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A utopia da teoria unificada do Universo e outros textos de Marcelo Gleiser

Folha de São Paulo - 31/07/2011

Em busca de significado

A ciência nos ensina sobre a nossa íntima relação com o Universo: a matéria da qual somos feitos é também a de estrelas, planetas e luas

AQUI NA coluna, abordamos tanto questões mais imediatas, como o aquecimento global e a crise energética, como as mais fundamentais, como o significado do tempo e o debate entre a ciência e a religião.

Hoje, gostaria de abordar uma questão que, a meu ver, está no cerne do antagonismo entre a ciência e a religião: será que o desenvolvimento científico criou um vazio espiritual? Será que a ciência só serve para gerar fatos e dados sobre o mundo natural?

Ou será que pode ir mais fundo, talvez criando uma nova forma de espiritualidade?

Para começar, cito meu livro "O Fim da Terra e do Céu": "O desenvolvimento da ciência nos séculos 18 e 19, baseado na interpretação racional dos fenômenos naturais, foi seguido, ao menos no Ocidente, por um abandono progressivo da religião. O conforto espiritual encontrado na fé foi gradualmente abandonado, em nome de um sistema de pensamento secularizado. O historiador da religião S. G. F. Brandon expressou claramente tal preocupação quando escreveu: 'Para os pensadores do Ocidente, nenhuma missão pode ser mais urgente do que a resolução desse dilema, se possível produzindo uma filosofia da história adequada, isto é, que justifique o sentido da vida dos homens dentro de sua duração temporal finita'."

Logo a seguir, pergunto se, ao vermos a ciência além de seu papel de quantificadora da Natureza, podemos talvez encontrar ao menos parte desse "sentido": "Talvez fosse isso que Einstein tinha em mente quando introduziu o seu 'sentimento cósmico religioso', a inspiração essencialmente religiosa por trás do ato racional de compreendermos o Cosmos. A ciência e a religião nascem das mesmas ansiedades que torturam e inspiram o espírito humano. E a conexão entre as duas é a nossa existência finita em um Cosmos aparentemente infinito".

Obviamente, o tempo também complica as coisas, pois a perda dos que amamos e a nossa própria mortalidade são causas de muita dor.

Nessas horas, encontro consolo em muitas coisas. Mas uma das mais significativas é o que a ciência nos ensina sobre nossa íntima relação com o Universo: a matéria da qual somos feitos é também a matéria das estrelas, dos planetas e de suas luas, e de todos os seres vivos.

O tempo que usamos para descrever as transformações que experimentamos é o mesmo da expansão cósmica. O tempo passa para o Universo também. Como escreveu o naturalista americano John Muir, "ao movermos uma única coisa na Natureza, descobrimos que ela está presa ao resto do Universo".

Não existe uma solução única para os nossos anseios. Não sei onde você encontra sentido para a sua vida. No meu caso, a busca se desdobra em muitas trilhas.

Ao tentar entender um pouco mais sobre os mistérios do mundo natural; na convivência com minha família e amigos; em saber que sou um ser humano no nosso raro planeta Terra. Para mim, o sentido não está na ciência em si, mas na busca pelo conhecimento. Talvez seja assim também com um músico, que dá sentido à sua busca tocando o seu instrumento. As técnicas nos dão os meios, mas não são um fim em si mesmas. É tocar, e dividir a música com os outros, que importa.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"
 
Eu acho mais logico que a matéria organizada manifestasse a consciência. Oq claro, não quer dizer q antes da matéria organizada não existisse consciência.

Eu acho que é algo além do "sempre existiu".

Espaço x Tempo x Matéria = único presente

A comunhão é infinita, não tem como classificar o que chegou 1º, ou o que foi gerado em 1º lugar.

Essa teoria do "surgimento" do Universo não me sôa muito bem, pois querendo ou não, dá a entender que alguma (única?) força criativa em tempo zero deu sentido a toda essa estranha existência - espaço/tempo/materia.
 
Folha de São Paulo - 11/12/2011

Acreditar é humano

A religião nasceu da união de reverência e necessidade. E, assim, continua definindo como a maioria vê o mundo

O ser humano é um animal acreditador. Talvez esse seja um bom modo de definir nossa espécie. "Humanos são primatas com autoconsciência e a habilidade de acreditar." Já que " acreditar" sempre pede um "em quê?", refiro-me aqui a acreditar em poderes que transcendem a percepção do real, algo além da dimensão da vida ordinária, além do que podemos perceber apenas com nossos sentidos.

Eu me pergunto se a necessidade de acreditar em algo (não uso a palavra "fé", pois essa tem toda uma conotação religiosa) é consequência da consciência. Será que outras inteligências cósmicas também acreditam?

Parece que somos incapazes de viver nossas vidas sem acreditar na existência de algo maior do que nós, algo além do "meramente" humano. Bem, nem todos nós, mas a maioria. Isso desde muito tempo. Para os babilônios e egípcios, os céus eram mágicos, a morada dos deuses, ponte entre o humano e o divino. Interpretar os céus era interpretar mensagens dos deuses, muitas vezes dirigidas a nós mortais.

Essa divinização da natureza é muito mais antiga do que a civilização. Pinturas rupestres, os símbolos mais antigos da expressão humana, já demonstram a atração que nossos ancestrais nas cavernas tinham pelo desconhecido, sua reverência por poderes além de seu controle. As pinturas de animais representavam encantamentos, uma mágica gráfica criada com o objetivo de auxiliar os caçadores em sua empreitada, cujo sucesso garantia a sobrevivência do grupo.
Fico imaginando o poder que essas imagens -que dançavam à luz do fogo- exerciam sobre o grupo reunido na caverna, uma tentativa de recriar a realidade para ter algum controle sobre ela. A religião nasceu da combinação de reverência e necessidade. E assim continua, definindo como a maioria dos humanos vê o mundo.

