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A utopia da teoria unificada do Universo e outros textos de Marcelo Gleiser

Ecuador

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22/12/2007
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Folha de São Paulo - 24/10/2010

À procura do fim da trilha
A utopia da teoria unificada do Universo

RESUMO
A busca por uma "teoria de tudo", que unifique as explicações do Universo, é um sonho a que se dedicaram muitos cientistas, inclusive Marcelo Gleiser, que neste ensaio faz uma revisão desse propósito, em favor de uma nova concepção do universo que tenha como princípios as ideias de assimetria e imperfeição.

MARCELO GLEISER

O que vejo da Natureza é uma estrutura magnífica que podemos apenas compreender muito imperfeitamente.
Albert Einstein

"TODA A FILOSOFIA baseia-se em apenas duas coisas: curiosidade e visão limitada [...] O problema é que queremos saber muito mais do que podemos ver." Assim escreveu o filósofo francês Bernard Le Bovier de Fontenelle em 1686. A afirmação não poderia ser mais propícia. Se entendemos por filosofia o esforço do intelecto humano em compreender quem somos e em que mundo vivemos, logo percebemos que, de fato, a mola que move nosso conhecimento é a curiosidade.

Já as nossas dificuldades, isto é, os limites do que podemos saber sobre o mundo, são consequência dessa "visão limitada", da miopia que nos permite ver apenas uma fração do que realmente ocorre à nossa volta. Daí que o conjunto do que criamos é, em essência, uma tentativa de aprimorar a nossa visão, de saciar a curiosidade que temos de saber cada vez mais sobre a realidade que nos cerca.

Podemos metaforicamente chamar de conhecimento a trilha que, aos poucos, vai abrindo espaço na imensa e sedutora floresta do desconhecimento. (Se esse conhecimento leva à sabedoria é uma outra questão.) A preocupação central dos filósofos e, nos últimos quatro séculos, dos cientistas, é precisamente ampliar essa trilha.

Uma questão fundamental é se essa trilha tem uma destinação final, que representaria o conhecimento "total" do mundo. Outra é se nós podemos chegar lá. Uma terceira é investigar quais seriam as consequências de chegarmos ou não ao final da trilha. Estas questões, que explorei em detalhe em meu livro "Criação Imperfeita" (Record, 368 págs., R$ 49,90), formam o arcabouço deste ensaio.

UNIDADE A noção de que tudo o que existe -das galáxias aos planetas, das pedras aos seres vivos- é manifestação duma unidade inerente a todas as coisas é muito antiga. Podemos argumentar que sua origem coincide ao menos com as religiões monoteístas: se tudo é criado por um Deus, tudo é parte desse Deus. Nele, encontramos a unidade de todas as coisas, como acreditava o faraó Akenaton em torno de 1350 a.C.

Já no taoísmo, tudo pode ser compreendido a partir da essência do Tao, onde todos os opostos são um. Com o advento da filosofia na Grécia, a questão tomou, ao menos inicialmente, uma orientação mais material: Tales, considerado o primeiro dos filósofos, já dizia que tudo vem duma única fonte de matéria.

Esse "absolutismo" material influenciou profundamente o pensamento ocidental. São vários os filósofos que buscaram construir um sistema em que tudo se baseia numa única entidade ou grupo de entidades, como as formas de Platão ou a mônada de Leibniz. Esse tipo de construção foi criticado pelo historiador das ideias Isaiah Berlin: "Uma afirmação do tipo 'Tudo consiste em...' ou 'Tudo é...', a menos que seja empírica, não significa nada, pois uma proposição que não pode ser contrariada ou questionada não contém informação".
Veja a ênfase no empirismo: para confirmarmos alguma suposição, ela precisa ser questionável, sua viabilidade tem que ser testável. Afinal, qualquer um pode tecer teorias sobre o mundo, convencido de que está correto. Mas, se suas hipóteses não puderem ser verificadas, serão de pouco uso para o resto do mundo. O valor da ciência está em proporcionar meios que tornam esse tipo de validação possível.

FIM DA TRILHA Imagine se fôssemos capazes de chegar a uma descrição completa do mundo, o "fim da trilha" Seria o clímax da razão humana, a confirmação de que somos, de fato, especiais. Não é à toa que tantas mentes brilhantes sucumbiram a essa tentação. Como não poderia deixar de ser, a ciência, ou melhor, os cientistas, não são uma exceção.

Na Renascença, Copérnico, Kepler e, mais tarde, Newton, falavam do cosmo como obra divina, e da ciência (ou, mais apropriadamente para a época, da filosofia natural) como ponte entre a razão humana e a de Deus. Para eles, o Criador, este geômetra, usou as leis da matemática na construção do mundo. Cabe aos astrônomos e aos filósofos naturais decifrar estas leis para conhecermos a "mente de Deus". O dialeto em comum entre os humanos e a divindade é a matemática.

Esse ímpeto intelectual consagrou o papel da simetria como a marca da obra divina: Deus criou o mundo da forma mais perfeita, usando as leis da matemática. A simetria passou a ser o princípio estético da Criação, equacionada com a verdade. As palavras do poeta John Keats ilustram a importância desta união: "A beleza é a verdade, a verdade a beleza".

Leia-se: a simetria é bela, a beleza é verdade e, portanto, a simetria é verdade. Esta estética encontra-se profundamente arraigada nas ciências físicas. E precisa mudar.

SIMETRIA E DOGMA Avançando no tempo, encontramos Einstein, que passou as duas últimas décadas de sua vida buscando pela chamada "teoria unificada", que visava provar que duas forças fundamentais da natureza, a gravidade e o eletromagnetismo, são, na verdade, manifestações de uma única força.

