Alucinógenos e Espiritualidade
por Rafael Roldan
Preferi inovar ao invés de escrever os clássicos relatos de experiências com substâncias alucinógenas, em que não se sai daquela mesmice: de um lado, o encantamento e perplexidade de alguns, aliados à insuficiência de palavras e a tendência a supervalorizar a experiência; de outro, o puro preconceito daqueles que acham que tais chaves químicas são fontes de perdição, um perigo à sociedade, devendo ser banidas a qualquer custo.
Não sou a favor de extremos, pois eles geralmente são irreais, meros referenciais ideológicos, quase sempre distantes da realidade.
A primeira vez que tive alguma noção do que seria um alucinógeno foi lendo uma reportagem sobre a beat generation na extinta revista “Chiclete com Banana”, na qual os cartunistas Glauco, Angeli e Laerte, mais conhecidos como “Los 3 Amigos”, se consagraram. Eu tinha 8 anos de idade. Naquele dia, então, determinei um pensamento que nortearia bons anos de minha vida: “Um dia ainda fumarei maconha e beberei ayahuasca!”.
Com 9 anos, também adorava estudar astrologia, Tarot, I Ching, Geomancia e outras parafernálias místicas. Nessa idade não tinha acesso a “substâncias estranhas”, então passei a pesquisar tudo que podia. Minha irmã mais velha cursava medicina, o que ajudou muito no acesso a livros de farmacologia e toxicologia, que eu devorava sem pestanejar.
Passei pela fase clássica de rebeldia “aborrescente” de botequim, com uma perigosa boemia a me rondar. Com 14 anos, estudava várias correntes de magia, fumando diamba e tabaco e tomando cerveja.
Depois de muitas idas e vindas, com 17 anos tive minha primeira experiência com ayahuasca. Não pararia pelos doze anos seguintes. Como sempre fui mais libertário do que gregário, era difícil realmente me filiar a alguma ordem ou doutrina espiritual, religiosa ou mística, por mais que me destacasse nas mesmas. Minha paixão por encontrar meu “amrita pessoal” me levou também a estudar e experimentar diversas outras drogas, plantas e fungos. O tempo passou e as ideias amadureceram. Em 2009 fiz minhas últimas sessões, com LSD e Salvia divinorum (não simultaneamente).
Vale lembrar que este texto é um ensaio, uma tentativa de raciocínio, voltado a provocar reflexão e debate. Não se trata de apologia a nada, seja lícito ou ilegal, químico ou meramente ideológico. Até porque para se chegar à verdade, é preciso estar livre de dogmas e crenças.
Antes de mais nada, há que se ter em mente quais os objetivos ao se ingerir um alucinógeno. Mesmo o mais puro hedonismo e a mais tacanha fuga passam pela questão da transcendência. Mais ainda quando o propósito se justifica por uma busca pretensamente espiritual.
Sou contra o uso do termo “enteógeno”, eis que ilusório. É um termo que já a priori define o que poderia ser encontrado, estreitando por demais as possibilidades de uma investigação imparcial, além de demonstrar uma arrogância infantil, onde se supõe que algo tão supremo como a divindade possa se manifestar pelo simples consumo deste ou daquele fármaco.
Uso o termo alucinógeno, pois aceito clinicamente. Contudo, fica o alerta aos cientistas e céticos de plantão: alucinação pode ser algo irreal em termos objetivos e até entendido assim também em termos subjetivos. Assim como os conteúdos oníricos, o desfile alucinatório tem muito a oferecer em termos de autoconhecimento.
A mera corrida por prazer não merece muita avaliação, a não ser que, embora ele deva ser parte da vida, o mesmo não pode dominar a vontade, escravizando o indivíduo. Isso porque o prazer pode trazer sofrimento quando buscado em excesso. Exemplos abundam na vida diária, com pessoas que cometem atrocidades em nome apenas de sua felicidade pessoal.
Tal problema alcança até mesmo as tradições ditas espirituais, pois a compulsão e o fanatismo podem descambar para o chamado materialismo espiritual, no qual há apenas uma continuidade do egoísmo trivial, disfarçado sob o manto de uma virtude calculada e restrita, em geral inconsciente.
