Olá caros micólocos, psiconautas ou meros curiosos.
Venho responder, apesar da demora, meu próprio relato, descrevendo o que aconteceu nesse mês (junho de 2022) ao mesmo tempo que anuncio que já estou em vias de começar mais um mês de microdose (agosto 2022) após passar um mês sem nada.
Eu devo ter decidido testar as microdoses com capsulas prontas em algum momento de abril, e no dia 26 eu efetuei a compra no site. Eu lembro que estava pesquisando por nootrópicos então, e dado meu histórico, não me parecia interessante usar um remédio controlado como ritalina ou piracetam quando eu sabia, com certeza, que precisava apenas acertar-me com minhas prioridades, minha ansiedade e meu deslocamento em relação ao mundo após dois anos de pandemia. Não existe remedio que nos cure da vida.
Cito a questão dos nootropicos porque é uma armadilha até meio óbvia se você parar para pensar – quase qualquer estudante de pós graduação desejaria ter mais horas no dia, ou ao menos mais foco para usar as horas que tem. E quando se começa a pesquisar estas coisas na internet se encontra depoimento de gente que lidou com até mesmo anfetamina para conseguir atingir seus objetivos. É preciso muita cautela nisso. E mesmo com psicodelicos isso se faz necessário (como bem apontou o usuário Barratorta).
Cogumelos, no entanto, são fascinantes. Estou lendo e me informando sobre o eles já há uns dois anos mais ou menos e nunca deixo de ficar impressionado. Foi em agosto de 2020 que adquiri pela primera vez cinco gramas de Cubensis pela internet – e então eu já ouvia uma porção de entrevistas do Paul Stamets e do Micheal pollan, além de livros sobre o assunto – incluindo aí o excelente Como mudar sua mente (Pollan, 2018). Mais recentemente estive lendo o incrível A Trama da Vida (Sheldrake, 2021), que fala de fungos de maneira geral, mas que tem um capítulo dedicado só aos cogumelos psicodélicos.
Quem viu a série que saiu agora na netflix e que tem o mesmo nome do livro sabe bem do que to falando – essa série materializa o livro e atualiza alguns detalhes. O livro do Merlin Sheldrake por sua vez aprofunda um aspecto de micólogo que não vemos no Pollan, e começa com a seguinte pergunta: não estariam os cogumelos de psilocibina usando de seu poder sobre os outros (especialmente os humanos) para espalhar seus genes? – a exemplo do que faz a ophiocordyceps com a formiga zumbi? Vou adiantar logo e dar o spoiler que, para Sheldrake, isso é improvável – mas que nem isso, nem o fato de havermos isolado a psilocibina em laboratorio diminui a complexidade da experiencia humana sob psicodelicos. Ou da grandiosidade que os cogumelos ganharam na nossa cultura e imaginário.
Eu me considero um psiconauta razoavelmente experiente – tenho 38 anos e há 20 anos que, com um espaço considerável entre um e outro, experimento com psicodélicos (cannabis, cogumelos e ayahuasca). Se eu estou fazendo esse relato não é para incentivar (muito provável o contrário) ninguém a se meter a cobaia de si mesmo (embora isso sempre seja uma opção), senão para exercer um lado de teorico e de pesquisador que eu almejo (e que provavelmente era o motivo de eu pesquisar metanfetaminas legais na internet no final de abril) enquanto falo de algo que me estimula.
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Como começou: eu tinha comigo (chegou pelos correios dia 3 de junho) 15 capsulas de cubensis moídas. As tais microdoses, de 0,2 gramas e que, se consumidas prometiam ficar abaixo da percepção – isto é, eu ficaria funcional ao mesmo tempo que colhia os benefícios de uma substância psicodelica no meu cérebro. Além das capsulas de cubensis eu tomava todos os dias 20ml de extrato de cogumelo juba de leão (não psicodélico) e gincko biloba.
Eu tomava as microdoses um dia e pulava dois. Isso durou um mês. Três semanas foram com apenas uma capsula (0,2 g) e depois com duas (0,4 g). Em jejum, logo que acordava. Eu tive pouca ou nenhuma
alucinação visual. Mas com certeza sentia efeitos de alegria, euforia e leveza. Não me faziam flutuar, eu mal conseguia saber se os efeitos ainda estavam rolando ou se já tinham passado.
Os estudos científicos com microdoses ainda estão lidando com a questão de ter pessoas que, influenciadas por relatos como esse, tomarem placebos e acharem que estão recebendo os benefícios do cogumelo (
Microdosing psychedelic drugs associated with increases in conscientiousness and reductions in neuroticism) – e é por isso que ter experiência previa conta. Tomar em jejum também torna o contraste entre o estado previo e os efeitos bem grande.
