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Aqui discutimos micologia amadora e enteogenia.

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Krishnamurti

O processo dualista

Afora as dualidades óbvias – como homem e mulher, preto e branco – há uma dualidade psicológica interior, que é o observador e o observado, aquele que tem a experiência e a coisa experimentada. Nessa divisão, na qual tempo e espaço estão presentes, reside todo o processo do conflito; você pode observar isso em si mesmo. Você é violento, isso é um fato, e você tem também o conceito ideológico da não violência; com isso, há dualidade. Agora o observador diz: “Preciso tornar-me não violento”, e a tentativa de tornar-se não violento é conflito, que é desperdício de energia; ao passo que, se o observador estiver totalmente cônscio dessa violência – sem o conceito ideológico de não violência – então ele é capaz de lidar com ela imediatamente. É preciso observar esse processo dualista em ação dentro de si mesmo – essa divisão entre o “eu” e o “não eu”, o observador e a coisa observada. - Talks with American Students, p 111
 
Pergunta: Por que o homem é tão insensível?

Krishnamurti: Essa é muito simples, não é? Quando a educação se limita a transmitir conhecimento e a preparar o aluno para obter um emprego, quando ela se limita a manter ideais e o ensina a se preocupar com o próprio sucesso, obviamente, o homem se torna insensível. Vejam, muitos de nós não temos amor no coração. Nunca olhamos para as estrelas ou nos alegramos com o marulhar das águas; nunca observamos a dança do luar sobre um regato, nem o voo de um pássaro. Não temos músicas em nossos corações; estamos sempre ocupados; nossas mentes estão repletas de esquemas e ideais para salvar a humanidade; professamos a fraternidade, e nossa aparência é uma negação dela. Por isso é importante receber o certo tipo de educação enquanto somos jovens, para que nossas mentes e corações permaneçam abertos, sensíveis, ardentes. Mas a vivacidade, a energia, a compreensão impactantes são destruídas quando sentimos medo; e muitos de nós têm medo. Tememos nossos pais, os professores, o sacerdote, o governo, o patrão; temos medos de nós mesmos. Então a vida se torna um veículo do medo, da escuridão, e por isso o homem se torna insensível.
 
O problema da liberdade

Gostaria de discutir com vocês o problema da liberdade. É bastante complexo e necessita de estudo e compreensão. Ouvimos falar muito sobre liberdade. Liberdade religiosa e liberdade para fazermos aquilo que gostaríamos. Trabalhos sobre o tema foram escritos por especialistas, mas acho que podemos abordá-lo de modo bem simples e direto, e talvez isso nos aproxime da solução verdadeira.

Pergunto-me se vocês já pararam para observar a luminosidade maravilhosa no horizonte quando o sol se põe, com a lua tímida e jovem despontando sobre as árvores. Muitas vezes, nesse momento, o rio fica bem calmo, e tudo fica refletido em sua superfície: a ponte, o trem que passa sobre ela, a lua suave, e depois, quando escurece mais, as estrelas. Tudo é muito bonito. E para observar, ver, dedicar toda a sua atenção a algo belo, a sua mente deve estar livre de preocupações, não é? Não deve estar ocupada com problemas, dúvidas, especulações. É somente quando a mente está bem calma que vocês podem realmente observar, pois então ela estará sensível à beleza extraordinária; e talvez aqui esteja uma chave para o nosso problema da liberdade.

O que significa ser livre? A liberdade é fazer aquilo que é bom para vocês, ir aonde desejarem, pensar o que quiserem? Isso vocês já fazem. Ter meramente uma independência, isso significa liberdade? Muitas pessoas no mundo são independentes, porém bem poucas são livres. Liberdade implica grande inteligência, não é? Ser livre é também ser inteligente, mas a inteligência não ocorre simplesmente com o desejo de ser livre; ela existe somente quando vocês começam a compreender todo o seu ambiente, as influências sociais, religiosas, geracionais e tradicionais que o atacam continuamente. Porém, compreender as várias influências - dos pais, do governo, da sociedade, da cultura à qual vocês pertencem, das crenças, dos deuses e superstições, da tradição à qual vocês se conformam sem se dar conta - e ficar livre delas requer uma sagacidade profunda. Mas vocês geralmente desistem disso porque, no íntimo, têm medo. Temem não conseguir uma boa posição na vida; têm medo do que seu sacerdote dirá; temem não seguir a tradição, não fazer a coisa certa. Mas a liberdade é, na verdade, um estado da mente no qual não existe medo ou compulsão, nem necessidade de se sentir seguro.

