- 19/04/2016
- 6
- 23
- 30
A experiência que venho relatar aconteceu em setembro de 2018 durante minha quinta trip de cogumelos, e somente agora, se passado quase três anos, me senti apto para dizer que pude assimilar todo o aprendizado que tive naquela intensa noite.
Dosagem: 3 g desidratados
Antes preciso dar um breve contexto no qual estava inserido...
Eu estava muito ansioso para ter minha próxima experiência (a minha última havia sido em julho/2018 e que também foi relatada aqui), tendo em conta de que até então eu havia vivenciado coisas incríveis com os sagrados. Na época eu morava com meu irmão e minha mãe, e eu não queria que eles soubessem de nada sobre estes acontecimentos da minha vida. Então sempre busquei ter minhas viagens quando eu tinha certeza de estar sozinho e que ninguém iria me incomodar, exceto por aquele fatídico dia de setembro, onde eu estava num momento onde não dispunha de tanto "espaço" para mim mesmo, e tomei a decisão de fazer mesmo com minha família por perto.
Era noite e minha mãe havia saído, apenas meu irmão estava em casa e logo pensei que seria a melhor oportunidade que teria, e que se eu tomasse uma dose menor do que estava "acostumado" e ficasse deitado na minha cama tudo correria bem. Afinal, eu pensei: Bom... nada de muito preocupante aconteceu com 4g, então 3g me parece administrável.
Eu não podia estar mais enganado
.
Devo dizer que a experiência já foi traumatizante antes mesmo de começar. Eu tentei comer os cogumelos desidratados sem nenhum acompanhamento e meu corpo simplesmente os rejeitava, o cheiro e o gosto estava me fazendo ter arrepios e me sentir muito enjoado, igual acontece quando sinto o cheiro de bebidas alcoólicas. Não cheguei a vomitar, mas estava sendo um tortura. Parei por um momento e abri a geladeira, peguei um iogurte de morango para ver se amenizava o gosto e para minha surpresa fora igualmente horrível, mas no fim, eu consegui.
Aqui aconteceu uma coisa engraçada que só fui parar para pensar muitos dias depois. Levei tanto tempo para conseguir comer todos os cogumelos (estimo uns trinta minutos) que eles começaram a bater antes mesmo de eu terminar e isso foi primordial para o baque que eu estava prestes a levar.
Era minha primeira experiência noturna e eu fiquei muito curioso para dar uma olhada na rua. Pensei em ir somente até o portão de casa ficar olhando o movimento e assim que eu sentisse os efeitos iniciais eu entraria e iria pro meu quarto. As coisas ficaram sinistras assim que abri o portão e olhei rua acima: o asfalto em todo o seu comprimento pareceu se alongar e a rua parecia infinita, olhei para a calçada logo a minha frente e ela também se distanciou como se eu estivesse muito alto, olhando-a (muito) de cima. Me lembro de sentir um calafrio e uma energia muito ruim emanando de tudo aquilo. A rua estava morta, não havia ninguém, e o céu estava muito nublado, com certeza não era uma noite agradável. Parecia o tipo de lugar que um assassinato seria cometido em um filme qualquer. Minhas pernas começaram a formigar quase que instantaneamente e foi subindo desde o pé até a minha cintura, foi quando eu percebi que algo estava errado, aquilo estava batendo rápido e forte demais. Já havia sentido formigamentos e uma leve sensação de dormência em outras viagens, mas desta vez foi tão rápido e intenso, na minha cabeça eu só havia acabado de comer e saído para o portão (por isso o fato que constatei dias depois sobre ter demorado tempo demais enquanto tentava comer todos eles).
