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Sigillvm Dei

Esporo
Membro Ativo
03/10/2022
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Devo dizer que ja planejava esta trip a quase 5 anos. Embora sentisse ser o lugar certo, a verdade é que nunca encontrei as condições certas. Muitas vezes por ter turistas e mirones a mais, o que inviabiliza uma qualquer tentativa de expansão de consciência mais profunda.

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Ainda lembro quando, pela primeira vez, visitei Nossa Senhora da Guadalupe. Foi mais curiosidade sobre a despretensiosa tabuleta "monumento megalítico" que via da estrada de duas vias que uso como desvio para não pagar o pedágio da rodovia que corre praticamente em paralelo. De fato, não estava nada a espera de encontrar um recinto megalítico e, com muita franqueza, quase desisti de o encontrar devido ao mal estado da estradinha de terra entre a vila e o recinto em si. Valeu cada salto e buraco que o carro fez até lá chegar. Na altura quase se podia estacionar entre os menires.

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Adiciono uma foto para entenderem a grandiosidade do lugar. Erguido a 8.000 anos atrás, foi usado do neolítico até a idade do ferro e depois subitamente abandonado. Não os vou entediar sobre porque foi construído, até porque não existe consenso da comunidade científica. Das vezes que lá fui, pude percebe que o movimento do sol no nascente e poente, posição da lua e estrelas, do céu noturno ao ocaso, é um balé coordenado em sombras e nuances, de alinhamentos e marcas nos 95 menires que o constituem em dois círculos que se ladeiam na forma do número 8.

No anel maior, um menir deitado parece servir de cama cerimonial, embora desconheça-se o real uso e mesmo se originalmente estaria deitado, pareceu-me o lugar certo para iniciar uma trip, e, acalentei essa ideia desde então.

Por ser um caminho que faço algumas vezes, tinha sempre por certo que existindo as condições ideais faria uma trip ali, estando já equipado para que isso pudesse acontecer, iria fazer.

O ano passado foi por uma unha negra que não ocorreu! Já estava com os cogumelos em mãos quando apareceu um carro a desovar escoteiros que iam acampar. Desta vez, e graças a um combinação de tempo um pouco frio e obras no acesso consegui ter o espaço apenas para mim. Uma oportunidade rara.

Já tinha comigo 4G do meu Orissa, chocolate e uma garrafa de água. Mastiguei os cogumelos junto do chocolate, preparei o mp3, desliguei o celular e comecei o meu set de relaxamento. Relaxei a aproveitar o sol deitado sobre o menir. Fechei os olhos e comecei a prestar a atenção a minha respiração, no calor do sol em meu rosto, nos sons dos pássaros e do vento, voltando ao sol, voltando a respiração, a internalizar as intenções da trip, mais uma vez a respiração, o sol, os pássaros e vento, num movimento de dentro para fora, do intangível para o tangível, do interno ao longínquo. Depois coloquei os fones e acionei a minha playlist aos primeiros efeitos. Os primeiros 30 minutos da minha playlist é ruído branco com sons de fundo leves, algum canto gregoriano, hindu e tibetano, como pretendo fazer um post sobre playlist, não vou me deter muito na descrição. A ideia é iniciar um relaxamento completo no inicio.

Estou usando também o chocolate preto para facilitar a absorção dos cogumelos e reduzir o desconforto gástrico.

