- 24/06/2018
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Bom dia, boa tarde, boa noite.
Segue o relato da última experiência que tive com os cogumelos, para registro e para, quem sabe, trazer reflexões a quem se interessar
Porque
Não existe uma resposta exata do que me levou aos cogumelos dessa vez, até porque, provavelmente, tem um componente do meu habitual comportamento impulsivo. Mas pensei em fazer essa trip motivado por uma sensação de incompletude, de que havia algo a mais que eu poderia obter desse período de 1 mês em que fiquei em São Paulo e, acima disso, da minha vida até agora. Além do mais, as próprias circunstâncias facilitaram — estava sozinho, em um ambiente calmo, seguro e controlado, e tive acesso fácil, rápido e, relativamente, barato aos cogumelos pela internet.
Sabendo que teria uma experiência marcante, pelo potencial alucinógeno dos cogumelos e pelas experiências anteriores, resolvi entrar em contato com esse estado alterado de consciência, objetivando, inicialmente, respostas para algumas inquietações — como enfrentar a mim mesmo, amadurecer do ponto de vista psíquico, evitar automatismos, buscar sentido para a vida comum, ter uma relação mais saudável com as drogas de consumo recorrente (nicotina, maconha), sobre as quais venho tendo dificuldade de ter controle e de conciliar com minha rotina de trabalho e estudos. No entanto, com o desenrolar da trip, o objetivo passou a ser apenas sentir, me reduzir ao todo, me ver não como um, mas como parte, e perceber que existe muito além das barreiras da minha percepção.
O que aconteceu
Depois de uma sexta-feira de trabalho, enfim cheguei ao Airbnb, arrumei algumas coisas (do apartamento e dos estudos) e fui à academia do condomínio para uma corrida interna. Depois de voltar e jantar, preparei um suco de tangerina com 3g dos cogumelos desidratados e triturados (Psilocybe cubensis Albino envy). Bebi, tomei um banho quente e me despedi, por mensagem, da minha namorada, que estava indo dormir. Já passava das 23h quando os efeitos iniciaram — primeiro, as cores ficaram mais intensas, os sons, mais complexos e a consciência mais vívida. Fiquei deitado na cama, no escuro, ouvindo jazz instrumental, até cair no sono. Acordei às 8h com uma chamada de vídeo da minha namorada. E foi muito bom perceber que eu estava acordado, de volta ao funcionamento normal da minha mente e, principalmente, em contato com meu amor (apesar da distância física).
O que senti
Em um primeiro momento, os efeitos de distorção das percepções sem uma perturbação total da consciência trouxeram uma ideia de arrependimento, já que eu estava longe da minha namorada, não tinha avisado a ela sobre a trip e estava preocupado com as dores de que ela havia se queixado. Esse início também me fez questionar se a experiência realmente seria interessante ou se eu apenas ficaria alucinando sem rumo, sem propósito, desconfortável (devido à náusea e às incertezas do que estava por vir).
Eu pedia respostas, mas, aos poucos, foi ficando cada vez mais difícil manter uma linha de raciocínio; os pensamentos eram interrompidos por novas ideias, com um processamento acelerado, interrompido, fragmentado. E, então, decidi abrir mão do controle da racionalidade e me entreguei àquela distorção não só dos sentidos, como também — e, principalmente — da consciência. O que até então era certeza se diluiu; o espaço, o tempo e a ideação egoica deram espaço a uma sensação de pertencimento a algo maior, completo por si só, integrado à natureza, ao universo, a tudo.
A certeza da minha individualidade se dissolveu junto às ilusões dos prazeres individuais, de invencibilidade (à frustração, às doenças, à morte), de autonomia absoluta, de superioridade humana. Na verdade, o nada tornou-se tudo e pertencer ao todo me pareceu depender da percepção de que não existem limites entre o eu, o outro e o mundo.
Fui sendo tomado por um sentimento de insignificância. Viver não fazia mais sentido; pelo menos não da forma limitada como sou habituado a normalizar. Basear meu comportamento e meus objetivos no julgamento alheio, restringir minhas pretensões à manutenção do ideal do eu, buscar atingir ideais capitalistas de produtividade, priorizar tanta coisa que não é importante… Nunca me pareceu tão medíocre continuar levando uma vida baseada na satisfação puramente individual.
