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Pesquisadores se tornam suas próprias cobaias

Ecuador

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22/12/2007
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A Scientific American está publicando uma série sobre cientistas que se tornam suas próprias cobaias.

Não sei se vai sair na edição brasileira, mas uma das matérias, sobre Shulgin, foi traduzida para o site:

http://www2.uol.com.br/sciam/artigo...prias_cobaias_em_nome_da_ciencia_-_cap_8.html

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Auto-experimentação – Capítulo 8

Químico psicodélico explora o lado surreal da mente com uma droga por vez

Alexander Shulgin enfrentou o governo americano, vômitos e paralisia em busca de compostos alucinantes

Por David Biello

Alexander Shulgin é o “psiconauta” mais à frente de seu tempo. O químico de 82 anos de idade não apenas criou mais de 300 compostos que alteram a consciência (ou seja, psicoativos), mas já experimentou, por conta própria, entre 200 e 250 dessas substâncias. A maior parte delas foi preparada em um laboratório bolorento atrás de sua casa nas montanhas a leste de Berkeley, na Califórnia, onde compartilhou várias viagens químicas com Ann, sua esposa há 26 anos.

“Eu experimentei tudo isso porque estou interessado na atividade dessas drogas na mente humana. Como você poderia testar isso em um camundongo, ou em um rato?”, pergunta Shulgin, conhecido pelos amigos como “Sasha”.

No entanto, ele pagou caro por essa vocação. Algumas de suas criações induziram vômito incontrolável, paralisia e a sensação de que seus ossos estavam derretendo, entre outros terrores. E embora algumas pessoas acreditem que Shulgin tenha aberto as portas da percepção para uma nova classe de compostos psicoativos potencialmente terapêuticos, outras argumentam que é dele a responsabilidade pelos danos que o abuso contínuo dessas substâncias ilícitas pode causar.

Quando estudava na University of California, em Berkeley, na década de 50, a primeira substância que Shulgin usou foi mescalina, uma droga psicodélica encontrada no peyote e outros cactos. “Ela me apresentou a cores novas que eu nunca tinha visto antes e me permitiu interpretar o que quer que eu visse com um vocabulário totalmente novo... E mesmo assim, que estrutura simples!”, lembra Shulgin.

No anos 60, quando trabalhava como químico na Dow Chemical Co., em San Francisco, ele não resistiu e resolveu brincar um pouco com a poderosa molécula da mescalina. Shulgin sintetizou compostos inteiramente novos que mantinham qualidades “viajantes” similares. Algumas variações eram menos potentes, mas outras eram ainda mais poderosas ou tinham seu próprio toque especial.

Shulgin, que saiu da Dow em 1965 para ser consultor do U.S. Drug Enforcement Administration (DEA), agência norte-americana de combate ao tráfico, ofereceu as melhores amostras de seu trabalho para Ann, sua segunda esposa; as mais promissoras foram distribuídas para um círculo de 10 amigos próximos até a metade da década de 90, quando o DEA, que tinha deixado de pagar por seus serviços, invadiu seu laboratório e revogou sua permissão para trabalhar com drogas ilegais.

A grande favorita de Shulgin, que ele descreve como “extraordinariamente confortável e bem erótica” é conhecida simplesmente como 2C-B, devido à sua composição química.

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Shulgin já viu muitos dos compostos que inventou ou experimentou se tornarem ilegais nos Estados Unidos, incluindo alguns que nunca tinham sido sintetizados antes, e outros que para ele tinham potencial terapêutico, como o MDMA (metilenodioximetanfetamina), mais conhecido como ecstasy. “Fiquei muito triste ao ver o MDMA chegar à condição de ‘droga da lista 1’”, designação que proíbe sua fabricação ou uso no país – conta. “Eu sabia que isso inibiria a pesquisa do valor médico dessa substância, e foi exatamente isso que aconteceu.”

Alguns pesquisadores concordam que a resposta do governo a drogas psicoativas os priva do acesso a uma janela única para a consciência humana. Afinal, roedores ingerem sem maiores problemas grande parte dos tóxicos e narcóticos – de maconha a heroína –, mas não as substâncias psicodélicas mais poderosas.

