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Terence Mckenna - entrevista a Nevill Drury - Nature and Health, vol.11, nº 1, 1990

Ecuador

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22/12/2007
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Vendo alguns arquivos antigos no computador me deparei com essa entrevista de Terence Mckenna que tenho em um arquivo de 2001, embora a entrevista seja bem mais antiga.

Temos muito material dele, mas procurei e não achei esta em especial.

Não sei a fonte da tradução.


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Terence Mckenna
O retorno à cultura arcaica

Plantas Sagradas e Realidades Místicas

(Esta entrevista, concedida a Nevill Drury, foi publicada pela revista australiana Nature and Health, vol.11, n0 1, outono de 1990.)

ND: Poderia nos descrever as diferentes fases de sua pesquisa espiritual desde quando começou?
TM: O meu ímpeto inicial veio do xamanismo da Ásia Central, que a mim, como historiador de arte em fins da década de 60, interessou enormemente. Fui ao Nepal estudar a língua tibetana, e travei conhecimento não com o budismo - que chegou ao Tibet no século VII - mas com o xamanismo local, chamado Bon Po, que lá existe desde os tempos mais remotos. Logo me convenci, comparando as experiências e a arte que vi no Nepal com o tipo de experiências que eu tinha tido como estudante da cultura do LSD em meados da década de 60, que não havia nenhuma correspondência clara e exata entre a experiência psicodélica e os sistemas tradicionais de pensamento esotérico - muito embora Timothy Leary e Ralph Metzner tivessem dado grande impulso a essa idéia ao publicarem o seu guia psicodélico baseado no Livro Tibetano dos Mortos.
Pratiquei ioga quando estive na Índia e nas Ilhas Seychelles, e me ocorreu que, ou eu era ignorante demais pra atingir o iluminismo espiritual através desse meio, ou a ioga era essencialmente a repetição de fórmulas históricas cujo verdadeiro objetivo se perdera ou fora esquecido há muito tempo. Assim, tratei de examinar as tradições xamanistas em situações nas quais tivesse havido menos aculturação em relação à civilização circundante - o que significava as ilhas remotas da Indonésia ou a Amazônia. E visitei ambas as regiões - primeiro, as ilhas mais afastadas da Indonésia, a começar por Sumatra. durante dez meses, andei para o sul e para o leste, visitando Sumba, Sumbawa, Timor, Flores, as Molucas, Ceram e Ternate, Ganhava a vida como colecionador de borboletas profissional, divertindo-me muito e travando contato com um enigma que já foi comentado por inúmeros botânicos: a inexplicável escassez de plantas psiquicamente ativas nas zonas tropicais do Velho Mundo.
Por motivos ainda não inteiramente conhecidos, as zonas tropicais da América do Sul detêm um virtual monopólio de plantas que produzem indóis alucinógenos. Tentar construir um cenário evolutivo que concentre esses compostos em um único continente seria tarefa ingrata; e, convencido de que não existia na Indonésia nenhum xamanismo psicodélico indígena à base de plantas, fui á América do Sul pela primeira vez em 1970. Antes de ir, fiz um completo estudo etnográfico da Bacia Amazônica. Graças ao trabalho de Richard Evans Schultes, da Universidade de Harvard, existe material abundante nesse campo. Os principais alucinógenos encontrados na Bacia Amazônica são à base de algum tipo de triptamina, geralmente ativados quando ingeridos em conjunto com harmalina, um inibidor de oxidase moamínica (MAO). Esse fato era muito interessante, pois parecia indicar um grau de sofisticação farmacológica entre povos indígenas, somente superado no Ocidente em meados da década de 50, quando o sistema MAO veio a ser conhecido.
Seja como for, chegamos à América do Sul e passamos a fazer experiências com essas plantas - o ayahuasca, espécie de cipó causador de visões que Richard Spruce encontrou pela primeira vez quando lá esteve em 1853, e os tipos de rapé contendo triptamina, usados pelos índios uaicá e ianomâmi. Eu não tinha dúvida de que a experiência com o LSD em uma sociedade profana atingia apenas o limiar do universo psicodélico, e que a conclusão de que o LSD seria o mais potente desses compostos carecia de fundamento. O que acontece com esses alucinógenos à base de triptamina é uma tremenda ativação do córtex visual, de modo que eles são drogas realmente alucinógenas. O tema central é um dilúvio de imagens visuais que, por mais que a pessoa tente, não consegue identificar como sendo oriundas do subconsciente pessoal ou coletivo. Para mim, isso era verdadeiramente fascinante. Tinha estudado Jung a fundo e, portanto, esperava que os temas e idéias do subconsciente fossem razoavelmente homogêneos no mundo inteiro. No entanto, o que encontrei, no auge da intoxicação provocada por essas plantas, foi um mundo de idéias, de imagens visuais e vislumbres noéticos que não se ajustavam a qualquer tradição conhecida - nem mesmo à tradição esotérica. Ultrapassava a todas elas. A coisa era tão fascinante que a adotei como guia da minha vida.

