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“Quem és tu?” — minha primeira viagem com 3g de cogumelos (relato completo)

Panya

Hifa
Cadastrado
22/05/2020
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Minha primeira experiência aconteceu em Abril de 2018, 7 anos atrás, quando tinha 20 anos. Sim, é muito curioso que depois de tanto tempo, e tantas experiências (com macro e micro doses), eu queira só agora postar no fórum (talvez por que precise me lembrar ou acessar algo dessa memória).

Antes de decidir comer os cogumelos eu pesquisei muito, revirei a internet à procura de informações: relatos de viagens boas e ruins, dosagens, espécies, onde encontrar, etc. Encontrei um site confiável que algum amigo me indicou e fiz o pedido. Quando chegou eu fiz o possível pra não deixar ninguém da minha casa receber, para não haver a possibilidade de fazerem perguntas, apesar de vir de forma bem discreta.
Não me lembro que dia da semana era, provavelmente em um domingo, porquê sabia que no dia seguinte teria aula da faculdade que não era no meu campus, mas em um espaço diferente. Decidi tomar em casa, durante a madrugada e com meus pais e minha irmã 15 anos mais nova, com quem eu dividia o quarto, presentes. Eles estariam dormindo mas isso me dava uma certa segurança, porque o pior que podia acontecer era eu passar mal e acordar eles pra falar que estava viajando de cogumelos mágicos. Ninguém quer passar por isso certo? Então de um certo modo também foi um incentivo para que eu mantivesse a calma e o controle que fosse possível ter sobre toda a situação.

Estava ansiosa pra que todos fossem dormir pra que eu pudesse preparar o chá, modo pelo qual decidi ingerir. Esquentei a água, coloquei um outro chá que não me lembro o que era, coloquei os cogumelos que triturei com uma tesoura e deixei descansar um tempo. Estava um tanto eufórica e por isso na hora de adoçar o chá acabei colocando sal. É uma piada interna até hoje porque fiquei repetindo para mim mesma "tudo bem, já tomei várias vezes o caldo do miojo separado do macarrão, é a mesma coisa". E lá fui eu.

Planejei e deixei tudo arrumado: coberta gostosa, coisas gostosas para comer se desse fome, frutas, chocolate, água. Tomei o chá gole por gole, um atrás do outro, enquanto estava sentada no sofá, dando play em Alice no País das Maravilhas. Escolhi esse filme por ser algo que me trazia algum tipo de conforto e que pensei que seria divertido de assistir. Terminei de tomar o chá e o filme ainda estava nos créditos iniciais quando começou a fazer efeito.

A primeira coisa que senti foi um relaxamento imenso em todos os músculos. Mal conseguia segurar o controle da TV ou muito menos me manter sentada no sofá. Sabe quando sentamos em cima da perna e ela fica "dormente", e quando vamos mexer sentimos cócegas e uma sensação de TV chiando? Senti isso mas sem o chiado e a dormência, mas com a sensação de que cada milímetro de movimento que tentava fazer causava risos porque meus músculos não queriam fazer esforço algum. Ao mesmo tempo sentia esse relaxamento em ondas, como se cada batida do meu coração pulsasse o sangue pelo meu corpo trazendo o cogumelo para meu cérebro e para o restante do corpo. Era uma sensação bem parecida de entrar no mar, mas como se eu fosse uma alga indo e voltando com ondas calmas que não se quebram na areia. Enquanto fazia essas conexões olhava para os créditos e eles pareciam respirar na mesma velocidade das ondas que sentia no meu corpo, olhava para a TV, para o móvel onde ela estava, para as paredes, a cortina a porta e todas as linhas retas pareciam estar se curvando lentamente como em uma lente olho de peixe. Minha visão se ampliou e parecia que meus olhos eram uma lente wide, onde eu não precisava virar a cabeça para ver com nitidez coisas que a visão periférica alcança. Meu foco se ampliou e tudo que eu via estava em HD. Parecia que as cores estavam se dividindo, como em uma filmagem: ver as bordas de uma imagem impressa onde as cores não se misturaram muito bem, quase como se estivesse com um óculos 3D daqueles antigos vermelho e azul e conseguisse ver as camadas da impressão de uma revista sabe?

