Contudo, também pode ser visto como inconstitucional, diante da jurisprudência do STF sobre uso de animais em eventos de cultura popular não ser destrato. Logo, se lá não é destrato, a coleta na natureza dos ingredientes também não é depredação da natureza.
Na minha opinião, a questão da autossuficiência é fundamental, explico: No instituto que mais frequento e mais confio, num primeiro momento, o feitio ocorria duas vezes por ano, mas com o passar de poucos anos, dada a grande popularidade e disseminação, esses eventos passaram a ocorrer com muito mais frequência, cerca de 5 ou 6 feitios por ano, com cerca de 600L produzidos por evento, com a finalidade de atender o próprio instituto e demais institutos conveniados.
Pois bem, no caso da Chacrona, por ser um arbusto resistente e vigoroso, de fácil cultivo, quase sem incidência de pragas, facilmente se alcança a autossuficiência, claro, se uma boa área rural estiver à disposição, mas o problema principal é o Jagube, que requer ao menos 10 anos para que seja plenamente aproveitado, pois no caso de plantas mais jovens, é necessária maior quantidade para que se alcance a concentração final desejada. Ainda, tem um agravante, a composição do solo e clima têm total relação com a qualidade final do produto. Lá no instituto tem jagube de 7/8 anos que está longe de estar no ponto ideal.
Estamos falando de cerca de 1,2T de Jagube por feitio, que são coletados e transportados por via terrestre, principalmente oriundos do estado do PA. Os métodos de extração são brutais, pois para coletar os cipós de maior calibre, mais valiosos e procurados, a árvore que apoia o cipó tem que ser derrubada. Por isso a extração de Jagube é facilmente relacionada à prática de desmatamento e comércio ilegal de madeira, por ser um subproduto.
Confesso que quando soube disso, fiquei extremamente decepcionado, o que influenciou consideravelmente de forma negativa a qualidade das sessões. A conta é muito simples, veja a quantidade de institutos espalhados pelo Brasil. Se, estimando por baixo, 30000 pessoas fizerem o ritual todas as semanas pelo Brasil afora, significa uma demanda de 18T de Jagube por mês, 216T por ano (bem por baixo).
Portanto, em tese, consiste em uma prática predatória sem a possibilidade de reflorestamento ou reposição, o que não acontece com cogumelos, uma vez que praticamente não há qualquer impacto socioambiental. Eu vejo essa proposta de autossuficiência dos ingredientes da Ayahuasca como ponto chave para o consumo consciente e em harmonia com a própria natureza da experiência.
De resto, talvez a imposição de uma única fórmula de ayahuasca seja também questionável. Digam vocês se só é ayahuasca a fórmula original.....
Existem incontáveis fórmulas da Ayahuasca. Cada um dos povos originários tem sua receita própria, com outros ingredientes psicoativos ou não. O ponto é que todo o estudo do Conad foi baseado em uma única fórmula, cujos efeitos acabam sendo similares, em maior ou menor grau, e a abertura para fórmulas diversas geraria um descontrole e imprevisibilidade, pois até mesmo para fins econômicos, poderia se buscar ingredientes substitutos mais baratos, o que colocaria em cheque o estudo robusto realizado.
Exceto pela parte do cadastro dos membros, que traria um tratamento diferente para os religiosos do ayahuasca que outras religiões não possuem, o que quebra a isonomia.
Atualmente, os institutos são obrigados a exigir de seus frequentadores a apresentação de documento de identidade original e o preenchimento de uma ficha de anamnese, para que fique registrado e assinado pelo frequentador, seu estado de saúde, se tem histórico de distúrbios psiquiátricos, se não consumiu nenhuma substancia psicoativa diversa, etc...então, em tese, esse controle também já existe, talvez não de forma padronizada. Penso que isso facilitaria inclusive os estudos acadêmicos para fins medicinais, etc.
Não vejo como quebra de isonomia porque afinal de contas, não é comum que o pilar que sustenta determinada religião seja justamente o consumo de uma substância psicotrópica, portanto, não se trata apenas do exercício da fé, mas sim da ingestão de algo que age diretamente no SNC, altera o estado de consciência e capacidade motora, ainda que temporariamente.
Não se trata apenas de religião, mas facilmente pode ser enquadrada em matéria de saúde pública e vou mais longe, a natureza da relação fiel X igreja, por ser onerosa, necessariamente está sob a égide do CDC. Daí a importância, principalmente, do dever da informação da instituição, bem como a implantação de todos os mecanismos possíveis para que haja uma vivência segura e proveitosa.