A maioria de nós não deseja estar seguro? Não queremos ouvir que somos pessoas maravilhosas, como nossa aparência é bela ou que inteligência extraordinária temos? Pois queremos adicionar títulos aos nossos nomes. Todo esse tipo de coisa nos dá auto-confiança, um senso de importância. Todos desejamos ser pessoas famosas - e no momento que desejamos ser alguma coisa, não somos mais livres.

Por favor, assimilem isto, pois esta é a chave verdadeira para compreender o problema da liberdade. Seja neste mundo de políticos, de poder, posição e autoridade, ou no chamado mundo espiritual, no qual vocês aspiram ser virtuosos, nobres, santos, no momento em que desejam ser alguém, não são mais livres. E o homem ou a mulher que vir o absurdo de todas essas coisas - e cujo coração é, portanto, inocente e não é movido pelo desejo de ser alguém - é livre. Se vocês entenderem a simplicidade disso, verão também sua extraordinária beleza e profundidade.

Pense nisso - Reflexões libertadoras sobre temas do cotidiano

 
Tudo é muito bonito. E para observar, ver, dedicar toda a sua atenção a algo belo, a sua mente deve estar livre de preocupações, não é? Não deve estar ocupada com problemas, dúvidas, especulações. É somente quando a mente está bem calma que vocês podem realmente observar, pois então ela estará sensível à beleza extraordinária; e talvez aqui esteja uma chave para o nosso problema da liberdade.

Concordo, a mente fora de sintonia não vai vibrar com essa liberdade. Temos o livre-arbítrio, mas estamos cimentados nos nossos compromissos, nosso papel social que nos foi imposto, logo, não conhecemos a verdadeira liberdade.

E, olhando em volta, perceba quantas pessoas, nem disso se dão conta. Não se dão conta, no íntimo, do sentimento dessa verdadeira liberdade.

O Oriente tem muito material rico que discerne sobre o tema, liberdade. ótimo material para estudo.

Aqui no Ocidente, temos J. J. Rousseau:

Ao renunciar à liberdade, o homem, abre mão da própria qualidade que o define como humano. Ele não está apenas impedido de agir, mas privado do instrumento essencial para a realização do espírito. Para recobrar a liberdade perdida nos descaminhos tomados pela sociedade, o filósofo preconiza um mergulho interior por parte do indivíduo rumo ao autoconhecimento. Mas isso não se dá por meio da razão, e sim da emoção, e traduz-se numa entrega sensorial à natureza.
 
Última edição por um moderador:
Pergunta: Por que somos afligidos pelo sofrimento?

Krishnamurti: Aceitamos o sofrimento como parte inevitável da vida, e construímos filosofias sobre isso; justificamos o sofrimento e dizemos que ele é necessário para encontrarmos Deus. Eu digo, ao contrário, que existe sofrimento porque o homem é cruel com o homem. E também não compreendemos muitas coisas na vida que trazem o sofrimento - coisas como a morte, o desemprego, a pobreza e a miséria. Não compreendemos nada, então ficamos amargurados; e quanto maior a sensibilidade, maior o sofrimento. Em vez de compreender tais fatos, justificamos o sofrimento; em vez de nos revoltarmos contra todo o sistema apodrecido e romper com ele, simplesmente nos ajustamos a ele. Para ficarmos livres da tristeza, é preciso ficar livre do desejo de causar o mal - e também do desejo de fazer o "bem", o chamado bem que também é resultado do nosso condicionamento.
 
Libertação da ignorância, do sofrimento
Nós ouvimos com esperança e medo; buscamos a luz do outro mas não estamos alertamente passivos para sermos capazes de compreender. Se o liberado parece preencher nossos desejos, nós o aceitamos; se não, continuamos nossa busca por aquele que o fará; o que a maioria de nós deseja é gratificação em diferentes níveis. O importante não é como reconhecer aquele que é iluminado mas como compreender a você mesmo. Nenhuma autoridade aqui ou lá adiante pode lhe dar conhecimento de si mesmo; sem autoconhecimento não há libertação da ignorância, do sofrimento.

