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Um grande projeto ou uma sentença de morte?

Clorofila

Cogumelo maduro
Membro Ativo
24/01/2007
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Transposição do Rio São Francisco


Um grande projeto ou uma sentença de morte?
Tânia Magalhães e Cecy Oliveira

Quem duvidava que tão cedo o governo reunisse condições para levar adiante o Projeto de Transposição do Rio São Francisco, enganou-se. As divergências de natureza política, os interesses sócio-econômicos implícitos no desacordo entre alguns estados da Região Nordeste, a falta de consenso técnico entre os especialistas que ultimamente têm se dedicado ao tema, nada foi suficiente para que o Presidente Fernando Cardoso deixasse de anunciar recentemente que em agosto de 2001 serão iniciadas as obras.
Durante décadas, o assunto esteve nas principais mesas de debate, particularmente em congressos e seminários, e a ABES abriu espaço para a emissão de pareceres, posições políticas, enfim, tudo aquilo que pudesse contribuir para o esclarecimento de pontos positivos e negativos envolvendo a questão.

Ainda em julho de 2000, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte -através da Comissão de Estudos dos Aspectos Hidrológicos do Projeto da Transposição do São Francisco - preparou o primeiro relatório parcial, onde destacava o grande espaço na mídia local e nacional dedicado ao tema, exatamente por ter sido idealizado há tempos, para amenizar os problemas das secas na região nordestina, que já se encontrava em profunda estagnação econômica, sobretudo a partir da retração da produção do algodão.

Na versão mais atual do Projeto, pretende-se transpor uma vazão máxima de 127m3/s(127.000 litros por segundo) conduzida a dois eixos, norte e leste. A captação d'água para o eixo norte situa-se na altura do município de Cabrobó (PE), devendo bombear uma vazão de cerca de 99m3/s (99.000 litros por segundo) para as nascentes dos rios Jaguaribe (CE), Pranhas-Açu (PB/RN), Apodi (RN) e Brígida (PB). O eixo leste interliga o Rio São Francisco com os rios Paraíba (PB) e Moxotó (PE), com bombeamento de 28m3/s (28.000 litros por segundo) nas imediações do Reservatório de Itaparica (PE).

Para chegar às vertentes das bacias receptoras, a água deverá ser elevada a uma altura de 160 metros do ponto de captação, percorrendo, a partir daí, cerca de 2 mil quilômetros de rios e canais a céu a aberto. Neste percurso, ocorrerão perdas substanciais por evaporação e infiltração.

A principal justificativa do atual projeto é a garantia da oferta hídrica para a região. Nesta nova concepção, o bombeamento não será contínuo. Ou seja, o funcionamento do sistema deverá ocorrer principalmente durante os períodos de déficit hídrico na região, o que resultará numa vazão média estimada de 50m3/s.

A seca é um fenômeno físico característico, principalmente de regiões de clima árido e semi-árido. No semi-árido nordestino, que corresponde a 60% (900 mil km2) da área total da região, em média, à cada 11 anos há ocorrência de secas parciais e extremas, que podem se prolongar por até três anos consecutivos (início da década de 80), tendo havido ocorrências, também, de até 4 a 5 secas alternadas em uma década, como foram os casos de 50 e 90.

A Região Nordeste tem o seu espaço geográfico constituído por áreas com características extremamente diferenciadas, onde pode-se destacar a Zona da Mata no litoral e no interior, onde os efeitos da seca são mais acentuados, a Região Agreste, na zona de transição para o semi-árido, e o Sertão Semi-Árido, que é constituído também de serras, cerrados e baixadas. Portanto, a questão da seca na Região não pode ser abordada de uma forma genérica.