ND: Qual o impacto das substâncias psicodélicas, no sentido criativo, sobre a cultura ocidental?
TM: No Ocidente, o contato original com estados alterados de percepção da consciência realmente importantes tinha de ocorrer com o ópio. E o ópio constituiu importante força motiva da imaginação romântica - Coleridge, De Quincey, Laurence Sterne e vários outros escritores passaram a criar um mundo de ruínas escurecidas pelo tempo, conventos abandonados, água negra lambendo praias desertas - evidentemente uma definição do estado gerado pelo ópio. Depois, por volta de 1820, Byron, Shelley e outros passaram também a usar o haxixe. No entanto, por estranho que pareça, e provavelmente por motivos culturais, o haxixe jamais conseguiu penetrar na imaginação literária da Inglaterra como o ópio havia penetrado. Coube a um americano - Fitz Hugh Ludlow - relatar suas experiências como estudante do Union College, em 1853, durante as quais ingeria grandes quantidades de geléia de maconha. E comportava-se de uma maneira que permaneceria quase desconhecida até cem anos depois!
Chegou a haver um fascínio com aquilo que Baudelaire e Gautier chamavam de "paraíso artificial" - essas drogas erm vistas como tremendas excitadoras da imaginação literária. A mesma atitude foi depois transmitida a pessoas como Havelock Ellis, William James e os alemães Klüver e Levin. Em fins da década de 1890, Lewin levou botões de mescal para a Alemanha, e a substância pura foi extraída. E a coisa ficou mais ou menos nesse pé até o surgimento do LSD nos anos 60.
O que todos esses pesquisadores constataram, na época em que a pesquisa era permitida por lei, foi que essas substâncias realmente criavam um fluxo de imagens eidéticas, realmente pareciam abrir os olhos da mente para algo que teria de ser definido como "panoramas místicos". Os pesquisadores tinham a sensação de estarem penetrando no mundo da gnose.
A proibição do LSD nos Estados Unidos nos anos 60 levou de arrasto todas as outras substâncias psicodélicas. Consequentemente, nossa descrição do potencial desses compostos tende a restringir-se a um tipo de psicanálise instantânea; o paciente ingere essas substâncias e, recriando so traumas infantis e passando a compreender melhor a situação em que se encontra, abandona suas atitudes neuróticas. O LSD era uma espécie de droga milagrosa contra problemas psicológicos. E ficou nisso, pois a pesquisa foi também proibida - especialmente a que envolvia seres humanos.
Contudo, havia uma vasta comunidade clandestina que continuava a trabalhar nessa área, e deste trabalho surgiu uma imagem da atividade dessas substâncias que ia muito além dos modelos de Freud e Jung. O que deu especial impulso a esse novo ponto de vista foram as experiências que vinham sendo feitas com a psilocibina. A psilocibina é o composto alucinógeno ativo encontrado em certas espécies de cogumelos que são usados há milênios nos planaltos centrais do México. Sob a influência da psilocibina, ocorre uma experiência de contato com uma entidade falante - uma voz interior que eu chamo de Logos. O Logos falava a verdade - uma verdade irrefutável. Sócrates tinha o que ele chamava de seu daimon - o "Desconhecido" que o informava. E a facilidade com que a psilocibina induz esse fenômeno torna-a, do ponto de vista do materialista ou reducionista arraigado na tradição científica, quase milagrosa.
Assim, pus-me a estudar esse fenômeno a fim de determinar se tratava de um nível mais profundo da psique - algo que parecia residir autonomamente como um "Desconhecido" em nossa mente e com o qual podíamos conversar -, ou se era a voz da Natureza, ou ainda, uma inteligência extraterrestre. São hipóteses que podem parecer fantásticas, mas é preciso entender que fui levado a elas por experiência própria, por evidências. Não eram coisas sem importância. Tinha-se ali uma "voz dentro da cabeça", ansiosa por revelar vastos cenários de história esotérica, vastos milênios da futura história humana.