J. Krishnamurti, The Book of Life


Recapturando a experiência de ontem
Vejam, senhores, vocês observam um pôr do sol encantador, uma bela árvore num campo, e logo que olham alegram-se completamente, inteiramente, no entanto retornam a isso com o desejo de deleitar-se de novo. O que acontece quando voltam com o desejo de alegrar-se novamente? Não há alegria nenhuma, porque é a memória do pôr do sol de ontem que está agora fazendo vocês voltarem, que os está impelindo, incitando-os a alegrarem-se. Ontem não havia memória alguma, só uma apreciação espontânea, uma resposta direta, no entanto hoje estão desejosos de recobrar a experiência de ontem, ou seja, a memória está interferindo entre vocês e o pôr do sol. Portanto, não há nenhuma alegria, nenhum esplendor, nenhuma plenitude de beleza. Novamente, vocês têm um amigo que lhes disse alguma coisa ontem, um insulto ou uma cortesia, vocês retêm essa memória, e com essa memória vocês encontram seu amigo hoje. Realmente não encontram seu amigo – carregam a memória de ontem, que intervém; assim, continuamos cercando a nós próprios e as nossas ações com memória, portanto, não há nenhuma inovação, nenhum frescor. Essa é a razão pela qual a memória torna a vida cansada, enfadonha e vazia.

The Collected Works vol V, p 119
 
Vida e morte são uma coisa só
Para você, a morte é algo separado da vida. A morte está acolá, enquanto você está aqui, ocupado com a vida – dirigindo um carro, fazendo sexo, sentindo fome, preocupando-se, indo para o trabalho, acumulando conhecimento, etc. Você não quer morrer porque não terminou de escrever seu livro, ou não sabe ainda tocar violino magnificamente. Portanto, você separa a morte da vida, e diz: Compreenderei a vida agora, e logo compreenderei a morte. Mas as duas não estão separadas – e essa é a primeira coisa a compreender. Vida e morte são uma coisa só, estão intimamente relacionadas, e você não pode isolar uma delas e tentar compreendê-la separada da outra.

The Collected Works vol XIV, p 212


Sensações momentâneas dão o sentimento de estar sendo feliz
Por que estamos buscando a felicidade? Por que esse incessante esforço para ser feliz, para ser alegre, para ser alguma coisa? Por que existe essa procura, esse imenso esforço feito para encontrar? Se pudéssemos entender isso e mergulhar nisso completamente, talvez pudéssemos saber o que a felicidade é sem a procurarmos, porque, em última análise, a felicidade é um subproduto, de importância secundária. Não é um fim em si mesma; não tem nenhum significado se for um fim em si mesma. O que significa ser feliz? O homem que toma uma bebida está feliz. O homem que lança uma bomba sobre um grande número de pessoas sente-se orgulhoso e diz que está feliz ou que Deus está com ele. Sensações momentâneas, que desaparecem, dão essa sensação de estar feliz. Certamente há alguma outra qualidade que seja essencial para a felicidade. A felicidade não é um fim, não mais do que a virtude. A virtude não é um fim em si mesma, ela proporciona liberdade, e nessa liberdade há a descoberta. Portanto, a virtude é essencial. Com efeito, uma pessoa não virtuosa está escravizada, em desordem, deslocada, perdida, confusa, entretanto, tratar a virtude como um fim em si mesma ou a felicidade como um fim em si mesma tem muito pouco significado. Portanto, felicidade não é um fim.

The Collected Works vol V, pp 328-329
 
Só existe um fato: impermanência
Estamos tentando descobrir se existe, ou não, um estado permanente, não o que gostaríamos, mas o fato real, a verdade do assunto. Tudo em relação a nós, dentro bem como fora – nossas relações, nossos pensamentos, nossos sentimentos – é impermanente, num estado de fluxo constante. Estando consciente disto, a mente anseia por permanência, por um perpétuo estado de paz, de amor, de bondade, uma segurança que nem o tempo nem os acontecimentos podem destruir; então ela cria a alma, o “Atma”, e as visões de um paraíso permanente. Mas esta permanência nasce da impermanência, e assim, tem dentro dela a semente do impermanente. Só existe um fato: impermanência.

