Teonanacatl.org

Aqui discutimos micologia amadora e enteogenia.

Cadastre-se para virar um membro da comunidade! Após seu cadastro, você poderá participar deste site adicionando seus próprios tópicos e postagens.

  • Por favor, leia com atenção as Regras e o Termo de Responsabilidade do Fórum. Ambos lhe ajudarão a entender o que esperamos em termos de conduta no Fórum e também o posicionamento legal do mesmo.

Uma experiência densa (Parte I).

Jonas

Hifa
Cadastrado
15/04/2018
4
12
45
A preparação

Era um domingo, 21h02min. Fico olhando o pequeno pote plastico com os pequenos cogumelos secos, retorcidos ali. Já estava decidido em comer e observar até onde aquela experiência me levaria. Os filhos ainda estavam acordados, mas já se organizando para dormir. Sentado na beirada da cama, olhando os cogumelos e alternado uma pequena playlist que havia salvo no smartphone. Duas horas de som de floresta. O meu próprio ambiente doméstico. Uma noite e madrugada para navegar nas novas ondas mentais. Parecia tudo adequado e suficientemente tranquilo, dentro do que se pode prever. Teria como "babá" a garota que amo.

Pouco mais de 21h20min, os meninos dormiram. Envolvido pelo ritual tantas vezes lido, tomo nas mãos o pote com os cubensis, um copo de suco de laranja pousado ao lado da cama. E os tais sons de floresta já se manifestavam em volume baixinho.

Havia notado que o cheiro dos cogumelos me lembrava sentimentos de nostalgia, antiguidade. Talvez pelo cheiro de "guardado", algo como "mofo", papel velho... Não tinha muito bem um foco nem da exatidão do cheiro, nem do sentimento que evocavam. Eu estava de certa forma temeroso. Era um mergulho no desconhecido e, não bem certo, acho que eu tinha em mãos 4g.

Em nenhum momento eu senti extremo medo, mas também não estava de mãos dadas com a confiança. Felizmente meu background de ansiedade estava muito difuso àquela noite e não estava muito contundente a ponto de fazer desistir apoiado em alguma desculpa cômoda.

A comunhão

Se permitir absorver qualquer psicodélico é uma ação de comunhão, mesmo que involuntária, mesmo que com o desconhecido. E quando falo em comunhão, cito o aspecto de integração, envolvimento ou mesmo fusão com este desconhecido. E quão assustador para algumas pessoas é perceber que este desconhecido reside em si mesmo.

Um a um, fui comendo os cogumelos em pequenos pedaços. Não senti nenhum desconforto ligado ao paladar nesta ação. Não achei que tivessem gosto ruim ou forte ou exótico. Coadunava com o cheiro. Lembrava papel mofado, coisas velhas ou esquecidas no fundo de gavetas meio úmidas.

Quando terminei de comer e olhei apenas farelos no fundo do pequeno pote plástico, eu sabia que tinha ultrapassado uma porta e que não teria volta. Pensei se não fora uma ação irrefletida e não cheguei a uma conclusão muito exata àquele momento.

Olhei o horário: 21h28min. Era bastante cedo ainda. Assinalei mentalmente a marca de meia hora no futuro e fui até a sala avisar que o processo estava em curso. Conversei um pouco e retornei a quarto, onde deitei e fiquei observando o teto. Ao meu lado, pássaros cantavam longe, oriundos da trilha sonora que eu havia disparado minutos antes.

Agora você. Agora você não vê

No meu entendimento, passaram muitos minutos de normalidade. Certamente a dose que eu havia ingerido seria suficiente para sintomas completos, mas mesmo assim, foram longos minutos sem uma alteração sequer.

Quando me dei conta, o teto me pareceu muito mais detalhado. Pequenas fissuras, deformidades, abaulamentos e cores ligeiramente diferentes na pintura, eram-me muito mais evidentes. Até que ao longe, próximo à lâmpada, um pequeno pernilongo me pareceu estranhamente relevante. Comentei isso com Maria, que estava sentada ao meu lado. Fechei os olhos, tornei a abri-los. E o quarto parecia estranhamente iluminado. Existia uma luz suplementar, que parecia emanar de muitos lugares. - Está começando. - Comentei mais seguro. No corpo, uma espécie de cansaço, algo como um sono. No ambiente, uma lenta e constante progressão em alterações de cores, texturas e sentimentos associados a objetos.

As paredes próximas à cama surgiram com milhões de pequenos pontos coloridos. Como se pequenos prismas estivessem cobrindo cada milímetro da parede. A luz no teto do quarto me incomodava. Os sons de floresta estavam me incomodando.

Quando tentei me mover para desligar o som do celular senti uma desconexão entre meu intento e a execução física. Meu pensamento e meu corpo estavam como que se dissociando. Consegui tranquilamente pegar o aparelho, desbloquear, abrir o menu e parar a música. Mas era como se outra pessoa estivesse fazendo isso para mim. Como se meu corpo fosse apenas um boneco manipulado por fios comandados por um outro ente onde residia minha consciência.

Consegui entender um padrão. As coisas estavam se aprofundando lentamente, mas existiam como em ondas. Pois instantes, todos os sintomas sumiam e eu recobrava toda a "lucidez" de antes do início deste estudo. Mas cada vez mais, as ondas batiam mais fortes. E mesmo quando eu estava nos vales entre as ondas, tais vales não estavam no nível da normalidade. Mesmo estes vales, eram muito altos em relação a minha vida cotidiana.