As características hidrológicas gerais da região semi-árida nordestina, delimitada pelo polígono das secas, são as seguintes:
  • Baixa pluviometria (média de 700mm com bolsões significativos de 400mm); potencial de evaporação bastante elevado (podendo a chegar a 3.000 mm/ano, devido à conjugação de altas temperaturas e baixa umidade relativa)
  • os solos do semi-árido são em grande parte (60% superfície), de natureza cristalina, a "rocha mãe" encontra-se praticamente à mostra, quase sempre argilosos e com pequena profundidade, com elevada capacidade de retenção de água nas camadas superiores que estão expostas diretamente à evaporação.
  • Nesta região os aqüíferos subterrâneos são pouco expressivos e de natureza aluvionais, localizando-se, principalmente, numa faixa estreita nas margens dos rios.
  • Em média, mais de 90% das precipitações pluviométricas da região são das perdas para a atmosfera pela evaporação.
  • Cerca de 8% das precipitações chegam aos rios, sendo que apenas um pequeno percentual (menos do que 20% nos pequenos e médios açudes) do volume barrado pode ser utilizado, devido as perdas por evaporação do espelho d' água e a manutenção de reservas estratégicas para o abastecimento humano e animal.
  • Em relação à disponibilidade dos recursos hídricos destaca-se uma elevada concentração no principais rios da região: São Francisco, Parnaíba, Jaguaribe e Piranhas-Açu. Fora daí o quadro é de baixa disponibilidade agravado pela incerteza e má qualidade das águas.
"Ao admirarmos a beleza natural do Rio São Francisco, a primeira impressão que vem em nossas mentes é a da infinitude do volume de suas águas para o atendimento aos diversos usos.

Essa questão, no entanto, precisa ser tratada com o devido cuidado. Existem limitações e limitações significativas no rio. Tendo sido priorizadas, inicialmente, a irrigação e a geração de energia, o rio passou a ser, por um longo período, um dos principais agentes de desenvolvimento da região Nordeste. Nesse sentido, foram criados pólos de irrigação na região de Petrolina/Juazeiro (atualmente com 340 mil ha), a pesca, principalmente do surubim, se deu com bastante intensidade, a navegação se mostrou importante, principalmente entre as cidades de Pirapora (MG) e Petrolina (PE) e o Rio passou a ser responsável por mais de 90% de toda a energia gerada na região."

"Todas essas ações foram previstas e implementadas através de vultosos investimentos e da saga de um povo, contando-se com uma vazão média, no rio, de cerca de 2.800 m3/s, vazão com a qual, descontados os volumes necessários para a geração de energia (2.100 m3/s), poderão ser irrigados aproximadamente 1,4 milhão de hectares (considerando o consumo de 0,5 litro/s/ha) dos 3 milhões de hectares potenciais de sua bacia.

Entretanto, para o estabelecimento dessas prioridades, a ação humana fez com que o São Francisco apresentasse alguns sinais de alerta.

Nesse sentido, ações revitalizadoras, que assegurem a volta das condições iniciais do rio, são oportunas e necessárias."

[SIZE=-1]Opinião - João Suassuna. Professor, Engenheiro agrônomo e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (PE).

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[SIZE=+1]Medidas de Revitalização[/SIZE]

O relatório menciona que estão inseridas no projeto de transposição uma série de medidas que constituem o "Plano de Revitalização Hidroambiental da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco". Esse plano é composto, basicamente, pelas seguintes ações:

1• Planejamento e gestão integrada dos recursos naturais da bacia do São Francisco;

2• Revegetação de margens e nascentes do São Francisco e de seus afluentes;

3• Aumento das vazões de estiagem no Médio São Francisco, melhorando suas condições de navegabilidade;

4• Programa de saneamento básico e controle de poluição de cerca de 400 núcleos urbanos que. em sua maioria absoluta, lançam esgoto sem tratamento no rio São Francisco ou em seus afluentes;
5• Disciplinamento e proteção da pesca; apoio às comunidades ribeirinhas do Baixo São Francisco.