Somos condicionados pelo nosso corpo e pela nossa história. Assim, não temos liberdade genuína, pois reagimos sempre a partir desse condicionamento. Liberdade não é fazer o que se tem vontade, mas sim desfrutar da opção de ter vontade de algo fora de nosso ser condicionado.
Pois bem, a espiritualidade legítima tem dois campos de ação. Um é o resgate e a preservação de valores verdadeiramente humanos e positivos. Entretanto, não basta tornar-se uma pessoa boa, positiva, cheia de compaixão. Se faltar a sabedoria transcendental, faltará o essencial. Eis a segunda área de atuação da espiritualidade, que é proporcionar uma genuína transcendência ao sofrimento e às armadilhas de nossa confusão inata.
A transcendência também não pode simplesmente ser entendida como uma fuga de um padrão em direção a outro, pois isso seria apenas uma extrapolação do condicionamento básico de nossa existência. Considerando que seja possível qualquer transcendência, ela pode muito bem ser a completa liberdade em relação a todos os padrões, o que não significa ausência dos mesmos, mas domínio sobre eles ao invés de ser por eles dominado.
Desse modo, poderíamos encarar o uso de alucinógenos como um padrão de hábito. Se tal atitude for regular, fica fácil perceber que a repetição de um padrão não levará à transcendência. Quando é única ou esporádica, a questão se sutiliza, mas ainda assim se baseia num padrão que pode ser nocivo, eis que poderá reforçar o egocentrismo da pessoa.
O raciocínio é simples: se fosse questão de somente se ingerir alguma substância para que o ser humano realmente obtivesse algum desenvolvimento positivo em sua vida, bastaria então que forçássemos tal substância no organismo de toda a humanidade para que obtivéssemos um mundo melhor. Não é preciso ser muito inteligente para perceber que não é este o caso. Tal visão se aplica também a qualquer disciplina tida por esotérica.
Tudo que possa ser obtido será inevitavelmente perdido. Essa é a inexorável lei da impermanência do universo, na qual tudo que tenha começo terá obviamente um fim. Assim, o que se busca acessar através da espiritualidade é algo que sempre esteve ali e sempre estará. Do contrário, seria mais uma aquisição ordinária, que logo se esvairia pelo ralo da entropia. Por tal motivo é que o significado último da realidade está além das experiências.
Não há como o Incausado advir de causas, o que demonstra que todas as práticas ditas espirituais, seja através de alucinógenos (via úmida) ou de exercícios voluntários (via seca), se referem à realidade relativa.
Muitos buscam justificar o uso religioso de alucinógenos através da existência de povos que realizam ou realizavam tal prática durante milênios. Eis a motivação antropológica e histórica, cuja falha se funda no fato de que não é a repetição de tradições, sistema e padrões que nos fará alcançar a transcendência. Temos a mania de romantizar nações arcaicas, talvez por uma culpa inconsciente das etnias dominantes.
A única vantagem na descoberta de que determinado povo utiliza ou utilizava determinada planta ou fungo há muito tempo é a razoável segurança e conhecimento no emprego da substância.
Assim como métodos de meditação, fórmulas rituais e exercícios padronizados, o uso de alucinógenos e outras drogas, vegetais ou não, nada mais é do que uma sistematização das experiências de outrem. Cada ser tem suas necessidades e deve obter ferramentas afins. A repetição de métodos, ainda que tenha algum benefício, não garante a transcendência.
A realidade objetiva não pode ser apreendida a partir de um processo estanque como a adesão a um sistema, ideológico ou químico, por maior profundidade que haja e ainda que ele aplique alucinógenos e outras drogas – vias supostamente de acesso mais direto às camadas mentais mais sutis – como sacramento. Existe um entusiasmo pueril a respeito de “técnicas para alteração de consciência”. Ora, seja a batida de um tambor ou a ingestão de mescalina, o que pode ocorrer é a alteração da percepção e das ondas cerebrais.
Claro, com a percepção alterada, pode se vislumbrar nuances da realidade que antes se era incapaz de perceber. No entanto, a consciência só pode ser alterada pela própria consciência. Se usamos um método potente de alterar-se a percepção, como a ingestão da ayahuasca, devemos estar muito bem preparados ou amparados, pois se não temos pleno domínio sobre o que somos em nosso estado comum, que dirá então num estado alterado.