Fui direto para o meu quarto com medo, não com medo do que eu poderia experienciar naquela noite, mas sim com medo de que eu não segurasse a onda e que minha família inevitavelmente acabaria sabendo. Tentei me deitar e relaxar, mas eu me senti muito doente, meu corpo estava estranho e minha cabeça começou a doer com uma pressão forte nas laterais. Em nenhuma das outras experiências eu havia sentido nem perto disso, mesmo com doses maiores e então decidi que iria ligar para minha melhor amiga na época, que também era enfermeira, uma pessoa em que eu tinha total confiança e tínhamos uma ligação muito especial à ponto de que eu estava convicto de que me sentiria bem se tivesse ela por perto. Ao pegar o celular e ligar a tela do mesmo, meu pânico se tornou ainda maior quando eu percebi que não podia enxergar nada além de borrões na tela, não estava enxergando nada além de uma luz branca feia e ofuscada. Neste momento eu podia sentir que uma noite muito difícil estava por vir, meus pensamentos começaram a ficar indo e vindo, e como último esforço chamei meu irmão e lhe disse que estava passando mal. Pedi então que ele ligasse para essa minha amiga e me passasse o telefone.
Um balde de água fria
Ao atender o telefone eu perguntei onde ela estava pois ouvi muitos barulhos ao fundo, e pedi para que ela fosse até minha casa para ficar comigo porque eu não estava me sentindo nada bem. Ela me perguntou o que havia acontecido e que não poderia ir no momento, já que estava em uma festa da cidade.
Aquilo pra mim soou como a morte. Meus pensamentos estavam confusos demais, eu travei e não conseguia dizer o que havia acontecido, só dizia: Vem pra cá! Você precisa vir.
Eu não a culpo, porque imagino que ela deve ter ficado com medo por eu estar agindo tão estranho, não explicava nada com nada e estava tarde. Mas eu me senti traído, não podia acreditar que ela disse que não iria me ajudar, a única pessoa que eu queria por perto, não queria estar por perto. Eu simplesmente desliguei o telefone quando ela insistia em me perguntar o que tinha acontecido. Não sei quantos vezes ela me ligou depois disso, me lembro de ter atendido pelo menos duas vezes e não respondido nada, eu não conseguia mais me comunicar (ou talvez não quisesse). Me lembro de colocar o celular sobre a cama e ir me deitar o mais encolhido que eu podia, tomado por desesperança e medo.
Não sei quanto tempo passou, mas fui tomado por uma sequência de pensamentos em looping. Eu escutava o som da tv da sala se repetindo, o portão se abrindo e fechando (barulhento como sempre), a voz da minha amiga me perguntando a mesma coisa para sempre e sempre, a sensação de que em algum momento ela chegaria para me "salvar", mas sempre que o portão se abria, não era ninguém e depois, tudo se repetia. Até que em algum momento eu senti a presença dela no meu quarto, acendeu a luz e me perguntou novamente o que havia acontecido se deitando do meu lado e em abraçando, eu não respondi, se quer a olhei, apenas segurei sua mão em torno de mim para que ela não fosse embora.
Fui parar no que eu considerava a minha versão de inferno, mesmo não sendo religioso. Perdi por completo a noção da realidade, nem pensava sobre isso, de olhos fechados no meu mundo, no meu inferno. Me vi preso em correntes num cenário vulcânico por assim dizer
, só tinha rochas e lava escorrendo por todos os lados, fazia um calor indescritível, tanto que que eu constantemente pensava: este certamente é o limite de que o corpo humano pode suportar. Era tão desconfortável que eu tinha certeza de que morreria em breve e logo teria alivio, que eu não poderia sofrer para sempre. E sempre que eu chegava perto da morte tudo se iniciava, a tv, o portão se abrindo e fechando, a voz da minha melhor amiga em repetição, e tão logo eu estava novamente no inferno, ardendo em chamas. Passei tempo o suficiente neste lugar para começar a envelhecer, eu estava sempre indo e vindo, mas eu ainda envelhecia e fui ficando cada vez mais frágil, cada vez mais sem alma, eu sentia que minha energia se esvaia a cada ciclo. Depois de décadas, eu passei a aceitar a minha punição e busquei esperanças de que eu logo morreria de velhice e teria o meu alivio. Mas a morte nunca me alcançava e eu me via então imortal, fadado a envelhecer e queimar pela eternidade. Quando me dei conta disso, começaram a surgir como se fosse flashes da minha vida na terra, de que na verdade eu estava preso dentro da minha própria mente, por causa dos cogumelos e que desde aquela noite de setembro eu não pude mais sair, e todas as pessoas, minha família, amigos tiveram suas vidas arruinadas também, pois teriam que cuidar de mim pelo resto da minha vida, mas elas não sabiam que eu não poderia morrer, então assim sendo, eles dedicariam todas suas vidas por nada, eles morreriam e eu continuaria ali no mesmo lugar de sempre.
