- 03/08/2007
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A liberação do uso de drogas no Brasil
Necessidade ou temeridade?
O filme Tropa de Elite tem gerado discussões e falácias. Uma delas se refere ao pseudo-ineditismo dos que surgem propondo a liberação do uso de drogas. Ora, em outubro de 2006, fui entrevistado por uma equipe do informativo da UFF/RJ (AFASTA DE MIM ESTE CALE-SE), e na ocasião gravei duas frases: a) “Eu sou favorável à descriminalização total do uso da droga, para mim o uso da droga não devia ser crime.”; b) "Há hoje um percentual de viciados na sociedade e dentro do aparelho policial também. Eu presumo que um considerável percentual da tropa use drogas.” Na verdade, cheguei até a especular um percentual, talvez uma temeridade, mas é o que ouço à boca pequena no meio policial-militar, especialmente em vista do excessivo consumo de álcool entre os PMs.
É fácil verificar: basta entrar no Google grafando “coronel Emir Larangeira”. Lá está resumida a minha opinião forjada em reflexões e ações que encetei contra o tráfico em favelas, pelos idos de 1989, na Zona Norte do Rio. Quem conhecer minha modesta obra literária (www.emirlarangeira.com.br) concluirá que falo com a autoridade de quem prendeu o mais famoso traficante daqueles tempos (Cy de Acari). Ele faturava em média um milhão de dólares de dez em dez dias e mantinha estupenda indústria de processamento de drogas na favela, empregando idosos e crianças às centenas.
Quando eu comentava sobre esses valores, os jornalistas duvidavam de mim. Enfim, montei uma operação policial, numa sexta-feira, em apenas uma rua no interior da favela (Rua Piracambu), com duração de uma hora. Foram detidos, nesse tempo cronometrado pelo Jornal O DIA, 250 viciados. Se ficássemos um pouco mais, nem sei, os viciados vinham de enxurrada. Relato o fato em livro disponível no meu site (Cavalos Corredores – a verdadeira história). Aliás, na contramão da afirmação de que os “rapazes de classe média” sustentam o tráfico nas favelas, só se agora é assim, pois naqueles idos em que detive os viciados, todos, sem exceção, eram pobres; como se dizia na gíria: pés-de-chinelo. E assim era alimentada a famigerada “robauto”, que funcionava impunemente nas imediações da favela de Acari, local o­nde se vendia de parafusos a automóveis geralmente furtados e/ou roubados e utilizados como moeda de troca pelos consumidores de maconha e cocaína.
A verdade é que, comparando o potencial repressor dos EUA com o nosso, por exemplo, estamos 200 anos atrasados em relação ao Tio Sam. Sabemos, portanto, que nenhum poder financeiro acabará com o tráfico; fomenta-o, isto sim. Sabemos que a droga apreendida no Brasil não passa de um mínimo em relação ao todo que segue ao consumo local e internacional. Somos rota segura e bons consumidores.
Sobre o assunto eu poderia muito mais escrever, porém me prendo tão-somente ao fato de que a repressão jamais erradicará de nosso orbe o tráfico de drogas e de armas (um alimenta o outro e vice-versa), sendo certo que os países fabricantes de armas dependem sobremodo do tráfico para sustentar esse outro ignominioso comércio. As guerras não são suficientes para atender à insanidade dos fabricantes de material bélico.
Sejamos realistas. Por acaso a droga proibida é menos danosa à saúde que o álcool ou o cigarro?... Que manancial de drogas existe à disposição dos usuários? Quem são eles?... Esta última indagação é meu apoio para a defesa da descriminalização do uso de drogas: não se pode cuidar de um problema sem o conhecer em extensão e profundidade. Proibir o uso da droga é empurrar para o submundo do crime toda a verdade contida no consumo, único caminho para resgatar os usuários. Pois a prisão de traficantes não conduz a solução nenhuma. Tal afirmação me faz lembrar do tempo em que a lança-perfume era liberada. Alcancei esses tempos dos carnavais regados a lança-perfume, que era espirrada nas costas das meninas e cheirada à larga. Somente no carnaval, pois a cultura do seu uso limitava-se ao período momesco. Mas hoje, criminalizada, circula no submundo o ano todo. Enfim, primeiro a proibição e depois o pecado...