“O mais peculiar é que não apenas tornamos essas drogas ilegais, como também nos afastamos delas cientificamente”, afirma o neurocientista Roland Griffiths da Escola de Medicina da Johns Hopkins University, um dos pesquisadores que está reiniciando uma pesquisa básica de psicodélicos. Seu laboratório demonstrou que a psilocibina, o ingrediente ativo de vários fungos conhecidos como “cogumelos mágicos”, pode produzir uma sensação de bem-estar de longa duração. Isso pode indicar que a droga poderia ser usada para ajudar pacientes deprimidos ou dependentes de substâncias químicas.

Shulgin, que continua estudando cactos em busca de caminhos alternativos para estados alterados da mente, prevê que, até o ano 2060, o número de substâncias psicodélicas conhecidas terá aumentado de 300 para 2.000. Ele pretende descobrir – e talvez experimentar – todas que puder. “É como abrir uma porta para um corredor”, explica, “que tem portas fechadas em toda a sua extensão; atrás de cada uma dessas portas está um mundo totalmente diferente à sua espera”.
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Bom achado ECUADOR :pos:, dizem que essa Scientific American ainda é uma revista que dá pra ler.:eek:

Bem macho o sujeito ah?
 
ÊêÊêêê Meninão :p:

Mas eu creio no poder da natureza , Como dizia Mckenna: Na natureza as substâncias estão a milhões de anos, se aperfeicoando, e em um laboratório é feita da noite para o dia..

Ou algo do tipo.:rolleyes: Cada louco com sua mania:)
 
Olha só... 82 anos...

e mergulhando na psicodelia... aprendendo sempre!
 
A 2CB que ele cita é a famosa "Cápsula do vento" que andou um tempo circulando por aqui. Realmente de um poder surpreendente!!
 
Complementando, outra matéria sobre Shulgin que vi na Trip.

Aos químicos de plantão, não é uma deixa para iniciar uma discussão a respeito dessas substâncias, mas sim uma homenagem à importância histórica do personagem e ao ideal de "auto-experimentação".


http://revistatrip.uol.com.br/revista/179/reportagens/quem-procura-sasha.html


QUEM PROCURA SASHA

Popularizador do ecstasy e criador de 230 psicodélicos, Sasha Sulgin abre a porta de casa

13.07.2009 | Texto por Bruno Torturra Nogueira Fotos Renata Mein

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Não é metáfora. Era noite, e eu vagava perdido pelo deserto em um hemisfério longe de casa quando achei o profeta. Não é tão dramático tampouco: era o deserto de Black Rock, Nevada, na primeira madrugada do festival Burning Man. E o profeta, no caso, é um homem sem religião ou doutrina. Mas que, e aqui vai todo o drama, é o papa do meu rebanho: dr. Alexander Shulgin, ou Sasha, para amigos e fãs.

Quando, no meio de 2008, arrumava as malas para vir aos EUA, coloquei muitas expectativas, mas pouquíssimos planos. Um deles era conhecer Sasha Shulgin. Por trás da empreitada de correspondente nos EUA estava a ideia de seguir uma intuição que se confundia com certeza: a de que nos estudos dos estados alterados da consciência eu acharia minha estrada espiritual. Por isso, encontrá-lo era como uma peregrinação sem liturgia. De um monge nada asceta atrás de um mestre que vive... sabe-se lá onde. Não havia templo, montanha ou um mísero e-mail para achá-lo. Estranha, ou adequadamente, a vida o colocou na minha frente.

Eu não tinha a menor ideia do que me esperava no Burning Man. Só sabia que eu tinha que estar lá e ponto. Se meus planos nos EUA envolviam me conectar com a comunidade psicodélica e aprofundar minhas pesquisas, o festival era obrigação. Resumindo o que não é sintetizável: 50 mil pessoas vão a um deserto extremamente seco e hostil para “celebrar a autoexpressão radical” e uma recente, difusa e ainda em gestação espiritualidade americana. Drogas psicodélicas são sacramentos nesse ramadã de freaks.

Eu acabara de deixar o automóvel no meio de uma multidão. Cheguei com uma companheira de trips e viagens, tão deslocada quanto eu, e uma onda de ansiedade nos dominou. Não tínhamos um conhecido por ali nem onde dormir ou comer. Renata, a cara amiga, aponta longe: “Vamos perguntar para aquele ali”. Era um senhor em trajes budistas, dançando em cima de um tablado. Simpático ao extremo, nos levou ao seu acampamento para ver o que podia fazer por nós. Sentado a uma mesa, hospedado no trailer ao lado de nosso guia budista, estava o dr. Shulgin.

