de pensamento cartesiano (por mais que Gleiser questione Descartes), reducionista e o paradigma emergente do século XX, holista ou sistêmico (que vê o todo como indissociável, de modo que o estudo das partes não permite conhecer o funcionamento do organismo).



Eu, como disse acima, creio que nessa questão da matéria versus outros estados é só interpretar o pensamento do Gleiser. Mas se você prefere se agarrar à letra que mata ... então tá.

Quanto ao tal paradigma emergente holístico, tudo bem, belos textos, apelo à imaginação, mas o problema é que as hipóteses do mesmo se revelam escorregadias na hora dos testes. E se não há como testar, bem, você pode gostar, mas acaba sendo questão de crença.


Talvez ao invés de chamar um mecânico (isso sim é mecanicismo :D) para consertar o carro que quebrou, um adepto do paradigma holístico deva chamar o Capra.

Ou na hora de tratar um cancer ir a um curandeiro ou xamã ao invés de procurar um médico. Tem gente realmente que faz essa segunda escolha, e por mim tudo bem, desde que eu possa escolher a minha forma de tratamento.
 
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