Geralmente alucinógenos expõem com maior clareza o conteúdo subconsciente da mente e sensibilizam o usuário. São efeitos que podem ser muito bem aproveitados numa caminhada espiritual. Equivale ao trabalho com sonhos e o mundo onírico, muito explorado até mesmo na psicoterapia moderna. O Yoga Sutra de Patanjali e o Rig Veda, antigos e importantes textos hindus, já falavam sobre o uso de plantas com finalidade de provocar progresso espiritual ímpar. Outras culturas reconheceram o mesmo.
Com isso, equilibramos a questão. Se por um lado não é salutar supervalorizar o potencial dos alucinógenos, idolatrando-os, por outro não há que se jogá-los na lata do lixo como um obstáculo, eis que eles possuem funções relativas. Não iremos aqui explorar as possibilidades farmacêuticas contidas nestas substâncias e cujas pesquisas ficaram infelizmente paradas devido ao preconceito e à irracionalidade, deixando de gerar toda uma nova classe de medicamentos, afastando a chance de gerar bilhões de dólares e milhares de empregos para os países que nisso investirem.
Depois destes anos todos, notei na prática que há um componente pessoal forte a moldar a experiência psicodélica. Isso a ponto de determinar a própria existência de uma experiência, bem como a qualidade da mesma. Após várias sessões nas quais eram administradas a mesma dose da mesma substância, com o mesmo contexto e preparos pessoais idênticos, as pessoas demonstravam reações totalmente diferentes.
A partir dessa experimentação, pude perceber que mesmo quando a pessoa alcançava algum grau interessante de efeitos da substância, a relevância da experiência na vida da pessoa geralmente era baixa. Isso porque a pessoa tinha excesso ou falta de algum elemento mental, fosse imaginação, informação, liberdade de raciocínio e, especialmente, motivação.
Pouquíssimas pessoas têm realmente uma aspiração espiritual correta. Em geral se perdem em fantasias de progresso ou ficam embotadas pela vida cotidiana, sem jamais buscarem a essência dos fenômenos ou mesmo se inclinarem ao benefício dos demais seres.
No fundo, toda a busca é pela felicidade. Porém, a maioria se contenta com fáceis felicidades, obtidas provisoriamente. Os alucinógenos podem proporcionar isso, mesmo em “viagens ruins” (as famosas “bad trips”). Quando há êxtase, é inegável o poder de encantamento dos alucinógenos. Se há bad trip, só o fato de visões incomuns e o alívio que advém após a passagem da tormenta já trazem uma fuga da rotina que contentam muitos, mesmo que estes se afastem destas substâncias. Isso para não mencionar aqueles, que são muitos, cujo apreço por experiências sofridas como as bad trips os continuam atraindo para este tipo de prática.
Em suma, a despeito da idolatria de alguns pelo tema, os resultados obtidos são geralmente insípidos em termos de progresso real. Claro, há um papel importante destas substâncias em relação à espiritualidade, mas que deve vir cercada de um preparo pessoal muito preciso, hoje conhecido por pouquíssimos. Diante disto, é preocupante o crescente número de seitas que se predispõem a servir chás e outros preparados, não oferecendo nada mais do que isso e um punhado de “conhecimentos secretos” (quando chegam a tanto) que não passam de reprodução dos já vagos e ineficazes conceitos tidos como teosóficos e derivados.
Não se busca aqui atacar a religião de ninguém ou iniciar um movimento contra tudo isto. Cada um tem uma necessidade e para isso há a pluralidade de opções a suprir tais carências. Embora seja assim, o fato de alguém precisar, por exemplo, de um antidepressivo, não pode jamais significar que toda a humanidade deverá fazer uso do mesmo.