Foi devastador. Saber que eu tinha não só ferrado com a minha vida, como a de outras pessoas, e eu nunca quis isso, jamais quis envolver outras pessoas nos meus próprios problemas, mas percebi que isso não era possível, pois quando você tem pessoas que te amam, elas podem ser arrastadas para o seu poço, que mesmo sem intenção isso era tudo culpa minha, e jamais poderia me perdoar por prejudicar os outros. A punição no meu inferno particular foi então compreendida.
Eu pude ver de camarote Eras se passarem, as cidades e tudo que existe ruindo lentamente, a humanidade se destruindo a ponto de que só restara o mundo em si, e que este também logo viria a ter seu fim, mas não eu, não aqueles que haviam sido jogados no inferno, estes seriam eternos. Até que... Como um gole de água refrescante num deserto, como o abrir das janelas para que a leve brisa entre, eu abri os olhos ao escutar a voz da minha amiga dizendo:
Meu Deus você está pegando fogo de tão quente, vou tirar seu cobertor, tá bom? :,) (Poderia ter tirado o cobertor alguns éons atrás, mas tudo bem).
Recobrei parte do meu senso de realidade quando ela me ajudou a ficar sentado sobre a cama e tirou a minha blusa encharcada. Mas foi só um vislumbre da realidade, pois eu liguei o fato dela me ajudando como a de quem ajuda um velhinho que já não consegue trocar uma blusa sozinho. Olhei no seu rosto e ela tinha uma aparência muito envelhecida (sendo que ela tinha apenas 20 anos na época) e entendi que tudo aquilo fazia parte do inferno ainda, o tempo de fato havia passado e as pessoas ao meu redor envelheceram e eu não, ainda estavam perdendo o tempo delas a cuidar de mim. Ela me disse que eu estava com muita febre e que minha cara não estava boa, perguntou se eu queria que ela me levasse ao hospital e infelizmente eu não respondi e acabou que me levaram.
Conseguia me mover com certa letargia, e pensamentos em looping sempre voltavam a me atormentar, lembro de um flash de ter dito na frente do médico do hospital: Você não sabe o que é? De novo não, de novo não, isto está se repetindo.
Não sei o que houve depois disso, mas logo eu estava dentro do carro e me levaram para casa hahah Notei que meu irmão e minha mãe estavam juntos. Não me lembro de muita coisa depois disso, mas me sentei na cama e perguntei quantas horas para minha amiga que me informou e percebi que já haviam passados pelo menos de 4 a 5 horas, pois estava de madrugada e agora eu sabia que eu estava alucinando e o efeito dos cogus estava para acabar em breve. Minha amiga conversou um pouco comigo e disse que ela precisava ir dormir pois iria trabalhar logo de manhã, certificou se eu estava bem, neste momento já estava bem lúcido e só deitei e dormi.
Não fui mais o mesmo
Quando acordei logo já notei que tinha algo diferente, um vazio enorme tinha tomado conta, eu não sentia absolutamente nada, alegria, dor, tristeza, nada... Apenas sentia que minha cabeça tinha sido bombardeada de informações pela noite que se passou, estava muito pesado. Esperei os dias passarem para que os "efeitos colaterais" sumissem, achei que o vazio seria passageiro, mas não foi tão passageiro assim. Talvez seja difícil de acreditara, talvez não (não sei se tem muitos relatos assim), mas foram cerca de nove meses até eu começar a "sentir" novamente, nove meses até que eu começasse a ter meus sentimentos de volta. O tempo de um nascimento, ou um renascimento no caso ^^
Apesar de este efeito parecer assustador - perder todas as emoções - para mim foi tão gratificante, eu sou até hoje tão grato por não ter sentido nada, pois antes disso eu sentia, sentia o peso de uma depressão que convivi boa parte da minha adolescência e fase adulta, tempo em que por muitas vezes me peguei tendo pensamento suicidas e coisas que só me faziam afundar mais e mais. Não sentir nada, foi sentir alivio. Eu fico pensando em quão imprudente fui e em quão poderia ter dado errado, fico imaginando se fosse com uma pessoa "mentalmente saudável" o quão desastroso seria acordar e sentir o vazio, poderia levar alguém que até então levava uma vida tranquila a passar por problemas sérios ao não se reconhecer mais, ou coisa pior. Mas sou muito grato por tudo.
