Muito interessante essa discussão!
Acho que a palavra "segurança" é usada com muitos significados e é bom separar algumas coisas.
Um ponto importante é esse, a necessidade de segurança, de manutenção da integridade, é vinculada ao sentimento de medo, e acho que temos que diferenciar algumas coisas:
- necessidade real de segurança / medo real
- necessidade imaginária de segurança / medo imaginário
- consciência sobre os processos internos
A necessidade real de segurança é bem instintiva, animal, que objetiva a preservação da vida, e é um mecanismo evolutivo muito importante, como já disse o
@Texugo .
Quando nossos ancestrais cavernosos se encontravam diante de um perigo iminente à integridade física, como um tigre feroz ou uma cobra preparando bote, sentiam medo, disparando adrenalina, cortisol etc, ativando o modo de fuga, onde toda a energia daquele ser está concentrada no único objetivo de se salvar daquela situação. Necessidade de segurança real = medo real.
O medo continua sendo muito útil também pra nós Homo Sapiens Ciborgues, habitantes de uma sociedade violenta... se vc ta tranquila andando na rua e de repente uns caras começam a falar merdas ameaçadoras logo atrás de você... a reação do medo te permite gritar e sair correndo (funcionou bem algumas vezes comigo).
Agora, a confusão começa quando criamos medos irreais como defesas para necessidades de segurança irreais ou distorcidas... e acreditamos neles. Isso forma crenças limitantes sobre nós mesmos, sobre o mundo e tal. E isso pode ser desenvolvido por situações como a que o Texugo tb descreveu... do impacto subjetivo de uma experiência, e da esquiva em relação a qualquer coisa que te remeta ou ameace repeti-la (na sua cabeça).
Você descreveu um caso de superproteção, que sim, é muito limitante e gera várias consequências desagradáveis no desenvolvimento do indivíduo.
Como já disse Maria Montessori "Qualquer ajuda desnecessária é um obstáculo na aprendizagem" , ou seja, ajudar demais atrapalha... e muito.
De fato isso não é desejável, tampouco saudável... e a superproteção no fundo tem mais a ver com insegurança que com segurança de fato (tanto em relação a quem superprotege quanto a quem é superprotegido). É uma necessidade de segurança imaginária, e portanto, conectada a um medo imaginário.
Uma pessoa tem um relacionamento amoroso de anos, então eles rompem de uma forma bem dramática, cheia de choro e gritaria.
O primeiro impulso na cabeça é nunca mais se conectar com ninguém, apenas transar sem compromisso. (Um pensamento bem comum, não?)
Isso porque aquele término trouxe uma sensação ruim, não te machucou fisicamente, mas a sensação é pior do que uma facada, então também quer se proteger e ficar seguro, ficar mais comodo.
Se o sentimento de medo aparece sem ser uma reação a um perigo real, por exemplo um medo e ansiedade inexplicaveis no meio de um shopping onde absolutamente nada ameaça objetivamente a integridade dessa pessoa; ou um medo de que o bofe vai sim te trair; ou se tem medo do filho morrer num acidente de carro se for pra balada de madrugada então é melhor n deixar; ou se entra em panico achando que a pessoa morreu pq tem 2 dias q n entra nas redes sociais (rs), temos ai algo que é da ordem do "imaginário".
Podem ser coisas mais sutis também... o medo de mudar de área de trabalho, medo de mudar de país... mudar no geral dá um medinho, rs. Não é a necessidade real de segurança, nem o medo do real... é um sofrimento de outra ordem, que limita as possibilidades do Eu. Isso precisa ser entendido (tomada de consciencia), trabalhado e mudado.
Se eu quero mudar de área profissional, certamente assumo alguns riscos, e o medo é importante para que eu analise bem os passos a serem dados, me preocupe com planejamento, etc... (reflexo evolutivo) e se é isso mesmo que quero, se conheço os riscos e acho que vale a pena, o medo não me impede, me impulsiona.
Agora, se eu simplesmente me deter pelo medo.. estou deixando esse sentimento me limitar.
O medo é um mecanismo importante sim... inclusive esse medo de mudança.
O que faz a diferença é a consciencia do medo. A diferença sempre está na consciencia, não existe essa de não ter medo... existe olhar pro medo, avaliar se ele é real ou não, e se não for, continuar seu caminho mesmo com frio na barriga.
De qualquer modo, quero dizer é que é possível sim "machucar" a psiqué, inclusive com um uso descuidado de psicodélicos. É preciso prezar pela segurança psíquica quando nos aventuramos pelo universo psiconautico... e isso é diferente se se deter pelo medo da experiência.
