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Por uma dieta saudável de informações

Ecuador

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22/12/2007
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Por uma dieta saudável de informações



Estávamos acostumados a ser pobres em calorias e agora o problema é a obesidade. Estávamos acostumados a ser pobres em dados, agora o problema é a obesidade de dados​

Dessa forma, Hal Varian, economista chefe da Google e autor do “Economia da Informação”, traça um paralelo entre alimentação e overload de dados.

Eli Pariser, pesquisador e presidente da organização política MoveOn, gosta de usar a mesma metáfora. Do mesmo modo que, para acabar com o sobrepeso, devemos mudar os nossos hábitos alimentares, Pariser acredita que, para lidar com o atual overload informativo, precisamos mudar o modo como consumimos mídia. Devemos fazê-lo de forma menos compulsiva e adotar uma dieta saudável de informação, combinando conteúdos que vão ao encontro do que já acreditamos com aqueles capazes de trazer algo que ainda não conhecemos.

A ideia parece ser bem razoável, ainda mais tendo em consideração que serviços, como Twitter eFacebook, passaram de solução para problema no tocante ao overload informativo (vide o Facebook que foi obrigado a criar o filtro do filtro – a aba “principais notícias” na timeline da rede social).

Daí, parece ser um caminho natural buscar uma solução comportamental, e não tecnológica, para a avalanche de informações, mesclando o acesso a dados novos com coisas que já conhecemos. Entretanto, nos últimos anos, essa dieta saudável tem se tornado cada vez mais difícil, em razão – quem diria – dos milhares de algoritmos na rede, alerta Pariser em seu primeiro e polêmico livro The Filter Bubble, What The Internet is hiding from you? (Editora Peguin Press/304 páginas).

Segundo Pariser, sistemas de relevância na web, como Facebook e Google, que fornecem conteúdo personalizado, são úteis. Disponibilizam o que a gente quer. Evitam que gastemos dinheiro e tempo com coisas que não apreciamos. Contudo, eles podem nos deixar acostumados a ouvir e a ler apenas, e tão somente, o que nos agrada e, assim, ratificar a nossa visão de mundo. É como correr atrás do próprio rabo.

Ou seja, esses sistemas acabam por nos deixar longe de uma visão de mundo discordante, daquele conteúdo que destoa e que, naturalmente, também é importante para a nossa formação.



Tais filtros criam um loop do qual fica difícil sair, e que é chamado de “filter bubble”. Para o pesquisador, isso é nocivo. Nem sempre a informação que a gente gosta de ouvir é, de fato, a mais importante para nós. Quando o mundo é estritamente criado em torno do familiar, você não tem nada para aprender. E mais. Para ser livre, você não deve ser capaz apenas de fazer o que quer, mas saber o que pode fazer, afirma Pariser.

Do mesmo modo que a nossa identidade molda as novas mídias, em contrapartida, as mesmas moldam a nossa identidade. É um ciclo.

Essa percepção partiu de uma experiência pessoal do autor. Usuário assíduo do Facebook para mobilizações, Pariser notou que o conteúdo postado por alguns amigos estava sumindo da sua linha do tempo (timeline) na plataforma de rede social. Amigos estes de tendência mais conservadora, contrária a de Pariser, mais liberal.

A explicação do sumiço era simples – o algoritmo do Facebook, o EdgeRank, estava em funcionamento, tirando do campo de visão de Pariser links e comentários que não iam ao encontro de sua maneira de ver o mundo. Era a tal da “personalização”.

Apesar de não compactuar com os seus interesses, esses links eram importantes para Pariser. Para formar a sua visão, o pesquisador sempre gostou de ouvir opiniões contrárias. Não é por que não gostamos das mesmas coisas que uma pessoa não é relevante para a gente. Foi neste momento que Pariser constatou que o Facebook escondia dele algumas coisas. Sem deixar claro, a plataforma de rede social estava subtraindo informações importantes.