Outro exemplo marcante resume-se na “lei seca” norte-americana. Durante 13 anos, 11 meses e 24 dias os americanos se encharcaram de bebidas contrabandeadas ou clandestinamente fabricadas por mafiosos. Jamais se bebeu tanto nesse período iniciado em 1920 por conta da 18ª Emenda à Constituição daquele país; jamais o crime faturou tanto como nesse período de proibição; jamais morreram tantos americanos envenenados por bebidas ruins.
Ora!... Essa idéia, decorrente do filme Tropa de Elite, de que o usuário fomenta o tráfico, faz-me lembrar outras falácias retumbantes: o favelado é culpado por existirem as favelas, o miserável é culpado pela miséria, os doentes sem eira nem beira são culpados pela falência do sistema estatal de saúde e por aí se vão avolumando os silogismos erísticos.
Contudo, devo evidenciar que minha opinião sobre a liberação do uso de drogas não se reduz a um anárquico “libera geral”. Penso que o tema deva ser discutido com seriedade e transparência, e que as medidas propostas garantam o fim do tráfico nas favelas como também em quaisquer outros lugares. Mas como a favela “vendedora de drogas para mauricinhos e patricinhas” é o foco primordial do filme, devemos então bradar: “Chega de principado do crime!” Pois a reconquista da liberdade do povo humilde justifica qualquer medida governamental e societária no sentido de erradicar o Poder Paralelo do tráfico. Mas de uma coisa eu tenho certeza: repressão policial jamais acabará com o tráfico, nem na favela, nem no asfalto, nem aqui, nem algures.
Emir Larangeira
Escritor
Fonte:
http://www.queronoticia.com.br/artigos.php
http://minhanoticia.ig.com.br/materias/468501-469000/468862/468862_1.html
Necessidade ou temeridade?
O filme Tropa de Elite tem gerado discussões e falácias. Uma delas se refere ao pseudo-ineditismo dos que surgem propondo a liberação do uso de drogas. Ora, em outubro de 2006, fui entrevistado por uma equipe do informativo da UFF/RJ (AFASTA DE MIM ESTE CALE-SE), e na ocasião gravei duas frases: a) “Eu sou favorável à descriminalização total do uso da droga, para mim o uso da droga não devia ser crime.”; b) "Há hoje um percentual de viciados na sociedade e dentro do aparelho policial também. Eu presumo que um considerável percentual da tropa use drogas.” Na verdade, cheguei até a especular um percentual, talvez uma temeridade, mas é o que ouço à boca pequena no meio policial-militar, especialmente em vista do excessivo consumo de álcool entre os PMs.
É fácil verificar: basta entrar no Google grafando “coronel Emir Larangeira”. Lá está resumida a minha opinião forjada em reflexões e ações que encetei contra o tráfico em favelas, pelos idos de 1989, na Zona Norte do Rio. Quem conhecer minha modesta obra literária (www.emirlarangeira.com.br) concluirá que falo com a autoridade de quem prendeu o mais famoso traficante daqueles tempos (Cy de Acari). Ele faturava em média um milhão de dólares de dez em dez dias e mantinha estupenda indústria de processamento de drogas na favela, empregando idosos e crianças às centenas.
Quando eu comentava sobre esses valores, os jornalistas duvidavam de mim. Enfim, montei uma operação policial, numa sexta-feira, em apenas uma rua no interior da favela (Rua Piracambu), com duração de uma hora. Foram detidos, nesse tempo cronometrado pelo Jornal O DIA, 250 viciados. Se ficássemos um pouco mais, nem sei, os viciados vinham de enxurrada. Relato o fato em livro disponível no meu site (Cavalos Corredores – a verdadeira história). Aliás, na contramão da afirmação de que os “rapazes de classe média” sustentam o tráfico nas favelas, só se agora é assim, pois naqueles idos em que detive os viciados, todos, sem exceção, eram pobres; como se dizia na gíria: pés-de-chinelo. E assim era alimentada a famigerada “robauto”, que funcionava impunemente nas imediações da favela de Acari, local o­nde se vendia de parafusos a automóveis geralmente furtados e/ou roubados e utilizados como moeda de troca pelos consumidores de maconha e cocaína.