Eu ia dizer que não me considero uma pessoa feliz, mas não acho que existem "pessoas felizes", pois acredito que felicidade seja apenas instantes, assim como tudo, mas poderia dizer então, que eu não aprecio a vida como eu gostaria, eu ainda vejo a vida meio cinza e sem graça, mas é diferente do que um dia já foi. Não tenho mais nenhuma pensamento suicida desde o dia da minha experiência, nem se quer passo o dia me lamento por seja lá qualquer coisa. Passei a ver a vida de forma tão mais simples. A vida é como ela é, quer seja chata ou não, não há motivos para querer apressar nossa - já - curta estadia aqui neste plano. O segredo é viver da melhor forma que puder, fazendo um pouquinho a cada dia.
Durante estes meses que se passaram eu fiquei com uma sensação de que eu não deveria pensar sobre o que havia acontecido, na verdade eu não queria pensar, acho que eu imaginava que se ficasse relembrando toda aquela tortura eu nunca poderia superar, é como terminar com sua namorada sabe? Pensei apenas em seguir em frente. Depois que eu voltei a sentir as coisas eu pude e quis voltar a pensar sobre isso, sinto que ganhei uma habilidade extraordinária, a habilidade de não pensar. Minha mente sempre foi muito agitada, mas agora é como se eu conseguisse separar os pensamentos na minha cabeça, é como se eu pudesse jogar algumas coisas que não quero pensar num cantinho e deixar lá, sem me incomodar. Jogar as coisas para escanteio assim não sei se é bom, mas tenho me divertido selecionando alguns pensamentos haha.
Pra finalizar, quero também dizer que além da minha nova habilidade eu adquiri uma condição estranha que confesso ter medo de uma possível esquizofrenia ou algo do tipo no futuro. Em alguns momentos no meu dia a dia, eu duvido da realidade, me pergunto se ainda estou preso lá naquele dia. Se toda minha vida após é só uma ilusão (ou a vida inteira é uma ilusão?). Sei lá, eu simplesmente para em algum momento e penso se realmente recobrei a consciência, mas ao que tudo indica sim ^^.
Foi só agora em 2021 que voltou a vontade de dar continuidade ao processo de cura e descobrimento, não sei quando será minha próxima viagem, mas tenho certeza de que será feita de forma muito mais responsável e com um proposito ainda mais fortalecido. E se alguém por ventura ler este relato e caso esteja passando por um momento complicado em sua vida, seja um estado depressivo ou coisa do tipo, procure ajuda médica, converse com familiares se possível, não pense que precise carregar todo o fardo sozinho, e muito menos sair por aí se aventurando com substâncias alteradoras da consciência sem ter bastante conhecimento sobre onde está se metendo.
Um abraço a todos,
Flaik
Dosagem: 3 g desidratados
Antes preciso dar um breve contexto no qual estava inserido...
Eu estava muito ansioso para ter minha próxima experiência (a minha última havia sido em julho/2018 e que também foi relatada aqui), tendo em conta de que até então eu havia vivenciado coisas incríveis com os sagrados. Na época eu morava com meu irmão e minha mãe, e eu não queria que eles soubessem de nada sobre estes acontecimentos da minha vida. Então sempre busquei ter minhas viagens quando eu tinha certeza de estar sozinho e que ninguém iria me incomodar, exceto por aquele fatídico dia de setembro, onde eu estava num momento onde não dispunha de tanto "espaço" para mim mesmo, e tomei a decisão de fazer mesmo com minha família por perto.
Era noite e minha mãe havia saído, apenas meu irmão estava em casa e logo pensei que seria a melhor oportunidade que teria, e que se eu tomasse uma dose menor do que estava "acostumado" e ficasse deitado na minha cama tudo correria bem. Afinal, eu pensei: Bom... nada de muito preocupante aconteceu com 4g, então 3g me parece administrável.