Fiquei profundamente emocionado com a saudade que estava da minha namorada e com a decepção que provoquei nela recentemente (por não ouví-la, não apoiá-la em algumas decisões, não priorizá-la em determinadas situações, não ter cumprido com alguns acordos). A possibilidade de perdê-la, por conta de minha própria imaturidade, me fez alucinar. Imaginei que a vida dependia do que eu queria que ela fosse; imaginei, inclusive, que poderia voltar para o Rio de Janeiro naquele mesmo momento, com a própria mente, de tanto que eu queria encontrar e me unir à minha namorada.
Mas, no fundo, sabia que, apesar das minhas vontades, existe uma grande diferença entre o que é desejado e o que é real. Ficou claro que cabe apenas ao outro a decisão sobre como viver sua vida, independente da opinião alheia, de dogmas, da moralidade imposta, de qualquer certeza absoluta.
O sono foi chegando devagar e, sem perceber, dormi. Não lembro de ter sonhado; suponho que, mais um vez, meu sono foi fragmentado e de baixa qualidade por conta dos cigarros que havia fumado mais cedo. De qualquer forma, pela manhã, minha namorada me ligou; vê-la bem logo ao acordar, já com minha consciência retomada, foi tão mágico quanto a trip. Percebi que o amor talvez seja o todo ao qual todos nós estamos conectados.
O que aprendi
Percebi o quanto eu valorizo, inconscientemente, a opinião das outras pessoas sobre mim. Vi o quanto eu estou preso à minha projeção nos outros, o quanto me preocupo, o quanto me limito. Talvez por um mecanismo de defesa — pelo medo irracional de provocar frustração, de não ser valorizado e, em última análise, de não ser amado. Mas por que viver em função dessa aceitação externa se o amor que sinto por tanta coisa já é completo por si só? Esse sentimento é o que deve me mover porque é o que me conecta ao propósito, ao essencial, ao que realmente vale a pena.
Muito mais importante do que conquistas, destaques individuais e bens materiais, uma vida de propósito talvez seja buscar liberdade e autenticidade; respeitar a si mesmo, se entender e se enfrentar; recuperar ou encontrar significados. Acima de tudo, a vida talvez seja perceber, sentir, valorizar e fazer parte do amor que nos cerca e nos preenche.
Mais uma vez, não encontrei as respostas que tanto ansiava (na verdade, não acho que isso seja possível). Ainda assim, a trip foi uma experiência que me trouxe mais substrato pra tentar buscar sentido nessa vida. Deixo aqui meus sinceros agradecimentos pela oportunidade (e pelos cogumelos!).
Segue o relato da última experiência que tive com os cogumelos, para registro e para, quem sabe, trazer reflexões a quem se interessar
Porque
Não existe uma resposta exata do que me levou aos cogumelos dessa vez, até porque, provavelmente, tem um componente do meu habitual comportamento impulsivo. Mas pensei em fazer essa trip motivado por uma sensação de incompletude, de que havia algo a mais que eu poderia obter desse período de 1 mês em que fiquei em São Paulo e, acima disso, da minha vida até agora. Além do mais, as próprias circunstâncias facilitaram — estava sozinho, em um ambiente calmo, seguro e controlado, e tive acesso fácil, rápido e, relativamente, barato aos cogumelos pela internet.
Sabendo que teria uma experiência marcante, pelo potencial alucinógeno dos cogumelos e pelas experiências anteriores, resolvi entrar em contato com esse estado alterado de consciência, objetivando, inicialmente, respostas para algumas inquietações — como enfrentar a mim mesmo, amadurecer do ponto de vista psíquico, evitar automatismos, buscar sentido para a vida comum, ter uma relação mais saudável com as drogas de consumo recorrente (nicotina, maconha), sobre as quais venho tendo dificuldade de ter controle e de conciliar com minha rotina de trabalho e estudos. No entanto, com o desenrolar da trip, o objetivo passou a ser apenas sentir, me reduzir ao todo, me ver não como um, mas como parte, e perceber que existe muito além das barreiras da minha percepção.
O que aconteceu
Depois de uma sexta-feira de trabalho, enfim cheguei ao Airbnb, arrumei algumas coisas (do apartamento e dos estudos) e fui à academia do condomínio para uma corrida interna. Depois de voltar e jantar, preparei um suco de tangerina com 3g dos cogumelos desidratados e triturados (Psilocybe cubensis Albino envy). Bebi, tomei um banho quente e me despedi, por mensagem, da minha namorada, que estava indo dormir. Já passava das 23h quando os efeitos iniciaram — primeiro, as cores ficaram mais intensas, os sons, mais complexos e a consciência mais vívida. Fiquei deitado na cama, no escuro, ouvindo jazz instrumental, até cair no sono. Acordei às 8h com uma chamada de vídeo da minha namorada. E foi muito bom perceber que eu estava acordado, de volta ao funcionamento normal da minha mente e, principalmente, em contato com meu amor (apesar da distância física).