Esta singela reflexão vem servir ao propósito de questionar. É fácil aceitar e aderir ao que quer que seja. Avaliar com imparcialidade as situações de vida, pelo contrário, já exige esforço, renúncia e uma série de outras qualidades que não são obtidas por mera filiação a algum caminho. Importante ressaltar: não há caminho para aquilo que é Onipresente.
por Rafael Roldan
Preferi inovar ao invés de escrever os clássicos relatos de experiências com substâncias alucinógenas, em que não se sai daquela mesmice: de um lado, o encantamento e perplexidade de alguns, aliados à insuficiência de palavras e a tendência a supervalorizar a experiência; de outro, o puro preconceito daqueles que acham que tais chaves químicas são fontes de perdição, um perigo à sociedade, devendo ser banidas a qualquer custo.
Não sou a favor de extremos, pois eles geralmente são irreais, meros referenciais ideológicos, quase sempre distantes da realidade.
A primeira vez que tive alguma noção do que seria um alucinógeno foi lendo uma reportagem sobre a beat generation na extinta revista “Chiclete com Banana”, na qual os cartunistas Glauco, Angeli e Laerte, mais conhecidos como “Los 3 Amigos”, se consagraram. Eu tinha 8 anos de idade. Naquele dia, então, determinei um pensamento que nortearia bons anos de minha vida: “Um dia ainda fumarei maconha e beberei ayahuasca!”.
Com 9 anos, também adorava estudar astrologia, Tarot, I Ching, Geomancia e outras parafernálias místicas. Nessa idade não tinha acesso a “substâncias estranhas”, então passei a pesquisar tudo que podia. Minha irmã mais velha cursava medicina, o que ajudou muito no acesso a livros de farmacologia e toxicologia, que eu devorava sem pestanejar.
Passei pela fase clássica de rebeldia “aborrescente” de botequim, com uma perigosa boemia a me rondar. Com 14 anos, estudava várias correntes de magia, fumando diamba e tabaco e tomando cerveja.
Depois de muitas idas e vindas, com 17 anos tive minha primeira experiência com ayahuasca. Não pararia pelos doze anos seguintes. Como sempre fui mais libertário do que gregário, era difícil realmente me filiar a alguma ordem ou doutrina espiritual, religiosa ou mística, por mais que me destacasse nas mesmas. Minha paixão por encontrar meu “amrita pessoal” me levou também a estudar e experimentar diversas outras drogas, plantas e fungos. O tempo passou e as ideias amadureceram. Em 2009 fiz minhas últimas sessões, com LSD e Salvia divinorum (não simultaneamente).
Vale lembrar que este texto é um ensaio, uma tentativa de raciocínio, voltado a provocar reflexão e debate. Não se trata de apologia a nada, seja lícito ou ilegal, químico ou meramente ideológico. Até porque para se chegar à verdade, é preciso estar livre de dogmas e crenças.
Antes de mais nada, há que se ter em mente quais os objetivos ao se ingerir um alucinógeno. Mesmo o mais puro hedonismo e a mais tacanha fuga passam pela questão da transcendência. Mais ainda quando o propósito se justifica por uma busca pretensamente espiritual.
Sou contra o uso do termo “enteógeno”, eis que ilusório. É um termo que já a priori define o que poderia ser encontrado, estreitando por demais as possibilidades de uma investigação imparcial, além de demonstrar uma arrogância infantil, onde se supõe que algo tão supremo como a divindade possa se manifestar pelo simples consumo deste ou daquele fármaco.
Uso o termo alucinógeno, pois aceito clinicamente. Contudo, fica o alerta aos cientistas e céticos de plantão: alucinação pode ser algo irreal em termos objetivos e até entendido assim também em termos subjetivos. Assim como os conteúdos oníricos, o desfile alucinatório tem muito a oferecer em termos de autoconhecimento.
A mera corrida por prazer não merece muita avaliação, a não ser que, embora ele deva ser parte da vida, o mesmo não pode dominar a vontade, escravizando o indivíduo. Isso porque o prazer pode trazer sofrimento quando buscado em excesso. Exemplos abundam na vida diária, com pessoas que cometem atrocidades em nome apenas de sua felicidade pessoal.
Tal problema alcança até mesmo as tradições ditas espirituais, pois a compulsão e o fanatismo podem descambar para o chamado materialismo espiritual, no qual há apenas uma continuidade do egoísmo trivial, disfarçado sob o manto de uma virtude calculada e restrita, em geral inconsciente.