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Sasha com os cactus de seu jardim, que fornecem matéria-prima para boa parte das pesquisas que desenvolve no laboratório dos fundos de sua casa


Pai adotivo do ecstasy

Sasha é um químico e farmacologista que desde o início dos anos 60 se dedica a uma missão: modelar e remodelar compostos psicodélicos como forma de “construir ferramentas para a exploração da consciência”, de acordo com sua definição. Desde sua primeira experiência nos anos 50, com mescalina, Sasha decidiu que seu legado seria aumentar, e muito, a quantidade de compostos (e a informação sobre seus efeitos e farmacologia) capazes de recalibrar mentes. Sem fama, e no conforto de seu lar, Sasha criou 230 novas drogas psicodélicas, publicou a receita de como fabricá-las e abriu a porta por onde dezenas de outros químicos despejaram pílulas, elixires e pozinhos pelo mundo.

A mais célebre criação de seu laboratório não é exatamente um de seus “filhos”, mas um adotivo. Desde 1914 a Metilenodioxi-N-Metanfetamina era apenas uma nota de rodapé farmacológica, de aplicação desprezada pela ciência. Sasha tratou de criar uma nova síntese para o tal MDMA. Ou como você, os cibermanos, os playboys, a sua mãe e o Datena conhecem muito bem: ecstasy. A molécula mudou a cultura, salvou e danou a vida de muita gente. E, sem medo de errar, foram comprimidos dela que forneceram energia e motivação para a fundação do Burning Man. Comprimidos de ecstasy que ajudavam a deixar milhares por ali alheios a quem era aquele velhinho de bengala sentado no meio da esbórnia.

Para mim, a esbórnia no deserto estava abortada. Queria aproveitar ao máximo a sorte de conhecer o homem. Meu fascínio por Sasha não é, de longe, devido ao ecstasy. Veio da leitura de Pihkal, uma química história de amor, seu livro de 1991, escrito com Ann Shulgin, sua esposa. Nessa obra, crucial para qualquer um que quer entender drogas como algo mais sutil do que o sempre alucinado senso comum, é descrito como Ann e Sasha percorreram sua vida até se encontrarem.

E de como a história de amor dos dois se confunde com a maior exploração psicofarmacológica da história. Como Sasha, Ann e uma seleta turma percorreram décadas investigando compostos que Sasha criava no laboratório dos fundos de sua casa. Testava primeiro em si, depois com sua mulher, depois com alguns seus amigos. E de como esse trabalho foi expandindo, em salas de psicoterapia pela Califórnia, as possibilidades dos exóticos e recém-nascidos compostos. Esse é o enredo que ocupa a primeira parte do livro e introduz a segunda, em que a síntese, a molécula, a dose e os comentários sobre os efeitos de cada uma das substâncias são descritos com humor e elegância. Mescalina e MDMA fazem parte dela. LSD, Psilocibina e DMT pertencem às triptaminas, família descrita da mesma forma.

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Eu só queria ficar perto e saber o que se passa, hoje em dia, na cabeça desse verdadeiro astronauta do espaço interior. Tenso, domando minha reverência, peço licença e sento do seu lado. Me apresento, explicando que conhecê-lo era um objetivo antigo. Sasha vira em minha direção e não estende a mão. Apenas o mindinho:
– Puxa meu dedo... – pede com uma octogenária cara de garoto.

Foi assim, com uma velhíssima piada de peido, que começamos nossa primeira conversa à sombra de seu trailer. Me contou que estava praticamente cego, portanto não poderia saber que rosto tenho. Era o segundo sentido que ia embora. O primeiro, há muitos anos, foi o olfato, vítima de décadas de laboratório e seus mal ventilados vapores. A vantagem de não ter um nariz sensível, explica o PhD, é que ele se divertia soltando silenciosos peidos em locais fechados para identificar o aroma apenas pelo rosto das pessoas. “Hahahaha. Eu gosto”, desabafa, logo explicando por que CH4, o metano (vulgo peido), cheira mal e que a literatura química tem diversas falhas na descrição dos hidrocarbonetos e seus estranhos perfumes.

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Com a inseparável parceira no amor e palestras, Ann Shulgin, Sasha fala no Burning Man.