Mesmo após termos desenvolvido meios para explorar fontes de energia da natureza, estamos ainda à mercê dos elementos. Muitos chamam enchentes, tornados, erupções vulcânicas ou terremotos de atos divinos, representando forças além do nosso controle.

A ciência, claro, atribui esses desastres a causas naturais, o que acarreta abandonar a crença de que a fé pode nos ajudar de alguma forma a controlá-los. Fica difícil, hoje em dia, rezar para o deus do vulcão ou para o deus da chuva.
Esse é um desafio para a ciência e para os seus educadores: a ciência pode explicar, às vezes prever e, até certo ponto, proteger-nos de desastres naturais. Porém, não pode competir com o poder da crença na imaginação humana, mesmo na completa ausência de evidência de que possa nos proteger contra desastres naturais.

O mundo estava cheio de deuses no início da história da nossa espécie e, para muitas pessoas, assim continua. A resposta, parece, não é tentar transformar a ciência numa espécie de deus, substituindo uma crença por outra, mas, ao contrário, mostrar que vidas podem ser vividas sem a crença em poderes divinos cuja intenção é nos manipular, seja para o bem ou para o mal.

Talvez a maior invenção da vida na Terra tenha sido essa espécie de primatas com a capacidade de imaginar realidades que a transcendem.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita".

Facebook:http://goo.gl/93dHI
 
Achei horrível o texto do amigo.


A convicção no ateísmo do autor chega a ser explícita.
Humanos são primatas? Bem, eu tenho certeza que não evolui de um macaco, desculpe-me Darwin, evolui de um ser humano, humanos não são primatas na minha opinião. A limitada "ciência" ou os homens de branco, entre quatro paredes, ainda não conseguiram explicar o elo perdido, mas já querem rotular.
As pinturas de animais representavam encantamentos, uma mágica gráfica criada com o objetivo de auxiliar os caçadores em sua empreitada, cujo sucesso garantia a sobrevivência do grupo.
Sim isso é o que dizem os livros de história da 7ª série do ensino fundamental. Claro, como é professor de "física" não deve ter Malinowski, Mauss, Foucault etc. Ou seja, não há como ter certeza disso.
 
Folha de São Paulo - 15/01/2012

Antes do Big Bang

Voltando no tempo, as galáxias se apertam, o calor aumenta e a matéria se dissocia em partículas

Como escreveu Milan Kundera, "as únicas perguntas sérias são aquelas que até uma criança pode fazer". Dentro desse espírito, hoje olharemos para algumas dessas perguntas sobre o Universo.

O modelo do Big Bang usa observações para concluir que o Universo originou-se há 13,7 bilhões de anos e que vem se expandindo e esfriando desde então. Essa afirmação não é uma crença. Ela se baseia em evidências concretas. O princípio da ciência é "ver para crer" e não vice-versa.

Sabemos que o Universo está em expansão pois, ao medirmos a luz de galáxias distantes, vemos que ela é desviada em direção a maiores comprimentos de onda, como prevê o efeito Doppler. Imaginando a luz como uma onda (ou o fole de um acordeão), a expansão implica na maior separação entre os picos, causando mudanças na luz que é medida na Terra.

Essa expansão é uma dilatação do próprio espaço. Galáxias não são como os detritos de uma bomba que explodiu. Caso fossem, o Universo teria um centro onde tudo começou. Pelo contrário, todos os pontos no Cosmo são importantes, como na superfície de uma bola.

Imaginando as galáxias como moedas coladas à bola, quando ela infla, um observador em uma galáxia verá todas as outras afastando-se dele. Mas outros observadores em outras galáxias verão a mesma coisa: nenhum é mais central que os outros. Nosso Universo é assim, mas em três dimensões (a superfície da bola tem duas dimensões).
Mas se o Universo está se expandindo, o que há do lado de fora?

A confusão vem de vermos a expansão cósmica como uma bola imersa no espaço à sua volta. Vendo a superfície da bola como um Universo em duas dimensões, tudo o que existe é a superfície e nada mais: a bola infla e crescem as distâncias entre as moedas (as galáxias). Nada existe, ou precisa existir, do "lado de fora". O espaço nasce e cresce com a expansão.

A coisa é mais sutil pois, devido à velocidade da luz, só podemos ver até uma certa distância. Nosso "horizonte" chega a uns 42 bilhões de anos-luz, distância percorrida pela luz em 13,7 bilhões de anos. (Seriam 13,7 bilhões de anos-luz se o Universo não estivesse em expansão, mas a luz pega carona com a dilatação do espaço e viaja três vezes mais longe.) Portanto, pode haver bastante espaço "lá fora", além do horizonte, também em expansão.
Porém, ao voltarmos no tempo, a "bola" fica menor e as galáxias se apertam. O calor aumenta e a matéria se dissocia em seus constituintes básicos: de moléculas a átomos e, depois, outras partículas. Rapidamente, chegamos a uma época em que as energias estão além do que podemos testar em laboratório.

O que ocorreu no começo? Há duas escolas: uma afirma que o Universo, como uma bolha em uma sopa fervendo, surgiu de uma flutuação submicroscópica, e que só então, quando a energia dessa bolha espacial transformou-se em matéria, o tempo começou. Não existia um "antes" pois não existia mudança alguma para ser quantificada.

Outra diz que o Universo é parte de um multiverso eterno, entidade em que todos os universos possíveis coexistem. O fascinante é que essa hipótese pode até ser verdadeira. Mas não sabemos como testá-la.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook:http://goo.gl/93dHI
 
Humanos são primatas?

Xé @tupy,

Não. Primatas é que são humanos. :)

Se você parar para pensar (de preferência talvez a luz dos urupês), você vai ver que não há absolutamente nenhuma diferença essencial entre qualquer um de nós e um chimpanzé, com quem por sinal, compartilhamos 99,4% dos genes. Ou mesmo ao gato sentado ao meu lado no sofá.