Vi ontem uma entrevista com o neurocientista Sidarta Ribeiro em que ele compara a atividade Psiconautica (de se aventurar dentro da própria mente com o uso de psicodélicos ou outras práticas...) com esportes radicais. É preciso ter conhecimento, saber o que está fazendo, ter suporte de outras pessoas (principalmente se mais experientes), rituais de segurança (set, setting...)
Não dá pra se jogar sem saber direito como fazer, se não existe um risco grande de se machucar; mas também não da pra se limitar pelo medo.
No caso dos psicodélicos a segurança vem da informação, do cuidado do set, setting e substância, e na capacidade de auto-reflexão e integração da experiência.
Meu coração dispara e eu suo frio toda vez que vou usar um psicodélico, rs, mas sei que esse frio na barriga é o frio na barriga de quem salta de paraquedas num universo mental. Tenho consciência de que estou segura no real, e aquele medinho não me limita, não me impede.
Não sei se consegui ser clara... a questão é Foco na Consciência. O medo faz sentido? Ou não? Essa necessidade é realmente de segurança? Ou de comodismo? Os sentimentos podem ser os mesmos, mas são situações muito diferentes uma da outra.
É possível questionar tudo e vou te falar a mesma coisa que me questiono sempre.
Por que essa vida baseada em irrealidade não parece certa?
Por que o ideal é pensar "ativamente" por si?
Ser alienado é estar errado?
Algumas pessoas mesmo alienadas, são super inteligentes, então o que definiria ela como alienada?
Se as ideias são transpostas pela maioria, não poderiam ser essas ideias as certas?
A expansão da consciência com cogumelos te faz ter maior controle sobre situações como a hipótese anterior? Te dão um maior controle sobre sua mente? Te afasta de um "guia genético"?
Perguntas bem interessantes...
Sobre a questão da alienação, tenho pensado e estudado um bocado. O termo "alienado" precisa de um complemento... alienado "de que?"
Hoje entendo o "alienado" como alienado de si mesmo, do seu eu mais intimo, e isso pode acontecer muito facilmente com pessoas inteligentes, pq n tem a ver com inteligencia, mas com uma vivência de um outro nível de consciência de si.
O Lacan entende isso como "função alienante do eu", muito necessária no inicio do nosso desenvolvimento de Eu Social, na infancia... é quando nossa percepção de Eu passa a ser mediado pelo desejo do outro, ou seja, se quando bebes a nossa percepção se dava pelas sensações amorfas corporais (antes de identificarmos o ser com o corpo ortopédico), agora não só nos identificamos com o que vemos no espelho, mas deslocamos a atenção do eu pra fora... pra agradar um outro, o pai e a mae, pra aprender e seguir regras sociais, pra ser aceito... nos tornamos objeto do desejo do outro. Enfim, a alienação é um mecanismo natural, muito útil pra nossa adaptação social em um período da vida, mas chega um determinado momento de maturidade que a gente percebe que tem algo mais... tem algo mais em nós do que o que a sociedade demanda ou espera da gente, tem algo mais que eu desejo, tem algo além do meu ego, tem o observador que observa os pensamentos e sentimentos... e ai abre uma porta, pro seu eu interior mais intimo, o caminho pro seu processo de individuação...
E ai não é uma questão de ser certo ou errado estar alienado. Faz parte do processo... só não é o fim do processo. Dá pra ser mais, se desenvolver mais... da pra transcender essa noção de eu alienado de si mesmo.
E acho que é algo necessário. Todos percebemos o caos e o sofrimento gerado por uma sociedade formada por pessoas alienadas de si mesmas... de pessoas que seguem regras sociais sem se questionar o sentido daquilo, o quanto as sombras não são compreendidas, tampouco trabalhadas, e dominam a vida de uma maneira geral. Isso gera uma angustia existencial.. e não é atoa, é pra forçar o avanço (na minha humilde opinião)
O cogumelo é expansor da consciência... então facilita sair da caixinha e ver a potencia que existe no íntimo. Não sei se dão um maior controle sobre a mente, mas certamente nos faz expandir a vivencia do que é a mente, de que há algo além das bordas que estavamos acostumados. Não sei se afasta de um guia genético... nos faz transcender em certos momentos os instintos que herdamos evolutivamente... mas se tudo é natural, essa transcendencia possivel também é, também pode fazer parte da evolução, afinal estamos continuamente escrevendo novas informações nesse guia genetico à medida em que evoluimos como espécie.