J. Krishnamurti, The Book of Life

Da percepção vem energia
O problema é, certamente, libertar a mente totalmente de modo que ela fique num estado de atenção que não tem limite, nem fronteira. E como a mente descobre esse estado? Como ela chega nessa liberdade? Espero que vocês estejam seriamente se perguntando isto, porque eu não a estou fazendo para vocês. Não estou tentando influenciá-los; estou apenas mostrando a importância de a pessoa fazer esta pergunta. A pergunta verbal feita pelo outro não tem significado se você não se faz a pergunta com insistência, com urgência. A margem de liberdade está se estreitando todo dia, como devem saber se são de fato observadores. Os políticos, os líderes, os sacerdotes, os jornais e livros que você lê, o conhecimento que adquire, as crenças a que se apega, tudo isto torna a margem de liberdade mais e mais estreita. Se você está cônscio deste processo acontecendo, se de fato você percebe a estreiteza do espírito, a crescente servidão da mente, então descobrirá que da percepção vem energia; e é esta energia nascida da percepção que vai despedaçar a mente insignificante, a mente respeitável, a mente que vai ao templo, a mente que tem medo. Então, a percepção é o caminho da verdade.

J. Krishnamurti, The Book of Life


http://www.jkrishnamurti.org/pt/ :)
 
O Imensurável
A terra e tudo sobre ela se tornou sagrado. Não era que a mente estivesse cônscia desta paz como algo fora dela mesma, algo para ser lembrado e comunicado, mas havia uma total ausência de qualquer movimento da mente. Havia apenas o imensurável.

J. Krishnamurti Commentaries on Living Series III



 
A mudança acontece quando não existe medo, quando não existe nem experimentador nem experiência; só então acontece a revolução que está além do tempo. Mas isso não pode acontecer enquanto estou tentando mudar o “eu”, enquanto estou tentando mudar o que é em outra coisa. Eu sou o resultado de todas as compulsões, persuasões sociais e espirituais, e de todo o condicionamento baseado na ambição – meu pensamento se baseia nisso. Para me libertar desse condicionamento, dessa ambição, eu digo a mim mesmo: “Eu não devo ser ambicioso; devo praticar a não-ambição”. Mas tal ação está, ainda, dentro do campo do tempo, é ainda a atividade da mente. Apenas veja isso. Não diga: “Como vou chegar nesse estado onde sou não-ambicioso?” Isso não é importante. Não é importante ser não-ambicioso; o importante é compreender que a mente que está tentando sair de um estado para outro está ainda funcionando dentro do campo do tempo, e, portanto, não há revolução, não há mudança. Se você quiser, realmente, compreender isto, então a semente dessa revolução radical já foi plantada e isso vai operar: você não tem nada a fazer.

Collected Works, Vol. VIII,163, Choiceless Awareness
 
A nossa atividade diária gira em torno de nós mesmos

A maior parte da nossa atividade diária gira em torno de nós mesmos; está baseada no nosso ponto de vista particular, nas nossas experiências e idiossincrasias particulares. Pensamos em termos da nossa família, do nosso emprego, do que desejamos alcançar, e também em termos dos nossos medos, esperanças e desesperos. Tudo isto é obviamente egocêntrico e produz um estado de autoisolamento, como podemos ver no nosso dia-a-dia. Temos os nossos próprios desejos secretos, as nossas buscas e ambições ocultas, e nunca estamos profundamente relacionados com ninguém, quer com as nossas esposas, os nossos maridos, quer com os nossos filhos. Este autoisolamento é o resultado de fugirmos do nosso tédio diário, das frustrações e trivialidades da nossa vida diária. É causado também pela nossa fuga de várias maneiras da sensação extraordinária de solidão que se apodera de nós quando subitamente nos sentimos sem relação com nada, quando tudo está à distância e não há comunhão, não há relacionamento com ninguém.

The Collected Works vol XIV, pp 219-220
 
QUESTÃO: O casamento é uma necessidade ou um luxo?