Eu não podia estar mais enganado
Devo dizer que a experiência já foi traumatizante antes mesmo de começar. Eu tentei comer os cogumelos desidratados sem nenhum acompanhamento e meu corpo simplesmente os rejeitava, o cheiro e o gosto estava me fazendo ter arrepios e me sentir muito enjoado, igual acontece quando sinto o cheiro de bebidas alcoólicas. Não cheguei a vomitar, mas estava sendo um tortura. Parei por um momento e abri a geladeira, peguei um iogurte de morango para ver se amenizava o gosto e para minha surpresa fora igualmente horrível, mas no fim, eu consegui.
Aqui aconteceu uma coisa engraçada que só fui parar para pensar muitos dias depois. Levei tanto tempo para conseguir comer todos os cogumelos (estimo uns trinta minutos) que eles começaram a bater antes mesmo de eu terminar e isso foi primordial para o baque que eu estava prestes a levar.
Era minha primeira experiência noturna e eu fiquei muito curioso para dar uma olhada na rua. Pensei em ir somente até o portão de casa ficar olhando o movimento e assim que eu sentisse os efeitos iniciais eu entraria e iria pro meu quarto. As coisas ficaram sinistras assim que abri o portão e olhei rua acima: o asfalto em todo o seu comprimento pareceu se alongar e a rua parecia infinita, olhei para a calçada logo a minha frente e ela também se distanciou como se eu estivesse muito alto, olhando-a (muito) de cima. Me lembro de sentir um calafrio e uma energia muito ruim emanando de tudo aquilo. A rua estava morta, não havia ninguém, e o céu estava muito nublado, com certeza não era uma noite agradável. Parecia o tipo de lugar que um assassinato seria cometido em um filme qualquer. Minhas pernas começaram a formigar quase que instantaneamente e foi subindo desde o pé até a minha cintura, foi quando eu percebi que algo estava errado, aquilo estava batendo rápido e forte demais. Já havia sentido formigamentos e uma leve sensação de dormência em outras viagens, mas desta vez foi tão rápido e intenso, na minha cabeça eu só havia acabado de comer e saído para o portão (por isso o fato que constatei dias depois sobre ter demorado tempo demais enquanto tentava comer todos eles).
Fui direto para o meu quarto com medo, não com medo do que eu poderia experienciar naquela noite, mas sim com medo de que eu não segurasse a onda e que minha família inevitavelmente acabaria sabendo. Tentei me deitar e relaxar, mas eu me senti muito doente, meu corpo estava estranho e minha cabeça começou a doer com uma pressão forte nas laterais. Em nenhuma das outras experiências eu havia sentido nem perto disso, mesmo com doses maiores e então decidi que iria ligar para minha melhor amiga na época, que também era enfermeira, uma pessoa em que eu tinha total confiança e tínhamos uma ligação muito especial à ponto de que eu estava convicto de que me sentiria bem se tivesse ela por perto. Ao pegar o celular e ligar a tela do mesmo, meu pânico se tornou ainda maior quando eu percebi que não podia enxergar nada além de borrões na tela, não estava enxergando nada além de uma luz branca feia e ofuscada. Neste momento eu podia sentir que uma noite muito difícil estava por vir, meus pensamentos começaram a ficar indo e vindo, e como último esforço chamei meu irmão e lhe disse que estava passando mal. Pedi então que ele ligasse para essa minha amiga e me passasse o telefone.
Um balde de água fria
Ao atender o telefone eu perguntei onde ela estava pois ouvi muitos barulhos ao fundo, e pedi para que ela fosse até minha casa para ficar comigo porque eu não estava me sentindo nada bem. Ela me perguntou o que havia acontecido e que não poderia ir no momento, já que estava em uma festa da cidade.
Aquilo pra mim soou como a morte. Meus pensamentos estavam confusos demais, eu travei e não conseguia dizer o que havia acontecido, só dizia: Vem pra cá! Você precisa vir.