Um grupo de trabalho instituído no Congresso, e tendo como relator o deputado Marcondes Gadelha (PFL-PB), apresentou um relatório em que defende a proposta de transposição e busca alternativas orçamentárias para viabilizar o projeto, com base em alguns depoimentos:

O senador Fernando Bezerra, Ministro da Integração Nacional, ressaltou que o projeto de transposição é de interesse nacional e não apenas do Nordeste. Lembrou previsões de que dentro de dois anos ocorrerá, pela primeira vez, desequilíbrio no balanço hídrico da região, independentemente de secas excepcionais.

Segundo ele, embora o Brasil detenha cerca de 12% dos recursos hídricos do mundo, esses recursos são mal distribuídos em relação ao território e às concentrações populacionais. Como ministro da Integração Nacional, determinou a elaboração de estudos visando à interligação do sistema hídrico brasileiro, de forma que todas as regiões possam dispor de água para seu desenvolvimento".

"O Presidente do Comitê Executivo de Estudos Integrados do Vale do São Francisco Ceivasf), José Theodomiro de Araújo, disse que urna bacia como a do São Francisco não pode sofrer intervenções setoriais, sob pena de mudar completamente o regime da parte baixa do rio. Em sua opinião não há razões para dizer que São Francisco esteja morrendo, uma vez que a sua vazão atual é hoje ainda a mesma de 1929.

O que mudou, pela ação antrópica, foi o regime do rio. Por isso, lembrou que administrar corretamente o São Francisco é administrar o uso e a ocupação do solo dos cerrados de Minas Gerais e da Bahia. Apresentou um documento assinado pelo Presidente da República e por todos os governadores do Nordeste, em 19 de maio de 1998, em que é assumido o compromisso de recuperar e possibilitar os múltiplos usos do potencial hídrico do rio, de forma sustentável, para abastecimento humano, agricultura irrigada, geração de energia, navegação, piscicultura e lazer.

"O professor Luiz Carlos Molion, da Universidade Federal de Alagoas e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), disse que estudos realizados por ele próprio demonstraram que se pode tirar do rio até 500 metros cúbicos de água por segundo. Acha que a palavra transposição não é adequada para definir o projeto, sugerindo a palavra adução. Apresentou estudos que demonstram que virão duas décadas de pouca chuva. Defendeu a idéia da interligação de bacias, em especial do São Francisco e do Rio Tocantins, e mostrou como, do ponto de vista técnico, a solução é "simples".

"0 Governador do Sergipe, João Alves Filho, manifestou sua preocupação com o confronto que se está travando entre duas regiões do Nordeste, a respeito do projeto lia Transposição. Defendeu o tratamento da questão segundo uma visão moderna dos recursos hídricos e sugeriu a revitalização ecológica do São Francisco, por meio do reflorestamento, da e composição de suas matas ciliares, do seu desassoreamento e da reconstituição de suas lagoas marginais, de forma a transformar o rio em uma grande hidrovia.

O Professor Aldo Rebouças, da Universidade de São Paulo (USP), acha que o desafio do Nordeste não é tanto a falta de chuva, mas o alto índice de evaporação e que, por isso, é preciso usar a água com eficiência. Lembrou que, na Espanha, a utilização de água na agricultura é de 5 a 6 mil metros cúbicos por hectare/ano; em Israel, de 3 a 5 mil; no Nordeste, de 18 mil metros cúbicos 12or hectare ao ano. Observou também que, segundo o Banco do Nordeste, quem consome mais de 7 mil metros cúbicos de água por hectare/ano não consegue lucro na produção agrícola.

O relatório faz referências a exemplos como o dos chineses, "que talvez tenham sido pioneiros, já que realizaram obras desta natureza utilizando o Rio Amarelo, milênios antes de Cristo. Outras civilizações antigas, como as da Mesopotâmia e do Egito, realizaram transposições dos rios Tigre, Eufrates e Nilo, para áreas desérticas vizinhas, tornando-as férteis e produtivas".

"Entre os romanos, que foram notáveis engenheiros hidráulicos, destacam-se a construção de aquedutos com até 300 km de extensão, destinados a levar água potável de montanhas para abastecimento de grandes cidades. Eram, em menor escala, transposições de água entre bacias hidrográficas diferentes".

