- 24/01/2007
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Quando criança, enquanto folheava revista eu costumava imaginar que deveria haver em algum lugar um mundo mágico onde todos pareciam, e eram, perfeitos. Eu podia ver fotos desse mundo naquelas páginas, o ar enfumaçado de um ambiente em meia luz, o clima pesado com o drama de uma jovem modelo usando roupas de marca. Era lá onde se poderia encontrar aventura e excitação, eu pensava, um mundo em que cada ambiente é impecavelmente bem decorado e as roupas de cada mulher são escolhidas e combinadas com ousadia e bom gosto. Resolvi ter eu mesmo uma vida de aventuras e comecei procurando esses ambientes e essas mulheres por aí. E embora tenha descoberto desde então que raramente o romance e a aventura venham juntos com as imagens que nos são apresentadas (geralmente o oposto é verdade, a aventura geralmente é encontrada onde não há nem tempo nem energia para se manter as aparências), eu ainda às vezes me pego pensando que tudo só seria perfeito se eu vivesse naquele pitoresco chalé com os tapetes combinando. O que quer que seja que estamos procurando todos nós tendemos a buscar os nossos desejos perseguindo imagens: símbolos das coisas que desejamos. Compramos jaquetas de couro quando queremos rebeldia e perigo. Adquirimos carros rápidos não pela necessidade de dirigir rápido, mas sim para recuperar a nossa juventude perdida. Quando queremos revolução, compramos panfletos e adesivos políticos. De algum modo, assumimos para nós mesmos que possuindo os acessórios adequados conseguiremos a vida perfeita. E quando construímos as nossas vidas, geralmente o fazemos de acordo com uma imagem, um padrão que nos foi arranjado: hippie, executivo, dona de casa, punk.
Por que hoje em dia pensamos tanto em imagens ao invés de nos concentrarmos na realidade, nas nossas próprias vidas e emoções? Uma das razões que fazem as imagens terem atingido tal importância na sociedade atual é o fato de que elas, ao contrário das atividades, são fáceis de serem vendidas. A propaganda e o marketing, que servem para criar nos produtos um valor simbólico que atraia os consumidores, têm transformado a nossa cultura. Há anos as corporações têm espalhado uma propaganda criada para nos fazer crer nos poderem mágicos de seus produtos: o desodorante oferece popularidade, o refrigerante oferece juventude e energia, o jeans oferece sensualidade. Em nossos empregos, trocamos o nosso tempo, energia e criatividade pela habilidade de comprar esse símbolos, e continuamos comprando-os, apesar de que, naturalmente, quantidade nenhuma de cigarros pode realmente dar satisfação a alguém. Ao invés de satisfazer as nossas necessidades, esses produtos as multiplicam: para poder obtê-los, vendemos partes de nossas vidas. Continuamos voltando para trás, sem conhecer outro caminho, esperando que o próximo produto (livros de auto ajuda, disco de punk rock, aquelas férias no chalé com os tapetes combinando) será que aquele que resolverá tudo.
Somos facilmente persuadidos a perseguir estas imagens simplesmente porque é muito mais fácil mudar o cenário que nos rodeia do que mudar as nossas próprias vidas. Quão menos problemático e arriscado seria se você pudesse tornar a sua vida perfeita apenas colecionando todos os produtos certos. Nenhuma participação seria necessária. A imagem personifica todas as coisa que você deseja e você gasta seu tempo e energia tentando ajeitar todos os detalhes corretamente (o boêmio tenta achar a boina perfeita e o show de MPB certo para comparecer, o "playboy" tem que ser visto com os amigos certos, nas festas certa bebendo as cervejas certas e usando as camisas da marca certa) ao invés de correr atrás dos próprios desejos - apesar de que é muito mais fácil identificar-se com uma imagem pré-fabricada do que com o que você realmente quer na vida. E se você realmente quer aventura, aquela camiseta de academia de jiu jitsu não será suficiente, e se você que um romance de verdade, sair com a garota mais desejada da escola pode não ser o bastante.
Fascinados como somos pelas imagens, nossos valores giram em torno de um mundo que nunca experimentaremos de verdade. Não existe nenhum caminho que o leve para dentro das páginas das revistas, não há um jeito de ser o arquétipo do punk ou do executivo ideal. Estamos "presos" aqui fora, no mundo real, para sempre. E ainda assim continuamos procurando a vida em fotos, modas e espetáculos de todo tipo - em qualquer coisa que possamos colecionar ou assistir - ao invés de fazermos nós mesmos.