KRISHNAMURTI: Examinemos o problema, a questão. Porque casamos? Primeiro, obviamente, devido à biológica necessidade, o ímpeto sexual, que a sociedade legalizou com o casamento. A sociedade quer proteger a criança de modo a não serem ilegítimas, porque olha para essas crianças com desdém. Sendo assim, legaliza-se o casamento. Mas certamente essa não é a única razão porque casamos. Devido às exigências psicológicas, por esse motivo, casamos. Eu preciso de um companheiro, alguém que eu possa possuir, dominar, alguém a que possa chamar meu. Posso fazer com a minha mulher aquilo que entender, ela é subordinada do homem – neste país que é a Índia, não na América. Aqui, o sistema do casamento fez da mulher uma escrava, para ser protegida, controlada, dominada, possuída. Não olhem para os outros senhores, todos estão envolvidos nisso. A mulher é uma possessão, assim como possuo uma propriedade, assim possuo a minha esposa. Possuo-a sexualmente e domino-a superficialmente.

Psicologicamente, possuir dá-me conforto, segurança: a minha propriedade, a minha mulher, os meus filhos – o horror disso tudo. Tratamos os seres humanos como se fossem materiais, sem consideração alguma, porque, assim que possuo legalmente, encontram-se debaixo meu domínio.

Então, a sociedade legaliza o casamento com o intuito de perpetuar a raça, para segurá-la sob determinados limites; mas psicologicamente, internamente, posso fazer aquilo que me apetecer. Vocês conhecem toda essa coisa que acompanha a existência, os horrores, as agonias, as misérias, aqueles que são casados e que não se amam. Como pode haver amor se existe a vontade de possuir? E se não casarem, o que acontece? Tenho visto isso em muitos países; existe aquilo a que se pode chamar casamento por conveniência. Não fiquem chocados. Se não existe amor, o casamento por conveniência revela ser um bom motivo, um escapismo para o apetite sexual e irresponsabilidade.

Então, sem amor, ambos são um horror. Mas a sociedade não quer saber, não quer saber, se existe amor ou não; e como a maior parte de nós está tão concentrada, absorvida com tanto interesse no seu negócio, emprego, seja ele de qualquer natureza, em ganhar dinheiro ou seja lá o que for impiedosa e cruelmente, assim também no mundo, como pode assim haver amor por alguém no lar? Não se pode, por um lado, explorar o vizinho, até ao tutano, sugar tudo dele, para depois ir para casa e ser afectuoso para com a mulher. Não senhores, não se pode fazer ambas as coisas.

Mas é isso mesmo que estão a tentar fazer e é por causa disso que não há amor. É por isso que o casamento em qualquer parte do mundo é uma irresponsabilidade miserável.

O casamento é também uma forma de autoperpetuação. Eu quero continuidade através dos meus filhos. Assim sendo, os filhos revelam-se muito importantes, não por eles mesmos, mas para a minha própria continuidade – o meu nome, a minha classe, a minha casta. Vocês conhecem essa realidade.
E naturalmente, quando se está meramente a usar os filhos para a própria continuidade, não há amor.
Como pode haver amor se estão mais interessados na própria continuidade através deles, do que a amá-los, como eles são?

Assim, a tradição e o nome são mais importantes, porque eles são os meios de se perpetuar através da descendência.

Para compreender este problema, para descobrir o que está envolvido, temos que o estudar, mergulhar no assunto. Ao estudar surge a inteligência, e só a inteligência e o amor podem lidar com este problema, não a mera legislação.

No momento em que possuo uma pessoa, ela torna-se uma prostituta; isto é, a pessoa é mais importante, não por ela, mas porque eu mesmo estou vazio, com fome, feio, sou insuficiente, pobre, então eu uso a outra pessoa – a minha mulher, o meu empregado, o que quer que seja – para esconder o meu vazio interno.

Assim, o possuído, revela-se muito importante como um meio de escapar à minha própria solidão, e naturalmente cresce o ciúme e a inveja quando o outro, que me ajuda a escapar de mim mesmo, olha para outra pessoa.

Para compreender, todo este processo humano, que é extremamente complexo e subtil, tem de haver inteligência. Inteligência é também amor e não meramente o intelecto; e não há amor se por um lado somos impiedosos no nosso emprego e nas relações da vida do dia a dia, e por outro tentarmos ser gentis, carinhosos e misericordiosos.