ND: E a que conclusão chegou?
TM: Bom, ainda não tenho a resposta. Hesito. Depende de quão próximo se esteve de tal experiência - é arrepiantemente semelhante a um encontro com um extraterrestre! E, no entanto, depois da experiência, nosso controle racional retorna e a pessoa diz consigo mesma: "Certamente não pode ter sido isso..."

ND: Você sente que está tendo acesso a regiões espirituais bem diferentes daquelas descritas por místicos e gurus da tradição oriental?
TM: Claro. A ênfase desses místicos e gurus em centro de energia do corpo, em níveis de consciência, na perfeição moral das dimensões espirituais - verifiquei que nada disso é confiável. O que a experiência com a psilocibina parece nos dizer é que existe uma espécie de universo paralelo, inteiramente diferente do nosso e, no entanto, habitado por seres dotados de intencionalidade. Não se parece de Robert Monroe em que a pessoa sai do corpo. O aspecto do ocultismo que sempre me desapontou é a natureza prosaica do outro mundo. Os ocultistas falam de pessoas que irradiam luz, envoltas em roupas leves sopradas pelo vento - mestres que subiram ao céu, e assim por diante. Minha mais profunda impressão do outro mundo é sua completa estranheza - sua qualidade de Desconhecido. Não é nem mesmo um universo de tempo-espaço tridimensional. sua outra qualidade, que as tradições esotéricas, em minha opinião, nunca chegaram a encarar, é a realidade desse universo. Não sou ocultista. Sou espiritualista apenas na medida em que a experiência me forçou a ser. Ingressei nessa experiência como um reducionista, um racionalista, um materialista, um empiricista - e afirmo que nenhum racionalista ou empiricista poderia experimentar o que experimentei sem ter de reequipar inteiramente a sua filosofia. Não se trata de uma realidade para os místicos de menopausa, os auto-hipnotizados ou os simplórios. Trata-se de algo real. A sensação que nos fica da experiência psicodélica é que ela tem uma implicação histórica, que o que realmente aconteceu no século XX é que a catalogação da natureza, iniciada no século XVI por Lineu, finalmente atingiu sua culminância. E a catalogação da natureza revelou coisas totalmente inesperadas - por exemplo, a existência de uma dimensão que é negada por toda a nossa formação lingüística, nossa formação emocional e nossa ontologia religiosa.
O que aconteceu no século XX é que descobrimos o que o curandeiro realmente faz, o que o xamã realmente pretende. Não podemos simplesmente encerrar essa informação em um museu e esquecê-la: ela traz dentro de si um cerne de experiência irrefutável que parece nos dizer que a nossa visão da realidade é lamentavelmente deficiente. A trajetória de desenvolvimento que seguimos não nos deixou perceber vastas regiões da realidade - áreas para as quais fechamos os olhos, atribuindo-as à superstição, e que hoje sequer mencionamos.

ND: Você acha que a realidade do xamanismo é hoje o modelo mais completo ao nosso alcance? Mais completo, digamos, que o modelo místico do Oriente?
TM: Certamente que sim. O que acho que aconteceu é que, no mundo pré-histórico, toda religião era experiencial e se baseava na busca do êxtase através de plantas. Cedo, porém, um grupo se interpôs entre as pessoas e a experiência direta do Desconhecido. Isso criou hierarquias, cleros, sistemas teológicos, castas, ritual, tabus. O xamanismo, por outro lado, é uma experiência experiencial que cuida de uma área da qual nada sabemos. É importante lembrar que os nossos sistemas epistemológicos se desenvolveram de modo muito irregular no Ocidente. Sabemos uma tremenda quantidade de coisas que ocorrem no interior do átomo, mas não sabemos absolutamente nada acerca da natureza da mente. Pressupomos todo tipo de coisas subconscientemente, mas, quando se trata de provar, nossas premissas vão por água abaixo.
Acho que o que aconteceu - graças às sustâncias psicodélicas, de um lado, e à física quântica de outro - é que o esforço de compreender racionalmente a natureza finalmente chegou a tal ponto que atingimos o núcleo irracional da própria natureza, Agora podemos dizer; Meu Deus, os instrumentos que nos trouxeram até aqui são completamente inadequados!

