- 17/02/2010
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Era assim, uma garota quase invisível. Só não era por completa porque as pessoas ainda podiam ouvir sua voz aveludada, de estranha localização, pois nunca se sabia ao certo de que lado ela estava. Ela era feliz, porque tinha muitos amigos com quem podia desabafar seus anseios, suas vontades. As vezes se chateava já que não podia ser vista por ninguém, e mesmo ela não sabia como era seu rosto. Já havia chegado na conclusão de que sua maneira de viver era diferente de todo o resto, e não tinham outros como ela. Era um espectro que alucinava sua própria capacidade de se exaltar num mundo que temia. Era uma criança de olhos fechados, via tudo com os olhos de sua mente, usava a imaginação para isso, era seu dom. Sendo assim, ela realmente não tinha olhos, nem boca, nem rosto, nem mãos e pernas. Era um vazio linear, um vazio exterior. Alias, seu exterior era justamente seu interior, a mesma coisa. E pra ela tudo era assim, tudo fazia parte de um conjunto da mesma coisa, de uma mesma linha que começava e terminava no mesmo ponto. O seu ângulo mental era extenso, eram tantas metáforas que se passavam pela sua cabeça que ela chegava ao ponto de não pensar em nada e viver assim. Seus amigos eram pequeninos, não falavam, apenas compartilhavam suas vidas mentalmente, faziam com que transbordassem varias informações na mente daquela menina. Eles adoravam ouvi-la cantar, enquanto caminhava sobre um verde de cor forte, cintilante. Alguns a chamavam pelo nome, ela não ouvia, mas sentia a presença deles ali e logo percebia onde cada um deles estavam. A ligação entre eles era tão forte, que a luz do sol brilhava lá como nunca em lugar nenhum. As águas que caiam imersas numa grande selva, cheia de plantas e animais pequenos, um lugar maravilhoso e perfeitamente dela. Seus amigos, ela pensava, nasceram para ela. Um completava o outro, e todo resto ao redor fazia parte daquele mundo. Era tão assim, que das vezes que ficava triste não adiantava, suas lágrimas serviam bem de vitalização para seus amigos. Foi em um dia como todos os outros, um diferente do anterior, que seria totalmente diferente do posterior, que seria exatamente o contrario dos outros próximos dias. Era escuro, e ela estava debaixo de uma arvore, ao lado da cachoeira que gritava em seu percurso, lúcida e pensativa. Não parecia que sua presença estava lá, embora sentisse sua localização mesmo que tivesse acabado de chegar ali. Pensava o tempo todo, em todos os tempos, nos lugares que ainda poderia ir. Lembrou de uma história que um de seus amigos havia contado à ela, de um lugar em especial, que não tinha nome, nem localização, nem caminho a qual chegar. Para estar lá, só havia um meio, e isso ela infelizmente não se lembrava. Lembrou também de como ele descrevera esse lugar, com montanhas pequenas, sem casa alguma, com arvores em espiral, flores gigantescas, um cheiro de orvalho doce, e uma sensação maravilhosa de preenchimento de vazio. E foi lembrando de tudo isso que despertou nela uma linda vontade de ir pra lá. Teve uma grande decepção consigo mesma, ela não conseguia se lembrar da maneira como se chegar...