Plantas Alimentícias Não-Convencionais (PANCs): uma Riqueza Negligenciada.
Muito é dito nas instituições de pesquisa, na mídia em geral, nas agendas políticas
e mesmo nas conversas corriqueiras sobre a megabiodiversidade brasileira, no entanto,
pouco é feito com objetivos práticos de valoração e uso real desta riqueza biológica. No
que diz respeito à diversidade florística (fitodiversidade) com potencial alimentício, por
exemplo, muito pouco é conhecido, pesquisado e compõe a matriz agrícola nacional ou
mesmo regional. Quais são as espécies de frutas e hortaliças nativas produzidas em larga
escala? Quais passaram por pesquisas, a longo prazo, de melhoramentos e seleções
genéticas? Existem programas governamentais efetivos que incentivem ou, ao menos,
não criem empecilhos para o cultivo e manejo de espécies alimentares nativas? Quantas
disciplinas acadêmicas existem nas instituições nacionais de ensino técnico ou superior
voltadas ao estudo e divulgação de espécies alimentícias silvestres? Estas são apenas
algumas questões inquietantes referentes à forma mais básica de uso, a alimentação.
A maioria das plantas chamadas "daninhas" ou "inços" (o correto e adequado é
plantas/ervas espontâneas), pois medram entre as plantas cultivadas são espécies com
grande importância ecológica e econômica. Muitas destas espécies, por exemplo, são
alimentícias mesmo que atualmente em desuso (ou quase) pela maior parte da população.
O mesmo é válido para plantas silvestres, as quais são genericamente chamadas de
"mato" ou planta do mato, no entanto, são recursos genéticos com grande potencial de
uso imediato ou futuro a partir de programas de melhoramento, seleção e manejos
adequados.
Os países tropicais e subtropicais detêm a maior diversidade de espécies vegetais
vasculares, contudo, o número de frutíferas e oleráceas autóctones proporcionalmente
utilizadas é ínfimo. Por exemplo, dentre as 10 espécies frutíferas mais produzidas no
Brasil nenhuma é nativa. Algumas frutas nativas têm expressão regional, mas mesmo
assim aquém do desejado.
No que se refere às hortaliças nativas a pesquisa, o cultivo, o uso e a valorização
parece ser ainda menor. As frutas têm o chamariz da cor, da doçura e da suculência, já as
hortaliças em geral são tratadas como "mato", "coisas verdes" aguadas e sem sabores
característicos. As nativas, as quais são tratadas aqui como hortaliças regionais ou
genericamente como não-convencionais, inegavelmente são "matos" enquanto não
cultivadas e utilizadas com regularidade. Mas, este enquadramento pode ser transitório.
Algumas espécies hoje tidas como culturas agronômicas foram tratadas como inços ou
"daninhas" até muito recentemente e outras, outrora muito utilizadas, caíram em desuso.
Dentre as hortaliças, algumas poucas fazem parte da culinária regional. Entre estas
destaca-se o jambu (Acmella oleracea (L.) R.K.Jansen - Asteraceae) componente
essencial do tacacá, prato típico da culinária amazônica. Outra planta típica da Amazônia
é o cubiu (Solanum sessiliflorum Dun. - Solanaceae), a qual produz frutos (classificada
também como frutífera) que podem ser usados na tradicional caldeirada, assim como para
a elaboração de sucos, sorvetes, doces e geléias. Esta espécie já está também sendo
cultivada e comercializada em outros Estados extra-amazônicos, recebendo o nome
comercial de maná-cubiu ou simplesmente maná. Outra muito cultivada e vendida na
região Norte é a chicória-de-caboclo (Eryngium foetidum L.- Apiaceae), um tempero
essencial em alguns pratos, sobretudo, naqueles a base de peixes, mas pode ser utilizada
também como ingrediente principal em bolinhos (tempurá).
Merece destaque o ora-pro-nobis ou carne-de-pobre (Pereskia spp. - Cactaceae)
verdura típica da culinária mineira. Este é um dos dois gêneros da família que apresentam
folhas verdadeiras. Inclusive, em 1997 foi criado o Festival do Ora-Pro-Nóbis no município
de Sabará, Minas Gerais (MG). Dentre as hortaliças nativas cabe destacar também as
taiobas, taiás, mangarás e mangaritos (Xanthosoma spp. - Araceae). Algumas espécies
deste gênero, tais como a taioba (X. sagittifolium (L.) Schott) além das folhas cordiformes
ricas em vitamina A e recomendadas para quem sofre com prisão de ventre produz grande
quantidade tubérculos amiláceos saborosos consumidos cozidos e fritos, ensopados ou
transformados em pães e bolos. Entre as Dioscoreaceae nativas algumas podem ser
consumidas (tubérculos) como alimento, e.g., a caratinga, Dioscorea dodecaneura Vell., a
qual é ocasionalmente cultivada em alguns quintais ou jardins como ornamental, devido às
belas folhas.