ND: O movimento do potencial humano está atualmente reavaliando o papel das substâncias psicodélicas no estudo da natureza da consciência? Ou você se acha de certa forma isolado entre os seus contemporâneos?
TM: Diria que está havendo um pouco de ambas as coisas. Há momentos em que o movimento do potencial humano parece uma fuga da experiência psicodélica. Está disposto a fazer tudo, contanto que exista alguma certeza de que não vai funcionar. As terapias são necessárias, mas não estão se fazendo a seguinte pergunta: qual a base da Existência?
Eu não sou o único a propor uma reconsideração dos alucinógenos, mas os meus colegas e eu certamente representamos uma facção altamente suspeita, e não inteiramente integrada, do movimento do potencial humano. de certa forma, estamos ainda reagindo ao que aconteceu nos anos 60. Qualquer pessoa pode dizer muitas coisas acerca de suas experiências psicodélicas pessoais - e serão coisas muito pessoais - , mas se procurarmos examinar dez mil experiências psicodélicas, a conclusão generalizada a que chegaremos será: em primeiro lugar, elas dissolvem fronteiras, quaisquer que sejam essas fronteiras. Consequentemente, dissolvem a programação cultural. São muito democráticas - dissolvem toda a programação cultural. Portanto, o marxista, o xamã, o cristão fundamentalista e o físico nuclear ver-se-ão todos questionando suas crenças após a experiência psicodélica. O aspecto do LSD que o tornou diferente das outras substâncias psicodélicas foi o fato de que um químico razoavelmente competente era capaz de produzir cinco milhões de doses em um único dia! Era um feito singular em toda a história humana. Quando se vai à Amazônia ou quando se vai tomar mescal na companhia dos índios, é uma tarefa e tanto obter material suficiente para vinte pessoas. Assim, a oferta de tanto LSD na sociedade moderna levou as autoridades a supor que toda máquina social estava sendo dissolvida em ácido - literalmente diante de nossos olhos. Acho que foi um erro abordar desse modo. Havia muitas vozes naquela época , muitas teorias acerca de como lidar com o fenômeno. Se Adous Huxley tivesse vivido mais dez anos, a coisa teria sido bem diferente. A idéia dele era levar a experiência psicodélica aos artistas, filósofos, planejadores urbanos, arquitetos - não a todo garoto de dezoito anos que existisse no mundo.