Passei uma semana inteira no deserto. E evidente que apenas pequena parte dela gasta com Sasha. Mas sempre apreciava vê-lo caminhar só, e cego, sob o sol e o olhar jocoso de gente que não tinha a menor ideia de quem era aquele idoso de chapéu e camisa de turista. Lembro com gosto de uma cena que me disse muito de quem ele é: foi durante o Burning Man que Obama subiu ao palco da convenção democrata em Denver para aceitar a indicação do partido à candidatura para a Casa Branca. Ann Shulgin, sua esposa, sentada comovida, radinho ao pé do ouvido, pedindo silêncio aos convivas, escutando Obama discursar e prometer uma América mais justa. Sasha estava ao lado dela, mas totalmente alheio, fazendo questão de não ouvir, batucando levemente na bengala, cantarolando baixinho uma velha canção.

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Jardim de cactos psicoativos na casa onde vivem


Sasha não acredita ou se interessa por política. Nem revoltado fica. Simplesmente prefere gastar seu humor com... humor. Não acredita nem por um segundo que a política, e o que ela sempre foi, é amiga da liberdade. E para Sasha liberdade tem mais a ver com velhas canções do que com comícios abarrotados. Na primeira vez que o visitei em sua casa, algumas semanas depois do Burning Man, perguntei a ele por que não se importava com política.

“Não gosto. Prefiro que eles fiquem lá e eu aqui. Não faço nada ilegal e eles não vêm aqui ver se estou fazendo nada ilegal. Para mim é um bom acordo.” Ele se refere nas entrelinhas ao dia em que o DEA, a polícia antidrogas corrupta (há alguma honesta?) americana, invadiu seu laboratório em 1994. Ele tinha autorização do mesmo DEA, desde os anos 60, para a posse e fabricação de uma série de drogas proibidas. Mas a publicação de Pihkal bateu como uma provocação intolerável aos federais. Se para mim o livro é uma ode à liberdade e à ciência de exploração da mente, para a polícia era um livro de receita para fabricantes de drogas. E de fato é: depois de Pihkal uma enxurrada de novas drogas das mais variadas potências e nuances chegou às ruas. E o governo teve que entrar em uma longa estrada de mais proibicionismo e controle.

Hoje, ele diz, “ninguém se atreve a vir atrás de mim, me processar. Eles sabem que eu estou louco para ir a um tribunal. Eles sabem que eles estão errados e eu posso provar”. Encerra a frase, claro, com um sorriso, e continua contando de suas aventuras no Brasil, quando, convidado por gente ligada ao governo federal nos anos 80, foi apresentado a um laboratório de MDMA funcionando em um hospital de Niterói. Segredo, claro, de gente influente que adorava tomar ecstasy em reuniões de sexta-feira. E estavam, por baixo dos panos, tentando iniciar os mesmos estudos psicodélicos e psicológicos que Sasha e Ann tocavam na Califórnia.

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O repórter da Trip e Sasha entre trocadilhos infames no Burning Man


Naquela primeira visita ele me convidou para conhecer o laboratório. Uma pequena construção separada da casa, depois de uma estreita ponte de metal e de um bagunçado jardim de cactos. É deles que saíram as moléculas básicas (mescalina e outras) para a derivação das feniletilaminas. Daqueles cactos singelos nasceram o ecstasy, o STP, o 2C-B... O laboratório em si é um cenário, a toca do alquimista. Cheio de potinhos rotulados à mão em estantes de madeira, cada uma de um tamanho, cada pote de uma cor. Tubos e espirais e canos e balões e béqueres e toda a sorte de parafernálias que um leigo, como nós, enxerga como paisagem. O cheiro, que Sasha já não sente, um tanto cáustico e ao mesmo tempo agradável. Sobre a lareira, a lousa carrega uma molécula desenhada e a ordem: ME FAÇA.


Shulgin Road

Visitei Sasha outras vezes. Sempre que pude. Uma delas na Páscoa, quando anualmente oferece uma festa aos amigos. Gente dos EUA todo vem, gratos pelo convite e ansiosos pelos encontros. Desde os anos 60 Sasha gosta de reunir gente. É sua grande alquimia, no fundo. Pela propriedade da Shulgin Road (é o único morador da rua que sai de uma freeway) está espalhada gente de todo tipo. Velhos psicólogos entusiastas da psicodelia, antigos agentes do DEA aposentados, jovens químicos, programadores de software da velha guarda, médicos, especialistas em sonhos, ativistas antiproibição e toda a variada e excitante fauna humana que antes de colocar qualquer coisa na boca, ou na veia, estuda bem do que se trata. Nesse dia, Sasha vira um poço onde os outros despejam amor. Todos com um abraço e palavras tenras ao bom doutor. E, nos olhos de todos, a leve melancolia de notar o dono da festa no ocaso da vida. Ele também sabe disso. E parece não se importar.