O que senti
Em um primeiro momento, os efeitos de distorção das percepções sem uma perturbação total da consciência trouxeram uma ideia de arrependimento, já que eu estava longe da minha namorada, não tinha avisado a ela sobre a trip e estava preocupado com as dores de que ela havia se queixado. Esse início também me fez questionar se a experiência realmente seria interessante ou se eu apenas ficaria alucinando sem rumo, sem propósito, desconfortável (devido à náusea e às incertezas do que estava por vir).
Eu pedia respostas, mas, aos poucos, foi ficando cada vez mais difícil manter uma linha de raciocínio; os pensamentos eram interrompidos por novas ideias, com um processamento acelerado, interrompido, fragmentado. E, então, decidi abrir mão do controle da racionalidade e me entreguei àquela distorção não só dos sentidos, como também — e, principalmente — da consciência. O que até então era certeza se diluiu; o espaço, o tempo e a ideação egoica deram espaço a uma sensação de pertencimento a algo maior, completo por si só, integrado à natureza, ao universo, a tudo.
A certeza da minha individualidade se dissolveu junto às ilusões dos prazeres individuais, de invencibilidade (à frustração, às doenças, à morte), de autonomia absoluta, de superioridade humana. Na verdade, o nada tornou-se tudo e pertencer ao todo me pareceu depender da percepção de que não existem limites entre o eu, o outro e o mundo.
Fui sendo tomado por um sentimento de insignificância. Viver não fazia mais sentido; pelo menos não da forma limitada como sou habituado a normalizar. Basear meu comportamento e meus objetivos no julgamento alheio, restringir minhas pretensões à manutenção do ideal do eu, buscar atingir ideais capitalistas de produtividade, priorizar tanta coisa que não é importante… Nunca me pareceu tão medíocre continuar levando uma vida baseada na satisfação puramente individual.
Fiquei profundamente emocionado com a saudade que estava da minha namorada e com a decepção que provoquei nela recentemente (por não ouví-la, não apoiá-la em algumas decisões, não priorizá-la em determinadas situações, não ter cumprido com alguns acordos). A possibilidade de perdê-la, por conta de minha própria imaturidade, me fez alucinar. Imaginei que a vida dependia do que eu queria que ela fosse; imaginei, inclusive, que poderia voltar para o Rio de Janeiro naquele mesmo momento, com a própria mente, de tanto que eu queria encontrar e me unir à minha namorada.
Mas, no fundo, sabia que, apesar das minhas vontades, existe uma grande diferença entre o que é desejado e o que é real. Ficou claro que cabe apenas ao outro a decisão sobre como viver sua vida, independente da opinião alheia, de dogmas, da moralidade imposta, de qualquer certeza absoluta.
O sono foi chegando devagar e, sem perceber, dormi. Não lembro de ter sonhado; suponho que, mais um vez, meu sono foi fragmentado e de baixa qualidade por conta dos cigarros que havia fumado mais cedo. De qualquer forma, pela manhã, minha namorada me ligou; vê-la bem logo ao acordar, já com minha consciência retomada, foi tão mágico quanto a trip. Percebi que o amor talvez seja o todo ao qual todos nós estamos conectados.
O que aprendi
Percebi o quanto eu valorizo, inconscientemente, a opinião das outras pessoas sobre mim. Vi o quanto eu estou preso à minha projeção nos outros, o quanto me preocupo, o quanto me limito. Talvez por um mecanismo de defesa — pelo medo irracional de provocar frustração, de não ser valorizado e, em última análise, de não ser amado. Mas por que viver em função dessa aceitação externa se o amor que sinto por tanta coisa já é completo por si só? Esse sentimento é o que deve me mover porque é o que me conecta ao propósito, ao essencial, ao que realmente vale a pena.
Muito mais importante do que conquistas, destaques individuais e bens materiais, uma vida de propósito talvez seja buscar liberdade e autenticidade; respeitar a si mesmo, se entender e se enfrentar; recuperar ou encontrar significados. Acima de tudo, a vida talvez seja perceber, sentir, valorizar e fazer parte do amor que nos cerca e nos preenche.
Mais uma vez, não encontrei as respostas que tanto ansiava (na verdade, não acho que isso seja possível). Ainda assim, a trip foi uma experiência que me trouxe mais substrato pra tentar buscar sentido nessa vida. Deixo aqui meus sinceros agradecimentos pela oportunidade (e pelos cogumelos!).