Eu não a culpo, porque imagino que ela deve ter ficado com medo por eu estar agindo tão estranho, não explicava nada com nada e estava tarde. Mas eu me senti traído, não podia acreditar que ela disse que não iria me ajudar, a única pessoa que eu queria por perto, não queria estar por perto. Eu simplesmente desliguei o telefone quando ela insistia em me perguntar o que tinha acontecido. Não sei quantos vezes ela me ligou depois disso, me lembro de ter atendido pelo menos duas vezes e não respondido nada, eu não conseguia mais me comunicar (ou talvez não quisesse). Me lembro de colocar o celular sobre a cama e ir me deitar o mais encolhido que eu podia, tomado por desesperança e medo.
Não sei quanto tempo passou, mas fui tomado por uma sequência de pensamentos em looping. Eu escutava o som da tv da sala se repetindo, o portão se abrindo e fechando (barulhento como sempre), a voz da minha amiga me perguntando a mesma coisa para sempre e sempre, a sensação de que em algum momento ela chegaria para me "salvar", mas sempre que o portão se abria, não era ninguém e depois, tudo se repetia. Até que em algum momento eu senti a presença dela no meu quarto, acendeu a luz e me perguntou novamente o que havia acontecido se deitando do meu lado e em abraçando, eu não respondi, se quer a olhei, apenas segurei sua mão em torno de mim para que ela não fosse embora.
Fui parar no que eu considerava a minha versão de inferno, mesmo não sendo religioso. Perdi por completo a noção da realidade, nem pensava sobre isso, de olhos fechados no meu mundo, no meu inferno. Me vi preso em correntes num cenário vulcânico por assim dizer
Foi devastador. Saber que eu tinha não só ferrado com a minha vida, como a de outras pessoas, e eu nunca quis isso, jamais quis envolver outras pessoas nos meus próprios problemas, mas percebi que isso não era possível, pois quando você tem pessoas que te amam, elas podem ser arrastadas para o seu poço, que mesmo sem intenção isso era tudo culpa minha, e jamais poderia me perdoar por prejudicar os outros. A punição no meu inferno particular foi então compreendida.
Eu pude ver de camarote Eras se passarem, as cidades e tudo que existe ruindo lentamente, a humanidade se destruindo a ponto de que só restara o mundo em si, e que este também logo viria a ter seu fim, mas não eu, não aqueles que haviam sido jogados no inferno, estes seriam eternos. Até que... Como um gole de água refrescante num deserto, como o abrir das janelas para que a leve brisa entre, eu abri os olhos ao escutar a voz da minha amiga dizendo:
Meu Deus você está pegando fogo de tão quente, vou tirar seu cobertor, tá bom? :,) (Poderia ter tirado o cobertor alguns éons atrás, mas tudo bem).
Recobrei parte do meu senso de realidade quando ela me ajudou a ficar sentado sobre a cama e tirou a minha blusa encharcada. Mas foi só um vislumbre da realidade, pois eu liguei o fato dela me ajudando como a de quem ajuda um velhinho que já não consegue trocar uma blusa sozinho. Olhei no seu rosto e ela tinha uma aparência muito envelhecida (sendo que ela tinha apenas 20 anos na época) e entendi que tudo aquilo fazia parte do inferno ainda, o tempo de fato havia passado e as pessoas ao meu redor envelheceram e eu não, ainda estavam perdendo o tempo delas a cuidar de mim. Ela me disse que eu estava com muita febre e que minha cara não estava boa, perguntou se eu queria que ela me levasse ao hospital e infelizmente eu não respondi e acabou que me levaram.
Conseguia me mover com certa letargia, e pensamentos em looping sempre voltavam a me atormentar, lembro de um flash de ter dito na frente do médico do hospital: Você não sabe o que é? De novo não, de novo não, isto está se repetindo.
Não sei o que houve depois disso, mas logo eu estava dentro do carro e me levaram para casa hahah Notei que meu irmão e minha mãe estavam juntos. Não me lembro de muita coisa depois disso, mas me sentei na cama e perguntei quantas horas para minha amiga que me informou e percebi que já haviam passados pelo menos de 4 a 5 horas, pois estava de madrugada e agora eu sabia que eu estava alucinando e o efeito dos cogus estava para acabar em breve. Minha amiga conversou um pouco comigo e disse que ela precisava ir dormir pois iria trabalhar logo de manhã, certificou se eu estava bem, neste momento já estava bem lúcido e só deitei e dormi.