O fato de eles não terem cordas vocais ou a laringe adaptada para a fala, não os impede de sentir ou sofrer com este triste deste padrão de pensamento.

É justamente esta visão de superioridade "umbigocêntrica" do "home sapiens" é que está levando o mundo a destruição. Enquanto pensarmos deste modo, continuaremos a ser o câncer que está matando Gaia.

No fundo, somos todos diferentes manifestações do mesmo Deus. Folhas de uma mesma árvore.

Anauê!
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Aproveitando o assunto, compartilho com vocês um vídeo muito interessante que vi estes dias, é meio longo, mas vale cada minuto:

 
Folha de São Paulo - 22/01/2012

Por que duvidam da evolução?

Será que é tão ofensivo ter um ancestral em comum com outros primatas, como os chimpanzés?

Ao menos nos EUA, a evidência é indiscutível. Em uma pesquisa do grupo Gallup na véspera do aniversário de 200 anos do nascimento de Charles Darwin, no dia 12 de fevereiro de 2009, apenas 39% dos americanos responderam que "acreditam na teoria da evolução".

Não há dados semelhantes no Brasil, mas imagino que os números sejam semelhantes ou piores.

A mesma pesquisa relaciona o resultado com o nível educacional dos respondentes. Apenas 21% das pessoas com ensino médio completo ou menos acreditam na evolução. O número sobe para 53% nos graduados e 74% em quem tem pós-graduação.

Outra variável investigada foi a relação do resultado com frequência à igreja. Dos que acreditam em evolução, 24% vão a igreja semanalmente, 30% ao menos uma vez por mês e 55% nunca vão. Quanto mais crente, maior a desconfiança em relação à teoria de Darwin.

Por outro lado, a evidência em favor da evolução também é indiscutível. Ela está no registro fóssil, datado usando a emissão de partículas de núcleos atômicos radioativos. Rochas de erupções vulcânicas (ígneas) enterradas perto de um fóssil contêm material radioativo. O mais comum é o urânio-235, que decai em chumbo-207.

Analisando a razão entre o urânio-235 e o chumbo-207 numa amostra de rocha ígnea e sabendo a frequência com que o urânio emite partículas (em 704 milhões de anos, a quantidade de urânio numa amostra cai pela metade), cientistas obtêm uma medida bastante precisa da idade do fóssil. Por exemplo, os dinossauros desapareceram há 65 milhões de anos.

A evidência em favor da evolução aparece também na resistência que bactérias podem desenvolver contra antibióticos. Quanto mais se usam antibióticos, maior a chance de que mutações gerem bactérias resistentes. Esse tipo de adaptação por pressão seletiva pode ser investigado no laboratório, sujeitando populações de bactérias a certas drogas e monitorando modificações no seu código genético.

Posto isso, pergunto-me por que a evolução causa tanto problema para tanta gente. Será que é tão ofensivo assim termos tido um ancestral em comum com outros primatas, como os chimpanzés?

A nossa descendência é ainda muito mais dramática: se formos mais para o passado, todos os animais que existem descenderam de um único ancestral, o Último Ancestral Universal Comum (na sigla Luca, em inglês), que provavelmente era um ser unicelular.

Essa desconfiança do conhecimento científico é muito estranha, dada a nossa dependência dele no século 21. (De onde vêm os antibióticos e iPhones?) O problema parece estar ligado ao Deus-dos-Vãos, a noção de que quanto mais aprendemos sobre o mundo, menos Deus é necessário. Os que interpretam a Bíblia literalmente veem nisso uma perda de rumo. Se Deus não criou Adão e Eva e se não nos tornamos mortais após a "queda do Paraíso", como lidar com a morte?

Uma teologia que insiste em contrapor a fé ao conhecimento científico só leva a um maior obscurantismo. Mesmo que não acredite em Deus, imagino que existam outras formas de encontrar Deus ou outros caminhos em busca de uma espiritualidade maior na vida.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook: http://goo.gl/93dHI
 
Quando eutrabalhei em um zoologico, e podia ver os chimpanzes/gorilas bem de perto, com só 1 vidro me separando deles, eu pude ver o tanto que esses primatas sao humanos, os olhares, os jestos, o jeito de cuidar do filhote. Mas o pessoal quer acreditar em adao e eva, literalmente(nao como uma fabula ancestral), ai da no que dá. Chega a ser absurdo acreditar isso no pe da letra.
 
Folha de São Paulo - 29/01/2012

Quem deve se ligar na ciência?

Há uma distância cada vez maior entre a ciência que as pessoas consomem e a ciência que conhecem

Para muitos leitores da minha coluna, a pergunta do título tem uma resposta óbvia. Mas esse não é o caso da maioria das pessoas. Basta entrar em uma livraria e tentar encontrar a parte de ciência. Ou checar as listas dos livros mais vendidos da Folha ou de outras editoras. Claro, volta e meia um livro sobre ciência entra na lista e fica por lá durante um tempo. Mas, em geral, são títulos que combinam ciência e religião ou ciência e política. A mesma coisa acontece no caso dos documentários sobre ciência.

Ninguém espera que a população brasileira se ligue nas últimas descobertas da ciência como se liga em novelas ou no "Big Brother". Mas o que me preocupa é a distância cada vez maior entre a ciência que as pessoas consomem e a ciência que conhecem. Cada vez mais, a tecnologia se torna uma "caixa preta" em que celulares e GPSs não são tão diferentes de objetos mágicos, importados do mundo do Harry Potter. Isso sem incluir questões científicas mais fundamentais -como a origem do Universo ou a da vida -e seu impacto cultural, por extensão, na nossa visão de mundo.