Faz referência, ainda ao aqueduto Tejo-Segura, na Espanha, que transpõe água da bacia do rio Tejo na região centro sul para o rio Segura na região de Murcia, situada no Sul da Espanha. Assemelha-se, em alguns aspectos técnicos, ao projeto que se pretende implantar no rio São Francisco. A vazão média transposta é de 33m3/s, bombeada a uma altura de 267m. A extensão percorrida pelo aqueduto é de 242 km".

Conforme o relatório "o único grande projeto de resultados duvidosos de que se tem notícia talvez seja o efetuado na bacia'do Mar de Aral, na parte russa da Asia Central, pela antiga União Soviética. Vários rios tiveram seus cursos desviados do Mar de Aral, para áreas desérticas vizinhas com a finalidade de irrigar lavouras de algodão, do que resultou o aumento da salinidade e duro impacto sobre a fauna ictiológica. Mesmo assim tenta-se resgatar o projeto e neste momento cogita-se de uma transposição desde o oeste da Sibéria, a 2.500 km, até o Mar de Aral".

E cita "a derivação no Rio Colorado, que alavancou o progresso em vasta área do oeste e do centro sul dos Estados Unidos da América, colocando-as entre as mais ricas do mundo - e vários projetos de transposição de água ou de interligações de bacias hidrográficas, de grande envergadura, viabilizam a utilização e desenvolvimento de regiões áridas e semi-áridas na Espanha, México, Peru, Argentina, Israel, Egito, Canadá, Índia, Paquistão, Irã, China, Quênia, África do Sul e Lesoto".

O projeto para a transposição do Rio São Francisco foi o tema mais polêmico e que gerou diversas discussões durante o seminário nacional de saneamento no meio rural, que aconteceu em Salvador, Bahia, com a participação de mais de 800 pessoas de diversos Estados do País. O projeto vem sendo apresentado pelo governo federal como a redenção da grande região do semi-árido nordestino dos Estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. A Bahia e Sergipe ficarão de fora.

Já o Piauí, o Estado considerado pela Organização das Nações Unidas com um dos mais pobres, só será beneficiado numa segunda etapa. O projeto tem como objetivo abastecer 8 milhões de pessoas quando serão investidos R$ 3 bilhões em obras de engenharia que incluem estações de bombeamento, túneis, aquedutos reservatórios. A obra está dividida em três etapas e vai durar 15 anos.

Para o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, João Abner Guimarães, que foi um dos palestrantes, o projeto apresentado pelo governo federal é imaginário. O real, que leva a água do São Francisco para outros principais rios da região, onde já se concentram os maiores estoques de água, destina-se principalmente para a irrigação. Abner deu como exemplo o Rio Grande do Norte, onde a irrigação consumirá 92% da água do projeto, deixando de lado a questão do abastecimento das comunidades rurais que estão diretamente ligadas à calamidade provocada pela seca. O professor alerta que o projeto está distante da realidade da região, pois a transposição da água passará muito longe dos locais mais secos, onde o quadro de miséria é bastante grave.

O governo federal recuou em relação ao projeto de transposição do Rio São Francisco e decidiu atender à principal reivindicação dos ambientalistas e governos dos Estados de Minas, Bahia, Alagoas e Sergipe, que são contrários ao projeto. Segundo o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho, o Estudo de Impacto Ambiental da obra irá contemplar todos os Estados da bacia, e não apenas os que serão beneficiados com a transposição - Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco.

Além da ampliação do EIA do projeto, o governo federal, através dos Ministérios da Integração Nacional e do Meio Ambiente está preparando um amplo projeto de revitalização da bacia, segundo José Carlos Carvalho. Para ele, as medidas que estão sendo anunciadas pelo governo não constituem uma derrota e sim parte de um processo natural de aperfeiçoamento do projeto durante seu licenciamento ambiental, que prevê, em momento oportuno, a realização das audiências de Belo Horizonte, Aracaju, Penedo (Alagoas) e Juazeiro e Salvador, as duas últimas na Bahia. Nenhuma destas reuniões chegou a ser realizada.