A diversidade de espécies frutíferas e hortaliças nativas (além das cultivadas ou
naturalizadas) do Brasil e, especialmente, na Amazônia é imensa. Aqui apenas foram
tecidas algumas considerações gerais sobre umas poucas espécies ilustrativas com o
intuito de chamar a atenção para a biodiversidade brasileira sem a mínima pretensão de
listar as espécies-chave e sempre frisando a necessidade de mais pesquisas a longo
prazo, manejos sustentáveis e cultivos das espécies nativas úteis. Estudos etnobotânicos
também são necessários para resgatar os conhecimentos populares sobre as frutas e
hortaliças silvestres, suas diferentes formas de uso e preparo, maneiras tradicionais de
plantio e manejo, épocas de colheitas ou de extrativismo e os usos múltiplos destas
espécies. E assim tentar estimular que as populações tradicionais (indígenas, quilombolas
e/ou pequenos agricultores) continuem a valorizar seus alimentos locais e preservar suas
sementes crioulas ou caboclas mantendo os recursos genéticos vegetais in situ ou in situ
on farm.
Os valores alimentícios dos produtos locais também precisam ser melhor
pesquisados e divulgados. Atualmente, aparentemente estamos vivendo uma época de
busca pelos produtos saudáveis, de origens conhecidas e que contribuam para
conservação ambiental. Os paradigmas e tabus alimentares precisam ser repensados.
Mas, para isso é preciso investir em pesquisas básicas e aplicadas e, sobretudo, em
programas educativos através dos meios de comunicação de massa que, talvez poderiam
reverter os preconceitos e criar um orgulho nacional na utilização dos recursos naturais.
Contudo, além dos manejos sustentáveis, cultivos, pesquisas e marketing das espécies
promissoras há, naturalmente, a necessidade de preços competitivos, de controle de
qualidade dos produtos e de produção em maior escala, criando assim as demandas e os
mercados.
Valdely Ferreira Kinupp
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM)
Campus Manaus-Zona Leste
val@ifam.edu.br
Fonte: http://www.sbpcnet.org.br/livro/61ra/mesas_redondas/MR_ValdelyKinupp.pdf
Muito é dito nas instituições de pesquisa, na mídia em geral, nas agendas políticas
e mesmo nas conversas corriqueiras sobre a megabiodiversidade brasileira, no entanto,
pouco é feito com objetivos práticos de valoração e uso real desta riqueza biológica. No
que diz respeito à diversidade florística (fitodiversidade) com potencial alimentício, por
exemplo, muito pouco é conhecido, pesquisado e compõe a matriz agrícola nacional ou
mesmo regional. Quais são as espécies de frutas e hortaliças nativas produzidas em larga
escala? Quais passaram por pesquisas, a longo prazo, de melhoramentos e seleções
genéticas? Existem programas governamentais efetivos que incentivem ou, ao menos,
não criem empecilhos para o cultivo e manejo de espécies alimentares nativas? Quantas
disciplinas acadêmicas existem nas instituições nacionais de ensino técnico ou superior
voltadas ao estudo e divulgação de espécies alimentícias silvestres? Estas são apenas
algumas questões inquietantes referentes à forma mais básica de uso, a alimentação.
A maioria das plantas chamadas "daninhas" ou "inços" (o correto e adequado é
plantas/ervas espontâneas), pois medram entre as plantas cultivadas são espécies com
grande importância ecológica e econômica. Muitas destas espécies, por exemplo, são
alimentícias mesmo que atualmente em desuso (ou quase) pela maior parte da população.
O mesmo é válido para plantas silvestres, as quais são genericamente chamadas de
"mato" ou planta do mato, no entanto, são recursos genéticos com grande potencial de
uso imediato ou futuro a partir de programas de melhoramento, seleção e manejos
adequados.
Os países tropicais e subtropicais detêm a maior diversidade de espécies vegetais
vasculares, contudo, o número de frutíferas e oleráceas autóctones proporcionalmente
utilizadas é ínfimo. Por exemplo, dentre as 10 espécies frutíferas mais produzidas no
Brasil nenhuma é nativa. Algumas frutas nativas têm expressão regional, mas mesmo
assim aquém do desejado.