Por que Einstein acreditava nessa unidade fundamental? Curiosamente, não por alguma indicação empírica. Não havia experimento ou observação que sugerissem essa unificação entre as duas forças. Havia, sim, a intenção de Einstein de provar que a geometrização da natureza era possível, e que a união entre as duas forças fundamentais era consequência inevitável desta geometrização. Sua busca vinha mais da sua mente do que do mundo.

Como sabemos, Einstein falhou. Como falharam todos aqueles que se propuseram a encontrar tal união. Críticos modernos dizem que Einstein falhou por não ter incluído as duas outras forças fundamentais da natureza, que atuam dentro do núcleo atômico. Segundo eles, uma teoria unificada deve incluir todas as forças que regem o comportamento das partículas de matéria.

De fato, teorias de unificação atuais, infelizmente chamadas de "teorias de tudo", tentam demonstrar que as quatro forças são manifestações de uma única força. (De tudo as teorias não têm nada, pois estão relegadas a explicar "apenas" o comportamento das entidades fundamentais de matéria. Uma teoria de tudo da física das partículas não explica porque existe vida na Terra ou por que temos apenas uma Lua.)

SUPERCORDAS A candidata mais popular dessas teorias é a teoria de supercordas. Baseada em matemática elegante, ela propõe uma profunda mudança de paradigma: a matéria não é formada por pequenas entidades indivisíveis chamadas partículas; é formada por pequenas cordas, tubos de energia que, ao vibrar, reproduzem as partículas de matéria observadas nos experimentos.

A teoria de supercordas põe o conceito de simetria num novo patamar. Se antes a simetria era usada como ferramenta essencial na construção de explicações aproximadas da realidade física, agora passa a ser o conceito básico dessa realidade. Nas teorias de unificação modernas, simetria é dogma.

As simetrias que regem as interações entre as partículas de matéria não são como as do nosso dia a dia. Quando falamos de simetria, imaginamos um objeto simétrico, como um DVD, ou o rosto (quase simétrico!) duma pessoa. As simetrias da física de partículas são construções matemáticas que descrevem como elas interagem entre si: por exemplo, a atração elétrica entre um elétron e um próton.

FÉ Cada uma das três forças (a gravidade é diferente, suas simetrias atuam no espaço e no tempo) tem uma simetria associada. O objetivo da teoria de unificação é construir uma simetria que englobe todas as três, a "simetria das simetrias". A fé na unidade de todas as coisas é transportada para a física moderna.

Apesar do esforço de muitos e de mais de quatro décadas de experimentos, não temos nenhuma indicação de que essa unificação final exista. Claro, podemos sempre argumentar que a ausência de evidência não é evidência de ausência, que basta continuarmos a buscar que eventualmente encontraremos sinais da unidade profunda da natureza.

Também pensava assim, e dediquei muitos anos a essa busca. Hoje, penso diferente e vejo a busca por uma teoria de tudo como uma ilusão, uma consequência da influência do monoteísmo no pensamento científico. Acredito que esteja na hora de irmos em frente, criando uma nova estética para a ciência, baseada em assimetrias e não em simetrias.

LIMITES Não há dúvida de que a física precisa de simetrias e deve continuar a usá-las. Vemos sua importância em todos os campos de pesquisa. A questão é se uma teoria de tudo, como a metafórica trilha com um destino final mencionada acima, é uma proposta viável. Mesmo dentro dos parâmetros da física das partículas, isto é, restrita à descrição das partículas de matéria e suas interações, não vejo como a construção de uma teoria final seja possível.

Imagine que nosso conhecimento sobre o mundo caiba num círculo, o "círculo do conhecimento". Como cresce o círculo? Através de nossas observações sobre o mundo e nós mesmos. Essas observações, ao menos nas ciências, vêm do uso de instrumentos que ampliam nossa visão. O que os olhos não veem, os telescópios e microscópios veem.

Porém, é importante lembrar que todo instrumento tem o seu limite: vemos até um certo ponto, medimos com uma certa precisão e não além. Mesmo que os avanços da tecnologia permitam que a precisão de nossas medidas aumente, a informação que temos do mundo será sempre limitada. Em outras palavras, além do círculo do conhecimento -que sempre cresce- existe a escuridão do não saber.

TEORIA FINAL Voltando então à teoria final, é claro que se chegarmos a ela teremos conhecimento completo de todas as partículas de matéria e de como interagem entre si. Mas como poderemos ter certeza que, além do círculo, não existem efeitos ainda não previstos por essa teoria "final"? Visto que não podemos ter conhecimento completo sobre o mundo, jamais poderemos confirmar se essa teoria final é mesmo final, ou apenas mais um passo em direção a uma compreensão do mundo.

Certamente, unificações parciais são possíveis: existem já exemplos dela na física, como o eletromagnetismo (eletricidade + magnetismo). Experimentos que estão ocorrendo no Centro Europeu de Física Nuclear (CERN), na Suíça, podem até revelar sinais de que algumas das unificações propostas são viáveis. Mas uma unificação total e final não pertence ao empirismo que define as ciências físicas.

Quando menciono essas ideias, às vezes me dizem que estou sendo derrotista. Não é nada disso. Claro que devemos sempre continuar a buscar por descrições mais simples e completas do mundo natural. Essa é a função da ciência. O que me preocupa é o uso da noção de unidade de todas as coisas na física. Vejo nisso um esforço de equacionar a ciência com a religião e os cientistas a deuses que tudo sabem. As afirmações recentes de Stephen Hawking, de que a ciência hoje mostra que Deus é desnecessário, ilustram o meu ponto.