Podemos separar os modos de interação da ciência com o público em duas vertentes principais. A primeira lida com os usos da ciência, suas aplicações tecnológicas na eletrônica, na medicina ou na exploração e no uso de diferentes formas de energia. A segunda lida com questões mais metafísicas como "origens" ou o fim do Universo ou o que existe dentro de um buraco negro.

Em ambos os casos, a educação tem um papel crucial: tanto formal, nas escolas em todos os níveis, quanto informal por meio de livros, documentários, palestras e jornais.

Algo curioso ocorreu a partir do início do século 20: quanto mais a ciência progrediu, mais ela se afastou dos fenômenos do dia a dia, tornando-se progressivamente mais abstrata e até mesmo bizarra.

Para uma pessoa do século 18, não há dúvida de que muitas descobertas foram estarrecedoras. Por exemplo, a descoberta de Urano e de centenas de nebulosas por William Herschel expandiram dramaticamente as dimensões do Cosmo. Mesmo assim, eram descobertas "palpáveis", que necessitavam de um telescópio que podia ainda ser montado num jardim -embora tivesse de ser bem poderoso.

No entanto, para se "ver" uma molécula de DNA ou um quasar a 5 bilhões de anos-luz são necessários instrumentos altamente especializados, fora do alcance de um cidadão comum. A distância entre os objetos e métodos da ciência e a maioria das pessoas só tende a aumentar. Talvez seja por isso que um leitor outro dia me disse que, para ele, acreditar em Deus ou no que os cientistas dizem sobre a teoria do Big Bang era a mesma coisa.

Algo similar acontece com o aquecimento global: sem evidências concretas e imediatas, as pessoas acham difícil "acreditar" no assunto -mesmo que ninguém precise acreditar em asserções científicas, apenas examinar a evidência disponível e chegar a uma conclusão.

Se mais cientistas se engajarem no ensino da ciência nas escolas e na sua popularização por meio da mídia, a distância entre as descobertas da ciência e a sua compreensão pelo público não especializado diminuirá. Cada vez mais, quem não se ligar na ciência ficará para trás.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook:http://goo.gl/93dHI
 
Folha de São Paulo - 11/03/2012

Será o mundo uma ideia?

Para Platão, a essência da realidade é percebida pela razão; isso deu à mente do homem um status semidivino

"A mente humana é mais incrível do que o Universo", disse-me outro dia minha filha adolescente. "Por que?" perguntei. "Ora, tudo começa nas nossas cabeças. Sem nossas mentes, não existiria um Universo."
"Será isso mesmo?", perguntei-me em silêncio. A rixa entre o que é e o que é percebido é tão antiga quanto a filosofia. Tem algo a ver com a pergunta "se uma árvore cai na floresta e ninguém está lá para ouvir, ela faz barulho?" (adaptada aqui). Mas é mais complexa.

Platão tornou explícita a divisão entre o mundo das ideias e o mundo dos sentidos. No seu famoso "Mito da Caverna", imaginou um grupo de prisioneiros acorrentados por toda a vida numa caverna. Podiam apenas olhar para uma parede, onde viam sombras projetadas por um fogo que queimava atrás deles. Com isso, sua percepção da realidade era profundamente distorcida, visto que nunca podiam olhar para os objetos que criavam as sombras. Apenas por meio de seus sentidos, jamais poderiam capturar a verdade sobre o mundo.

Platão usa a alegoria para argumentar que apenas o pensamento puro, livre das distorções da percepção sensorial, pode nos revelar verdades absolutas, imutáveis.

Segundo ele, a essência da realidade só pode ser percebida pela razão. Com isso, deu à mente humana um status semidivino, a ponte por onde chegamos ao absoluto. Para Platão, a essência do real é encapsulada por formas abstratas. Conhecê-las é chegar mais perto da verdade. Por exemplo, todas as mesas têm a forma de mesa, mesmo que os detalhes sejam diferentes. Apenas a ideia de um círculo é um círculo perfeito. Qualquer representação dele será imperfeita.

Dada a sua conexão com a busca pela verdade, não é surpreendente que as ideias de Platão tenham influenciado tanto cientistas quanto teólogos. Se as formas têm estrutura geométrica, a matemática (que estuda suas propriedades) segue em direção à verdade. Se a linguagem da natureza é a matemática, como afirmou Galileu, quanto mais as ciências físicas forem fundamentadas na matemática, mais perto da verdade estarão.

Essas ideias inspiraram alguns dos grandes nomes da ciência, de Copérnico e Kepler à Planck e Einstein. E continuam a fazê-lo, em particular para físicos que trabalham com teorias que tentam explicar toda a estrutura física do Universo, como a teoria das supercordas.

Para teólogos inspirados por Platão, como o genial Nicolau de Cusa, que viveu no século 15, a perfeição existe apenas em Deus. Com essa ideia, Cusa supôs que a Terra não poderia ser o centro do Universo. Cusa também não levava a sério a possibilidade de humanos obterem verdades absolutas. Para ele, elas estão na essência de Deus, que é incompreensível aos humanos.

Se a noção do Deus Geômetra não é mais muito popular, a do Homem Geômetra permanece firme e forte, e está por trás de grandes descobertas científicas e matemáticas.

Sem nossas mentes nada disso seria possível. Imaginamos e compreendemos o Universo com elas. Por outro lado, talvez seja bom levar a sabedoria de Cusa a sério e lembrar que o que criamos e entendemos é expressão de nossa criatividade, tendo pouco ou nada a ver com verdades finais e absolutas.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook:goo.gl/93dHI
 
Folha de São Paulo - 10/06/2012

Breve meditação sobre o Nada

Na física moderna, o espaço vazio, o 'Nada', pode abrigar flutuações capazes de dar origem a todo um universo

Recentemente, envolvi-me num debate com o físico Lawrence Krauss, que publicou um livro no qual afirma que a física hoje explica como o Universo surgiu do nada. Ou seja, a velha questão da Criação sob roupagem científica, e mais um exemplo de arrogância intelectual.

