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Provocações

Clorofila

Cogumelo maduro
Membro Ativo
24/01/2007
844
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Provocações


A primeira provocação ele agüentou calado. Na verdade, gritou e esperneou. Mas todos os bebês fazem assim, mesmo os que nascem em maternidade, ajudados por especialistas. E não como ele, numa toca, aparado só pelo chão.

A segunda provocação foi a alimentação que lhe deram, depois do leite da mãe. Uma porcaria. Não reclamou porque não era disso.

Outra provocação foi perder a metade dos seus dez irmãos, por doença e falta de atendimento. Não gostou nada daquilo. Mas ficou firme. Era de boa paz.

Foram lhe provocando por toda a vida.

Não pode ir a escola porque tinha que ajudar na roça. Tudo bem, gostava da roça. Mas aí lhe tiraram a roça.

Na cidade, para aonde teve que ir com a família, era provocação de tudo que era lado. Resistiu a todas. Morar em barraco. Depois perder o barraco, que estava onde não podia estar. Ir para um barraco pior. Ficou firme.

Queria um emprego, só conseguiu um subemprego. Queria casar, conseguiu uma submulher. Tiveram subfilhos. Subnutridos. Para conseguir ajuda, só entrando em fila. E a ajuda não ajudava.

Estavam lhe provocando.

Gostava da roça. O negócio dele era a roça. Queria voltar pra roça.

Ouvira falar de uma tal reforma agrária. Não sabia bem o que era. Parece que a idéia era lhe dar uma terrinha. Se não era outra provocação, era uma boa.

Terra era o que não faltava.

Passou anos ouvindo falar em reforma agrária. Em voltar à terra. Em ter a terra que nunca tivera. Amanhã. No próximo ano. No próximo governo. Concluiu que era provocação. Mais uma.

Finalmente ouviu dizer que desta vez a reforma agrária vinha mesmo. Para valer. Garantida. Se animou. Se mobilizou. Pegou a enxada e foi brigar pelo que pudesse conseguir. Estava disposto a aceitar qualquer coisa. Só não estava mais disposto a aceitar provocação.

Aí ouviu que a reforma agrária não era bem assim. Talvez amanhã. Talvez no próximo ano... Então protestou.

Na décima milésima provocação, reagiu. E ouviu espantado, as pessoas dizerem, horrorizadas com ele:

- Violência, não!



Luis Fernando Veríssimo

 
Um excelente, sincero e realista olhar sociológico do cenário atual de nosso país. :pos: :pos: :pos:
 
Eu costumo dizer o seguinte:

Não julge. Se você tivesse nascido onde ele nasceu, visto o que ele viu, passado pelo que ele passou, faria tudo exatamente igual.

É triste a realidade de algumas pessoas.
 
sobre O Texto:
Sentimentos Repremidos,geram Violencia....isso E Altamente Perigoso.....
Nao E Preciso Ser Estupido Mas E Preciso Ser Sincero Consigo Mesmo,e Dizer Oque Se Pensa A Respeito
DEFINITIVAMENTE NAO SE REPRIMA, RASGUE O VERBO.....​

.​
 
Sempre ouvimos falar de reforma disto, daquilo, mas a única reforma que vemos é no bolso daqueles que ocupam cargos públicos...e sempre pra mais.

Não temos direito mais nem pelo que pagamos.

E igual o personagem do texto, continuamos esperando...revoltados.
 
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