A ciência tem pouco a dizer sobre Deus ou sobre a fé. Sua missão não é tornar Deus desnecessário, mas proporcionar uma narrativa que explique da melhor forma possível como o mundo funciona. Dadas as limitações da sua estrutura -as hipóteses, aproximações e axiomas que usamos para basear nossas teorias-, sabemos, ou deveríamos saber, que a ciência não é completa e que o conhecimento do mundo também não. Precisamos de mais humildade em nosso confronto com o mundo.

ASSIMETRIAS O que aprendemos nas últimas quatro décadas é que são as assimetrias que estão por trás das estruturas que encontramos no Universo. Da origem da matéria à origem da vida, devemos nossa existência às imperfeições da natureza. Tomemos como exemplo a enigmática "quiralidade" das moléculas orgânicas. O termo vem da palavra grega para "mão".

Várias moléculas são quimicamente idênticas (os mesmos átomos), mas aparecem em dois tipos, um sendo a imagem no espelho do outro, tal qual as nossas mãos. Como Pasteur revelou há 150 anos, a vida prefere moléculas com um arranjo espacial bem específico. Hoje, identificamos que os aminoácidos que constituem as proteínas em seres vivos são todos "canhotos", enquanto os açúcares que compõem o DNA e o RNA são "destros".

Já ao serem sintetizados no laboratório, tanto os aminoácidos quanto os açúcares aparecem em misturas com 50% de cada tipo. Portanto, das duas opções, a vida escolhe apenas uma. Ninguém sabe por quê. Talvez, como sugeri num artigo recente com meus alunos, a escolha da quiralidade dependa das interações que ocorreram entre a química primitiva e o meio ambiente terrestre há 4 bilhões de anos. Se a vida existir em outros planetas, poderá ter quiralidade oposta à vida na Terra.

IMPERFEIÇÕES Ao evoluir, a vida só sobreviveu devido às mutações genéticas, que podemos interpretar como imperfeições do ciclo reprodutivo. Sem elas, os organismos não poderiam ter sobrevivido às várias mudanças ambientais que ocorreram na Terra. A complexidade explosiva da vida terrestre, a transição de seres unicelulares a seres multicelulares, é um feito notável de adaptação.

Ao olharmos para nossos vizinhos planetários, encontramos mundos estéreis, muito provavelmente sem vida no presente. Talvez encontremos vida em outros sistemas estelares, onde planetas giram em torno de estrelas de vários tipos. Mas, pelo que aprendemos da história da vida na Terra, muito provavelmente essas formas de vida serão simples; seres unicelulares sem muita complexidade. Vida multicelular, em particular vida inteligente, será muito mais rara.

Mesmo que exista na nossa galáxia -e não podemos afirmar se sim ou não-, as distâncias são tão vastas que, na prática, estamos sós. Como ilustração, se quiséssemos hoje ir até a estrela mais próxima ao Sol, a Alfa Centauro, teríamos que viajar por 110 mil anos. Não temos nenhuma indicação concreta de que existem outras inteligências espalhadas pela galáxia. Infelizmente, relatos de encontros com alienígenas não apresentam provas convincentes. Estamos mesmo sozinhos, ao menos por um bom tempo.

MORALIDADE CÓSMICA A meu ver, essa revelação tem a força de redefinir nossa relação com nós mesmos, com a vida e com o planeta. Somos como o Universo pensa sobre si próprio.

Nada mau para uma espécie que tem apenas conhecimento limitado da realidade. Se a Terra é rara, se a vida é rara e se a vida inteligente é mais rara ainda, nós, seres no ápice da cadeia evolutiva, temos a obrigação moral de preservar a vida a todo custo. Após séculos em que a Terra e seus habitantes deixaram de ser o centro do cosmo, nós, humanos, voltamos a ter importância universal.

Não por sermos emissários divinos, ou porque o cosmo de alguma forma tem algum plano para nós. Nossa importância vem da nossa raridade, do fato de que somos produto de acidentes e imperfeições, da fragilidade da vida num planeta que flutua precariamente num cosmo extremamente hostil. Nossa importância vem do poder que temos sobre o futuro da vida. Vem porque representamos a consciência cósmica -ao menos nesta esquina do Universo.

Críticos modernos dizem que Einstein falhou por não ter incluído as duas outras forças fundamentais da natureza. Segundo eles, uma teoria unificada deve incluir todas as forças que regem o comportamento das partículas de matéria

O que me preocupa é o uso da noção de unidade de todas as coisas na física. Vejo nisso um esforço de equacionar a ciência com a religião e os cientistas a deuses que tudo sabem

Hoje, vejo a busca por uma teoria de tudo como uma ilusão, uma consequência da influência do monoteísmo no pensamento científico. Está na hora de criar uma nova estética para a ciência, baseada em assimetrias
 
À procura do fim da trilha - A utopia da teoria unificada do Universo

como eu disse esses dias atras(um leigo disse) o equilibrio para a evolucao.
belissimo ensaio ecuador.
 
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Folha de São Paulo - 07/11/2010

As muitas camadas da realidade

Podemos imaginar que a descrição científica da natureza é um bolo, com fatias de sabor variado


DURANTE SÉCULOS, cientistas sonharam em obter uma descrição completa do mundo, tentando fazer da ciência um símbolo maior do brilhantismo humano. Não seria fantástico se fôssemos capazes de prever o futuro em detalhe? A ciência como oráculo... muito irônico.