Não se pode ser ambas as coisas, não se pode ser um rico ambicioso e ser carinhoso e gentil. Não se pode ser o comandante de uma indústria ou um importante político e ser misericordioso. Ambos não se complementam, não se dão um com o outro. E é apenas quando há amor, carinho, misericórdia, tolerância – que é inteligência, a mais alta forma de inteligência – que este problema é resolvido. Somos seres humanos, quer sejamos homem ou mulher, estamos vivos, somos sensíveis, não somos chão para sermos pisados, usados sexualmente ou mentalmente para autogratificação. No momento em que olhamos uns para os outros como seres humanos, como indivíduos, não como algo para ser possuído, então existe uma possibilidade de compreensão e de ir além do conflicto que existe entre duas pessoas no casamento.

J.Krishnamurti - Bombay, 1948
 
Última edição por um moderador:
Quando somos muito novos, criancinhas, dependemos da mamãe para ganharmos nosso leite. Precisamos de proteção, vigilância, carinhos. À mesma lei então sujeitas as aves e todos os animais. É uma coisa natural. Mas, se, depois de crescermos, continuamos dependendo de alguém para nossa felicidade, (…) conforto, orientação, segurança, então, como resultado dessa dependência, surge o temor. (…) A dependência faz-nos embotados, insensíveis, medrosos. (…) A dependência a que me refiro é a dependência psicológica, a busca psicológica de proteção. (1)

Quando vocês dizem que amam alguém, não dependem interiormente dessa pessoa? Enquanto forem crianças, naturalmente dependerão de seus pais, de sua professora, de seus guardiães. Eles precisam cuidar de vocês, alimentá-los, vesti-los e abrigá-los. Vocês precisam ter a sensação de segurança, (…) de que alguém está cuidando de vocês. (2)


Mas o que acontece geralmente? À medida que vocês crescem, essa sensação de dependência continua a existir (…). Não observaram já em pessoas mais velhas, em seus pais e professores? Notaram como eles ainda dependem emocionalmente de suas esposas ou maridos, de seus filhos ou de seus próprios pais? (3)

Quando cresce, a maioria das pessoas ainda continua apegada a alguém (…) a ser dependente. Se não tiverem alguém em quem se apoiarem, que lhes dê a sensação de conforto e segurança, as pessoas se sentem sós (…). Elas se sentem perdidas. Essa dependência que temos em relação aos outros é chamada de amor; mas se vocês observarem isso de perto, verão que dependência é medo, e não amor. (4)
 
O terreno comum

Eis o terreno comum sobre o qual toda a humanidade se firma. E, aconteça o que acontecer no campo dessa consciência, somos responsáveis. Noutras palavras, se eu for violento, estou acrescentando violência a essa consciência que é comum a todos nós. Se eu não for violento, não estou fazendo esse acréscimo, estou introduzindo um fator completamente novo a essa consciência. Então, sou profundamente responsável, ou por contribuir para essa violência, para essa confusão, para a terrível divisão; ou, como reconheço profundamente no meu coração, no meu sangue, nas profundezas do meu ser, que sou o resto do mundo, sou a humanidade, sou o mundo, o mundo não está separado de mim, então, me torno totalmente responsável.

Social Responsibility, pp 19-20
 
Um homem religioso não procura Deus. O homem religioso está interessado na transformação da sociedade, que é ele mesmo. O homem religioso não é o homem que faz inumeráveis rituais, segue tradições, vive numa cultura morta, passada, explicando indefinidamente o Gita ou a Bíblia, louvando indefinidamente, ou tomando “sannyasa”, esse não é um homem religioso; tal homem está fugindo dos fatos. O homem religioso está interessado total e completamente em compreender a sociedade, que é ele mesmo. Ele não está separado da sociedade. Provocar nele mesmo uma completa, total mutação significa cessação completa de ganância, inveja, ambição; e, por isso, ele não depende das circunstâncias, embora seja o resultado das circunstâncias, a comida que ele come, os livros que lê, os filmes que vê, os dogmas religiosos, crenças, rituais, e essa coisa toda. Ele é responsável e, assim, o homem religioso deve compreender a si mesmo, que é o produto da sociedade que ele mesmo criou. Portanto, para descobrir a realidade ele deve começar aqui, não em um templo, em uma imagem, seja a imagem esculpida pela mão ou pela mente. De outro modo, como pode ele descobrir uma coisa totalmente nova, um novo estado?