ND: O seu interesse especial são as triptaminas - mas também não existirá aí também um fator cultural? O homem ocidental moderno que use essas substâncias psicodélicas terá acesso à mesma realidade do xamã tradicional da América do Sul?
TM: Em última análise, não creio que seja um fator cultural. Quando você fuma DMT, sente algo que vem do fundo de sua estrutura humana. Contudo, essa experiência persiste inteiramente como realidade pessoal, até que você a coloca em um vaso linguístico. Se a colocar no vaso linguístico inglês, obterá algo bem diferente do que se a colocasse no vaso linguístico do mazatecán. E isso tem a ver com a inevitável relatividade da linguagem. Parte do que eu fiz foi tentar criar uma descrição fenomenológica do que realmente acontece. Outro aspecto dessas experiências psicodélicas é que são tão extraordinárias que não temos meios de fixá-las na memória. Quando você visita uma cidade na qual nunca esteve antes, sempre pode estabelecer uma relação entre ela e outras cidades que conhece, mas, quando vai a um lugar que não tem qualquer ponto de referência em comum com outros, precisa criar uma linguagem quase inteiramente nova.
Paradoxalmente, o DMT parece estar ligado à atividade de formação da linguagem nos seres humanos. É interessante notar que, há algumas dezenas de milênios, o continente africano sofreu um período de dessecação que persiste até hoje. As grandes florestas pluviais que cobriam a maior parte da África começaram a recuar, deixando pradarias atrás de si. Para sobreviverem, as populações de primatas que viviam em árvores foram forçadas a descer para os prados e substituir seus hábitos vegetarianos por uma dieta onívora. Na época, já possuíam um complexo sistema de sinais grupais semelhantes ao dos macacos, mas, quando passaram a desenvolver suas estratégias de caça no veld, a pressão aumentou no sentido de acelerar e desenvolver essa capacidade de empregar sinais. A dieta onívora que adotaram terminou levando-os a preferir os grandes rebanhos de animais ungulados - gado selvagem - que vinham evoluindo paralelamente. Ora, foi no excremento desses animais ungulados que os cogumelos portadores de psilocibina encontraram o seu hábitat natural. Esses cogumelos são "coprófilos" - ou sejam gostam de excrementos. é o único meio em que eles se desenvolvem. Eu próprio no Quênia, observei os babuínos em sua busca de alimentos, e um dos truques preferidos por esses macacos é revirar os montículos de excremento de vacas à cata de besouros e larvas. Assim, o excremento de vacas desempenha papel importante no mundo dos babuínos. E, no entanto, o cogumelo é um objeto completamente anômalo no ambiente dos prados - tão conspícuo quanto uma aberração.
Roland Fischer, que trabalhou muito com a psilocibina antes que a lei proibisse que ela fosse administrada a seres humanos, fez uma importante observação no início da década de 60. Expôs um grupo de pessoas a doses muito pequenas - tão pequenas que não chegariam a causar uma experiência psicodélica e mal provocariam algum efeito sobre os pacientes, exceto uma ligeira excitação. Mas submeteu essas pessoas a testes de acuidade visual e descobriu que com pequenas dose de psilocibina passavam a ver muito mais claramente do que no estado normal. Ninguém precisa ser um biólogo evolucionista para saber que, se existe no meio ambiente uma planta que faz aumentar a acuidade visual de um animal predatório, aqueles que aceitarem esse item em sua dieta terão mais êxito como caçadores e, portanto, adotarão uma estratégia de reprodução mais eficiente do que os que não o fizerem. Quando as doses de psilocibina aumentam, aquela excitação inicial se transforma em excitação sexual. É claro que um maior número de cópulas bem-sucedidas significa maior número de fêmeas grávidas e nascimentos bem-sucedidos, o que também favorece os que usam o item em sua estratégia reprodutiva. Se você dobrar a dose que provoca essa excitação sexual, terá inteiro contato com algo tão bizarro, tão misterioso que, até hoje, cinquenta mil anos depois, ainda não dispomos do equipamento intelectual para compreender. Surge na mente dos seres humanos modernos com a mesma força transcendental e causadora de espanto que deve ter exercido na mente do austrolopiteco.

ND: Qual então a sua reação a pessoas que continuam a achar que a experiência psicodélica é artificial? Certamente sua opinião é exatamente oposto.
TM: Não há nada de artificial na experiência psicodélica. Essas substâncias fizeram parte da cadeia alimentar humana desde o começo. É no rótulo que começa o equívoco - elas são chamadas de "drogas", e "droga" é palavrão. Sofremos de uma histeria contra as drogas. Toda a nossa sociedade parece estar se dissolvendo sob a arremetida de sistemas de distribuição de drogas criminosamente organizados. O que precisamos fazer para enfrentar esse fato é tornarmo-nos um pouco mais sofisticados em nossas definições. Acredito que a nossa verdadeira objeção contra as "drogas" é que ficamos alarmados diante de certo comportamento obsessivo, impensado e autodestrutivo. Quando vemos alguém agindo dessa maneira, recuamos, chocados. É esse o comportamento provocado pelo vício de uma droga pesada como cocaína ou morfina. No entanto, o que as substâncias psicodélicas fazem é justamente quebrar hábitos e modalidades de raciocínio. Faz com que os indivíduos examinem e julguem as estruturas de sua vida. O que essas sustâncias têm em comum com as "drogas" é que são compostos físicos, geralmente apresentados sob a forma de comprimidos que são assimilados pelo organismo. Mas creio que uma definição razoável do que é a droga nos faria legalizar a psilocibina e proibir a televisão.
Imagine se os japoneses tivessem vencido a Segunda Guerra Mundial e introduzido nos Estados Unidos uma droga tão insidiosa que, trinta anos depois, todo cidadão norte-americano passasse, em média, cinco horas por dia sob o efeito dela. Isso seria simplesmente visto como uma atrocidade intolerável. E, no entanto, nos Estados Unidos fazemos isso com nós mesmos. O que é mais horrível na "viagem" que fazemos com a televisão é que a viagem não é nossa. É a viagem resultante do sistema de valores de uma sociedade cujo deus maior é o dólar todo-poderoso. De sorte que a televisão é o ópio do povo. Acho que a tremenda resistência do governo à questão psicodélica não se deve ao fato de que as substâncias psicodélicas são vendidas por empresas criminosas e multimilionárias - elas são triviais nesse nível. Mas levam as pessoas a examinar os valores e isso é o que de mais corrosivo pode acontecer.