Essa seria a opressora realidade do cosmorrelógio, no qual leis estritamente determinísticas descreveriam todos os mecanismos da natureza. Esse sonho não passava de ilusão, e o projeto falhou.

Primeiro porque essa meta reducionista, para a qual tudo na natureza pode ser descrito a partir do comportamento das menores entidades de matéria, depende do acúmulo de muita informação (como as posições e velocidades de todas as partículas que compõem o Cosmo).

Mesmo os seus defensores mais ferrenhos, como o francês Laplace e outros, sabiam que, na prática, nunca daria certo. Medidas tomam tempo. E, quando você termina de medir algo aqui, o que está acolá já mudou de lugar! Mas, mesmo assim, acreditava-se num conjunto de leis que poderia ser usado para construir a realidade física do mais elementar ao mais complexo, a partir das entidades fundamentais da matéria e de suas interações.

Além disso, a física quântica, que descreve átomos, proíbe o conhecimento da posição e da velocidade de uma partícula com precisão arbitrária, impondo um limite absoluto ao que podemos conhecer.

Hoje, imagino (e espero) que poucos físicos acreditem que o projeto reducionista possa funcionar começando das partículas elementares e indo às moléculas, aos furacões ou à explicação de como os neurônios podem criar nosso senso de identidade.

Deixar de lado esta meta reducionista cria oportunidades únicas. Como escreveu o prêmio Nobel Philip Anderson, em 1972: "A cada nível de complexidade aparecem novas propriedades. Cada estágio requer leis e conceitos novos".

Podemos imaginar nossa descrição científica da natureza como um bolo de muitas camadas, cada qual com o seu sabor, ingredientes e feita segundo instruções diferentes. O bolo pode ser um só, mas não é possível cozinhá-lo começando com prótons e elétrons. (Da mesma maneira, uma sinfonia é muito mais do que um agrupamento de notas.)

Será que existem camadas-limite, indo da menor à maior? Ou será que a realidade é um "bolo de Babel", sem limites? Se considerarmos o que sabemos hoje, podemos dizer que existe uma distância mínima, onde o conceito de espaço deixa de fazer sentido: é o chamado "comprimento de Planck", igual a 1,6 x 10-35 metro (um próton tem aproximadamente 10-15 metro).

Em direção ao cósmico, a coisa é mais incerta. Podemos dizer que a porção observável do Universo, isto é, o volume de espaço onde podemos coletar informação usando formas diversas de radiação (como luz, ultravioleta e infravermelho), é de 46 bilhões de anos-luz.

Se o Universo continua além dessa fronteira- e não há razão para achar que não continue- não podemos sabê-lo. E se não podemos ver o que está além, esta é, de fato, a camada-limite do "muito grande". Portanto, nosso bolo da realidade não se estende ao infinitamente pequeno ou grande. Ao menos, essa é a receita atual.


MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"
 
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Continuação ...


Folha de São Paulo - 14/11/2010

MARCELO GLEISER

A realidade é como percebemos

Einstein e a física quântica derrubaram a objetividade imparcial: a mente e a realidade são inseparáveis


SEMANA PASSADA, DESCREVI como a física moderna vê a realidade como sendo composta de várias camadas, cada qual com seus princípios e leis.

Isso vai contra o reducionismo mais radical, que diz que tudo pode ser compreendido partindo do comportamento das entidades fundamentais da matéria. Segundo esse prima, existem apenas algumas leis fundamentais. Delas, todo o resto pode ser determinado. Gostaria de retornar ao tema hoje, mas focando num outro aspecto dessa questão que é bem complicado: o que é realidade e como sabemos.

Começo contrastando os filósofos Hume e Kant. Para Hume, o conhecimento vem apenas do que captamos com nossos sentidos. Baseados nesta informação, construímos a noção de realidade. Portanto, uma pessoa que cresceu sem qualquer contato com o mundo externo e que é alimentada por soros não seria capaz de reflexão.

Kant diria que existem intuições já existentes desde o nascimento, estruturas de pensamento que dão significado à percepção sensorial.

Sem elas, os dados colhidos pelos sentidos não fariam sentido.

Duas dessas intuições são as noções de espaço e de tempo: elas costuram a estrutura da realidade, conectando e dando sentido ao fluxo de informação que vem do mundo exterior. Uma mente com estruturas diferentes, portanto, teria uma noção diferente da realidade.

Kant não diz que o sensório não é importante. Para ele, mesmo que o conhecimento comece com a experiência externa, não significa que venha desta experiência. Precisamos do fluxo de informação sensorial, mas construímos significado partindo de nossas intuições: os dados precisam ser ordenados no tempo e arranjados no espaço.

Durante as primeiras décadas do século 20, duas revoluções forçaram uma reavaliação da ordem kantiana. A relatividade de Einstein combinou espaço e tempo. Deixaram de ser quantidades absolutas, tornando-se dependentes do observador.

O que é real para um pode não ser para outro. A teoria de Einstein restaura uma forma de universalidade, pois provê meios para que observadores diferentes possam comparar suas medidas de espaço e tempo.

A segunda revolução veio com a física quântica. Para nossa discussão hoje, seu aspecto mais importante é a relação entre o observador e o observado. Na época de Kant, a separação entre os dois era absoluta. No mundo quântico dos átomos e partículas, a natureza física de um objeto (se um elétron é uma partícula ou uma onda, por exemplo) depende do ato de observação.

Ou seja, as escolhas feitas pelo observador induzem a natureza física do que é observado: o observador define a realidade. E como a intenção do observador vem de sua mente, a mente define a realidade. A mente precisa ainda das intuições a priori para interpretar o real, mas ela participa desta interpretação.

