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Uma porta para o mundo dos sonhos - 3a parte

mescalitus

Cogumelo maduro
Membro Ativo
28/05/2009
124
76
Uma porta para o mundo dos sonhos
Um relato sobre a pesquisa e a experiência com cogumelos Psilocybe Cubensis.

Terceira parte.
(segunda parte em https://teonanacatl.org/threads/uma-porta-para-o-mundo-dos-sonhos-2a-parte.7661/)




Adentrando a porta

O segundo semestre de 2009 seguiu frio, mas ao contrário das expectativas os cogumelos continuavam a brotar. Pequenos, modestos, mas sempre canudos, firmes e bem dourados ao sol. Fiz novas coletas e levei o maior susto ao ver a fazenda mágica devastada! O Seu Velhinho havia recolhido todos os estercos para limpar o pasto, amontoando-os em pilhas aqui e ali. Minhas ‘pesquisas para faculdade’ me permitiram ter acesso a outros campos, onde fui me abastecendo com novos cogumelos. Lavados, secos em túnel de vento, craquiados em sílica.

E lá vamos nós novamente preparar mais uma missão espacial. Tripulação composta de mais dois amigos que compartilham das mesmas pesquisas e experiências. Um deles velho amigo que me acompanhou nas experiências anteriores. O outro, parceiro de longas jornadas, que nunca havia ingerido cogumelos, mas que eu tinha certeza que não teria problemas com eles, pois já tinha cheirado e inalado de tudo, sem nunca saber ou ler relato dos outros sobre esses mundos malucos, e que sempre tinha se saído bem deles: não resista, se entregue e mergulhe no abismo! – dizia ele.

Novembro de 2009, local e data acertada, preparamos três doses de 5g crack para cada um. Mochila com água e lanches leves, cadeiras, cobertores. Escolhemos uma noite sem lua, um local isolado no topo de um morro, com visão para todo o norte e leste. Luzinhas de cidades piscavam ao longe, as dunas alvas se deitavam aos pés do morro, o rio cortava o cenário, o mar se entendendo ao horizonte. Montamos nossa base, baixamos a poeira e lá fomos nós.

Os três sentados lado a lado, cada qual envolto em seu cobertor, se entretendo com o tempo enquanto o relógio ainda funcionava. Conversando, contando piada, rindo e deixando o clima ainda mais leve e amistoso. Aos poucos os efeitos começaram a se anunciar. Bocejos, moleza no corpo, pernas pesadas, pensamentos se soltando dos trilhos, a mente ficando mais serena e a boca mais quieta. Começaram as alucinações, o mundo de imagens coloridas da fractal-lândia, os sons internos, os clicks, glups, tlécs, tchwull, vuuulllll...

Nós permanecíamos em silêncio, cada um apreciando seu próprio mundo interno. De vez em quando uma expressão de surpresa e encanto irrompia, quebrando o silêncio. Sorríamos e comentávamos sobre o fato, pois estávamos todos vivendo aquele estado de absorção e admiração, tudo era de imediato entendido pelos demais. Como por osmose compartilhávamos as sensações, sentimentos e compreensões.



Os efeitos se intensificaram e o aprofundamento foi maior. Passávamos períodos maiores de imersão interna, cada um vivenciando seus próprios mundos. Sombras e limos se apresentaram a mim, com suas carrancas monstruosas e sensações deploráveis, anunciando o caminho para o limbo das badtrips. Mas em vez de me sentir perturbado com aquilo, de me deixar afetar e me fechar em sensações ruins, eu simplesmente expressei um sorriso interno, um contentamento por estar ali, vivenciando a experiência, por saber que tudo aquilo pertencia a mim mesmo. Permaneci em mim, observando e sorrindo, sem julgar, sem condenar e principalmente sem por resistência a nada.

Então a sensação ruim se foi e passado o efeito, veio à causa daquilo. A fratura se mostrou exposta, sem o pus e a necrose que a circunda, sem as fantasmagorias que a envolvem e que haviam se anunciado pouco antes. A causa da badtrip, nossos traços falhos da personalidade, nossos ‘pecados’ internos, se mostraram como são, sem as máscaras de carrancas e caveiras, sem coreografias assustadoras, sem mergulhos no esgoto.

Vi minha família, meus amigos. Um por um, cada pessoa foi como que trazida a mim para que eu visse como me relaciono com elas. E nesse momento eu entendia essas pessoas, sabia como se sentiam e como eu deveria agir e me relacionar, o que fazer para melhorar ainda mais a relação. Até os gatos que tenho em casa apareceram para dizer: me dê um pouco mais de atenção. E brotou um amor enorme por todos que amo, pelos meus parceiros de experiência, pela vida, pelas formas de vida, pelo mundo. Um amor tão grande que transbordava o coração e escorria pelo rosto.



Abri os olhos, úmidos, e vi as estrelas piscando alegres sobre mim. Achei as constelações, catando estrelas, como havia catado cogumelos pelo campo para formar esse mundo celeste em que estava imerso naquele momento. Ao meu lado meu parceiro com os olhos abertos, brilho nos olhos e sorriso no rosto. Dessa vez não houve palavras de euforia e surpresa, agitação ou espanto, apenas silêncio, plenitude e amor. Nada precisava ser dito, estávamos os três em comunhão, conosco, com a vida, com o mundo. A paz e o amor fluíam de nós. A noite se tornou clara com a lua que surgiu, uma leve brisa passou a soprar do mar.

Superamos os bardos, vencemos os monstros, sem lutas, sem guerras. Estávamos no platô divino, num dos estados mais sublimes que já vivi na vida. Não havia mais a confusão mental, o agito e os transtornos da decolagem. Não havia mais o cricricri eterno da mente, nem o pieguismo enfadonho da vidinha do dia-a-dia. Atingimos o espaço e agora estávamos livres no infinito absoluto. O silêncio mental era absurdo, nada de pensamentos, lembranças, devaneios. Apenas uma presença existencial contemplativa banhada de amor, uma sensação incomum de estar vivo. De olhos abertos as imagens eram cristalinas e reais como nunca o foram. De olhos fechados a existência pura. Poderíamos ficar naquele estado pelo resto da existência. Tudo estava vivo a nossa volta, sentíamos as plantas, o vento, o mar, a lua.

Compartilhamos a sensação e trocamos umas palavras. Fizemos o melhor lanche de nossas vidas e ficamos contemplando a vida que se abrira para nós. A madrugada entrou, o efeito foi passando aos poucos, mas ninguém queria ir embora.

Acho que até hoje não fomos mais embora de lá.
 
Última edição:
Gostei do seu ralato, muito proveitoso parabens.
 
Muito bom! Você escreve muitíssimo bem! Li os 3 relatos e fiquei querendo mais. kkkk

Valew!
 
Voltei para lembrar.
Dez anos se passaram e você ainda vive forte em minhas lembranças mais íntimas, ó sagrado!
A gratidão de sua vivência vai me acompanhar para todo o sempre.


Ao som de Shpongle
 
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