Aproveitando a idéia do EQUADOR sobre o
Jacek Yerka lembrei do
artista peruano
Pablo Amaringo, já disse em entrevista que gosta de pintar principalmente sobre a
influência
Grande lembrança. Pablo Amaringo é ótimo.
Vejam esta entrevista (não tenho o link):
O pintor peruano Pablo Amaringo, 64 anos, é um dos poucos casos de pessoa que conseguiu obter sucesso em duas artes igualmente exigentes e particulares: a pintura e o xamanismo. Há relatos de que durante vinte anos ele curou diversos tipos de doenças com ayahuasca, o “cipó de morto”, a milenar bebida feita a partir de duas plantas amazônicas: a liana Banisteriopsis caapi e o arbusto Psychotria viridis. Teve a oportunidade de experienciar também um ciclo que poucos têm chance: da pobreza à glória - de volta à simplicidade. Sétimo filho de treze irmãos, conquistou bom pedaço de chão pelo mundo com o seu livro de pinturas Ayahuasca Visions, feito em parceria com o antropólogo colombiano Luis Eduardo Luna, da Escola Superior de Economia Sueca de Helsinki. Seu estilo, denominado neo-amazônico, contém elementos naif e expressa a identidade cultural ribeirinha, a biodiversidade e os espíritos e seres da natureza. Mesclando cosmologia amazônica, esoterismo moderno e religiões orientais, sua influência é visível na cidade de Pucallpa, presente desde nos menus dos restaurantes e nos quiosques de frutas até nos prédios públicos. Durante vários anos, Don Pablo, como é chamado pelos seus discípulos, criou e dirigiu a escola de pintura Usko Ayar, um projeto pioneiro e gratuito na selva peruana. Expôs seus quadros em óleo e acrílico sobre tela e guache sobre papel em toda a Europa, no Japão e até mesmo no Capitólio. Em 1992 ganhou o Prêmio Global 500 da ONU. Ele é solteiro e vive hoje em sua casa - um ponto turístico local - cercado por alguns jovens mestiços, aos quais fornece uma “educação integral”, síntese das suas experiências. Este homem doce e carismático, bom de prosa, rememora aqui a sua trajetória e narra toda sorte de aventuras espirituais, histórias fantásticas dos meandros do xamanismo indígena, um mundo de fatos improváveis e de assustadoras guerras místicas.
B: Como você começou a pintar?
P: Quando tinha 18 anos, trabalhava na capitania do porto. O capitão me mandou pintar dois bancos e eu fiz um serviço ruim que só. Ele me falou: “para tudo você presta Pablo, menos para pintar”. Aquilo doeu no meu coração. Pensei comigo: “se puder, vou aprender a pintar”. E cumpri isto. Logo em seguida fiquei doente do coração e tive que deixar o trabalho. Aí comecei a desenhar com lápis, sozinho. Com 21 anos eu já era pintor.
B: Você se sustentava pintando desde aquela época?
P: Não. Eu trabalhava com agricultura e num cabeleireiro. Com o tempo comecei a pintar notas de dinheiro por conta própria. Não escondo isto. No começo não pintava muito. Depois instalei uma máquina, as notas até que saíam bem bonitinhas...
B: Você não tinha medo de falsificar dinheiro?
P: Eu não sabia que era um delito. Pensava: eu trabalho, não roubo... (risadas). Quando me prenderam, compreendi que era um erro. Na época, estava com 4 milhões de soles. (2.850.000 reais)
B: Quando você tomou a ayahuasca pela primeira vez?
P: Com 10 anos de idade, com o meu pai, que também era curandeiro. Vi muitas coisas, como selvas, lagos e cidades, mas não entendi muito. Era como ver um filme. Depois só voltei a tomar com 22 anos, para me curar de outra doença. No final do tratamento, meu pai me disse: “coloquei um gorro branco na sua cabeça para te proteger”. Eu ri, porque não tinha nada. Naquele tempo eu não acreditava nos espíritos.
B: E como foi que você virou um curandeiro?