Segundo Pariser, os atuais sistemas de personalização, aos quais damos uma espécie de procuração para que sejam os nossos editores, têm dois problemas principais:

1) “Overfitting” (previsões generalizadas). Os atuais “algoritmos de personalização” não dão o benefício da dúvida. Não é por que eu “curti” duas vezes um filme de comédia romântica que sou fã do gênero. Para saber quem eu sou, o algoritmo deve testar essa hipótese várias vezes. Colocar um Blade Runner no meio das sugestões para ter certeza de que sou um fã de comédias românticas.

2) Não conseguem separar compulsão de informação de interesse geral. O que temos hoje é o consumo compulsivo de mídia. Por isso, nem sempre aquela matéria que é compulsivamente retuitada ou “curtida” é a mais importante para a gente.

Pariser reconhece que, historicamente, sempre consumimos aquele conteúdo que vai ao encontro dos nossos interesses. O problema é que o “filter bubble” insere uma dinâmica nunca vista. O primeiro detalhe é que esse “filtro” é invisível e você está obrigatoriamente nele, sem opção de escolha. Quando resolvemos assinar o NYTimes, tomamos a decisão de utilizar aquele filtro (mais liberal) para construir a nossa visão de mundo. Quando acessamos a Fox News, optamos por outro, mais conservador.

Com Google e Facebook é diferente. A agenda dos dois é opaca. Ninguém sabe direito como funcionam os seus algoritmos. É uma caixa preta. Posicionam-se como empresas neutras, “tecnológicas”, sem linha editorial, mas o próprio fato de utilizarem um algoritmo que define a relevância de uma informação já é, por si só, uma decisão editorial.

Além disso, a Google pode até não ser política, porém a própria missão da empresa, de organizar a informação do mundo e mantê-la acessível para qualquer um, carrega uma nítida opção moral e política – a democratização do conhecimento, antes restrito às elites, agora para todos indistintamente.

Apesar de focar mais em Facebook e Google, as observações de Pariser valem para qualquer produto que trabalha com sistemas de relevância – Amazon, Netflix, Flipboard.



No livro, o presidente da Moveon chega a ser pessimista em alguns momentos. Segundo ele, a internet ainda não cumpriu a missão de ser uma tecnologia pull (o usuário procura de forma autônoma a informação na rede). Ainda somos consumidores passivos de informação.

Hoje, as pessoas utilizam bem mais a internet como se estivessem assistindo a TV (tecnologia push). Sentam na frente do computador, abrem o Facebook e o Twitter e esperam que a informação chegue até elas. São passivas, o que é corroborado por aquela frase do consumidor pseudomoderno de informação – “Se a informação é importante, ela chega até mim”.

Isto é, foi-se o tempo da navegação mais ativa. Você digitava o endereço de um site no navegador, de outro, e mais outro, e ia navegando aleatoriamente, descobrindo por conta própria. Hoje, cada vez mais, o usuário faz menos, cabendo aos algoritmos mostrar as “notícias mais importantes” e as coisas supostamente novas.

O autor compreende o problema entre filtros de personalização e overload informativo. Muitas vezes, justamente para ter resultados mais relevantes, é necessário que a web tenha mais dados, visto que quanto maior o número de informações, mais inteligente fica o sistema. Discurso adotado pela Google e Microsoft.

Pariser também não nega a importância das ferramentas de personalização. Elas são causa e efeito de um processo maior de fragmentação do mercado (falar para um público específico), e da consequente abundância de informações. Hoje, o mercado é fragmentado não necessariamente por renda, mas sim por hábitos e interesses.

Esse processo começou muito antes do surgimento da web, mais especificamente quando as pessoas nos países industrializados começaram a mudar a percepção do que é importante para elas – deixaram de pensar apenas em necessidades básicas para se preocuparem em ter produtos menos despersonalizados, o que, por sua vez, abriu espaço, lentamente, para a autoexpressão, que hoje está bem presente nas plataformas de redes sociais.