Somos condicionados pelo nosso corpo e pela nossa história. Assim, não temos liberdade genuína, pois reagimos sempre a partir desse condicionamento. Liberdade não é fazer o que se tem vontade, mas sim desfrutar da opção de ter vontade de algo fora de nosso ser condicionado.
Pois bem, a espiritualidade legítima tem dois campos de ação. Um é o resgate e a preservação de valores verdadeiramente humanos e positivos. Entretanto, não basta tornar-se uma pessoa boa, positiva, cheia de compaixão. Se faltar a sabedoria transcendental, faltará o essencial. Eis a segunda área de atuação da espiritualidade, que é proporcionar uma genuína transcendência ao sofrimento e às armadilhas de nossa confusão inata.
A transcendência também não pode simplesmente ser entendida como uma fuga de um padrão em direção a outro, pois isso seria apenas uma extrapolação do condicionamento básico de nossa existência. Considerando que seja possível qualquer transcendência, ela pode muito bem ser a completa liberdade em relação a todos os padrões, o que não significa ausência dos mesmos, mas domínio sobre eles ao invés de ser por eles dominado.
Desse modo, poderíamos encarar o uso de alucinógenos como um padrão de hábito. Se tal atitude for regular, fica fácil perceber que a repetição de um padrão não levará à transcendência. Quando é única ou esporádica, a questão se sutiliza, mas ainda assim se baseia num padrão que pode ser nocivo, eis que poderá reforçar o egocentrismo da pessoa.
O raciocínio é simples: se fosse questão de somente se ingerir alguma substância para que o ser humano realmente obtivesse algum desenvolvimento positivo em sua vida, bastaria então que forçássemos tal substância no organismo de toda a humanidade para que obtivéssemos um mundo melhor. Não é preciso ser muito inteligente para perceber que não é este o caso. Tal visão se aplica também a qualquer disciplina tida por esotérica.
Tudo que possa ser obtido será inevitavelmente perdido. Essa é a inexorável lei da impermanência do universo, na qual tudo que tenha começo terá obviamente um fim. Assim, o que se busca acessar através da espiritualidade é algo que sempre esteve ali e sempre estará. Do contrário, seria mais uma aquisição ordinária, que logo se esvairia pelo ralo da entropia. Por tal motivo é que o significado último da realidade está além das experiências.
Não há como o Incausado advir de causas, o que demonstra que todas as práticas ditas espirituais, seja através de alucinógenos (via úmida) ou de exercícios voluntários (via seca), se referem à realidade relativa.
Muitos buscam justificar o uso religioso de alucinógenos através da existência de povos que realizam ou realizavam tal prática durante milênios. Eis a motivação antropológica e histórica, cuja falha se funda no fato de que não é a repetição de tradições, sistema e padrões que nos fará alcançar a transcendência. Temos a mania de romantizar nações arcaicas, talvez por uma culpa inconsciente das etnias dominantes.
A única vantagem na descoberta de que determinado povo utiliza ou utilizava determinada planta ou fungo há muito tempo é a razoável segurança e conhecimento no emprego da substância.
Assim como métodos de meditação, fórmulas rituais e exercícios padronizados, o uso de alucinógenos e outras drogas, vegetais ou não, nada mais é do que uma sistematização das experiências de outrem. Cada ser tem suas necessidades e deve obter ferramentas afins. A repetição de métodos, ainda que tenha algum benefício, não garante a transcendência.
A realidade objetiva não pode ser apreendida a partir de um processo estanque como a adesão a um sistema, ideológico ou químico, por maior profundidade que haja e ainda que ele aplique alucinógenos e outras drogas – vias supostamente de acesso mais direto às camadas mentais mais sutis – como sacramento. Existe um entusiasmo pueril a respeito de “técnicas para alteração de consciência”. Ora, seja a batida de um tambor ou a ingestão de mescalina, o que pode ocorrer é a alteração da percepção e das ondas cerebrais.
Claro, com a percepção alterada, pode se vislumbrar nuances da realidade que antes se era incapaz de perceber. No entanto, a consciência só pode ser alterada pela própria consciência. Se usamos um método potente de alterar-se a percepção, como a ingestão da ayahuasca, devemos estar muito bem preparados ou amparados, pois se não temos pleno domínio sobre o que somos em nosso estado comum, que dirá então num estado alterado.