A verdade é que, comparando o potencial repressor dos EUA com o nosso, por exemplo, estamos 200 anos atrasados em relação ao Tio Sam. Sabemos, portanto, que nenhum poder financeiro acabará com o tráfico; fomenta-o, isto sim. Sabemos que a droga apreendida no Brasil não passa de um mínimo em relação ao todo que segue ao consumo local e internacional. Somos rota segura e bons consumidores.
Sobre o assunto eu poderia muito mais escrever, porém me prendo tão-somente ao fato de que a repressão jamais erradicará de nosso orbe o tráfico de drogas e de armas (um alimenta o outro e vice-versa), sendo certo que os países fabricantes de armas dependem sobremodo do tráfico para sustentar esse outro ignominioso comércio. As guerras não são suficientes para atender à insanidade dos fabricantes de material bélico.
Sejamos realistas. Por acaso a droga proibida é menos danosa à saúde que o álcool ou o cigarro?... Que manancial de drogas existe à disposição dos usuários? Quem são eles?... Esta última indagação é meu apoio para a defesa da descriminalização do uso de drogas: não se pode cuidar de um problema sem o conhecer em extensão e profundidade. Proibir o uso da droga é empurrar para o submundo do crime toda a verdade contida no consumo, único caminho para resgatar os usuários. Pois a prisão de traficantes não conduz a solução nenhuma. Tal afirmação me faz lembrar do tempo em que a lança-perfume era liberada. Alcancei esses tempos dos carnavais regados a lança-perfume, que era espirrada nas costas das meninas e cheirada à larga. Somente no carnaval, pois a cultura do seu uso limitava-se ao período momesco. Mas hoje, criminalizada, circula no submundo o ano todo. Enfim, primeiro a proibição e depois o pecado...
Outro exemplo marcante resume-se na “lei seca” norte-americana. Durante 13 anos, 11 meses e 24 dias os americanos se encharcaram de bebidas contrabandeadas ou clandestinamente fabricadas por mafiosos. Jamais se bebeu tanto nesse período iniciado em 1920 por conta da 18ª Emenda à Constituição daquele país; jamais o crime faturou tanto como nesse período de proibição; jamais morreram tantos americanos envenenados por bebidas ruins.
Ora!... Essa idéia, decorrente do filme Tropa de Elite, de que o usuário fomenta o tráfico, faz-me lembrar outras falácias retumbantes: o favelado é culpado por existirem as favelas, o miserável é culpado pela miséria, os doentes sem eira nem beira são culpados pela falência do sistema estatal de saúde e por aí se vão avolumando os silogismos erísticos.
Contudo, devo evidenciar que minha opinião sobre a liberação do uso de drogas não se reduz a um anárquico “libera geral”. Penso que o tema deva ser discutido com seriedade e transparência, e que as medidas propostas garantam o fim do tráfico nas favelas como também em quaisquer outros lugares. Mas como a favela “vendedora de drogas para mauricinhos e patricinhas” é o foco primordial do filme, devemos então bradar: “Chega de principado do crime!” Pois a reconquista da liberdade do povo humilde justifica qualquer medida governamental e societária no sentido de erradicar o Poder Paralelo do tráfico. Mas de uma coisa eu tenho certeza: repressão policial jamais acabará com o tráfico, nem na favela, nem no asfalto, nem aqui, nem algures.
Emir Larangeira
Escritor
Fonte:
http://www.queronoticia.com.br/artigos.php
http://minhanoticia.ig.com.br/materias/468501-469000/468862/468862_1.html