E que coisas eu notei de diferente, afinal, após um mês de uso de microdoses de psilosybe cubensis?
Começando pelo que mais me impressiona: não voltei a beber,e já estou indo para oitenta dias. Isso é impressionante porque eu não estava sentindo necessidade sequer de parar – e parei porque queria fazer a experiencia das microdoses da maneira correta – mas após um mês do teste, ao longo de todo esse mês de julho, não vi sentido em voltar a beber. Isso me economiza uma grana, me traz harmonia no casamento (a esposa não bebe) e possivelmente, veja só você, salva minha vida.
A ansiedade diminui globalmente. Sublinhemos a palavra global. Isso porque é o que os nootrópicos e os remedios milagrosos que eu pesquisei na época não oferecem – eles podem ate agir rápido e causar mudanças radicais – mas eles também vao ferrar com seus rins (no caso do piracetam) ou coisa do tipo. O uso de microdoses de cubensis não faz grande coisa se vista isoladamente sob uma lupa, mas no dia a dia, semana a semana, junto com outras mudanças de atitudes ruins para atitudes saudáveis (que o psicodélico te ajuda a perceber) - junto com exercícios físicos e meditação, enfim, com o que der, as coisas melhoram. Um pouquinho, mas melhoram. A ressalva que faço: o trabalho é constante – a psilocibina só te dá as dicas, mas você tem que ir atrás do prejuízo, e se deixamos de lado o cuidado não é como se tudo desmoronasse, mas a estagnação vem – eu mesmo deixei de meditar, mesmo sabendo que é uma coisa maravilhosa e tal.
O foco voltou – eu consigo trabalhar por horas a fio, e mantenho interesse vivo naquilo que faço. O mesmo foco de quem joga videogames (e eu jogava bastante, mas tive que parar para focar no mestrado), mas para qualquer coisa que você queira fazer. E, mais uma vez, sublinhemos globalmente. Sutilmente talvez, mas de maneira orgânica, nenhuma mudança radical.
O sono é mais restaurador. Nem sempre procuro lembrar o que sonhei, mas tenho acordado bem descansado há dois meses já, todos os dias.
E no que eu não consegui ver melhoras?
Eu ainda tenho questões de irritação, de raiva mesmo. Acho que o lado depressivo poderia ter sido mais trabalhado – e acho que é onde a ioga e meditação poderiam me ajudar mais do que as microdoses até.
Eu ainda preciso me cuidar constantemente senão tenho preguiça de estudar; ou então começo a comer demais, a assistir TV demais. Hoje mesmo fazem 3 dias que não saio para pedalar ou ir além da esquina comprar pão – é uma constante aqui em casa ignorar os dias para aprofundar um projeto ou coisa do tipo (mesmo sabendo que meu trabalho iria melhorar se eu fizesse uma caminhada que fosse, mas eu simplesmente ignoro esse dado).
Concluindo, digo que foi uma experiência positiva. Digo também que meditação, exercício físico e terapia são tão bons quanto, e que se der para fazer tudo, melhor ainda, porque, ao que tudo indica, elas somam forças para melhorar nossa vida.
E melhorar a vida não é nada fácil. Ainda mais quando ficamos mais velhos e adquirimos mais responsabilidades e também quando acumulamos experiências. Ou quando acumulamos traumas (um dos campos mais promissores da pesquisa com psicodélicos é no tratamento de estresse pós traumático, lembro agora). De modo que chega uma hora que você decide que é hora de reiniciar, de dar um reboot no cérebro e começar menos alvoraçado os dias que tem pela frente. E quem pode te culpar? Não apenas a ciencia, mas os sabedores tradicinais nos informam que existe um modo de fazer isso, testado, seguro, natural. Então porque não tentar? Se eu posso melhorar nem que seja um por cento em relação ao que eu era antes, como deixar de lado?
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Há dez milhoes de anos que fungos produzem especies de cogumelos que produzem psilocibina. Nossas existencia nesse espaço de tempo é quase nada – incluindo aí nossa cultura, nossa contra-cultura e nossa cultura contemporanea.
Teonanacatl é o nome original dos cogumelos magicos e significa carne dos deuses, isso porque quando a experimentamos podemos, literalmente, participar da criação divina, e ver o mundo com olhos renovados. Isso também a microdose de psilocybe cubensis me ensinou. Aos poucos, de forma quase impossível de notar, mas solidamente, ao longo dos dias e de modo irreversível, pelo quê sou muito grato.