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Simulacros e simulações

acidbath_

Esporo
Cadastrado
23/06/2020
17
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25
Boa tarde amigas e amigos. Este dia tão ensolarado e ao mesmo tempo tão estranho de quarentena me faz querer contar estórias ao invés de divagar sozinho num ócio em direção ao abismo que antes apenas se insinuava. Irei contar um relato da última experiência que tive com psilocibina. Estou nadando em superfície. Espero que gostem.

Quando tomei o meu chá já era noite, havia planejado de tomá-lo no início da tarde para ver o sol se pondo mas houve um imprevisto que precisava resolver, assuntos babilônicos. Como o céu já estava escuro, comecei a planejar um setting diferente: pensei em finalmente, pois já queria fazê-lo a um tempo, entrar em meditação profunda no escuro, no vazio e no silêncio do meu quarto. A princípio eu tentei, mas aquela experiência não era para aquele momento.

O chão começou a tremer enquanto eu tentava meditar de olhos fechados. Meu pensamento se virou para mim mesmo num movimento questionador e levemente hostil:
"Por que senta nessa maldita posição? O que espera disso tudo, transcendência? Iluminação? Nenhuma conclusão que tenha aqui resistirá ao instante. O movimento te absorve na repetição e mais cedo ou mais tarde será novamente um humano lambuzado na merda e no sangue da matéria." Internamente, respondi que pessoas boas existem e que tudo se trata de fundamentar seus próprios valores, não ser instável ao ponto de não reafirmá-los a cada ciclo das eternas repetições. O meu pensamento responde: "Quer tanto elevar-se por qual motivo? Sabe que é porque foge da matéria, foge do mundo, não cansa de se esconder. É a mesma fuga que fazem os religiosos em suas instituições que tanto condena, você sabe, e é assim que foge, afundando em você mesmo, se virando pra dentro, pois veja, não é de agora que sabes que a única salvação é o outro! Deve procurar fora, viver ultrapassa o pensar e sabes disso! Tua alma é velha e ainda assim aceita se colocar em tanta negação, quer elevar-se? Pare de fugir do mundo na abstração e tome-o por inteiro, O ESPÍRITO SE REALIZA NA CARNE!"

Essa elevação do tom me fez abrir os olhos. Nesse momento meu corpo pegava fogo, eu só queria sair correndo pelado pela rua, transar numa suruba com mais vinte pessoas trocando fluidos corporais e gosma ou então ser um político fazendo um intenso discurso para quinhentas mil pessoas. Eram os desejos que tinha no momento. Levantei e fui até a janela, olhei para as casas, morros e o céu da cidade, parecia estar em uma obra de Van Gogh. O cenário, os movimentos, era tudo muito bonito. Acendi um cigarro artesanal, apenas com um pouco de tabaco e os momentos anteriores pareciam estar a milhares de anos dali. Toda aquela vontade hedonista sumiu de repente e agora eu me tornara apenas um túnel de pensamentos acelerados que terei o respeito de não tentar materializá-los em meras palavras da nossa limitada linguagem escrita.

Preciso mijar. Vou ao banheiro e noto que o desodorante e o shampoo estavam olhando para o chuveiro, que cantava uma bela canção como se fosse um músico pop. Esse momento descontraído anunciava que a primeira onda havia passado e que eu devia agora apertar os cintos para a próxima. Olho em volta, e apesar de todas as possibilidades entre aquelas paredes e móveis, no fundo ainda eram paredes e móveis. Eu quero a rua. De súbito e sem pensar muito, pois sabia que qualquer estímulo que eu desse corda poderia entrar nele num caminho sem volta, pego meu moletom, calço o tênis, coloco o maço no bolso, pego a chave e saio: o plano é fazer uma trilha.