Um mergulho no escuro

Fiquei por bons minutos, sendo docemente balançado pelas ondas. Não tinha medo e um bloqueio de ansiedade já era perceptível. Voltei a achar que ia dormir. Estava calmo e relaxado. Pedi para apagar a luz do quarto. Resolvi me ajeitar melhor. Travesseiro. Cobertas. Virei de lado para apoiar o rosto com a mão esquerda mas não consegui parar o movimento de giro corporal. Aninhei-me entre meu travesseiro e o da mulher. Senti uma súbito cataplexia, fazendo com que eu realmente relaxasse o corpo. Uma vibração correu da cabeça aos pés. Semelhante ao que me ocorre em meus episódios de paralisia do sono. E ali houve a ruptura.

Não tinha certeza de onde eu estava. Aliás, vou tratar meu "eu" como "minha consciência". Não tinha certeza onde minha consciência estava. Conseguia entender plenamente onde meu corpo estava. Mas as o afluxo de percepções extracorpóreas poderia vir de qualquer lugar fora daquele quarto.

Por todo o tempo em que estive sob efeito não vi, nem fui envolvido conscientemente por uma luz ou algo que o valha. Nem tampouco vi fractais ou mandalas. O mergulho que fiz pegou atalho no tempo e no espaço e eu estava vivendo PLENAMENTE um momento de vida que se manifestada de forma sólida e influenciadora.

Vivia numa casa simples. Pés no chão de terra batida. Uma cabana, casebre. Esteiras, bancos de madeira. paredes de argila. Fumaça de fogão a lenha. Uma aldeia longe no tempo e no espaço. Ali, eu tinha a percepção clara de que a pessoa deitada na cama e que acabara de comer cogumelos psicodélicos era uma manifestação e uma consciência muito antiga. E aquela casa que eu via, que eu sentia, que eu morava naquele momento da experiência, era habitada por alguém que fazia parte do mesmo conjunto de existências que minha consciência atual, mas que estava em outra existência.

Não sei se soube descrever bem, mas posso falar de outra forma: minha percepção foi de que existia uma consciência maior e muito antiga e que, por vezes, manifestava-se fisicamente ao longo do tempo. Aquela pessoa que havia comido os cogumelos não era a consciência integral, mas apenas a manifestação atual (limitada) da mesma.

Rir para não chorar

Ainda nos primeiros momentos do mergulho eu alcancei uma parede psicológica. Parede esta que nunca soube que existia. Um poderoso bloqueio estava isolando uma grande área da minha psique. Eu demorei mais de uma hora para entender que um riso frenético e, aparentemente divertido, era apenas um truque de minha consciência. Truque este que era a tal parede do bloqueio.

Assim, fiquei minutos inteiros rindo exageradamente quando eu me aproximava de algo que acontecera em manifestação anterior de minha consciência.

Foi extremamente difícil e doloroso eu ficar rondando aquele muro. Pois a cada vez que eu dava um passo para tentar espiar o que eu estava bloqueando, uma extrema onda de riso vinha. Eu explicava que aquele riso era involuntário e que existia algo ali... A associação do riso com um bloqueio era tal que, ao me dirigir para outros pontos e símbolos, o riso cessava e era retomado o controle.

Na data de hoje, enquanto escrevo estas linhas eu admito que forcei a mente para penetrar, para furar o bloqueio. Isso foi muito desgastante e só foi possível o sucesso quando eu criei um atalho.

O atalho foi engenhoso e somente possível dentro de um estado alterado de consciência.

Consegui separar minha mente em três: uma que vivia a experiência psicodélica imersiva, outra que funcionava como mediadora e outra que estava junto à percepção física do corpo "adormecido". Isso possibilitou que uma das mentes penetrasse o bloqueio, enquanto meu corpo não ria. Um dos problemas principais é que as ondas do efeito psicodélico tem muita diferenças de intensidade entre si. E isso desajustava meu controle refinado para manter o fluxo de pensamentos neste desdobramento mental. Assim, era fácil perder a sintonia e as mentes se fundiam num rápido riso ou se separavam tanto que eu não conseguia fazer o intermédio entre elas. Mas vale ressaltar que o método funcionou e eu consegui acessar episódios que encerravam simbolicamente a chave para entender o bloqueio.

Paz sem voz não é paz, é medo

Assim como uma cebola, ou as matrioskas, quando eu venci a manifestação do riso como bloqueio, uma nova camada surgiu. E isso foi bem quando eu vi toda uma passagem em um contexto que me pareceu num passado super remoto.

Eu simplesmente fiquei gago. E certas palavras se tornaram impronunciáveis. Principalmente, os termos que designavam os sentimentos que estavam no cerne de um problema que se manifestou.

Por minutos longuíssimos, eu era incapaz de articular e pronunciar a palavra ORGULHO. E isso me deu uma importante chave de leituras de várias cenas que pude ir interconectando. E assim, como na minha camada de bloqueio. Eu fui removendo uma a uma. Garimpando símbolos e atalhos psicológicos, aproveitando toda a carga de liberdade que minha consciência expandida eu fui vivenciando e digerindo tudo aquilo. E mesmo assim, no meio de todo aquele processo, algumas vezes, surgiu um ou outro vale bem profundo, onde eu quase detinha minha consciência em seu nível "normal". Ali eu conseguia dar algum recado mais direto à Maria. Mas essas janelas só duravam alguns segundos. Logo vinha um vagalhão e eu tinha que ajustar minhas sintonias mentais.

Por hoje é isso. Na sequência escrevo a segunda parte da experiência. Pretendo dar sequência ao relato até a retomada do estado "normal", as entrelinhas de visões e integração mental e as primeiras impressões na manhã seguinte...

Muito obrigado a quem teve paciência de ler até aqui. Até breve.
 
Você já teve outras experiências antes? Porque eu comecei lendo achando que era a sua primeira trip, mas seu relato foi tão bem detalhado que me parece que você já tem alguma experiência nesses estados alterados da mente.
 
Interessantíssimo teu relato. No aguardo pela sequência. :)
 
Back
Top