Na última vez que o visitei, para uma entrevista formal e as fotos que estão nesta reportagem, Sasha fizera 84 anos no dia anterior. O bolo ainda estava na mesa, e pude provar um pedaço. Mas a ocasião era ainda mais solene. Sasha estava ditando o finalzinho do seu último e definitivo livro: o Shulgin Index, um monstro de quase 2 mil páginas, sua obra magna que vai dar à famarcologia, receita, efeitos e cada referência anotada de todas as feniletilaminas psicoativas que Sasha criou ou, simplesmente, cuidou de catalogar. E anunciou que, mesmo cego, agora munido de um assistente que lhe servirá como um par de olhos, pretende voltar ao laboratório para criar mais drogas no tempo que lhe resta nesta trip na Terra.

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Sasha tranca seu lendário e mágico laboratório


Em nosso último encontro ele estava mais aéreo, perdendo um pouco da lucidez imaculada em décadas de drogas das mais exóticas. Para mim foi duro vê-lo se confundir no meio de uma resposta ou entrar em longas digressões para nunca mais voltar. O que não perde, nem por um segundo, é o humor. Insiste na piada, nos trocadilhos, mesmo quando diz que vê o mundo indo irreversivelmente para um estado fascista. Ou quando fala de como se esqueceu de quem eu era quando solicitei a entrevista. Ou de como as pessoas usam drogas sem critério. Ou de como sabe que a morte está chegando porque começou a ter memórias vívidas da sua mais antiga infância, 2 ou 3 anos de idade.

Explico a ele que a entrevista deve entrar em uma edição sobre o tema prazer. Sasha dá uma risada. O que é prazer para você, então?

“O que é prazer? Hummm, boa pergunta. Porque é algo que vai muito além de um fenômeno cerebral, me parece. E que só pode ser respondido em bases muito subjetivas. Para mim tem necessariamente a ver com a relação com outra pessoa, em criar um elo com outro ser humano ou criatura. E eu estou largamente do lado de quem se dedica a dar prazer aos outros. Tá aí o meu prazer, sabe? Interagir com pessoas. Estou adorando conversar contigo. Adoro prestar atenção ao que você diz, pegar as pequenas variações com as palavras e brincar com elas. Por exemplo: você gosta de palíndromos?”

Eu? Gosto muito... por quê?

(E começa a citar, de cabeça, séries de palíndromos e rir sem parar.) “Porque palíndromos te pegam desprevenidos! Tem aquele mistério delicioso de contemplar. Você não entende como pode ser, de onde vem! Ele é uma frase que é igual de trás pra frente, meu Deus. Qualquer um com sensibilidade para isso fica chocado quando repara.”

Que nem a vida.

“Exatamente. Não é demais?”

E foi assim que me despedi de Sasha, com a melhor lição que poderia ter do profeta. Encontrá-lo no deserto teve o delicioso mistério, não entendia como aconteceu, como podia ser, de onde veio. Algo que mais tarde eu descobri que pode ser lido olhando do passado para o futuro e vice-versa. Totalmente desprevenido. E que, no fundo, estranhamente, esse palíndromo solto no tempo se estende por toda a vida, nas lembranças infantis que retornam nos anciões, nas voltas de uma trip de LSD ou na rotina de um agente do DEA. A lição de Sasha era o inefável sorrisão aberto – a fatal conclusão de que, se a vida tem algum senso, é o senso de humor.
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boas reportagens,principalmente a segunda,que mostra mais ele como pessoas.Porem como ja ressaltou mestrepirr creio na natureza, creio que os enteogenos naturais tem uma entidade traz, que noz ensina. Não acredito na expansao da conciencia por drogas sintetizadas.
 
Sim, parece ser uma figura ímpar. Pena que está indo embora.

Mas essa discussão sintético versus natural é outra que não quero levantar aqui.

Um abraço,
 
Gostei da leitura o simples homem do deserto. Algum de vocês já leu o livro citado?
 