As de Belo Horizonte e Aracaju chegaram a ser abertas mas tiveram que ser canceladas devido ao tumulto formado após a intervenção dos ambientalistas. A de Penedo foi cancelada pelo próprio Ministério do Meio Ambiente. As da Bahia foram suspensas por medida liminar concedida pela Justiça em ação civil pública contra o projeto interposta pelo governo da Bahia.

O projeto governamental da transposição, na atualidade, vem sendo debatido amplamente no plano nacional. De um lado, a defesa elaborada pelo Governo. De outro, as idéias de grupos organizados localizados principalmente nos Estados doadores de água: Bahia, Sergipe, Alagoas e Minas Gerais.

As iniciativas de busca, captação, armazenamento e conservação de águas crescem em todo o semi-árido, especialmente as cisternas familiares. A captação de água de chuva, aliada à recuperação de mananciais, vai assumindo, em todo o mundo, o caráter de solução para o déficit hídrico do próximo milênio.

Um quadro tão complexo, limita-se a defender apenas e tão somente a regularização de uma oferta hídrica concentrada nos grandes corpos d'água da região? Especificamente, que repercussão direta e imediata se alcançará com o aumento da oferta hídrica? Para quem? A que custo?

Na atualidade, existem duas posições de destaque a cerca da viabilidade da obra.

A primeira, defendida pelos Estados doadores, afirma que o rio São Francisco não se apresenta, atualmente, em condições efetivas de atender às demandas do projeto. E que a captação d' água para a transposição deverá concorrer para agravar, ainda mais, o quadro atual de degradação ambiental em que se encontra o vale do Rio São Francisco.

A segunda, em oposição, encampada pelo Governo Federal e pelos Estados receptores, defende a realização e a importância da obra e assegura que o projeto vai levar água do rio São Francisco para os Estados que não têm rios perenes em condições naturais, tal como é o caso dos Estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará. E ressalta que a obra vai democratizar o uso da água.

Quando o tema é a transposição do Rio São Francisco, Raymundo Garrido, secretário nacional de Recursos Hídricos, prefere optar por uma profunda reflexão, inclusive questionando a necessidade de ampliação do debate, como forma de evitar que o "Rio da Integração Nacional" se torne o "Ponto de Discórdia Nacional":

Segundo o Secretário, a transposição do Rio São Francisco sempre gira em tomo dos interesses de duas correntes da região nordestina e, com isso, não há um debate mais criterioso quanto à viabilidade técnica e eficácia real da proposta.

Nesse contexto, Raymundo Garrido acredita que não haverá prejuízo para nenhuma das partes se três pontos forem observados com isenção:

1 -Se o projeto de uma transposição tiver viabilidade econômica;
2 -Se a mitigação de impactos ambientais estiver adequadamente determinada através de estudos e relatórios de impactos ambientais (EIAs/RIMAs);
3 -Se as duas sociedades entrarem em acordo para que a região beneficiada com água seja obrigada a compensar a "doadora" -através de obras de regularização de vazão, ou até mesmo empreendimentos que não sejam intervenientes na questão dos recursos hídricos, como o compromisso de construção de hospitais de base, escolas primárias, estradas vicinais ou até compensação pecuniária.

Se de um lado está a Bahia, mantendo e unanimidade com relação aos possíveis prejuízos advindos da proposta de transposição das águas do São Francisco, do outro estão os Estados da Paraíba e Rio Grande do Norte, que vêm promovendo eventos freqüentes para marcar posições favoráveis à iniciativa.