A objetividade imparcial se torna, então, obsoleta, já que mente e realidade tornam-se inseparáveis. Se essa relação na camada quântica afeta outras camadas é ainda objeto de discussão.


MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"
 
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"Ou seja, as escolhas feitas pelo observador induzem a natureza física do que é observado: o observador define a realidade. E como a intenção do observador vem de sua mente, a mente define a realidade. A mente precisa ainda das intuições a priori para interpretar o real, mas ela participa desta interpretação.
A objetividade imparcial se torna, então, obsoleta, já que mente e realidade tornam-se inseparáveis. Se essa relação na camada quântica afeta outras camadas é ainda objeto de discussão. "

Taí algo que posso observar constantemente!
 
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Muito bons textos Ecuador!
 
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Post's edificantes Ecuador.

Dois cascudinhos de Einstein.

'A imaginação é mais importante que a ciência, porque a ciência é limitada, ao passo que a imaginação abrange o mundo inteiro.'
'A religião do futuro será cósmica e transcenderá um Deus pessoal, evitando os dogmas e a teologia.'

Albert Einstein
 
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Folha de São Paulo - 19/12/2010

Inevitabilidade humana

Será que nós somos uma consequência inevitável das leis da natureza? Ou não passamos de acidente?

SEMPRE ACHEI que final de ano é época de reflexão, e não só de presente e festa. Portanto, vamos lá.

Olhe para as suas mãos.

Nela, você encontra átomos que pertenceram a estrelas desaparecidas há mais de 5 bilhões de anos. Essas estrelas, no final de sua existência, forjaram os elementos químicos que compõem o seu corpo, as montanhas, os rios e os oceanos.

Quando explodiram, elas espalharam suas entranhas pelo espaço sideral, os ingredientes da vida, em ondas de choque que se propagavam a milhares de quilômetros por segundo. Em um canto da galáxia, essas ondas se chocaram com uma enorme nuvem de hidrogênio, provocando instabilidades que levaram ao seu colapso. E dele nasceu o Sistema Solar, com sua corte de planetas e luas e, em um deles, seres capazes de questionar suas origens.

Somos, concretamente, restos de estrelas animados de consciência.

O incrível disso é que tudo começou com praticamente apenas hidrogênio e gravidade. Ao comprimir essas nuvens de hidrogênio em estrelas, a gravidade se tornou o grande alquimista cósmico, criando os elementos químicos a partir do mais simples. Na visão moderna do Universo, somos o que acontece quando damos alguns bilhões de anos de tempo ao hidrogênio e à gravidade.

Temos muitas lacunas a preencher nessa grande narrativa cósmica, e é isso que faz os cientistas acordarem todos os dias com pressa de chegar ao trabalho. Dentre as várias questões, uma das mais controversas é sobre nossa inevitabilidade. Será que somos consequência inevitável das leis da natureza? Ou um mero acidente, e o Universo poderia igualmente existir sem nós?

A posição mais conservadora diria que tudo o que podemos fazer é medir. Não existe qualquer plano ou objetivo, apenas o que ocorre. A história que reconstruímos à partir dessas medidas começa com (pelo menos) quarks, elétrons e radiação e, bilhões de anos depois, inclui vida e seres humanos. Não há dúvida de que a matéria ficou mais complexa com o passar das eras. Por quê?

Antes de tentar dizer algo, vale a pena contemplar o que já conseguimos até aqui. A ciência comprova nossa profunda relação com o Cosmos. Não apenas porque vivemos nele, mas porque somos feitos dele: nós e todos os agregados de matéria, vivos e não-vivos. Estamos no Cosmos e o Cosmos está em nós.

Quem duvida que a ciência é uma busca espiritual deveria refletir sobre o que escrevi acima. A pesquisa do cientista, os dados e sua análise quantitativa, são atividades que dão concretude à busca. Alguns ficam só nisso e estão bem assim. Mas uma visão menos focada revela o óbvio: a ciência responde a anseios espirituais que estão conosco desde tempos ancestrais.

Retornando à nossa questão, alguns acreditam que deve existir um princípio que justifique a tendência à complexidade. Mas não temos evidência disso. O Cosmos poderia ter se desenvolvido sem nós. Mas o fato é que estamos aqui! Se abrirmos mão desse princípio, temos que aceitar que somos um acidente.

Talvez seja essa a origem da nossa importância. Se podemos refletir sobre a vida, temos algo de especial. Isso deveria nos levar a uma reavaliação do nosso papel: guardiões da vida e do planeta. Talvez seja essa a nossa missão inevitável.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"
 
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Ótimos textos para reflexão! Acho um grande passo ter textos assim publicados em um jornal como a Folha.

"A cada nível de complexidade aparecem novas propriedades. Cada estágio requer leis e conceitos novos".

Podemos usar essa máxima na experiência psicodélica e na vida. De uns tempo pra cá tenho pensando assim, embora nunca tenha conseguido sintetizar em uma frase de maneira tão simples e direta.

Valeu!
 
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Folha de São Paulo - 02/01/2011

Cosmos versus caos

Se a vida é fruto da luta contra a entropia que não pode ser evitada, é ainda mais bela por ser frágil


ACONTECEU NOVAMENTE, mais um ano passou. Alguns acham que passou rápido, outros devagar. Queremos aprender com nossos erros, evitá-los, começar novas atividades, dietas, exercícios, um blog novo, trabalhar como voluntários em alguma ONG "do bem". Fazemos isso para tornar o ano novo realmente novo, separá-lo daquele que acaba de terminar, torná-lo melhor e, nesse processo, melhorarmos também.