É bom começar com Aristóteles, que decidiu que a "natureza detesta o vácuo", declarando que o "nada" não existe, ao menos como vazio absoluto. Para ele, o espaço era pleno de éter, a substância dos planetas e demais objetos celestes.
No século 17, Descartes também propôs que a natureza era plena. Os planetas eram carregados em torno do Sol por redemoinhos celestes, criados pela circulação duma substância que enchia o espaço.

Newton mostrou que Descartes estava errado, argumentando que a fricção causaria a queda da Lua sobre a Terra. Para ele, a gravidade podia ser explicada por uma força à distância, agindo no vazio.

Esse pingue-pongue continuou até o século 19, quando James Maxwell mostrou que a luz é uma onda eletromagnética. Como toda onda, precisava dum meio para se propagar. Maxwell e outros sugeriram o éter, diferente do dos gregos, mas que preenchia o espaço sem provocar fricção nas órbitas celestes.

Em 1905, Einstein mostrou que o éter era desnecessário: as ondas de luz podem se propagar no espaço vazio. Mais uma vez, o éter some.

Em torno da mesma época veio a mecânica quântica, para explicar a física dos átomos. Foi então que tudo mudou: as regras no mundo dos átomos são diferentes das do nosso mundo. Mais precisamente, seus efeitos existem no nosso mundo, mas são imperceptíveis.

No mundo atômico, nada para. A matéria vibra incessantemente, feito gelatina sacudida. Se você tenta localizar um elétron num ponto do espaço, ele escapa feito uma gota de mercúrio. Esse é o princípio da incerteza de Heisenberg, que impõe um limite absoluto na informação que podemos obter do mundo.

Como movimento tem energia, o princípio também diz que a energia nunca é zero. Na física moderna, representamos uma partícula como excitação de um campo. O espaço é permeado por campos que, de vez em quando, criam partículas.

Os campos vibram incessantemente e, com isso, podem criar partículas com energias variadas: quanto maior a energia, menos tempo essas partículas duram, retornando ao "nada" de onde vieram, o campo vazio (ou vácuo). Se incluirmos a gravidade nesse esquema, e entendendo que é interpretada como a curvatura do espaço causada pela matéria, flutuações quânticas no campo gravitacional levam à flutuações na curvatura do espaço.

Temos, então, o espaço vazio, o "Nada", onde uma flutuação pode levar a uma bolha de espaço, um cosmoide que pode crescer e se transformar num universo inteiro.

É assim que a cosmologia descreve a criação do Universo a partir do nada. Esse tipo de explicação pressupõe toda uma estrutura conceitual, e não faz sentido sem ela. Já não basta celebrar a inventividade humana, capaz de criar teorias desse tipo, sem ter de elevá-la a um nível divino? Parece-me óbvio que a mente humana não pode criar num vácuo: o "nada" absoluto é importante como instrumento metafísico, mas sem importância no mundo real.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook: goo.gl/93dHI
 
Folha de São Paulo - 23/09/2012

Além da fronteira do Cosmos

A ideia de que o Universo se expande a partir de um ponto central, embora intuitiva, está errada

Onde termina o Universo? A resposta depende de muitos fatores. Quando os cosmólogos afirmam que o Universo está em expansão, as pessoas imaginam uma espécie de explosão a partir de um ponto central, feito uma bomba. As galáxias que se afastam são como os detritos da bomba, voando pelo espaço.

Embora seja intuitiva, essa imagem está errada. A expansão do Universo é uma expansão do próprio espaço, o qual, após a teoria da relatividade geral de Einstein, ganhou plasticidade: ele pode se expandir, contrair-se ou se dobrar como um balão de borracha.

As galáxias -que, feito ilhas num oceano, são os marcos cósmicos de distância- são carregadas pela expansão do espaço. Se elas têm um movimento adicional, por exemplo, quando duas próximas se atraem gravitacionalmente, ele é superposto ao seu afastamento inexorável, causado pela expansão do espaço. Uma das consequências imediatas dessa expansão é que o Universo não tem um centro.

Imagine que você, da sua galáxia, observa outras à sua volta. Com a expansão do espaço, todas estão se afastando. A conclusão seria que a sua galáxia deve ser o centro de tudo -mas não é. Um observador numa outra galáxia vê todas as galáxias, inclusive a nossa, afastando-se dele. O mesmo com todas as galáxias. No Universo, todos os pontos são igualmente importantes.

Mas, se isso é verdade, como explicar a contração do espaço perto do Big Bang? Se o Universo agora está em expansão, no passado as distâncias eram menores. Astrônomos podem medir as velocidades de afastamento das galáxias e, passando o filme ao contrário, projetar quando elas estariam amontoadas em um volume mínimo.

Esse momento marca o início da nossa história cósmica, quando tudo começou -cerca de 13,7 bilhões de anos atrás, aproximadamente o triplo da idade da Terra.

Quando juntamos a história cósmica com a velocidade da luz, chegamos ao conceito de horizonte cósmico. Como a velocidade da luz define a da informação que recebemos, num Universo com idade finita só podemos receber informação de objetos situados até a distância que a luz percorreu nesse tempo. Feito a linha do horizonte, que marca quão longe enxergamos da praia.

Mas o mar não termina no horizonte. E o Universo? Também não. Se o Universo não estivesse em expansão, a distância até o horizonte seria de 13,7 bilhões de anos-luz. Como o espaço estica com o tempo, ondas de luz pegam uma carona e podemos ver mais longe: o horizonte cósmico fica a cerca de 46 bilhões de anos-luz de distância.

Para além desse horizonte, podemos apenas especular. Pode ser que o Universo seja espacialmente infinito com uma geometria plana (feito o topo de uma mesa, mas em três dimensões) ou aberta (feito o topo de uma sela de cavalo, mas em três dimensões, difícil de visualizar).