ND: Sua idéia do pioneiro da pesquisa psicodélica é a de um tipo de alquimista capaz de transformar a alma em uma espécie de coisa tangível. Pode falar mais a esse respeito?
TM: A alquimia era a crença de que, de certo modo, havia um espírito na matéria. Os alquimistas foram os herdeiros dos grandes sistemas religiosos do helenismo, geralmente chamados de "gnósticos". A idéia central do gnosticismo é que a matéria de que é feita a "alma, o verdadeiro ser" foi aprisionada, através de uma série de infortúnios cósmicos, em um universo de baixo nível que lhe é alheio. Ao exporem essas idéias por escrito, os alquimistas sugeriram que o espírito poderia ser de certa forma destilado e retirado dessa matriz de matéria grosseira. Pois bem, essas idéias são corroboradas pelas substâncias psicodélicas, e é interessante constatar como os alquimistas, em diversas épocas, contribuíram para o progresso da farmacologia. Por exemplo, o álcool destilado foi descoberto por alquimistas que buscavam o elixir da vida, e Paracelso popularizou o ópio. Não pretendo criticar a pesquisa alquímica, e sim demonstrar que a alquimia - a crença de que há um espírito na matéria - era o remanescente de conjuntos de crenças xamanistas mais antigas que acarretavam uma aliança com determinadas plantas. Acho absurda a noção de que a pessoa pode fazer o progresso espiritual por si mesma. É virtualmente impossível ter as experiências espirituais que confirmam certa ordem moral e sistema de valores, a não ser que se recorra às substâncias psicodélicas ou, então, ao jejum e ao retiro no deserto. Acho que as pessoas não sabem o quanto as substâncias psicodélicas são eficazes - elas funcionam!
Gostaria que as pessoas fossem mais universais em seus gostos. Se você é um defensor das virtudes da ioga ou da dieta natural ou dos mantras, tem o dever de explorar esses sistemas usando, ao mesmo tempo, substâncias psicodélicas. Eu explorei as possibilidades que acabo antes de mencionar antes de começar a percorrer a estrada dourada da alma.

ND: Então, por que existe esse preconceito tremendo, no Oriente e no Ocidente, contra as substâncias psicodélicas?
TM: Acho que as pessoas adoram a procura. Adoram procurar respostas. Se você dissesse a elas que a hora de procurar acabou e que agora a tarefa é enfrentar a resposta, o desafio seria maior! Qualquer pessoa pode viver varrendo o chão do ashram durante uma dezena de anos, convencida de estar seguindo Baba rumo à sabedoria. Mas ingerir uma substância psicodélica exige coragem - verdadeira coragem. Você sente aquele frio no estômago, as mãos ficam úmida de suor, porque você sabe que a coisa é real, que vai funcionar. Não em doze anos, não em vinte anos, mas dentro de uma hora O que eu vejo em todo esse empreendimento espiritual é um grande número de pessoas ganhando a vida de uma maneira ou de outra, à base de falta de sucesso delas. Se chegassem a ter sucesso, todas essas empresas iriam à falência. Mas ninguém tem pressa de fazer esse tipo de sucesso.

ND: Em seu esquema das coisas, há algum lugar para a religião institucionalizada, para crenças religiosas ortodoxas?
TM: Sim. O que já constatei é que todos esses sistemas oferecidos como caminhos espirituais funcionam esplendidamente na presença das substâncias psicodélicas. Se você acha que os mantras são essenciais, experimente um deles depois de ingerir vinte miligramas de psilocibina e veja o que acontece. Toda motivação religiosa sincera é iluminada pela psilocibina. Fazendo talvez uma comparação trivial: a investigação psicodélica é um automóvel, mas as substâncias psicodélicas são a gasolina que o faz mover-se. Você não irá a parte alguma sem o combustível, por mais refinado que seja o acolchoado dos bancos, por melhor que seja o motor.