Moro num morro, longe do centro. O meu bairro tem três ruas, uma mais alta que a outra, sendo a terceira a maior delas, quase no pico do morro. Tem uma trilha lá, um campo com uma cerca furada que eu queria passar já fazia um tempo e ver onde dava, sabia que acabaria passando pelo cristo (um dos pontos mais altos da cidade) e apenas fui. Apesar de que já era noite parecia de alguma forma que o sol ainda estava no céu, ao passar pela cerca dei de cara com um extenso campo inclinado, tinha algumas árvores e avistei de longe um sofá velho. Fui até o sofá e me sentei, olhando a paisagem no campo enquanto acendia mais um cigarro debaixo da imensa árvore que estava ao meu lado. Estava sozinho, mas no sofá formamos uma roda de 4, conversávamos todos de forma tão agradável. A segunda onda chegou. Sentado no sofá, fui envolto pela névoa e pela fumaça, olhei para longe e ao fundo de minha visão avistei uma casa, lá em baixo, bem longe. A casa foi a minha porta, a distância se inverteu e o que antes estava entre mim e aquela casa agora estava me furando como uma flecha, tudo em mim, em direção ao meu fígado, a casa no entanto estava tão perto. Visitei diferentes mundos e assim que pude voltar a movimentar o meu corpo, levantei e continuei subindo, em direção a trilha. Queria demais chegar ao seu fim, descobrir o tesouro que guardava.

Passei andando tranquilamente pelo mato, pelo barro e pelas ruas, finalmente chegando num ponto onde, sentado, via de cima toda a cidade e o centro urbano. Os prédios se embaralhavam na minha visão formando diferentes figuras e as imagens das pequenas pessoinhas distantes me revelavam histórias. Apesar de estarem muito longe, eu podia vê-los. Um senhor de óculos me chamou atenção, imaginei que ele estivesse voltando do trabalho e indo de encontro à sua esposa, já que levava consigo uma sacola. Deve ter vinho, comida ou algum presente, pensei. Imediatamente, minha subjetividade se parte mais uma vez e dá voz ao que antes, mais cedo, conduzira minha meditação: "(risos) Tu é um tanto bobo. Nunca viu esse velho, tá deduzindo essas coisas. É, a gente vê o que a gente quer ver." De repente, enquanto olhava fixamente para o senhor, ele esboçou uma feição maligna e agora parecia um demônio com os narizes brancos, entupidos de cocaína (já tive problemas com essa...) Comecei então a pensar sobre os psicodélicos em geral, a maneira como ao mesmo tempo que eles nos dão lucidez, nos levam também muitas vezes para longe do real, seja ele o velho bom ou ruim: no fim, é só um velho. Esses conceitos são conceitos nossos que não abarcam o mundo como ele é. Fiquei horas sentado nesse local, viajando de forma que não conseguiria descrever. Tinha um tronco de madeira em que fiquei sentado apenas olhando a cidade funcionando lá embaixo...

Finalmente, decidi voltar para casa. Minhas pernas não estavam muito boas e eu sabia que fazer o caminho de volta talvez seria um desafio. Curti o caminho e chegando em casa tomei um dos melhores banhos da minha vida, vi toda aquela sujeira da rua indo embora pelo ralo e isso me deu uma sensação de limpeza enorme. Deitei na minha cama e passei o resto do tempo ora pensando, ora procurando algo na internet, ora ouvindo música. No dia seguinte, ainda marcado pela trip e banhado de disposição e bem-estar, fiz esse desenho representando o início da trilha, no campo, onde achei o sofá. Já o postei por aqui na sessão de artes, mas achei interessante colocar aqui também como ilustração desse dia.

Bom, espero que tenham gostado. Obrigado por ter lido até aqui!
 

Anexos

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Adorei seu relato! Nada melhor do que ter um espaço tranquilo para refletir e viajar por essa imensidão que é a existência. Parabéns! que os cogumelos lhe ajudem muito bem nas suas andanças.
 
Nossa que relato incrível @acidbath_ ! Isso foi uma verdadeira jornada do herói hehe
Pelo o que eu vi tu esbarrou de frente com a dialética que existe no universo e isso de botou de frente com os diversos paradoxos que existem por ai... não é uma tarefa nada fácil integrar esses elementos. Acho que algo que poderia falar bem de tudo que tu passou seria o símbolo do Tao ^^

Espero que tenha novas viagem ricas como essa!
Fica na paz irmão 🍃
 
Nossa que relato incrível @acidbath_ ! Isso foi uma verdadeira jornada do herói hehe
Pelo o que eu vi tu esbarrou de frente com a dialética que existe no universo e isso de botou de frente com os diversos paradoxos que existem por ai... não é uma tarefa nada fácil integrar esses elementos. Acho que algo que poderia falar bem de tudo que tu passou seria o símbolo do Tao ^^

Espero que tenha novas viagem ricas como essa!
Fica na paz irmão 🍃
Os paradoxos são maravilhosos e aterradores... Obrigado irmão, muita paz pra você também!
 
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