O Universo também pode ser fechado, feito a superfície de um balão (mas em três dimensões), ou ter uma forma ainda mais estranha.

A existência do horizonte sugere uma limitação séria: somos parcialmente cegos no que tange à estrutura cósmica. Além do horizonte pode até haver um multiverso. Mas nos certificar disso parece, ao menos por ora, muito difícil, se não impossível.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook: goo.gl/93dHI
 
Folha de São Paulo - 30/09/2012

A terceira Revolução Copernicana

Revoluções como as de Copérnico tiraram a centralidade da Terra e da Via Láctea no Universo

QUANDO, EM 1917, Einstein propôs o primeiro modelo cosmológico da era moderna, não havia qualquer razão para supor que o Universo teria um começo. Tudo indicava que o Universo era estático e infinitamente velho, sem um início.

Tudo indicava também que a Via Láctea era tudo o que existia. Outras "nebulosas", vistas com telescópios, eram supostamente parte dela. Para além da Via Láctea, o Cosmo se estendia pela escura vastidão infinita do espaço vazio.
Em menos de uma década, porém, tudo iria mudar. Para o horror da maioria dos cientistas, o Cosmo ganhou uma história, que, ao menos qualitativamente, lembrava o "Faça-se a Luz!" bíblico.

Numa sucessão de observações sensacionais, graças a um telescópio de cem polegadas e uma metodologia impecável, o astrônomo americano Edwin Hubble e seu assistente Milton Humason determinaram, em 1924, que a Via Láctea era apenas uma entre "centenas de milhares" de outras galáxias.

Hoje, sabemos que existem centenas de bilhões de galáxias. Após Hubble, a imagem da distribuição da matéria pelo espaço mudou completamente: não havia mais um "centro", a Via Láctea, mas um enorme número de núcleos. De certa forma, a descoberta foi uma versão moderna da Revolução Copernicana, visto que foi nela que a Terra perdeu sua centralidade.

Como se isso não bastasse, em 1929, Hubble e Humason demonstraram que as galáxias se afastavam umas das outras. A conclusão, ainda mais chocante, inclusive para Einstein, era a de que o Universo não era estático, mas estava em expansão. Com isso, o Cosmo ganhou uma história: voltando no tempo, haveria um momento no qual as galáxias estavam amontoadas, o momento da "criação".

Se Hubble estivesse certo, a cosmologia se tornava mítica, colocando-a próxima das questões religiosas: se o Universo tem uma história, como ela começou? "Quem" a começou? Por que ela começou?

A situação tornou-se ainda mais interessante quando, em 1927, o padre-cosmólogo belga Georges Lemaître propôs que o Universo surgiu da desintegração espontânea de um gigantesco átomo primordial.

Lemaître inventou um modelo científico da "criação", mesmo se insistisse que não havia qualquer relação com a Bíblia. Mas a associação era inevitável. Ninguém prestou, ou quis prestar, atenção nas ideias de Lemaître até que Hubble descobriu a expansão.

Desde então, a cosmologia vem se debatendo com a questão do "início" de tudo. Em 1948, três ingleses sugeriram uma alternativa, o "modelo do estado padrão", no qual o Cosmos não teria um começo: por toda a eternidade, a matéria era criada na mesma proporção em que se diluía devido à expansão.

Porém, nos anos 1960, o modelo rival do Big Bang é que foi verificado por observações. Tudo indica que ao menos nossa etapa cósmica surgiu mesmo de um evento inicial.

Mas e se nosso Universo não for único, mas parte de um multiverso, esse sim eterno? Modelos atuais pressupõem que seja esse o caso, que o multiverso existe eternamente e que o nosso existe entre incontáveis outros. Seria a terceira Revolução Copernicana, agora removendo a centralidade do Universo.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita".

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Folha de São Paulo - 07/10/2012

Ciência e fé: realidades paralelas

O que irrita os cientistas, ao menos os que são ateus, é a insistência dos que têm fé em crer em algo inacessível

No perene debate entre a ciência e a religião, algo que costuma irritar os cientistas, ao menos aqueles que se consideram ateus, é a insistência dos que têm fé em acreditar numa realidade paralela, inacessível à razão. Vejamos isso num diálogo fictício entre um cientista ateu e uma pessoa de fé bem versada nos avanços da ciência.

Cientista: "Uma causa sobrenatural não faz sentido: se for sobrenatural, isto é, além dos limites do espaço e do tempo, das leis da natureza, do material, como podemos saber da sua existência?

Afinal, o que existe tem de ser detectado. Caso contrário, essa existência é uma fabricação, uma fantasia. Pior ainda, se essa causa se manifestar naturalmente, através de uma 'visão' ou de um fenômeno qualquer, vira uma causa natural, que pode ser estudada pelos métodos da ciência. Ou seja, se algum deus existe, é impossível saber da sua existência de forma concreta. E não existe outra forma de saber".

Pessoa de fé: "A coisa não é assim tão simples, preto ou branco, existe ou não existe.

Entendo que, dentro do método científico, algo precisa ser detectável para que se comprove que é real. Ninguém sabia da existência de Urano até sua detecção por William Herschel em 1781. Mas, antes da detecção, Urano existia ou não? Claro que sim, mesmo que não soubéssemos disso. A ciência não pode determinar com firmeza o que não existe, apenas o que existe".

Cientista: "Mas você não pode, não deveria, comparar Deus a um objeto celeste. Pelo que entendo, Sua existência não passa pelas leis da natureza. Se passasse, Deus seria um fenômeno natural e deixaria de ter essa transcendência de que vocês tanto gostam e que ajuda a crença. Se Deus se 'esconde' numa realidade paralela, jamais fará parte do cânone da ciência".

Pessoa de fé: "Sem dúvida, Deus jamais fará parte do cânone da ciência. Esse é o seu problema, tudo tem de ser parte desse cânone. E eu já não penso assim.