ND: Para onde você, pessoalmente, acha que o movimento do potencial humano está indo no momento, e como se posiciona no caso?
TM: Acho que a melhor idéia vencerá.Todos temos a obrigação perante nós mesmos e perante o mundo, de contribuir com o que temos de melhor - colocar nossas melhores idéias na mesa. Feito isso, tudo que resta a fazer é sentar e esperar. Eu tenho uma espécie de crença darwinística de que a idéia correta terminará saindo triunfante. Em minha maneira de ver, as substâncias psicodélicas constituem o único item suficientemente autêntico para ser proibido e eliminado por lei. Ninguém vai banir os cristais de quartzo ou o suco de talo de trigo - são coisas que não representam problema algum. Mas acho que vamos ter de achar um meio de conviver com a possibilidade psicodélica. E teríamos achado esse meio há muito tempo nos Estados Unidos, se não fosse o fato de que, nessa questão, o governo atua como braço direito do fundamentalismo cristão. A vida, a liberdade e a procura da felicidade foram inseridos na constituição do nosso país como direitos inalienáveis. Se a procura da felicidade não abrange a busca psicodélica do conhecimento, então não sei o que ela significa. Acho que teremos pela frente um período de trevas antes que se faça a luz, porque a hipocrisia com que o governo se ilude a si mesmo nessa questão terá de ser denunciada pelo que realmente é. Vejo todo o fenômeno das drogas como uma enorme empulhação. Os governos sempre foram os maiores fornecedores de drogas formadoras de hábito - desde o comércio do açúcar na Inglaterra até as guerras do ópio na China, o envolvimento da CIA no comércio da heroína no Sudeste Asiático nos anos 60 e a atual distribuição da cocaína sul-americana. Vamos ter de acabar com esse desejo cristão de legislar o comportamento das pessoas "para o próprio bem delas".
Façamos uma comparação entre duas drogas. A cocaína é ultrachique, custa cem dólares o grama, é inteiramente inútil ao que eu saiba, e não deixa você mais ligado que um café expresso duplo. Já a cola de aeromodelismo custa um dólar e vinte centavos o tubo e você pode arrebentar sua saúde com ela, mas provavelmente não morrerá mais depressa do que morreria com a cocaína. Então por que essa gente que usa roupas Dior e anda de Rolls-Royce com motorista não cheira cola de aeromodelismo? Porque é um vício barato, grotesco, sem classe. E é isso que precisamos ensinar ao público no tocante a essas drogas. A única solução é reduzir o preço da cocaína para um dólar e vinte centavos o grama. Só então ela será vista como a coisa terrível, banal e destrutiva que é. Somente quando os governos intervêm, dificultando o acesso às coisas, é que elas assumem de repente esse valor astronômico. De modo que tudo não passa de um jogo do governo.

ND: Em muitos países, há sinais de que os governos finalmente começam a dar ouvidos à mensagem ambiental. Se considerarmos o conteúdo da hipótese da Grande Deusa como reflexo de uma conscientização global, parece-me que o seu conceito de um "Superespírito", um espírito global do planeta, pode também tornar-se importante...
TM: Todas essa coisas fazem parte da Nova era, mas deixei de usar essa expressão. Prefiro o que chamo de "Retorno à Cultura Arcaica" - que coloca tudo em uma melhor perspectiva histórica. Quando uma cultura perde o rumo, reação costumeira é voltar atrás na História em busca do antigo "modelo orientador". Exemplo disso foi a dissolução do mundo mediaeval por ocasião da Renascença. Os homens tinham perdido sua bússola, de modo que retornaram aos modelos gregos e romanos para criar o classicismo - a lei romana, a estética grega, e assim por diante.
No século XX, uma civilização global perdeu o rumo, e, ao voltarmos no tempo em busca de um modelo orientador, precisamos recuar cerca de doze ou quinze mil anos. Assim, a parte importante do movimento do potencial humano e da Nova Era, é creio eu, a restauração do ritual, a redescoberta do xamanismo, a recognição das substâncias psicodélicas e da importância da Deusa. É preciso que haja um mistério religioso autêntico por trás de tudo isso. As substâncias psicodélicas nos põem em contato com algo que é, ao mesmo tempo, real e imediato - a mente do planeta. Trata-se do Superespírito da vida que há na Terra. É o que há de realmente importante. A hipótese da Grande Deusa, que começou propondo que todo o nosso planeta é um sistema auto-regulador, atingiu agora o nível em que certas pessoas dizem: "É quase vivo".Mas eu iria mais longe: não é só vivo, mas possui um espírito.
Levo muito a sério a idéia de que o Logos é real, que existe uma mente Guiadora - uma Alma Global que habita o bioma do planeta, e que o equilíbrio, a dignidade e a religiosidade dos seres humanos dependem do contato direto com ela. É esse contato que o xamanismo nos oferece. Esse contato existia no Ocidente - para certas pessoas - até a queda de Elêusis e das tradições do Mistério, mas foi eliminado por bárbaros que não sabiam o que estavam destruindo.
A mente do planeta não é neutra quanto à nova direção da história humana. Fazemos parte de um drama cósmico. Estou certo disso, e embora o drama cósmico já venha durando há milênios, não creio que vá durar outros tantos milênios no futuro.

