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O Poeta

mirador

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31/01/2009
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Sou um estrangeiro neste mundo.

Sou um estrangeiro, e há na vida do estrangeiro uma solidão pesada e um isolamento doloroso. Sou assim levado a pensar sempre numa pátria encantada que não conheço, e a sonhar com os sortilégios de uma terra longínqua que nunca visitei.

Sou um estrangeiro para minha alma. Quando minha língua fala, meu ouvido estranha-lhe a voz. Quando meu Eu interior ri ou chora, ou se entusiasma, ou treme, meu outro Eu estranha o que ouve e vê, e minha alma interroga minha alma. Mas permaneço desconhecido e oculto, velado pelo nevoeiro, envolto no silêncio.

Sou um estrangeiro para o meu corpo. Todas as vezes que me olho num espelho, vejo no meu rosto algo que minha alma não sente, e percebo nos meus olhos algo que minhas profundezas não reconhecem.

Quando caminho nas ruas da cidade, os meninos me seguem gritando: “Eis o cego, demos-lhe um cajado que o ajude.” Fujo deles. Mas encontro outro grupo de moças que me seguram pelas abas da roupa, dizendo: “É surdo como a pedra. Enchamos seus ouvidos com canções de amor e desejo.” Deixo-as correndo. Depois, encontro um grupo de homens que me cercam, dizendo: “É mudo como um túmulo, vamos endireitar-lhe a língua.” Fujo deles com medo. E encontro um grupo de anciãos que apontam para mim com dedos trêmulos, dizendo: “É um louco que perdeu a razão ao freqüentar as fadas e os feiticeiros.”

Sou um estrangeiro neste mundo.

Sou um estrangeiro e já percorri o mundo do Oriente ao Ocidente sem encontrar minha terra natal, nem quem me conheça ou se lembre de mim.

Acordo pela manhã, e acho-me prisioneiro num antro escuro, freqüentado por cobras e insetos. Se sair à luz, a sombra de meu corpo me segue, e as sombras de minha alma me precedem, levando-me aonde não sei, oferecendo-me coisas de que não preciso, procurando algo que não entendo. E quando chega a noite, volto para a casa e deito-me numa cama feita de plumas de avestruz e de espinhos dos campos.

Idéias estranhas atormentam minha mente, e inclinações diversas, perturbadoras, alegres, dolorosas, agradáveis. À meia-noite, assaltam-me fantasmas de tempos idos. E almas de nações esquecidas me fitam. Interrogo-as, recebendo por toda resposta um sorriso. Quando procuro segura-las, fogem de mim e desvanecem-se como fumaça.

Sou um estrangeiro neste mundo.

Sou um estrangeiro e não há no mundo quem conheça uma única palavra do idioma de minha alma...

Caminho na selva inabitada e vejo os rios correrem e subirem do fundo dos vales ao cume das montanhas. E vejo as árvores desnudas se cobrirem de folhas num só minuto. Depois, suas ramas caem no chão e se transformam em cobras pintalgadas.

E as aves do céu voam, pousam, cantam, gorgeiam e depois param, abrem as asas e viram mulheres nuas, de cabelos soltos e pescoços esticados. E olham para mim com paixão e sorriem com sensualidade. E estendem suas mãos brancas e perfumadas. Mas, de repente, estremecem e somem como nuvens, deixando o eco de risos irônicos.

Sou um estrangeiro neste mundo.

Sou um poeta que põe em prosa o que a vida põe em versos, e em versos o que a vida põe em prosa. Por isto, permanecerei um estrangeiro até que a morte me rapte e me leve para minha pátria.

(Extraído de “Temporais”) Gibran Khalil Gibran
 
Bacana esse texto! Mas rola uma identificação? (Já sei a resposta)

Acho que se conectar demais a consciência pode te tornar vazio de experiências corporeas, o sentir se esvai pois este só compete a essa experiência vivida neste corpo.
A consciência excedeu e desequilibrou, consciência é imortal e imaterial, incapaz de compactuar só lhe resta o papel de expectador.

(Trip DMT de ontem sendo aplicada hoje)
 
Bacana esse texto! Mas rola uma identificação? (Já sei a resposta)

Acho que se conectar demais a consciência pode te tornar vazio de experiências corporeas, o sentir se esvai pois este só compete a essa experiência vivida neste corpo.
A consciência excedeu e desequilibrou, consciência é imortal e imaterial, incapaz de compactuar só lhe resta o papel de expectador.

(Trip DMT de ontem sendo aplicada hoje)

Esse texto tem um forte conteúdo metafísico pra mim. Da primeira vez que lí, enchi os olhos d'água.
Muitas imagens do texto me remetem a experiência psicodélica, por isso postei. Alguns sentimentos de dissociação, estranhamento, inefabilidade:

- "(...)não há no mundo quem conheça uma única palavra do idioma de minha alma..."

Não sei se todos sentem esse tipo de coisa mas eu me sinto algumas vezes, exatamente como nesse texto.

"Idéias estranhas atormentam minha mente, e inclinações diversas, perturbadoras, alegres, dolorosas, agradáveis"

"Se sair à luz, a sombra de meu corpo me segue, e as sombras de minha alma me precedem, levando-me aonde não sei, oferecendo-me coisas de que não preciso, procurando algo que não entendo."

Concordo com o que você diz sobre o desiquilíbrio, mas isso não quer dizer que se consiga ser equilibrado além da parte intelectual. Aliás, para algumas pessoas, ser equilibrado emocionalmente e espiritualmente é algo utópico.
 
po meus broders que texto belo
é lendo esse texto que vejo que há sim no mundo quem entende pelo menos agumas palavras do idioma da minha alma
obrigado
 
Gibran é ótimo mesmo!

Me lembrou, além do Estrangeiro de Camus, O Lobo da Estepe de Hermann Hesse..

Ah, e também O Cântico Negro de José Régio..
 
Última edição por um moderador:
Tenho que agradecer por esse texto.

E vale frisar, além do caráter metafísico, o trabalho poético feito aqui. Há tempos eu não lia uma prosa tão poética.

Se vocês repararem bem, o poeta descreve um eu-lírico partido em dois - entre uma vaga lembrança e um devir - e plenamente consciente de sua condição caótica, insana e putrefata, descoberta hamletiana. Como, então, fugir das sombras da angústia e do medo sem cair na charada do Coringa?

Através do ritmo e da melodia que ele impõe, com coordenadas curtas e seguidas de significados extremos, ele oferece ao leitor uma delicada amostra de sua própria existência. A agonia que nós sentimos ao percorrer essas melódicas linhas poderia ser como os efeitos de uma dose, uma experiência rápida, doce e cruel da própria loucura através da poesia.

LINDO!!! Chorei <3
 
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