Paraíso terrestre
Maio de 1963
México
- Olhe, doutor Leary, você é o que chamamos de
filósofo loco. Eu conversei com os mexicanos daqui e, pelo que me contaram, fiquei com vontade de tomar a sua droga.
Mas o seu erro é que você não é prático o bastante. Por exemplo, você cobra trezentos dólares por mês dos seus convidados. Meu amigo, qualquer pessoa no mundo quer o que você está oferecendo. Mas eles devem pagar um preço justo. Agora ouça uma coisa. Meu irmão é o governador do estado de Michoacan. Deixe que eles fechem o seu negócio aqui. Então, você vai até o meu Estado e abriremos dois, talvez três hotéis como este. Cobraremos o preço médio de um hotel de Acapulco: dois mil dólares por mês. Você tem algo contra ficar rico?
Pela primeira em dois dias senti uma fagulha de otimismo.
Quando cheguei na Cidade do México, telefonei para Dick em Cambridge. Era a primeira vez que conversávamos depois da expulsão de Harvard. Ele me disse que alguns amigos estavam a caminho da Cidade do México junto com um figurão mexicano de "costas quentíssimas", que garantiu poder dar um jeito de nos colocar de volta no país.
Passei o dia seguinte com meu advogado, achatando os nossos traseiros no escritório do ministro da Saúde, um cara pomposo que se gabava de seu treinamento na clínica Menninger. Tínhamos esperança de conseguir convencê-lo a voltar atrás com o pedido de deportação. Ele alegou se sentir insultado por acharmos que poderíamos nos dar bem com esse tipo de sacanagem em seu país.
Ressaltei as diversas vantagens de dar início à explosão de inteligência no México e transformar seu país na Suiça da América do Norte. Mas ele não caiu nessa. Tinha sido convencido, depois de várias conversas com autoridades americanas, de que eu era indesejável.
Já no jantar daquela noite, organizado por Jorge, eu me senti
mucho desejado. O governador de Michoacan enviara um alto funcionário para me encorajar a mudar para o seu Estado. Uma vez que ele já havia marcado um encontro com o presidente no dia seguinte, todos esperavam uma aprovação sem maiores problemas. O presidente devia muitos favores ao governador. Fizemos vários brindes a ciência e ao dinheiro que estavam por vir.
No dia seguinte, todavia, Jorge apareceu desolado em meu hotel. Não tinha dado certo. O próprio presidente estava tratando do problema, e não haveria nenhuma prorrogação para a minha expulsão. Ele recebera ligações pessoais do embaixador dos EUA, da CIA e de oficiais do Departamento de Justiça. Era impossível dar um jeito.
Quando voltei para o hotel, cheio de vibrações negativas, mais notícias deprimentes me aguardavam. Um dos hóspedes, Duane Marvy, um engenheiro de Boston, tinha tomado LSD e ainda não voltara da viajem, havia doze horas. Era a primeira vez que nos deparávamos com uma
bad trip prolongada. Encontrei-o sentado no pátio, mudo,sem reações, olhando fixamente para o céu. De vez em quando, punha-se de pé, de um salto, e tentava sair correndo, gritando que nós todos éramos comunistas e que ele nos deletaria para a CIA. Obviamente, pensei, a chegada da polícia contaminou a ambientação. Devíamos ter suspendido todas as sessões. Eu tinha esperança de que ele retornasse gradualmente até o dia seguinte, quando teríamos de ir embora.
Naquela noite, fizemos um jantar familiar de despedida, todos muito desanimados. Depois da sobremesa, o dr. Fred Payne, um psicólogo grisalho que acabara de chegar da Califórnia, implorou para fazer uma "viagem". Uma enfermeira de psiquiatria de Menlo Park e Jack Downing, o psiquiatra, ofereceram-se para serem seus guias. Eles insistiram tanto que , mesmo relutante, concordei.
Uma hora depois, enquanto eu estava sentado no pátio olhando a lua, um gorila de médio porte, mas com a pele macia de um humano, entrou nu, vagarosamente, pulou sobre uma mesa, bateu no peito, pulou para outra mesa, emitiu um rugido, e se lançou, rolando pelo parapeito, sobre os arbustos embaixo.
Um segundo depois, entrou o dr. Downing, correndo pela escada, seguido pela enfermeira, esbaforida.
- Por acaso você viu o dr. Payne passar por aqui? - perguntou a enfermeira com um certo constrangimento.
- Eu acabei de ver um homem-macaco de 85 quilos atravessar por ali. Vejam se conseguem acalmá-lo. Não fiquem brincando de pega-pega com ele, porque vocês não são páreo para um símio daquele tamanho.
Balançando-se entre as árvores, pulando sobre telhados, correndo para cima e para baixo, pelas escadas, dr. Payne proporcionou a eles uma alegre caçada. Quando os guias o cercaram na porta da cozinha, ele escalou uma calha e desapareceu no andar de cima. A enfermeira e o psiquiatra voltaram em busca de ajuda. Encontrei dr. Payne sentado numa escada de pedra, coberto de sangue proveniente de cortes e arranhões superficiais.
Ele chupava o dedão do pé alegremente.
- Ei, Fred, você está tendo uma viajem selvagem de
ácido, não é mesmo?
Ele me olhou com aquela curiosidade animal.
- Você ainda vai ficar viajando mais ou menos durante uma hora, para depois começar a se acalmar. Não precisa se preocupar. É apenas uma aventura selvagem e primitiva.
Ele projetou sua cabeça e farejou o ar com desconfiança.
- Que tal um cigarro, Fred? - Ofereci a ele um maço de Pall Mall.
Ele veio em minha direção. Entrei em pânico e rolei escada abaixo. Minha cabeça e meu cotovelo sangravam. Ele voltou atrás e correu de volta para o andar de cima.
Participei, então, de uma da cenas mais cretinas da minha vida. Formamos um grupo de seis homens, armados de travesseiros e cobertores. Um de nós carregava uma lona e uma corda. Jack Downing trazia uma seringa cheia de tranquilizante.
Finalmente avistamos o dr. Payne agachado na varanda, em frente ao seu próprio quarto. Sob o meu comando, os seis homens atacaram o pobre coitado com travesseiros. Ele lutou um pouco, mas conseguimos dominá-lo. Pensando melhor a respeito do que aconteceu, percebi que mais uma vez foram as pessoas do ambiente a causa do problema, e não o viajante. Dr. Payne não chegou a tocar em ninguém. Na verdade, cada movimento seu foi no sentido de evitar ser machucado, não de machucar. O único sangue derramado foi o dele mesmo e o meu, porque entrei em pânico.
Ele estava lúcido, mas bastante grogue na manhã seguinte. Dr. Downing concordou em acompanhá-lo até São Francisco.
- Precisamos conversar sobre isso algum dia - murmurou Payne, enquanto nós o levávamos para o aeroporto.