Já que estamos em uma discussão tão profunda sobre o sentido da existência, e eu adoro este tipo de debate, peço licença para colocar um pouco de lenha na fogueira.
Uma idéia interessante me ficou bem clara em um transe com Amanitas, sim, foi literalmente um transe, pois eu perdi completamente meu ego, a capacidade de falar coisas inteligíveis para as pessoas que estavam comigo e os 5 sentidos. Meu corpo vagou pela casa balbuciando algumas coisa, e até comeu sem eu me lembrar disso (parece que ele se vira bem sozinho), mas a minha consciência estava vendo o mundo de um lugar privilegiado...
Todos vocês devem saber que é incrivelmente difícil transferir o conhecimento adquirido no "outro mundo" (ou "mundo interno", não sei como preferem) para este, mas vou fazer o meu melhor.
Ao começar a entrar no transe comecei a lembrar de como eu falava/agia como criança, cada vez mais novo, até que esqueci completamente como falar, as palavras e etc... neste momento comecei a perder o contato com os sentidos. Se eu acreditasse profundamente em regressão certamente usaria esta palavra, pois eu regredi a um estado que só posso descrever como "não-nascido".
Deste ponto de vista adimensional os mistérios da existência eram bem mais claros, como disse nosso amigo Fred Muscaria em um relato era aparente "saber tudo". Mas uma revelação em especial me deixou atônito, com um desejo imenso de compartilhá-la.
Me ficou aparente a natureza fractal da existência. Eu mesmo não sou especialista em fractais, mas nesse estado eu podia enxergar os inúmeros padrões dentro de padrões dentro de padrões que nossa realidade guarda. Eu podia vê-los em todos os lugares, em todas as direções, fluindo e se espalhando em beleza infinita.
As células interagem para formar corpos que se unem para formar famílias que interagem para formar ecossistemas.
As árvores e os fungos apresentam um desenho fractal razoavelmente simples.
Eu percebi que eu não era e nunca fui minhas células ou meu corpo, afinal elas sempre mudam, nascem e morrem independente de minha mente. Percebi que a consciência é um fenômeno como a chama do fogo, que no caso da fogueira não é nem a madeira nem o ar nem o calor, mas sim um fenômeno que envolve todos eles.
Mas o mais curioso de tudo foi perceber que, quando trocamos informações ou idéias, as mensagens meméticas colidem, se transformam e se multiplicam como seres vivos. A evolução genética acabou por criar seres "auto-consciêntes" que podem ser "hospedeiros" e causar colisões de informação, formando uma nova dimensão metafísica, que em sua interação acaba criando novos mundos que podem ser tão complexos quanto o nosso.
Como na nossa atual limitação podemos olhar de mais perto este fractal se sabemos que nenhum fractal tem fim? Apesar de não ter fim ele possui beleza infinita, e explorar este que é o maior dos fractais, um multiverso de possibilidades infinitas, talvez seja a maior dádiva da consciência.
(O mais interessante é como a internet levou as mensagens meméticas a se espalharem e evoluirem com velocidade 'sobrenatural'! Vocês conseguem pensar no quanto nunca aprenderiam sem ela?)
Huxley cita que quando aprendemos a contemplar não temos vontade de atrapalhar os outros... e o universo oferece capacidade de contemplação infinita. Caso as pessoas percebessem isto certamente sofreriam (e fariam sofrer) muito menos.
A nova questão é: por que as pessoas não aprendem a contemplar? Isto me lembra bem o "samsara" budista e a teoria de Huxley em "As Portas da Percepção" de que a consciência expandida atrapalha o animal na sua luta pela sobrevivência.
A maior parte das pessoas está com a "programação memética básica" da auto-preservação. Temem a dor, temem o desconhecido, temem o próprio medo. O medo de sofrer as faz sofrer em antecipação, o medo do desconhecido as impede de evoluir e o medo do medo esconde este jogo delas, gerando uma auto-estima falsa e frágil, que não exita em ferir os outros para preservar seu ponto de vista.
A única forma das pessoas sairem desta prisão é sabendo apreciar a beleza de cada coisa que existe, sabendo extrair o máximo de valor de cada instante de suas vidas, sejam eles julgados bons ou ruins. Só assim a auto-preservação fica em segundo plano e conseguimos nos sentir parte da Eternidade, finalmente dando o valor à vida que ela merece.
Os enteógenos podem fazer isso? Acredito que sim, mas só para os que estão mais preparados. Eles são indispensáveis? Acredito que não, especialmente para os que estão bem preparados.
Existem alguns tipos comuns:
1- A pessoa está despreparada e usa pouco: a dose é leve e ela percebe a beleza do mundo, mas só durante o efeito. O enteógeno vira um brinquedo.
2- A pessoa está desprerada e usa muito: o choque é grande, a pessoa repensa sua vida por outros pontos de vista, percebe todas as atitudes erradas que tomou e como poderia ser muito diferente.
2.1- O choque é demais e a baixa auto-estima que se faz de alta cria um escudo, que impede que as lições seja adquiridas e dá um caráter de pesadelo a tudos aquilo. Depois desta 'bad-trip' a pessoa troca de brinquedo ou se contenta com doses leves na próxima. (Ou o trauma é tão grande que pode causar problemas futuros...)
2.2- O choque é demais e a pessoa (geralmente que se considera muito humilde) simplesmente não se esforça muito para aprender a lição, acha que Deus é demais para ela.
2.3- A auto-estima e auto-imagem da pessoa estão equilibrados e ela aprende a contemplar o mundo. O problema é que grandes choques podem reativar os instintos de auto-preservação e fazê-la esquecer muito do que aprendeu.
3- A pessoa está preparada, aprende lições valiosas sobre si e sabe aplicar isso. Aprende a contemplar a beleza do mundo 24 horas por dia, e não só quando está sob efeito. E o mais importante, aprende como lidar com os outros para ajudá-los a ter a chance de chegar e se manter neste estado.
Na verdade esta é a única explicação para a moral que me é aceitável.
Em um mundo guiado por pessoas que não ameaçam a auto-preservação das outras é possível contemplar a beleza do mundo comum e até mesmo de seus segredos profundos, como com a ciência que examina o comportamento das partículas sub-atômicas até o movimento das galáxias. Sem se esquecer de que, de certa forma, os mundos criados pela mente humana também existem, causando uma explosão de existência enriquecendo ainda mais o universo.
Não sei se é exatamente por ai, mas talvez vocês possam me ajudar a meditar nestas questões. Minha intenção não foi relatar uma trip (pois ocorreu muito mais coisas, espero ter a chance de escrever), mas apenas uma idéia que ela amadureceu em mim e que deseja ser semeada.
Ainda me é um mistério como preparar as pessoas, uma vez que os enteógenos podem ajudá-las (como diz Hofmann como um catalisador na reação de tomada da consciência) mas em uma realidade ou estado de espírito onde elas se sintam ameaçadas é mais fácil traumatizá-las com a ajuda deles...
Acho que o nosso principal papel é nos mostrarmos "sóbrios" e coerentes, mudando a imagem que o pavor do mundo colocou nestas substâncias. Também informar as pessoas sobre como as coisas realmente são e dar a chance delas tomarem suas próprias decisões de forma madura.
Acreditem, muita coisa cai com um contra-exemplo, cultivem os bons memes assim como cultivam as boas strains

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(Obrigado a todos que leram até o final e me desculpem se fui inconveniente para alguém!)