Somos artesãos, construímos para desfazer a tendência da natureza a desfazer as coisas. Tentamos trazer ordem, um senso de controle sobre a desordem que nos cerca: cosmos (ordem) versus caos.

Alguns podem discordar do que afirmei acima, da ideia de que a natureza tende a desfazer as coisas.

Diriam que vemos ordem por toda a parte, nas flores, no arco-íris e, claro, em nós mesmos. Segundo as leis da termodinâmica, em particular a segunda, a desordem (entropia) tende a aumentar num sistema fechado. E nós, as flores e outras estruturas naturais não somos um sistema fechado: trocamos energia uns com os outros e, mais importante, recebemos energia do Sol. Somos criaturas solares, dependemos dele para sobreviver.

Muitas das estruturas organizadas que vemos à nossa volta, furacões, ondas e tempestades, todos os seres vivos, podem ser interpretados como mecanismos para aumentar a desordem cósmica, degradando a luz que vem do Sol, transformando-a em radiação infravermelha que a Terra emite para o espaço. A segunda lei diz: essas estruturas são meros obstáculos ao inexorável fim, quando a desordem triunfará. Esse tipo de pensamento deprimia muita gente no século 19. Ainda o faz hoje.

Está na hora de mudar o foco; algo mais a fazer nesse novo ano.

Quanto mais nos preocupamos com o "fim", menos vivemos o agora. Nós e todas as criaturas vivas (e as estruturas ordenadas não vivas, como os furacões e o arco-íris) somos quem faz a diferença.

Eis a riqueza das estruturas organizadas que emergem na rota em direção à desordem -essas guerreiras contra o decaimento final da matéria. Olhar para as coisas de forma unidimensional nos leva à uma visão distorcida da realidade. Alguns acham que ciência é isso, que usa apenas a razão para compreender a Natureza. Pelo contrário, existem muitas formas de olhar para um arco-íris, e cada uma tem o seu objetivo e a sua importância.

Só quando olhamos para um arco-íris de modos diferentes é que podemos admirá-lo em sua plenitude. Cientistas não são unidimensionais.

Não usamos apenas a razão para explorar a natureza. Buscar explicações para os fenômenos naturais é, como disse Einstein, uma forma de devoção religiosa. Admirar uma flor ou um arco-íris por sua beleza e tentar entender suas funções dentro da natureza os torna ainda mais belos.

A palavra religião vem de "religare", reconectar. Mas com o quê? Escolhas diferentes para religiões diferentes. Ao buscarmos as leis que descrevem a natureza e suas criações, estamos nos reconectando com nossas origens cósmicas. Esse é o meu "religare", que traz sentido à minha vida e lhe dá direção. Se a vida é fruto da luta contra o inexorável crescimento entrópico e o decaimento material, é ainda mais bela por isso. Por que não chamá-la, afinal, de sagrada?


MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"
 
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Folha de São Paulo - 02/01/2011

Cosmos versus caos

Se a vida é fruto da luta contra a entropia que não pode ser evitada, é ainda mais bela por ser frágil


ACONTECEU NOVAMENTE, mais um ano passou. Alguns acham que passou rápido, outros devagar. Queremos aprender com nossos erros, evitá-los, começar novas atividades, dietas, exercícios, um blog novo, trabalhar como voluntários em alguma ONG "do bem". Fazemos isso para tornar o ano novo realmente novo, separá-lo daquele que acaba de terminar, torná-lo melhor e, nesse processo, melhorarmos também.

Somos artesãos, construímos para desfazer a tendência da natureza a desfazer as coisas. Tentamos trazer ordem, um senso de controle sobre a desordem que nos cerca: cosmos (ordem) versus caos.

Alguns podem discordar do que afirmei acima, da ideia de que a natureza tende a desfazer as coisas.

Diriam que vemos ordem por toda a parte, nas flores, no arco-íris e, claro, em nós mesmos. Segundo as leis da termodinâmica, em particular a segunda, a desordem (entropia) tende a aumentar num sistema fechado. E nós, as flores e outras estruturas naturais não somos um sistema fechado: trocamos energia uns com os outros e, mais importante, recebemos energia do Sol. Somos criaturas solares, dependemos dele para sobreviver.

Muitas das estruturas organizadas que vemos à nossa volta, furacões, ondas e tempestades, todos os seres vivos, podem ser interpretados como mecanismos para aumentar a desordem cósmica, degradando a luz que vem do Sol, transformando-a em radiação infravermelha que a Terra emite para o espaço. A segunda lei diz: essas estruturas são meros obstáculos ao inexorável fim, quando a desordem triunfará. Esse tipo de pensamento deprimia muita gente no século 19. Ainda o faz hoje.

Está na hora de mudar o foco; algo mais a fazer nesse novo ano.

Quanto mais nos preocupamos com o "fim", menos vivemos o agora. Nós e todas as criaturas vivas (e as estruturas ordenadas não vivas, como os furacões e o arco-íris) somos quem faz a diferença.

Eis a riqueza das estruturas organizadas que emergem na rota em direção à desordem -essas guerreiras contra o decaimento final da matéria. Olhar para as coisas de forma unidimensional nos leva à uma visão distorcida da realidade. Alguns acham que ciência é isso, que usa apenas a razão para compreender a Natureza. Pelo contrário, existem muitas formas de olhar para um arco-íris, e cada uma tem o seu objetivo e a sua importância.

Só quando olhamos para um arco-íris de modos diferentes é que podemos admirá-lo em sua plenitude. Cientistas não são unidimensionais.