Não fui mais o mesmo
Quando acordei logo já notei que tinha algo diferente, um vazio enorme tinha tomado conta, eu não sentia absolutamente nada, alegria, dor, tristeza, nada... Apenas sentia que minha cabeça tinha sido bombardeada de informações pela noite que se passou, estava muito pesado. Esperei os dias passarem para que os "efeitos colaterais" sumissem, achei que o vazio seria passageiro, mas não foi tão passageiro assim. Talvez seja difícil de acreditara, talvez não (não sei se tem muitos relatos assim), mas foram cerca de nove meses até eu começar a "sentir" novamente, nove meses até que eu começasse a ter meus sentimentos de volta. O tempo de um nascimento, ou um renascimento no caso ^^
Apesar de este efeito parecer assustador - perder todas as emoções - para mim foi tão gratificante, eu sou até hoje tão grato por não ter sentido nada, pois antes disso eu sentia, sentia o peso de uma depressão que convivi boa parte da minha adolescência e fase adulta, tempo em que por muitas vezes me peguei tendo pensamento suicidas e coisas que só me faziam afundar mais e mais. Não sentir nada, foi sentir alivio. Eu fico pensando em quão imprudente fui e em quão poderia ter dado errado, fico imaginando se fosse com uma pessoa "mentalmente saudável" o quão desastroso seria acordar e sentir o vazio, poderia levar alguém que até então levava uma vida tranquila a passar por problemas sérios ao não se reconhecer mais, ou coisa pior. Mas sou muito grato por tudo.
Eu ia dizer que não me considero uma pessoa feliz, mas não acho que existem "pessoas felizes", pois acredito que felicidade seja apenas instantes, assim como tudo, mas poderia dizer então, que eu não aprecio a vida como eu gostaria, eu ainda vejo a vida meio cinza e sem graça, mas é diferente do que um dia já foi. Não tenho mais nenhuma pensamento suicida desde o dia da minha experiência, nem se quer passo o dia me lamento por seja lá qualquer coisa. Passei a ver a vida de forma tão mais simples. A vida é como ela é, quer seja chata ou não, não há motivos para querer apressar nossa - já - curta estadia aqui neste plano. O segredo é viver da melhor forma que puder, fazendo um pouquinho a cada dia.
Durante estes meses que se passaram eu fiquei com uma sensação de que eu não deveria pensar sobre o que havia acontecido, na verdade eu não queria pensar, acho que eu imaginava que se ficasse relembrando toda aquela tortura eu nunca poderia superar, é como terminar com sua namorada sabe? Pensei apenas em seguir em frente. Depois que eu voltei a sentir as coisas eu pude e quis voltar a pensar sobre isso, sinto que ganhei uma habilidade extraordinária, a habilidade de não pensar. Minha mente sempre foi muito agitada, mas agora é como se eu conseguisse separar os pensamentos na minha cabeça, é como se eu pudesse jogar algumas coisas que não quero pensar num cantinho e deixar lá, sem me incomodar. Jogar as coisas para escanteio assim não sei se é bom, mas tenho me divertido selecionando alguns pensamentos haha.
Pra finalizar, quero também dizer que além da minha nova habilidade eu adquiri uma condição estranha que confesso ter medo de uma possível esquizofrenia ou algo do tipo no futuro. Em alguns momentos no meu dia a dia, eu duvido da realidade, me pergunto se ainda estou preso lá naquele dia. Se toda minha vida após é só uma ilusão (ou a vida inteira é uma ilusão?). Sei lá, eu simplesmente para em algum momento e penso se realmente recobrei a consciência, mas ao que tudo indica sim ^^.
Foi só agora em 2021 que voltou a vontade de dar continuidade ao processo de cura e descobrimento, não sei quando será minha próxima viagem, mas tenho certeza de que será feita de forma muito mais responsável e com um proposito ainda mais fortalecido. E se alguém por ventura ler este relato e caso esteja passando por um momento complicado em sua vida, seja um estado depressivo ou coisa do tipo, procure ajuda médica, converse com familiares se possível, não pense que precise carregar todo o fardo sozinho, e muito menos sair por aí se aventurando com substâncias alteradoras da consciência sem ter bastante conhecimento sobre onde está se metendo.
Um abraço a todos,
Flaik