ND: EM sua opinião, tudo irá atingir uma espécie de clímax no ano 2012 de nossa era. Pode explicar isso?
TM: Vejo certo tipo de culminância no ano 2012. Para os maias, o ano 2012 era também o fim de um ciclo de 5128 anos. Acho que o que chamamos de existência histórica é uma situação que possui seus limites próprios e não pode ser projetada em termos de séculos no futuro. Estamos dilacerando a Terra, disseminando toxinas - e o planeta inteiro está reagindo. As substâncias psicodélicas irão exercer importante papel, ajudando as pessoas a se tornarem conscientes do que está acontecendo.

ND: Você disse certa vez que uma parte importante da busca do conhecimento místico é encarar a morte e reconhecê-la como um dos componentes do ritmo da vida. Poderia falar mais detidamente sobre as implicações do processo de morrer?
TM: Levo a sério a noção de que os estados psicodélicos são uma antevisão do processo de morrer - ou, como chamam os tibetanos, o nível Bardo situado para além da morte física. Parece-me provável que a nossa vida física seja uma espécie de estação de lançamento da alma. Como dizem as tradições esotéricas, a vida é uma oportunidade de nos prepararmos para a morte, e devemos aprender a reconhecer os sinais que vamos encontrando pelo caminho; assim, quando a morte vier, podemos fazer a transição sem problemas. Acho que as substâncias psicodélicas nos mostram a natureza transcendental da realidade. Quando se é ateu ou existencialista, é difícil morrer com dignidade. Afinal, por que não protestar contra o fato de que a luz vai se extinguir? Mas, se de fato não se tratasse da extinção da luz, e sim da Aurora da Grande Luz, certamente não haveria motivo para protestar. Há uma tendência na Nova Era no sentido de negar a morte. Vemos pessoas à procura da imortalidade física e mandando congelar seus cérebros até o quinto milênio, quando então poderão ser descongelados. Tudo isso indica certa falta de equilíbrio. O Tao flui através dos reinos da vida e da morte com igual facilidade.

ND: Você pessoalmente vê o processo da morte como uma jornada através do sistema de crenças das pessoas?
TM: Tal como a experiência psicodélica, temos de colocar a morte dentro do vaso da linguagem. Morrer, porém, é um ato essencialmente fisiológico. Talvez existam certos compostos no cérebro que são liberados somente quando é impossível reverter o processo da morte. E, no entanto, a experiência de quem esteve perto da morte tem uma curiosa afinidade com a viagem xamanista e a experiência psicodélica.
Acredito que o melhor mapa da consciência de que dispomos é o mapa xamanista. Do ponto de vista xamanista, o mundo tem um "centro" e, quando se vai até o centro - que fica dentro de nós mesmos -, há um eixo vertical que nos permite subir ou descer. Existem mundos celestiais, existem mundos infernais, existem mundos paradisíacos. Esses são os mundos que se abrem para nós em nossas viagens xamanistas, e acho que temos a obrigação de explorar esses domínios e transmitir essa informação a outras pessoas que estejam interessadas em traçar o mapa da psique. No ponto da História em que nos encontramos, essa é talvez a viagem mais formidável que alguém pode fazer.
 
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