P: Anos depois, nós estávamos arrumando a casa para velar a minha irmã, que estava agonizando de hepatite. Uma senhora chegou lá e disse que queria curá-la. Ela pegou um copo e pôs: aguardente, água florida [perfume], tabaco, cânfora e arsênico. Aí tomou tudinho. Eu pensei que ela ia morrer. A mulher ficou intoxicada e me perguntou: “você conhece a ayahuasca?”. Respondi que não. Ela replicou: “Não seja mentiroso. Você tem um gorro branco na cabeça. Agora vai me ajudar a curar a sua irmã”. Eu não queria tomar, mas ela insistiu e me deu uma colherzinha. O vento forte [efeito da bebida] começou a correr. De repente vi uma serpente gigante saindo da cabeça dela. Não suportei, saí correndo gritando. Quando cheguei lá fora umas princesas me vestiram, colocaram-me um cinto, uma capa e uma espada e me coroaram como um rei. Fiquei sentado numas almofadas, com vários animais ao meu redor. Recebi isto das ciências. Naquele mesmo dia minha irmã acordou e voltou à vida. Para mim foi como um milagre.
B: Como é o processo através do qual uma pessoa se torna curandeiro?
P: Você deve ficar isolado na selva, submisso a um processo de dietas [alimentares, sexuais] muito rígido. Um médico fica cuidando de você, e te leva as plantas que você vai tomar. Nós temos muitos tipos de plantas, não só a ayahuasca. Cada uma tem uma finalidade: para ter visão nos sonhos, ter força, para lembrar da infância... Você começa então a escutar no seu ouvido os ícaros [cantos sagrados], que vêm do lado de lá [mundo espiritual]. Os espíritos vêm conversar com você e te ensinam. Por isto dizemos “plantas professoras”! Eu comecei a cantar perfeitamente em quíchua [idioma indígena], sem ninguém ter me ensinado. Durante vinte anos tomei a ayahuasca todos os dias. Podia incorporar-me ao corpo das pessoas e curá-las.
B: O que é exatamente um xamã?
P: O xamã é um avô, um professor, um presidente, um doutor. Todas as pessoas que têm alguém que lhes ensina e educa têm um xamã, porque o xamã se dedica a servir e cuidar dos outros. Um curandeiro de coisas esotéricas ou um sacerdote de qualquer religião também podem ser chamados de xamã.
B: Existem muitos falsos xamãs?
P: E como! Hoje em dia tem um monte de gente aplicando truques, porque a ayahuasca está dando muito dinheiro. Um bom xamã fica caladinho, os charlatães não: se exibem, falam, inventam. Os terroristas [do Sendero Luminoso] mataram muitos falsos curandeiros e também alguns feiticeiros.
B: O que são os feiticeiros? Eles existem mesmo?
P: Claro! Eu só curava, nunca fui feiticeiro nem bruxo. Os bruxos são aqueles que fazem poções, orações, encantos e não sei o quê para malograr o bem-estar dos outros. Os feiticeiros são criminosos, têm um mau hábito de querer tomar sangue. Quer dizer, o bruxo faz misturas só para prejudicar e o feiticeiro mata.
B: Poderia me contar algum causo que você presenciou?
P: Vou contar de mim mesmo, porque eu não acreditava até o dia em que um feiticeiro me mandou um virote [dardo mágico]. Na hora eu não percebi, mas naquela noite senti uma dor enorme no pescoço quando estava dormindo. No dia seguinte, comecei a ter uma febre altíssima. Um velhinho curandeiro teve que chupar o meu pescoço, tirando dali uma coisa que parecia o bico de um passarinho bem pontiagudo. Depois tirou todo o resto do mariri.
B: O que é o mariri?
P: O feiticeiro faz o virote de pedaços de vidro, de pau, de uma espinha... Só que ele manda este dardo no meio de uma substância líquida que resvala, entendeu? Esta fleuma mágica é o mariri, que também é perigoso. Você pode ver isto nas minhas pinturas. Para possuir mariri, o xamã faz assim: durante a mareación [efeito da bebida], uma serpente se mete para dentro da sua boca e [esta energia espiritual] fica dentro do seu estômago. Durante quatro dias as suas costas ardem sem parar e aos oito dias passa. A partir daí, quando o dono quer, pode retirar a fleuma, despertando-a com a fumaça do tabaco. O mariri sai pela sua boca e depois ele o engole de novo. É comprometedor, porque a pessoa não pode abandoná-lo, ela morre com isto.
B: Que tipo de coisas se pode ver com a ayahuasca?
P: Tudo: personagens, elementos, cidades dentro da água e da terra, cidades de bruxos, todos os tipos de estrelas multicolores e de ilhas, onde existem reinados e vivem seres muito elegantes. Nos trasladamos pelo universo, pelas galáxias, pelos planetas. No mar vi algo da vida que existia lá antes. Eu fui à Lua, a Marte e a Júpiter. Em Saturno não deu para ficar muito, porque te queima. Conheci a cama de Salomão, o livro dele, um livro de couro costurado... São coisas muito maravilhosas, de ficar aí toda uma vida encantado.