A própria crítica aos filtros personalizados vem de muito antes. No entender de Pariser (foto acima), no final do século 19, em Notas do Subsolo, o escritor russo Dostoiévski já abordava o assunto – “quando tudo for calculado não haverá mais ruídos no nosso mundo”.
Para sair desse loop de informações que apenas ratificam nossa visão de mundo, Pariser não se posiciona eternamente contra os serviços de personalização, mas sim que sejam aperfeiçoados. Esses filtros deveriam expor seus usuários a tópicos fora da sua experiência normal – por hipótese, o Google poderia ter uma barra onde você pudesse fazer um equilíbrio entre informação personalizada e um fluxo de notícias diversas.

The Filter Bubble, What The Internet is hiding from you? é uma boa leitura para quem trabalha com o desenvolvimento de sistemas de relevância. Faz a gente rever muitas posições. Contudo, vale fazer duas observações sobre o livro de Pariser:

Ele trata plataformas de redes sociais como plataformas de mídia. Pariser enfatiza demais o fato de que as pessoas utilizam esse tipo de tecnologia para consumir conteúdo/notícias. Quem lê este blog sabe que não concordo muito com essa visão.

Acredito que plataformas de redes sociais são, acima de tudo, utilitários de comunicação. Assim como o telefone, as pessoas usam muito mais essas tecnologias para comunicação e conexão entre si do que propriamente para consumo de conteúdo/notícias. Ou seja, para mim, Mark Zuckerberg é bem mais um Alexander Graham Bell do que um Rupert Murdoch dos tempos atuais.

Outro ponto – o discurso de Pariser é nitidamente mais voltado para empresas do que usuários finais. O pesquisador deixa isso evidente no penúltimo capítulo, quando questiona a ética das empresas de internet.

Ecoando as palavras de Tim Wu, autor de Master Switch e professor da Universidade de Columbia, Pariser acredita que a internet criou novos intermediários. Para comprar livros, as pessoas passam pela Amazon. Para buscar informações, Google e Facebook intermediam grande parte do processo.

Segundo Pariser, estes já adquiriram tanto poder quanto os editores de jornais, donos de gravadoras e outros intermediários que os precederam. Algo que é comemorado no Vale do Silício, embora a questão da inevitável responsabilidade seja deixada em segundo plano.
Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. Para o pesquisador, do mesmo modo que vender jornal não é o mesmo que comercializar qualquer produto, tornar-se um dos principais intermediários da comunicação e produção simbólica não é pouca coisa.


É certo que empresas de jornalismo e de internet, como Google e Facebook, buscam a acumulação de lucro, no entanto o serviço prestado por elas tem um forte impacto moral e social. Em outras palavras, são serviços com acentuado e indiscutível interesse público.
Por isso, tendo em mente que os desenvolvedores são os grandes construtores da plataforma pela qual a sociedade atualmente se desenvolve, a formação destes precisa mudar. Do mesmo modo que cursos de Humanas estão captando noções junto aos de tecnologia (vide o curso da Columbia que mistura jornalismo com ciências da computação), o inverso deve ocorrer.

Desenvolvedores precisam de uma formação mais humanista – ter noção de cidadania, esfera pública, de que têm um grande poder em mãos e precisam usá-lo com responsabilidade. Algo que, segundo Pariser, não vem acontecendo com frequência no Vale do Sílicio.

A responsabilidade dá lugar a uma certa arrogância de achar que o resto do mundo não entende as novas tecnologias, vistas como uma entidade à parte da sociedade. Esse “determinismo tecnológico” absolve as empresas da responsabilidade pelo que fazem (elas seriam meras figurantes dessa força maior da qual é inútil resistir). Ou seja, não precisam se preocupar com o efeito (e erros) do sistema que criaram.

Semelhante à indústria de fastfood que nos leva a consumir muita caloria, o serviço prestado por essas empresas nos faz consumir muita informação e que ratifica a nossa visão de mundo, enquanto que o ideal seria ter um consumo mais balanceado – menos informação e que traga visões comuns e destoantes.

Essa visão de Pariser não tira a importância de Facebook e Google. Pelo contrário, ao revelar o poder que essas empresas têm em moldar a nossa identidade, mostra que elas e outros pioneiros conseguiram o que queriam – transformar a internet na principal plataforma de comunicação do nosso tempo.

http://www.tiagodoria.ig.com.br/tag/eli-pariser/
 
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