J. Krishnamurti, The Book of Life
 
Mais sobre o medo – Jiddu Krishnamurti


O medo é um dos maiores problemas da vida. A mente tomada pelo medo vive em confusão, em conflito e, portanto, acaba sendo violenta, distorcida e agressiva. Ela não ousa sair dos próprios padrões de pensamento, e isso gera hipocrisia. Escalar a montanha mais alta, inventar todo tipo de deuses, nada disso adianta: enquanto não nos libertarmos do medo permaneceremos na escuridão. Vivendo numa sociedade corrompida e estúpida e recebendo uma educação competitiva que engendra o medo, estamos sobrecarregados com medos de diversos tipos, e o medo é uma coisa horrível e que deforma, distorce e obscurece os nossos dias. Existe o medo físico, mas esse é uma reação que herdamos dos animais. É com os medos psicológicos que estamos preocupados, pois se compreendermos os medos psicológicos, de raízes profundas, poderemos lidar com os medos animais, ao passo que, se nos ocuparmos primeiro com os medos animais, isso jamais nos ajudará a compreender os medos psicológicos.

Todos nós temos medo de alguma coisa; não existe o medo como abstração, porém o medo só existe em relação com alguma coisa. Sabeis quais são os vossos temores – o medo de perder vosso emprego, de não ter comida ou dinheiro suficiente; medo do que pensam de vós os vizinhos ou o público, de não serdes um “sucesso”, de perderdes vossa posição na sociedade, de serdes desprezado ou ridicularizado; medo da dor e da doença, de serdes dominado por outrem, de não chegardes a conhecer o amor, ou de não serdes amado, de perderdes vossa esposa ou vossos filhos; medo da morte ou de viver num mundo que é igual à morte, um mundo de tédio infinito; medo de vossa vida não corresponder à imagem que os outros fazem de vós; medo de perderdes a vossa fé – esses e muitos outros e incontáveis temores; conheceis vossos temores pessoais? E que costumais fazer em relação a eles? Não é verdade que fugis dele ou que inventais idéias e imagens para encobri-los? Mas, fugir do medo é torná-lo maior.

Uma das maiores causas do medo é o fato de não querermos ver-nos tal como somos. Portanto, não basta examinar os medos, é preciso examinar também a rede de meios de fuga que desenvolvemos para nos livrar dos medos. Se a mente, em que se inclui o cérebro, tenta superar o medo, reprimi-lo, discipliná-lo, controlá-lo, traduzi-lo em algo diferente, há atrito, há conflito, e esse conflito produz grande desperdício de energia.

http://www.tudopositivo.com.br/jiddu-krishnamurti/
 
A primeira coisa, portanto, que devemos perguntar a nós mesmos é: “Que é o medo, e como nasce?” Que entendemos pela palavra medo, em si? Estou perguntando a mim mesmo o que é o medo e não de que é que tenho medo.

Vivo de uma certa maneira; penso conforme um determinado padrão; tenho algumas crenças e dogmas, e não quero que esses padrões de existência sejam perturbados, porque neles tenho as minhas raízes. Não quero que sejam perturbados porque a perturbação produz um estado de desconhecimento de que não gosto. Se sou separado violentamente das coisas que conheço e em que creio, quero estar razoavelmente seguro do estado das coisas que irei encontrar. As células nervosas criaram, pois, um padrão, e essas mesmas células nervosas recusam-se a criar outro padrão, que pode ser incerto. O movimento do certo para o incerto é o que chamo medo.

Neste momento em que estou aqui sentado, não estou com medo; não tenho medo do presente, nada me está acontecendo, ninguém me está fazendo ameaças nem me tomando nada. Mas, além deste momento presente, uma camada mais profunda da mente está, consciente ou inconscientemente, a pensar no que poderá acontecer no futuro, ou a preocupar-se com algum fato passado que me possa prejudicar. Portanto, tenho medo do passado e do futuro. Dividi o tempo em passado e futuro. O pensamento interfere, dizendo “Tem cuidado, para que isso não torne a acontecer”, ou “Prepara-te para o futuro! O futuro pode ser perigoso. Agora tens alguma coisa, mas podes perdê-la. Podes morrer amanhã. Tua esposa pode abandonar-te. Podes perder teu emprego. Talvez nunca te tornes famoso. Podes ver-te na solidão. Precisas estar perfeitamente seguro do amanhã”.