B: Tudo o que você vê com a ayahuasca é verdadeiro ou pode haver visões falsas?
P: As falsas visões saem daqui da terra. É como uma escada que vai subindo: aqui embaixo pode haver imaginação, mas quando você está lá no éter astral não. Aqui você vê coisas do nosso mundo, como serpentes - algumas visões são reais e outras falsas. Mas no pluriverso não existe o que nós imaginamos, podemos imaginar ou sabemos que podemos pensar. No mais além existem outras coisas que você não pode nem sonhar. As coisas que vemos lá, que a ayahuasca te mostra, são reais. Em tudo existe um significado, mas quem não é um xamã não pode saber definitivamente qual é.
B: Como você começou a pintar as visões que tinha sob efeito do cipó?
P: Nunca tinha me ocorrido pintar isto antes, porque pensava que as pessoas se assustariam e que ninguém ia querer comprar, já que era coisa da plebe. Em 1983 uns pesquisadores estrangeiros que estudavam xamanismo me entrevistaram. Quando eles descobriram que eu era pintor, me pediram para pintar o que eu via com la purga. Eu aceitei a encomenda. Eles não acreditaram no resultado! Mas, na verdade, não fui eu quem fiz esta ligação: xamanismo e pintura têm tudo a ver. O valor terapêutico das pinturas vêm dos primitivos, que desenharam os primeiros mapas do universo.
B: Como nasceu o projeto do livro Ayahuasca Visions?
P: Foi daí. No total demoramos seis anos. Eu pintava os quadros e explicava o que cada coisa significava, tintim por tintim. Foi o maior sucesso, fui convidado a viajar e dar conferências pelo mundo todo. Estourei. No começo meus quadros valiam mal e mal 75 dólares, depois foi subindo. Chegaram a U$ três mil cada. Mas aqui em Pucallpa, alguns começaram a dizer que eu estava endemoniado por fazer quadros deste tipo.
B: Você pinta exatamente o que vê ou as suas visões são uma inspiração para a sua pintura?
P: Eu tenho uma memória fotográfica. Se não pintasse aquilo que vi, asi tranquilito no más, na verdade eu estaria louco... (risos). Inventar pode prejudicar o cérebro.
B: E a escola Usko Ayar, como nasceu?
P: Meu sonho era ensinar gente pobre como eu a pintar. “Usko Ayar” quer dizer “príncipe sábio” em quíchua. A escola começou em 1985 e chegamos a ter 2700 alunos. A formação era de cinco anos. Quando a polícia dava batidas e via que era uma aluno nosso, liberava logo, porque éramos muito respeitados. Muita gente viajou e ganhou dinheiro. Mas a escola acabou.
B: Porque Usko Ayar fechou?
P: Bom, teve uma coisa obscura, não gosto de lembrar. Uma instituição finlandesa nos apoiava, mas sumiram mais de 200 mil dólares. Eu confiei num amigo (que me representava) e ele nos traiu. Os mais jovens, que são mais coléricos, reagiram, mas não deu certo. Hoje não tenho nadica de nada, é difícil de acreditar, né? Chega uma contribuição daqui, outra dali... Não me importo, estou bem aqui na selva. Fazer o quê? Os mais espertos não sabem, mas ninguém leva nada desta vida.
B: Isto tem a ver com você ter deixado o xamanismo?
P: Não, eu me retirei por causa dos feiticeiros. Eu era muito poderoso aqui em Pucallpa. Suponha que você faça daño [feitiçaria] a uma pessoa. Essa pessoa me procura e eu a curo. Então você se volta contra mim. Ganhei muitos inimigos! Estes invejosos se juntaram e eu fui atacado de todos os modos. Lutei tudo que pude mas uma ocasião me descuidei. Tive um sonho do qual acordei louco, sem reconhecer nada. Vi a morte. Me aborreci porque todos aqueles espíritos que trabalhavam comigo não me ajudaram. Estes espíritos são manhosos, tratam a gente como um galo de briga e se divertem vendo quem ganha. Quando me recuperei, abandonei tudo. Uma coisa é certa: nunca mais voltarei a tomar a ayahuasca. Mas o meu trabalho como xamã, acredite ou não, eu continuo fazendo, só que apenas pintando.