Geralmente alucinógenos expõem com maior clareza o conteúdo subconsciente da mente e sensibilizam o usuário. São efeitos que podem ser muito bem aproveitados numa caminhada espiritual. Equivale ao trabalho com sonhos e o mundo onírico, muito explorado até mesmo na psicoterapia moderna. O Yoga Sutra de Patanjali e o Rig Veda, antigos e importantes textos hindus, já falavam sobre o uso de plantas com finalidade de provocar progresso espiritual ímpar. Outras culturas reconheceram o mesmo.
Com isso, equilibramos a questão. Se por um lado não é salutar supervalorizar o potencial dos alucinógenos, idolatrando-os, por outro não há que se jogá-los na lata do lixo como um obstáculo, eis que eles possuem funções relativas. Não iremos aqui explorar as possibilidades farmacêuticas contidas nestas substâncias e cujas pesquisas ficaram infelizmente paradas devido ao preconceito e à irracionalidade, deixando de gerar toda uma nova classe de medicamentos, afastando a chance de gerar bilhões de dólares e milhares de empregos para os países que nisso investirem.
Depois destes anos todos, notei na prática que há um componente pessoal forte a moldar a experiência psicodélica. Isso a ponto de determinar a própria existência de uma experiência, bem como a qualidade da mesma. Após várias sessões nas quais eram administradas a mesma dose da mesma substância, com o mesmo contexto e preparos pessoais idênticos, as pessoas demonstravam reações totalmente diferentes.
A partir dessa experimentação, pude perceber que mesmo quando a pessoa alcançava algum grau interessante de efeitos da substância, a relevância da experiência na vida da pessoa geralmente era baixa. Isso porque a pessoa tinha excesso ou falta de algum elemento mental, fosse imaginação, informação, liberdade de raciocínio e, especialmente, motivação.
Pouquíssimas pessoas têm realmente uma aspiração espiritual correta. Em geral se perdem em fantasias de progresso ou ficam embotadas pela vida cotidiana, sem jamais buscarem a essência dos fenômenos ou mesmo se inclinarem ao benefício dos demais seres.
No fundo, toda a busca é pela felicidade. Porém, a maioria se contenta com fáceis felicidades, obtidas provisoriamente. Os alucinógenos podem proporcionar isso, mesmo em “viagens ruins” (as famosas “bad trips”). Quando há êxtase, é inegável o poder de encantamento dos alucinógenos. Se há bad trip, só o fato de visões incomuns e o alívio que advém após a passagem da tormenta já trazem uma fuga da rotina que contentam muitos, mesmo que estes se afastem destas substâncias. Isso para não mencionar aqueles, que são muitos, cujo apreço por experiências sofridas como as bad trips os continuam atraindo para este tipo de prática.
Em suma, a despeito da idolatria de alguns pelo tema, os resultados obtidos são geralmente insípidos em termos de progresso real. Claro, há um papel importante destas substâncias em relação à espiritualidade, mas que deve vir cercada de um preparo pessoal muito preciso, hoje conhecido por pouquíssimos. Diante disto, é preocupante o crescente número de seitas que se predispõem a servir chás e outros preparados, não oferecendo nada mais do que isso e um punhado de “conhecimentos secretos” (quando chegam a tanto) que não passam de reprodução dos já vagos e ineficazes conceitos tidos como teosóficos e derivados.
Não se busca aqui atacar a religião de ninguém ou iniciar um movimento contra tudo isto. Cada um tem uma necessidade e para isso há a pluralidade de opções a suprir tais carências. Embora seja assim, o fato de alguém precisar, por exemplo, de um antidepressivo, não pode jamais significar que toda a humanidade deverá fazer uso do mesmo.
Esta singela reflexão vem servir ao propósito de questionar. É fácil aceitar e aderir ao que quer que seja. Avaliar com imparcialidade as situações de vida, pelo contrário, já exige esforço, renúncia e uma série de outras qualidades que não são obtidas por mera filiação a algum caminho. Importante ressaltar: não há caminho para aquilo que é Onipresente.