Começou a ficar cada vez mais intenso, meus pensamentos ficaram mais altos e começou uma voz muito julgadora na minha cabeça, falando que eu era uma drogada, que eu estava me drogando em casa, que eu não tinha futuro, o que minha família pensaria se me visse assim? (deitada no sofá de madrugada rs). Eu moro em uma avenida perto de um corredor de ônibus onde ficam várias pessoas em situação de rua e usuários de drogas. Como escuto todo o barulho dos carros que passam, pensei em qual seria a diferença deles para mim. Pensei "será que eles ficam assim quando usam crack?" Comecei a ficar presa nessa onda de julgamento, pensando que não ia passar e que ia ficar presa nessa brisa para sempre. Nesse momento parecia que tudo que li e pesquisei sobre os cogus sumiram da cabeça. Pensei em como poderia parar de me sentir assim, justamente na subida da viagem. Levantei com as poucas forças que tinha e conforme andava no corredor da minha casa em direção a cozinha parecia que em alguns momentos eu era muito grande, em outros que era muito pequena. Cheguei na cozinha, liguei a luz e tudo era muito nítido. Comecei a pensar em tomar leite e me lembrei de ler que nada ia adiantar, mesmo se eu conseguisse botar para fora forçando um vômito o feito ia durar horas. Então tomei água para me acalmar e comecei a repetir para mim mesma "tá tudo bem, eu estou bem e segura dentro de casa, já passei diversas madrugadas acordada, vai ser como sonhar acordada", então caminhei de volta para a sala e continuei a assistir o filme.

Não conseguia prestar atenção na sequência de acontecimentos, as cenas ficavam desconexas e parecia que nada que os personagens faziam ou falavam faziam muito sentido. Tudo que eu conseguia pensar era que eu já tinha assistido esse filme muitas vezes, e comecei a achar muita graça nisso. Então entrei na brisa de que eu já tinha vivido isso muitas vezes e que fazia todo sentido que eu gostasse de Alice, e que fosse meu filme preferido da Disney, que eu era a Alice e que eu tinha me sentido grande e pequena ao mesmo tempo assim como ela.
Como faz anos parte da ordem dos acontecimentos já se desfez na minha memória, mas me lembro que meu humor flutuava entre uma bad e uma good trip. Em algum momento não consegui acompanhar mais de jeito nenhum o filme e comecei a ficar mal de novo. Decidi que ia dormir, simplesmente dormir. Quando desliguei a TV, deitei no sofá e fechei meus olhos vi muitas imagens: fractais de máscaras com olhos esbugalhados. Abria e ficava com medo de fechar por muito tempo. Tentei de novo e ví um mosaico de cobras bem pequenas com a língua pra fora, em formatos geométricos com várias cores. Abri de novo. Não conseguia sustentar ficar de olhos fechados pra dormir porque estava com medo do que poderia ver, então decidi ficar acordada e de olhos bem abertos.

Entendi que me sentiria mais confortável se fosse para o quarto. Minha irmã estava dormindo e eu já tinha preparado o chão de uma forma confortável pra ficar deitada. Liguei uma luz colorida e coloquei uma música no fone para ouvir, mas os meus pensamentos e julgamentos não conseguiam focar em nada que eu decidisse fazer. Comecei a entrar na fase boa novamente e comecei a me sentir conectada com tudo, com toda a terra, com o universo. Pensei na morte, pensei na vida, pensei nas pessoas que amava e na minha irmã que estava deitada bem do meu lado dormindo. Pensei em como amava ela e minha família, como tudo fazia sentido. Pensei que todas as pessoas deviam comer cogumelo pelo menos uma vez na vida e que elas entenderiam e amariam mais suas vidas, dariam mais valor para a natureza se entendessem a forma horrível como tratamos ela, a terra. Peguei o celular e cometi um erro que é o motivo pelo qual você não deve ter um celular em mãos quando está chapado de cogumelos: mandei mensagem para minha ex falando que amava ela. No dia seguinte ela falou "ah entendi, encheu o c* de droga e me mandou mensagem". Depois desse breve evento canônico, me senti muito estranha usando o celular. Parecia exatamente o que é: um pedaço de metal frio e sem vida, com uma tela colorida. Não havia nenhum sentimento, nenhuma ansiedade, nenhum desejo nem empolgação em pegar e usar ele naquele momento. Parecia algo apenas frio e sem vida. Por um momento me senti um triângulo, como se eu sempre estivesse na vida em relação a duas escolhas, ou dois caminhos. Ou como se eu fosse o ângulo de uma balança, a mercê dos pesos em mim ficarem equilibrados de alguma forma.