http://www.tudopositivo.com.br/2016...-fragmentacao-do-pensamento-cessacao-do-medo/
 
Encare o fato e veja o que acontece

Todos nós tivemos experiências de tremenda solidão, onde livros, religião, tudo passou e ficamos tremendamente, interiormente sós, vazios. A maioria de nós não pode encarar esse vazio, essa solidão, e fugimos dela. A dependência é uma das coisas para onde corremos, dependemos porque nós não conseguimos ficar sós conosco mesmos. Temos que ter o rádio ou livros ou conversa, o tagarelar incessante sobre uma coisa ou outra, sobre arte e cultura. Assim nós chegamos nesse ponto em que sabemos que existe este extraordinário sentido de autoisolamento. Podemos ter um emprego muito bom, trabalhar furiosamente, escrever livros, mas interiormente há este tremendo vácuo. Queremos preencher isso e a dependência é um dos meios. Usamos dependência, diversão, trabalho na igreja, religiões, bebida, mulheres, uma dúzia de coisas para encher, encobrir isto. Se virmos que é absolutamente fútil tentar encobrir isto, completamente fútil, não verbalmente, não com convicção e, portanto, concordância e determinação, mas se virmos o total absurdo disto, então estamos frente a um fato. Não é uma questão de como se livrar da dependência; isso não é um fato; isso é apenas uma reação a um fato. Por que eu não encaro o fato e vejo o que acontece? Agora surge então o problema do observador e do observado. O observador diz, “Eu sou vazio; não gosto disso” e foge disto. O observador diz, “Eu sou diferente do vazio”. Mas o observador é o vazio; não é o vazio visto por um observador. O observador é o observado. Há uma tremenda revolução no pensar, no sentir, quando isso acontece.

J. Krishnamurti, The Book of Life
 
Ativa mas quieta

Para descobrir a nova mente, não é apenas necessário para nós compreender as respostas do cérebro, é também necessário que o cérebro velho fique quieto. O cérebro velho deve estar ativo mas quieto. Vocês estão acompanhando o que estou dizendo? Olhe, senhor! Se você quiser descobrir por si mesmo em primeira mão – não o que alguém disse – se existe tal coisa como Deus, a palavra “Deus” não é o fato, seu velho cérebro, que foi nutrido numa tradição, contra Deus ou a favor, numa cultura, numa influência ambiental e propaganda, durante séculos de afirmação social, deve ficar quieto.

Pois de outro modo, ele apenas projetará suas próprias imagens, seus próprios conceitos, seus próprios valores. Mas estes valores, estes conceitos, estas crenças são o resultado do que lhe foi dito, ou são o resultado de suas reações ao que lhe foi dito; então, inconscientemente, você diz: “esta é minha experiência!” Então você tem que questionar a própria validade da experiência, a sua própria experiência ou a de outro; não importa quem. Assim, questionando, inquirindo, perguntando, exigindo, olhando, ouvindo atentamente, as reações do velho cérebro se aquietam. Mas o cérebro não está adormecido; ele está muito ativo, mas está quieto. Ele chegou a essa quietude pela observação, pela investigação. E para investigar, para observar, você deve ter luz; e a luz é sua constante vigilância.

J. Krishnamurti, The Book of Life
 
Somos aquilo que possuímos

Somos aquilo que possuímos. O homem que possui dinheiro é o dinheiro. O homem que se identifica com a propriedade é a propriedade, ou a casa ou o mobiliário. Analogamente com ideias ou com pessoas, e quando há possessividade, não há relação. Mas a maioria de nós possui porque nada mais temos se não possuirmos. Somos conchas vazias se não possuirmos, se não preenchermos a nossa vida com mobiliário, com música, com conhecimento, com isto ou com aquilo. E essa concha faz muito barulho, e a esse barulho chamamos de viver, e com isso ficamos satisfeitos. E quando há uma interrupção, um separar-se disso, então há sofrimento porque nessa altura subitamente você se descobre a si mesmo tal como realmente é – uma concha vazia, sem muito significado.

The Collected Works vol V, p 297
 
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