Não usamos apenas a razão para explorar a natureza. Buscar explicações para os fenômenos naturais é, como disse Einstein, uma forma de devoção religiosa. Admirar uma flor ou um arco-íris por sua beleza e tentar entender suas funções dentro da natureza os torna ainda mais belos.

A palavra religião vem de "religare", reconectar. Mas com o quê? Escolhas diferentes para religiões diferentes. Ao buscarmos as leis que descrevem a natureza e suas criações, estamos nos reconectando com nossas origens cósmicas. Esse é o meu "religare", que traz sentido à minha vida e lhe dá direção. Se a vida é fruto da luta contra o inexorável crescimento entrópico e o decaimento material, é ainda mais bela por isso. Por que não chamá-la, afinal, de sagrada?


MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"
 
À procura do fim da trilha - A utopia da teoria unificada do Universo

Folha de São Paulo - 02/01/2011

Cosmos versus caos

Não usamos apenas a razão para explorar a natureza. Buscar explicações para os fenômenos naturais é, como disse Einstein, uma forma de devoção religiosa. Admirar uma flor ou um arco-íris por sua beleza e tentar entender suas funções dentro da natureza os torna ainda mais belos.

Bom saber que existe ou existem "cientistas" com senso mais voltado pra ciências humanas sem querer transformar a sabedoria do senso comum em piada. Partindo de um prima psicosocial de que um indivíduo só se conhece à partir de outros indivíduos tenho uma percepção de que o ser humano não é racional e sim subjetivo.

A palavra religião vem de "religare", reconectar. Mas com o quê? Escolhas diferentes para religiões diferentes. Ao buscarmos as leis que descrevem a natureza e suas criações, estamos nos reconectando com nossas origens cósmicas. Esse é o meu "religare", que traz sentido à minha vida e lhe dá direção. Se a vida é fruto da luta contra o inexorável crescimento entrópico e o decaimento material, é ainda mais bela por isso. Por que não chamá-la, afinal, de sagrada?

Beleza de percepção hein?

Sempre achei que há erro na tradução da palavra "religare" quando voltado para uma consicência edênica, no caso, Deus. Interpreto religare como sendo a interconexão entre indivíduos com o mesmo propósito, no caso, o bem.
 
Folha de São Paulo - 13/02/2011

MARCELO GLEISER

Defendendo a ciência

Outros países educam seus jovens sobre a importância da ciência; no Brasil, há uma corrente contrária

PARECE NOTÍCIA VELHA, mas a ciência e o ensino da ciência continuam sob ataque. Por exemplo, uma busca na internet com as palavras "criacionismo", "escolas" e "Brasil" leva ao portal www.brasilescola.com. Lá, há um texto, de Rainer Sousa, da Equipe Brasil Escola, que discute a origem do homem.

O autor afirma que o assunto é "um amplo debate, no qual filosofia, religião e ciência entram em cena para construir diferentes concepções sobre a existência da vida".

No final, diz: "sendo um tema polêmico e inacabado, a origem do homem ainda será uma questão capaz de se desdobrar em outros debates. Cabe a cada um adotar, por critérios pessoais, a corrente explicativa que lhe parece plausível".

"Critérios pessoais" para decidir sobre a origem do homem? A religião como "corrente explicativa" sobre um tema científico, amplamente discutido e comprovado, dos fósseis à análise genética?

Como é possível essa afirmação de um educador, em pleno século 21, num portal que leva o nome do nosso país e se dedica ao ensino?

Existem inúmeros exemplos da tentativa, às vezes vitoriosa, da infiltração de noções criacionistas no currículo escolar. Claro, se o criacionismo fosse estudado como fenômeno cultural, não haveria qualquer problema. Mas alçá-lo ao nível de teoria científica deturpa o sentido do que é ciência e de seu ensino.

Um país que não sabe o que é ciência está condenado a retornar ao obscurantismo medieval. Enquanto outros países estão trabalhando para educar seus jovens sobre a importância da ciência, aqui vemos uma corrente contrária, que parece não perceber que a ciência e as suas aplicações tecnológicas determinam, em grande parte, o sucesso de uma nação.

Muitos dirão que são contra a ciência apenas quando ela vai de encontro à fé. Tomam antibióticos, mas rejeitam a teoria da evolução.

Se soubessem que o uso de antibióticos, que aumenta as chances de que os germes criem imunidade por mutações genéticas, é uma ilustração concreta da teoria da evolução, talvez mudassem de ideia. Ou não. Nem o melhor professor pode ensinar quem não quer aprender.

Os cientistas precisam se engajar mais e em maior número na causa da educação do público em geral.
Mas devemos ter cuidado em como apresentar a ciência, sem fazê-la dona da verdade. Devemos celebrar os seus feitos, mas ser francos sobre suas limitações e desafios (a teoria da evolução não é um deles!) Não devemos usar a ciência como arma contra a religião, pois estaríamos transformando-a numa religião também. Achados científicos são postos em dúvida e teorias "aceitas" são suplantadas.

Bem melhor é explicar que a ciência cria conhecimento por meio de um processo de tentativa e erro, baseado na verificação constante por grupos distintos que realizam experimentos para comprovar ou não as várias hipóteses propostas.

Teorias surgem quando as existentes não explicam novas descobertas. Existe drama e beleza nessa empreitada, na luta para compreender o mundo em que vivemos. Ignorar o que já sabemos é denegrir a história da civilização. O problema não é não saber. O problema é não querer saber. É aí que ignorância vira tragédia.


MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"
 
Folha de São Paulo - 20/02/2011

Ciência, fé e as três origens

A compreensão científica dos vários fenômenos da natureza deveria fortalecer a nossa espiritualidade

UMA EXCELENTE ILUSTRAÇÃO da intersecção entre a ciência e a religião ocorre quando refletimos sobre o que chamo de "as três origens": a do Universo, a da vida e a da mente.

Por milênios, mitos de criação de todas as partes do mundo vêm tecendo explicações para esses três grandes mistérios. No meu livro "A dança do Universo" (Ed. Companhia das Letras, 2006), explorei alguns dos temas míticos que reaparecem na ciência, em particular na cosmologia, no estudo do Universo.

Precisamos conhecer nossas origens. E, desde os primórdios, olhamos para os céus em busca de respostas. Hoje, sabemos que somos aglomerados de poeira estelar dotados de consciência. Para desvendar nossa misteriosa origem, precisamos saber de onde vieram as estrelas, como a matéria não viva se transformou em matéria viva e como essa virou matéria pensante.

Mitos de criação atribuem as três origens a forças sobrenaturais, capazes de realizar feitos que nos parecem impossíveis. Grande parte do conflito entre a religião e a ciência se deve à tensão entre esses dois modos antagônicos de explicação.

Qualquer entidade que, por definição, existe além das leis naturais está além da esfera da ciência.
Será que as três origens podem ser explicadas pela ciência, sem a interferência de entidades sobrenaturais? Em caso afirmativo, religiões baseadas em entidades que existem além das leis naturais teriam que sofrer revisões profundas.

Isso não significa que, caso a ciência venha a entender as três origens, não teremos mais uma conexão espiritual com a natureza. Pelo contrário, a compreensão dos fenômenos naturais, dos mais simples aos mais profundos, deveria apenas fortalecer nossa espiritualidade. A racionalidade e a espiritualidade são aspectos complementares.

Religiosos ou não, poucos resistem ao fascínio da criação. As perguntas que fazemos hoje foram já feitas há milênios de anos na savana africana, nas pirâmides do Egito, nas colinas do monte Olimpo e na selva amazônica. O que mudou foi a natureza da explicação.

A cosmologia nos mostra que o Universo surgiu há 13,7 bilhões de anos. Podemos reconstruir sua história a partir de um segundo após a criação -um grande feito do intelecto humano. Mas ainda não podemos ir até a origem. Podemos afirmar que todos os seres vivos na Terra, presentes e extintos, dividem um ancestral em comum, um ser unicelular que viveu em torno de 3,5 bilhões de anos atrás. Mas não entendemos a origem da vida em si e nem sabemos se a questão pode ser respondida de forma definitiva: talvez existam várias origens da vida.

Entendemos menos ainda o cérebro, esse fantástico aglomerado de cerca de 100 bilhões de neurônios que define quem somos. Porém, através da ressonância magnética, detectamos as atividades de grupos de neurônios que trabalham como numa orquestra sem maestro.

Se podemos ou não entender as três origens através da ciência é matéria para futuros ensaios. Precisamos destrinchar as questões relacionadas com a natureza e com os limites do conhecimento.

São as questões não respondidas que servem de motivação para os cientistas. O destino final importa menos do que o que aprendemos no meio do caminho.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"
 
Para desvendar nossa misteriosa origem, precisamos saber de onde vieram as estrelas, como a matéria não viva se transformou em matéria viva e como essa virou matéria pensante.
Será o pensamento resultado da organização molecular do cérebro? ou será o contrário?
A matéria organizada gerou a consciência, ou a consciência organizou a matéria?
 
A matéria organizada gerou a consciência, ou a consciência organizou a matéria?

Eu acho mais logico que a matéria organizada manifestasse a consciência. Oq claro, não quer dizer q antes da matéria organizada não existisse consciência.
 
Pra mim está mais lógico (e até mais óbvio) o contrário.

A pergunta: A consciência é uma forma sutil de matéria, ou a matéria uma forma embrutecida/solidificada de consciência?
 
Pra mim está mais lógico (e até mais óbvio) o contrário.

Bom, partindo do ponto de que a consciência é o universo em si, até faz sentido mesmo que o mais logico seja o contrario... Aqui daria pra formular muitas perguntas na real... Pq se eu penso na consciência ENCARNADA, poderia dizer q a consciência é na verdade o resultado de uma fusão da matéria com a não-matéria. E que antes disso NÃO havia a consciência exatamente, e sim outra coisa, alguma forma existencial não material. É tipo como o espermatozoide e o óvulo. Os 2 separados são 1 coisa.. mas quando juntam, formam outra.
Ou seja, a consciência em si nao tem pq necessariamente ser mais antiga do q se supõe, quem me vai negar que a consciência se CRIOU num ponto de tempo/espaço/evolução-orgânica/evolução-não-orgânica?

Agora uma pergunta: A consciência é uma forma sutil de matéria, ou a matéria uma forma embrutecida/solidificada de consciência?

Não saberia oq responder... acho que nem 1 nem outro pois pra mim ja fica difícil saber se a consciência e a matéria são co-relacionáveis nesse ponto... penso q a consciência seja um ponto de fusão entre o material e o não material, ou seja é o resultado. Não é nem matéria nem não-matéria, é a fusão, um ponto INTERMEDIÁRIO que se manifestou e evoluiu no material/não-material com o passar de bilhões de anos.

Seilá, só pensamentos mesmo hehe
 
Bacana, cara.

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Pra mim, a Consciência sempre É.
Agora, a transição da não-consciência pra consciência e daí pra matéria, também não tem como estipular quando se dá.
Se dá no não-tempo! Ou não se dá! O embrutecimento/solidificação então não é da matéria ou da consciência, mas da nossa própria percepção.
 
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