Na opinião de Raymundo Garrido, uma outra forma de compensação para o Projeto de Transposição do Rio São Francisco é a atual discussão sobre a possibilidade de transposição das águas do Tocantins: "Estão surgindo inúmeras contribuições para o projeto que ainda está em fase final de elaboração. Uma delas é a transposição do Rio Tocantins -em análise por parte do Ministério da Integração Nacional -, propondo a reversão de um de seus afluentes (Rio do Sono), entrando pela Bahia, no Rio Sapão, indo para o Rio Preto, chegando ao Rio Grande até o São Francisco. Assim as vazões que fossem retiradas em Cabrobó com destino ao Nordeste Setentrional, seriam compensadas com a entrada das águas do Rio Tocantins".

Retiradas e derivações de água têm sido comuns nos Estados Unidos como em outros países mas alguns problemas ainda persistem em determinadas regiões, como no Texas e na Flórida, que têm enfrentado restrições de consumo.

Em um artigo em que chama a atenção para a necessidade de que as comunidades priorizem a valorização das atuais fontes de abastecimento antes de planejar transposição o especialista Russell Cohen -Defensor de Rios, Programa Riverways/hidrovias, Mass. Department of Fisheries, Wildlife and Environmental Law Enforcement, alerta que: "retiradas e derivações de fontes de água em um rio podem causar sérios danos a ele e outros ecossistemas dependentes de água. Além disso, a construção de novas fontes de água é frequentemente evitada, através de melhorias na distribuição e no uso da água". E explica que essa intervenções têm o potencial de causar sérios danos ecológicos, especialmente durante os períodos de seca. "A água é um componente essencial de ecossistemas aquáticos. A sua presença em quantidades suficientes em certos períoodos de tempo é crucial para perpetuação de muitas plantas e animais nessas áreas. A remoção de água dessas áreas pode causar significativo dano ambiental, dependendo do tempo, localização e quantidade da retirada e a sensibilidade das áreas afetadas".

Ele enumera pelo menos três impactos negativos na qualidade da água que essas medidas podem acarretar:

1 -Retiradas de água para consumo em poços próximos a rios podem reduzir o fluxo dos mesmos, tanto por sugar a água diretamente para fora do rio, quanto por interceptar a água subterrânea que, de outra maneira, acabaria no rio, ou ambos. Menos água nos rios reduz sua capacidade de assimilar a carga de poluição de fontes pontuais ou não pontuais (por exemplo: aumento dos níveis de concentração de poluentes).
2 -A água que é usada fora do curso e é então despejada novamente no rio (através de estações de tratamento, tanques sépticos etc) é normalmente mais pobre em qualidade do que quando foi originalmente retirada, também levando a uma diminuição geral na qualidade de água.
3 -O aumento do fluxo de água nas estações de tratamento de esgoto resultantes do crescente aumento de uso, torna mais difícil para aquelas plantas tratar os efluentes efetivamente (por exemplo, fluxos maiores podem exceder a capacidade das estações e diminuir a capacidade de fluxos de esgoto combinados).

Em sua opinião, os planos de bacia devem ser redirecionados para o enfoque de resolver potenciais ou reais defasagens entre suprimento e necessidades legítimas, através de melhorias na eficiência e planejamento emergencial de seca, baseados em manejo de demanda.

Os textos desta reportagem foram elaborados com base em subsídios do Relatório Parcial da Comissão de Estudos dos Aspectos Hidrológicos do Projeto da Transposição do São Francisco (Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Julho 1999).

Matéria Publicada na Revista Brasileira de Saneamento e Meio Ambiente • BIO
Ano XI Nº17
Janeiro/Março 2001


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"A remoção de água dessas áreas pode causar significativo dano ambiental, dependendo do tempo, localização e quantidade da retirada e a sensibilidade das áreas afetadas".


Sem dúvidas uma sentença de morte, e sem direito a recuso para um tribunal superior.......uma lástima....

Paz e luz....
 