Existem coisas que estão além da ciência, coisas que a ciência não tem como e nem deveria tentar explicar. A ciência tem um método bastante claro de estudo, separando o objeto a ser estudado do todo. Esse método supõe que a separação pode ser feita. Isso funciona muito bem no laboratório, ou quando um astrônomo observa uma galáxia.
Mas como explicar, por exemplo, o Universo como um todo, a questão da origem de tudo? Como olhar para o Universo como um objeto de estudo, se não podemos sair dele?".

Cientista: "Esse é o problema mais complicado, que os filósofos gostam de chamar de Primeira Causa, e os físicos, de 'condições iniciais'. Verdade, temos sempre de supor um contexto para oferecer uma explicação. Não temos ainda uma lei que explique como selecionar uma condição inicial dentre as várias possíveis. Mas nem por isso devemos supor que a explicação é sobrenatural, obra de uma entidade que não podemos saber se existe. Que tipo de explicação é essa?".

Pessoa de fé: "Essa é a explicação pela fé, além da ciência".

Cientista: "Eu prefiro continuar tentando entender do meu jeito".

Pessoa de fé: "Boa sorte, que Deus te inspire".

Cientista: "Eu prefiro me inspirar sozinho mesmo".

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook:goo.gl/93dHI
 
Folha de São Paulo - 04/11/2012


MARCELO GLEISER


A morte do Nada


Desde o início, a filosofia pergunta se existe espaço vazio no Universo; agora, o Nada bateu as botas

É com grande pesar que vos informo da morte do Nada. Pois é, caro leitor, após mais de dois milênios de ambiguidades e confusões, parece que desta vez o Nada bateu mesmo as botas. São coisas que temos de aceitar em vista da evidência extremamente convincente vinda tanto da física das partículas elementares -que visa explicar a composição mais fundamental da matéria - como da astronomia. Comecemos com as partículas.

A questão da composição material do mundo é tão velha quanto a filosofia; foi Tales, o primeiro dos filósofos gregos, que perguntou: "Do que o mundo é feito?".

Desde então, a discussão girou em torno da questão do vazio ou, menos precisamente, do Nada: existe o espaço vazio, destituído de qualquer tipo de matéria ou substância? Ou será que algo o preenche, como o ar preenche nossa atmosfera?

Um tremendo vaivém se deu com o passar dos séculos, tema que volta e meia tratamos aqui neste espaço. Os atomistas gregos supuseram que existiam apenas átomos se movendo no vazio, enquanto que Aristóteles considerava a hipótese do vazio absurda: preencheu o Cosmo com uma quinta-essência, o éter que compunha os objetos celestes e, de forma difusa, enchia o espaço, tornando-o pleno.

Depois, veio Descartes com seus vórtices de uma substância fluida que enchia o universo, tese desmentida de forma muito lúcida por Newton no final do século 17. Atomista também ele, o mestre inglês provou claramente que, se alguma substância preenchesse o espaço, causaria fricção nas órbitas planetárias e o Sistema Solar não existiria como o vemos.

Veio, então, a luz como onda eletromagnética, no século 19, necessitando de um meio material para se propagar; o éter retorna, com essa função, até que, em 1905, Einstein demonstra sua inutilidade. Porém, em 1917, ele mesmo sugere que, se o Universo é esférico e estático, deveria ser preenchido por uma substância estranha, cuja função seria atuar como uma espécie de antigravidade, equilibrando a atração de todas as coisas. Mas o Universo não é estático e, em 1929, a tal constante cosmológica é deixada de lado. Provisoriamente.

No meio tempo, físicos de partículas descobriram os componentes básicos da matéria comum. Destes, o bóson de Higgs tem o papel singular de atribuir massa a todas as outras partículas. Para tal, encontra-se por todo o espaço uma espécie de ar que não é ar mas por onde todas as partículas de matéria se movem. E, ao fazê-lo, respondem à presença do Higgs com inércias próprias, como pérolas movendo ora em água ora em mel. O espaço, segundo a física do muito pequeno, não pode ser vazio.

E nem o Cosmo nas suas proporções maiores: em 1998, astrônomos descobriram que as galáxias se afastam de forma acelerada, levadas pela expansão cósmica como objetos numa enchente. A causa dessa aceleração, com efeito idêntico ao termo que Einstein inseriu e depois descartou nas equações de sua teoria da relatividade, é uma espécie de fluido preenchendo todo o espaço, primo do Higgs mas não ele, um outro tipo de éter, chamado provisoriamente de energia escura. Existimos numa natureza plena-plena de essências e mistérios.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook: goo.gl/93dHI
 
Folha de São Paulo - 25/11/2012


MARCELO GLEISER

Astroteologia: breve introdução

Vivemos numa época peculiar, na qual o que antes era província da religião faz parte da ciência

Nós, humanos, somos seres limitados. Criativos e inovadores, conseguimos ampliar em muito a nossa compreensão do mundo por meio da aplicação diligente da razão e, complementarmente, das artes.

Isso porque, se a ciência e as artes têm algo em comum, é justamente a tentativa de estender nossa visão de mundo, de ampliar as fronteiras do conhecimento, revelando aspectos inusitados do real. Um teorema e um poema são reflexões do possível, seja o concreto ou o onírico. A imaginação lança mão de todos os recursos à sua disposição para dar sentido à existência.

Talvez seja por isso que o teólogo americano Reinhold Niebuhr escreveu que "o homem é o seu maior problema". Nossas filosofias, ciências e religiões são tentativas de compreender a existência apesar de nossa miopia, isto é, de nossas limitações sobre o que vemos e entendemos.

Nessa busca, não é coincidência que a crença religiosa funcione como uma bússola para tantas pessoas. Como explicar a origem do Universo? Ou da vida? Ou por que temos uma mente capaz de refletir sobre essas questões complexas?