No que se refere às hortaliças nativas a pesquisa, o cultivo, o uso e a valorização
parece ser ainda menor. As frutas têm o chamariz da cor, da doçura e da suculência, já as
hortaliças em geral são tratadas como "mato", "coisas verdes" aguadas e sem sabores
característicos. As nativas, as quais são tratadas aqui como hortaliças regionais ou
genericamente como não-convencionais, inegavelmente são "matos" enquanto não
cultivadas e utilizadas com regularidade. Mas, este enquadramento pode ser transitório.
Algumas espécies hoje tidas como culturas agronômicas foram tratadas como inços ou
"daninhas" até muito recentemente e outras, outrora muito utilizadas, caíram em desuso.
Dentre as hortaliças, algumas poucas fazem parte da culinária regional. Entre estas
destaca-se o jambu (Acmella oleracea (L.) R.K.Jansen - Asteraceae) componente
essencial do tacacá, prato típico da culinária amazônica. Outra planta típica da Amazônia
é o cubiu (Solanum sessiliflorum Dun. - Solanaceae), a qual produz frutos (classificada
também como frutífera) que podem ser usados na tradicional caldeirada, assim como para
a elaboração de sucos, sorvetes, doces e geléias. Esta espécie já está também sendo
cultivada e comercializada em outros Estados extra-amazônicos, recebendo o nome
comercial de maná-cubiu ou simplesmente maná. Outra muito cultivada e vendida na
região Norte é a chicória-de-caboclo (Eryngium foetidum L.- Apiaceae), um tempero
essencial em alguns pratos, sobretudo, naqueles a base de peixes, mas pode ser utilizada
também como ingrediente principal em bolinhos (tempurá).
Merece destaque o ora-pro-nobis ou carne-de-pobre (Pereskia spp. - Cactaceae)
verdura típica da culinária mineira. Este é um dos dois gêneros da família que apresentam
folhas verdadeiras. Inclusive, em 1997 foi criado o Festival do Ora-Pro-Nóbis no município
de Sabará, Minas Gerais (MG). Dentre as hortaliças nativas cabe destacar também as
taiobas, taiás, mangarás e mangaritos (Xanthosoma spp. - Araceae). Algumas espécies
deste gênero, tais como a taioba (X. sagittifolium (L.) Schott) além das folhas cordiformes
ricas em vitamina A e recomendadas para quem sofre com prisão de ventre produz grande
quantidade tubérculos amiláceos saborosos consumidos cozidos e fritos, ensopados ou
transformados em pães e bolos. Entre as Dioscoreaceae nativas algumas podem ser
consumidas (tubérculos) como alimento, e.g., a caratinga, Dioscorea dodecaneura Vell., a
qual é ocasionalmente cultivada em alguns quintais ou jardins como ornamental, devido às
belas folhas.
A diversidade de espécies frutíferas e hortaliças nativas (além das cultivadas ou
naturalizadas) do Brasil e, especialmente, na Amazônia é imensa. Aqui apenas foram
tecidas algumas considerações gerais sobre umas poucas espécies ilustrativas com o
intuito de chamar a atenção para a biodiversidade brasileira sem a mínima pretensão de
listar as espécies-chave e sempre frisando a necessidade de mais pesquisas a longo
prazo, manejos sustentáveis e cultivos das espécies nativas úteis. Estudos etnobotânicos
também são necessários para resgatar os conhecimentos populares sobre as frutas e
hortaliças silvestres, suas diferentes formas de uso e preparo, maneiras tradicionais de
plantio e manejo, épocas de colheitas ou de extrativismo e os usos múltiplos destas
espécies. E assim tentar estimular que as populações tradicionais (indígenas, quilombolas
e/ou pequenos agricultores) continuem a valorizar seus alimentos locais e preservar suas
sementes crioulas ou caboclas mantendo os recursos genéticos vegetais in situ ou in situ
on farm.
Os valores alimentícios dos produtos locais também precisam ser melhor
pesquisados e divulgados. Atualmente, aparentemente estamos vivendo uma época de
busca pelos produtos saudáveis, de origens conhecidas e que contribuam para
conservação ambiental. Os paradigmas e tabus alimentares precisam ser repensados.
Mas, para isso é preciso investir em pesquisas básicas e aplicadas e, sobretudo, em
programas educativos através dos meios de comunicação de massa que, talvez poderiam
reverter os preconceitos e criar um orgulho nacional na utilização dos recursos naturais.
Contudo, além dos manejos sustentáveis, cultivos, pesquisas e marketing das espécies
promissoras há, naturalmente, a necessidade de preços competitivos, de controle de
qualidade dos produtos e de produção em maior escala, criando assim as demandas e os
mercados.
Valdely Ferreira Kinupp
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM)
Campus Manaus-Zona Leste
val@ifam.edu.br
Fonte: http://www.sbpcnet.org.br/livro/61ra/mesas_redondas/MR_ValdelyKinupp.pdf