Quarta-feira, Agosto 29, 2007

Revitalizar o São Francisco e a Caatinga é restituir a vida



Transposição é a inversão desta ordem

A Caatinga é o bioma que constitui a ecorregião semi-árida única no mundo. Na língua indígena significa “Mata Branca”, ou seja, floresta que tem características próprias, entre os quais possui duas adaptações importantes: a queda das folhas na época de estiagem e a presença de sistemas de raízes bem desenvolvidos. A perda das folhas é uma adaptação para reduzir a perda de água por transpiração e raízes bem desenvolvidas aumentam a capacidade de obter água do solo. Sem folhas nos períodos de estiagem para se proteger da quentura, ela se recolhe para aflorar no momento certo. A Caatinga sabe bem conviver com o clima em que vive.

No entanto, é considerado o bioma mais ameaçado e degradado do Brasil. A “Mata Branca” está atualmente com 50% recoberta por vegetação nativa. Essa destruição vem sendo intensificada pelos grandes projetos, queimadas, monocultivos, etc. Sua biodiversidade única no mundo apresenta mostras significativas de degradação entre os quais, os grandes projetos são os principais responsáveis pela exploração predatória que vem ocorrendo ao longo dos anos.

É nesta região semi-árida da caatinga que se concentraram boa parte das obras hídricas da indústria da seca, monopolizados pelos grandes latifúndios, onde a terra e a água são privilégios de uns poucos. Desde o Império, quando essas obras tiveram início, os governos prosseguem com um tipo de desenvolvimentismo que atrai e sustenta à burguesia coronelista ainda vigente na região. Igualmente, o modelo de produção imposto historicamente é inadaptável à região. No vale do São Francisco, considerado Beira Rio Caatinga, por exemplo, a irrigação foi incentivada com o uso de técnicas inapropriadas e o resultado tem sido desastroso, a salinização do solo é hoje uma realidade, especialmente na região onde os solos são rasos e a evaporação da água ocorre rapidamente devido ao calor.

Outro problema é a contaminação das águas por agrotóxicos. Depois de aplicado nas lavouras, o agrotóxico escorre das folhas para o solo, levado pela irrigação e daí para as represas, matando os peixes. Nos últimos 15 anos, 40 mil km2 de Caatinga se transformaram em deserto devido a interferência da agricultura extensiva na região. As siderúrgicas e olarias também são responsáveis por este processo, devido ao corte da vegetação nativa para produção de lenha e carvão. Os açudes do Poço da Cruz em Ibimirim-PE e o açude Boqueirão na Paraíba, para onde querem levar as águas do São Francisco no eixo leste da transposição, são exemplos de desperdício de água para o uso intensivo de irrigação. O resultado é o empobrecimento ainda maior da população local.

A caatinga pela sua característica só comporta uma agricultura sustentável, agroecológica, diversificada, adaptada. Seus solos rasos e arenosos somente suportam pequenos sistemas de irrigação adaptados diminuindo o nível de evaporação e salinização. A captação da água de chuva, o armazenamento e o seu uso racional, assim como as plantas da caatinga o fazem é a melhor solução.
Segundo Manoel Bonfim Ribeiro, ex-diretor do DENOCS e da CODEVASF, “o volume de água evaporada dos oito açudes receptores no eixo norte e leste, será superior ao volume das águas trazidas pela transposição, em 1,69 bilhões de metros cúbicos (m3). Portanto, a transposição do Rio São Francisco nada acrescenta ao potencial hídrico do Nordeste”. Significa que a transposição é um projeto inviável que não se adapta a realidade do semi-árido.

Uma verdadeira Revitalização se opõe ao projeto de transposição. Convivência com o semi-árido, também se opõe ao projeto de transposição. A Caatinga assim como o São Francisco carecem de planejamento estratégico permanente e dinâmico com o qual se pretende evitar a perda da biodiversidade dos seus biomas. Carecem de que o povo e sua biodiversidade sejam respeitados em sua dignidade e seu modo de ser. Igualmente, uma verdadeira revitalização do Rio São Francisco e a revitalização do semi-árido brasileiro significam a restituição essencial da Vida, o projeto de transposição é a inversão desta ordem.

* Alzení Tomáz, é membro do CPP NE - Conselho Pastoral dos Pescadores e faz parte da Articulação Popular do Baixo São Francisco.
 
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