Tais questões são, hoje, parte da pesquisa científica de ponta. Vivemos numa época peculiar, em que o que antes era província exclusiva da religião faz parte do discurso rotineiro da ciência. Porém, por não termos ainda respostas, essas questões continuam nos assombrando.

Talvez um dos dilemas da humanidade seja a angústia de poder contemplar o divino sem sê-lo. Temos a capacidade de imaginar a perfeição, a ausência de dor, a imortalidade; mas, tirando a ficção e a fé, não temos como transcender nossa realidade carnal, os limites temporais e espaciais. Ou será que temos?

Considerando que a ciência moderna tem apenas quatro séculos (marcando seu início com Kepler e Galileu), e percebendo o quanto já fizemos em tão curto prazo, imagine o que nos espera em mil anos?

Ou 10 mil anos, se, claro, não nos destruirmos antes disso. A ciência nos permite já uma manipulação dos genes de criaturas, a ponto de podermos modificar o que comemos e mesmo alcançar curas diversas.

Extrapolando a expansão tecnológica para o futuro, alguns afirmam que, em algumas décadas, chegaremos a um ponto em que nossa hibridização com máquinas será tão profunda que não poderemos mais nos dissociar delas. Caso essas previsões se concretizem -e, a meu ver, já estão ocorrendo-, seremos, como escrevi aqui recentemente, uma nova espécie, além do humano.

Agora imagine que, tal como nós, outras criaturas inteligentes em algum canto da galáxia descobriram a ciência. Só que o fizeram, digamos, 1 milhão de anos antes de nós, o que em termos cósmicos não é nada.

Essas criaturas teriam se transformado completamente ao se hibridizar com máquinas. Seriam, talvez, apenas informação, existindo em campos energéticos no espaço.

Teriam o poder de criar vida, escolhendo suas propriedades. Poderiam, por exemplo, ter nos criado, ou a alguns de nossos antepassados, como parte de um experimento. Poderiam, por exemplo, estar nos observando, como nós observamos animais no zoológico ou no laboratório. Essas entidades imateriais, mas existentes, seriam nossos criadores. Seriam eles deuses, mesmo se não sobrenaturais?

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook: goo.gl/93dHI
 
As equações de Maxwell



E: campo eletrico
B: campo magnetico

Essas são as equações basicas que descrevem todo o eletromagnetismo classico e somente ele.
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Folha de São Paulo - 16/12/2012

Medo do fim

Como pessoas inteligentes creem numa besteira dessas, após centenas de profecias apocalípticas na história?


SEGUNDO AS profecias que andam aterrorizando uma boa fração da população mundial, esta será minha última coluna. Sexta-feira, dia 21, o mundo acaba. Venho recebendo dezenas de mensagens de pessoas visivelmente preocupadas, achando que desta vez é pra valer, que não temos como escapar.

Leitores, podem se acalmar. Garanto que sexta-feira, dia 21, será apenas mais um solstício de verão, o dia mais longo do ano. No sábado de manhã, você estará tomando seu café tranquilamente, com um sorriso nos lábios, convencido de que essa história de profecia de fim de mundo é mesmo uma bobagem. Tudo será devidamente esquecido e a vida continuará como antes. Pelo menos, até a próxima profecia.

No caso dessa, o calendário maia recomeça a cada 13 "baktuns", e cada ciclo tem 5.126 anos. O calendário maia foi iniciado no dia 13 de agosto de 3114 a.C. É apenas o fim de um ciclo e o começo de outro, típico de culturas que acreditam num tempo circular, ao oposto da nossa, na qual o tempo é linear, com apenas um começo e um fim.

Nenhum tablete de barro ou papiro misterioso prevê o fim do mundo. Ao contrário, os pouquíssimos documentos que sobreviveram à dilapidação tropical e ao fanatismo dos padres espanhóis, que queimaram tudo o que encontraram, não oferecem qualquer indicação de fim de mundo.

O mesmo ocorre com a ciência. Várias causas foram oferecidas para provocar o fim: a reversão dos polos magnéticos da Terra, a colisão com um asteroide, instabilidade solar, o planeta Nibiru, alinhamento galáctico etc. A Nasa preparou respostas para todas essas "ameaças" em seu portal e em um vídeo. (Se você entende inglês, eis o link do video:http://www.youtube.com/watch?v=QY_Gc1bF8ds) A história do planeta Nibiru, por exemplo, foi inventada pela médium americana Nancy Lieder, que diz ter um implante na cabeça que permite a ela se comunicar com alienígenas do sistema planetário Zeta Reticuli, a 39 anos-luz de distância.

Como milhões de pessoas inteligentes acreditam numa besteira dessas e se esquecem de que o mundo ainda não acabou, mesmo após centenas de profecias apocalípticas no decorrer da história?

Entre outras coisas, o medo do fim do mundo reflete nosso medo de perder o controle da vida, do nosso destino. Reflete o medo ancestral, encravado em nossa memória coletiva e reconfirmado todos os anos em dezenas de desastres cataclísmicos, de que a natureza é muito mais poderosa do que nós e tem o poder de nos aniquilar a qualquer instante.

Se nos séculos passados o fim do mundo refletia a ira divina ou a chegada da ressurreição, hoje, com os avanços da ciência, as causas são fenômenos cósmicos devastadores. Mas, como explico em meu livro "O Fim da Terra e do Céu", a simbologia é sempre a mesma: o fim vindo dos céus, sem que possamos nos defender, vítimas de nossos pecados ou de nossa fragilidade.

Mas não precisa ser assim. Temos um poder enorme para nos defender de medos ancestrais e infundados: a razão. Nossa compreensão da natureza não nos traz apenas celulares e DVDs mas também a certeza de que o conhecimento é a melhor forma de liberdade.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook: goo.gl/93dHI
 
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