Bacanas aas matérias e esse cara realmente é um gênio.
MAS o que ele deve pensar quando vê suas invenções se tornarem simplesmente a moda do verão pros zédroguinha da vida. A droga da rave, etc.
Cápsula de vento, ecstasy, pra mim soa como cola de sapateiro.
 
Bacanas aas matérias e esse cara realmente é um gênio.
MAS o que ele deve pensar quando vê suas invenções se tornarem simplesmente a moda do verão pros zédroguinha da vida. A droga da rave, etc.
Cápsula de vento, ecstasy, pra mim soa como cola de sapateiro.
O que ele deve pensar, quando os outros pensam o que ele deve pensar?
 
gostei também , e ele vai deixar um ótimo legado àqueles repressores que sintetizam drogas em laboratórios aristocratas , ao melhor estilo "pimenta no prato dos outros é refresco" . Os verdadeiros naguais têm tanta fé na perpetuação do conhecimento que nunca escrevem . Agradecendo pela informação , mesmo , gostei da matéria .
 
Mas penso eu que a justificativa é boa, afinal perdemos um dos grandes.



Desde o ano passado ele não estava bem. Que descanse em paz.
 
Alexander Shulgin morreu, o "Padrinho do ecstasy", e pioneiro farmacologista dos psicodélicos faleceu aos 88 anos.

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Alexander “Sasha” Shulgin, o pioneiro farmacologista que introduziu o MDMA aos psicologistas em 1970, faleceu aos 88 anos depois de uma batalha contra câncer de fígado.
Shulgin ficou famoso por ter sintetizado e testado mais de 200 substâncias psicodélicas.

Ele ganhou o título, o "padrinho do ecstasy", após o desenvolvimento de um novo método de síntese para o MDMA - a mais pura forma disponível de ecstasy - em 1976. Ele passou para o amigo terapeuta Leo Zeff, que começou a usar os efeitos da substância sobre os estados emocionais de indivíduos durante as sessões com seus clientes.

Pouco depois de sua introdução, o ecstasy invadiu o cenário, infiltrando-se a cultura club em Nova York e Chicago, e batendo nas costas de Ibiza, antes de finalmente desembarcar no Reino Unido.

A primeira molécula psicoativa que ele inventou para a marca farmacêutica The Dow Chemical Company era uma anfetamina ligeiramente mais suave do que LSD, que foi vendido a quilos para gangues de motociclistas por um químico em Nova York, por causa dos potentes efeitos psicodélicos da droga.

No entanto, a relação de Shulgin com a Dow Chemical deteriorou-se após a origem da droga foi identificada, por isso ele se separou da empresa em 1965, e criou o seu próprio laboratório em casa, em Berkley, Califórnia, para se concentrar na sua investigação puramente em substâncias psicodélicas.

O Hamilton Morris da revista Vice se reuniu com Shulgin e sua esposa, química pesquisadora Ann Shulgin, em sua casa em San Francisco para uma entrevista em 2010.



"Praticamente todas as drogas psicodélica conhecidas vieram de sua casa", disse ele, descrevendo-se como um "fã pessoal" do "avô do ecstasy".

Shulgin, que também publicou TiHkal (Tryptamines I Have Known And Loved) e PiHKAL (Phenethylamines I Have Known And Loved) com sua esposa, morreu tranquilamente em seu sono rodeado por amigos e familiares.

"No clima legal de hoje, não há nenhuma maneira" que Shulgin poderia reproduzir o seu trabalho da década de 1960, Morris continuou. "Nunca haverá outro Alexander Shulgin."

Fonte: http://www.independent.co.uk/news/p...ring-pharmacologist-dies-aged-88-9478223.html

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Sasha se foi fisicamente, mas para alguns ele continua mais vivo do que nunca. O impacto de seu trabalho, junto com Hoffman e outros foram inestimáveis, e certamente ainda há muito para se revelar.

Uma vez que nós nos familiarizar com o potencial que se encontra em substâncias psicoativas, e sermos capazes de domá-las, vamos olhar para trás, neste dia, e vê-lo como uma idade das trevas.

Acredito que nós provavelmente tínhamos uma relação mais madura com os psicodélicos quando éramos homens das cavernas.

"How long will this last, this delicious feeling of being alive, of having penetrated the veil which hides beauty and the wonders of celestial vistas? It doesn't matter, as there can be nothing but gratitude for even a glimpse of what exists for those who can become open to it." ― Alexander Shulgin, Pihkal: A Chemical Love Story
 
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