O efeito o dos cogus começou a diminuir embora minha mente estivesse a milhão pensando na minha vida e na existência. Já tinha começado a amanhecer, era por volta de 5h da manhã, então coloquei The Odyssey, um filme musical da Florence + The Machine dirigido por Vincent Haycock. Na época eu ouvia muito as músicas dela e faziam eu me sentir bem. Foi bom ouvir música no fone enquanto ainda estava com algumas migalhas de efeito dos cogumelos na cabeça. Depois eu fui tomar banho e viver o dia como se eu tivesse dormido a noite inteira.

Certamente eu perdi insights que tive durante a viagem, demorei muito tempo para escrever. É uma memória que gosto de carregar dentro de mim e colocar em texto parece diminuir e resumir tanto a intensidade com que eu vivi essa primeira experiência. Me impactou profundamente me sentir conectada com a vida, com o sentido da vida, com as pessoas que amo. Me senti corajosa de fazer isso sozinha, o cogu estilhaçou partes do meu próprio ego e ver ele jogar todos os meus julgamentos e condicionamentos na minha cara fez eu enxergar partes de mim que nunca tinha acessado. Essa experiência me fez buscar e meditação como uma prática presente no meu dia a dia até hoje, em 2019 até fiz um retiro Vipassana de 10 dias. Nesse mesmo ano entendi que estava com depressão e comecei a fazer terapia no final de 2019 e começo de 2020, antes da pandemia e também durante. Me aproximou da espiritualidade também, me fazendo buscar em mim essa sensação de conexão com a vida, coisas que senti de forma menor nos momentos em que me senti fluindo na vida. Desencadeou várias acontecimentos nos anos seguintes, sinto que abriu portas da minha psique que até hoje estou lidando, mas talvez seja apenas o sentido da vida e o caminho do amadurecimento humano, psicológico e emocional.

Por fim, espero que meu relato ajude quem está se preparando para sua primeira viagem. A minha dica, antes de tudo, é estar segura e confiante em si mesma. Saiba que a pior e melhor coisa que podem te assombrar ou te alegrar durante a viagem estão dentro de você, não tem como fugirmos de nós mesmos, e isso é a experiência humana. Hoje, depois de 7 anos, a maior dose que já tomei foram 6g secos. 3g é o ideal para ter uma viagem na medida certa se for uma pessoa corajosa e confiante em sua própria mente. A sensação ou pensamento de que isso não vai passar ou que você não vai voltar é apenas o seu cérebro criando novas conexões, fazendo novas sinapses e caminhos diferentes. Sim, você não vai ser a mesma pessoa depois da experiência por que vai expandir sua percepção do mundo. Por alguns instantes não vai ter muito controle sobre a sua interpretação sobre as coisas que surgirem, mas estar presente e se lembrar de que é uma experiência que passa vai te ajudar a se ancorar. Siga as regras do set e setting, esteja confortável em um lugar seguro e se preferir com algum amigo confiável que possa cuidar com você ou te ajudar a sair dos momentos de bad. Acima de tudo: confie em si mesmo e na sua intuição.
 
na hora de adoçar o chá acabei colocando sal. É uma piada interna até hoje porque fiquei repetindo para mim mesma "tudo bem, já tomei várias vezes o caldo do miojo separado do macarrão, é a mesma coisa". E lá fui eu.
Conseguiu me tirar uma risada genuína KAKKAKAKAKKAKAKAKAK

falando que eu era uma drogada, que eu estava me drogando em casa, que eu não tinha futuro, o que minha família pensaria se me visse assim?
pensando que não ia passar e que ia ficar presa nessa brisa para sempre. Nesse momento parecia que tudo que li e pesquisei sobre os cogus sumiram da cabeça. Pensei em como poderia parar de me sentir assim, justamente na subida da viagem.
Acho que isso é um evento canônico de todo mundo na primeira trip


aiba que a pior e melhor coisa que podem te assombrar ou te alegrar durante a viagem estão dentro de você
Acho que o principal erro de quem vai ter a sua primeira experiencia é não saber que TUDO oque vc sente, vê ou pensa durante a experiencia, vem de você mesmo, você não está "vendo coisas irreais", vc ta vendo e sentindo tudo oq tem ai dentro de você, mesmo que vc ainda não entenda o significado disso.


Agradeço por compartilhar sua experiência, espero ouvir mais sobre elas no futuro :)
 
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