Senti os efeitos a aumentar na forma física, relaxei um pouco mais. Abri os olhos. As cores estavam vibrantes e nítidas. Em todas as minhas trips existe um reforço das cores mais quentes, alaranjadas. Tirei os fones. Conseguia ouvir de uma forma que nunca antes tinha conseguido o ambiente a minha volta. Ouvia os pássaros, ouvia o vento, mas não era como no início. O som era envolto em cores. Depois havia um som das árvores, conseguia ouvir as árvores a respirar. O vento soprava entre os menires, mas escutava vozes longínquas. Assustei um bocado pois pensei que pudesse ser um grupo de turistas. Levantei de cima do menir e tentei observar. Senti o corpo extremamente pesado e foi muito penoso esse movimento repentino. Isso causou um efeito de nervosismo que foi amplificado na trip. Como eu tinha me preparado para esses eventualidades: levei os cogumelos embrulhados em papel prata que descartei longe de onde estava. Se fosse abordado por curiosos diria que estava a meditar num ritual pagão. Não vi ninguém se aproximando. Deitei novamente. Coloquei os fones, fechei os olhos, relaxei e acalmei a mente. A luz do sol que passava por entre as folhagens atingia o meu rosto novamente, percebia o movimento das folhas e aquilo se amplificou. Eu sentia a árvore a sentir aquela mesma luz do sol. A luz eram ondas. A árvore a se mover com o vento em ondas capturava a luz. Então a luz vinha do espaço de forma contínua. Aquela luz que atingia a minha face tinha feito milhões de quilómetros para atingir. Um misto de agradecimento e satisfação daquela luz que emergia do sol e me atingia. Senti uma grande euforia. Era uma alegria imensa. Resolvi abrir os olhos novamente. E naquele momento eu vi todo aquele espaço não como algo sólido, mas tudo era fluído, tudo era energia. Tudo era vibrante. Tudo que era sólido era como se fosse energia cristalizada. A luz do sol era colorida, ela preenchia os espaços. Tirei os fones, e voltei a escutar pessoas a falar. Concentrei no discurso e não entendia. Levantei e o chão era macio, como se andasse em cima de gelatina. Encostei numa pedra e abracei. Sentia muita vontade de abraçar aquela pedra. E me senti muito amado. De repente comecei a me sentir muito triste. Uma solidão muito forte que emanava do menir. Ele estava triste, eu estava triste. Eu era o menir. Senti o corpo muito pesado, como se eu tivesse a me petrificar. Senti medo, é uma sensação de morte, de voltar ao chão. Perdi as forças nas pernas e me deixei ir para o chão. Resolvi não lutar, era para estar no chão e eu ia estar no chão. Senti um vazio, um escuro muito grande. Não sei se tinha fechado os olhos ou se foi parte da trip. Pensei em voltar a colocar os fones, mas, estava petrificado e não conseguia os encontrar. Nestes casos, por experiência, sei que mais vale desistir e deixar ir. Ia ter uma badtrip sombria naquele momento. Eu estava morto e bem morto. E era a pedra ao mesmo tempo, de alguma forma eu e o menir tinhamos no fundido. Estava desolado e não havia alegria. Estava escuro. Imaginei que já era noite, mas não havia estrelas. Era isso, era o nada. Tudo estava silencioso. Não havia mais nada, não havia esperança. Pensei, é isso, eu estou aqui e sou isto. Foi o que sobrou. Que significado teve a minha vida?

Comecei a sentir sons. Comecei a sentir ao longe vida. Eram o musgo, as pequenas plantas, os insetos. Eram as formas mais humildes de vida. E elas estavam lá, e estavam completamente inconscientes de qualquer sentido metafórico que eu quisesse racionalizar sobre vida, afinal, existe a vida e depois todas as construções que os seres humanos fazem. Essa vida estava lá, sempre estiveram, sempre vão estar. Elas sabem que fazem parte de um grande elo em que morte e vida são faces da mesma moeda, pois não existe uma noção individual: existe um todo. Tudo faz parte desse elo, dessa ligação intrínseca do todo. E eu senti uma grande satisfação pois me senti profundamente ligado ao todo a minha volta.

Já não estava tão pesado. Já não era a pedra. senti uma energia que fluía por tudo. Senti novamente o calor do sol. Senti aquela luz e calor que vinha de longe e eu estava a receber. Tudo a minha volta começa a ficar mais barulhento. Tudo estava voltar... o vento, os pássaros... Abri os olhos e lá estava aquele grande menir a minha frente. E uma grande aura emanava dele de forma pulsante.

Levantei.

E estavam todos os menires, naquele caleidoscópio colorido. E havia uma sensação das pessoas que os tinham construído. Aproximei de outro que tem marcas. E eu senti a pessoa que as fez. Do pó ao pó. Alguém esteve exatamente naquele lugar a milhares de anos atrás. E olhou para aquele pedra. E marcou aquela pedra. Ela tinha desejos, tinha sonhos, ela viveu, ela morreu. Tudo que ela foi não restou nada. E eu senti a tocar naquelas marcas as alegrias e as tristezas dela. A milhares de anos ela deixou aquelas marcas, e milhares de anos depois eu estava tocando as mesmas marcas. E estava sentindo ela. Tinha uma conexão profunda... esta é daquelas partes que é muito difícil descrever com palavras, mas eu senti uma conexão profunda e de empatia com aquela pessoa, que já não existe. Mas ao mesmo tempo, senti que ela ainda existia, que ao tocar ali estava a toca-la.

O sol já estava a se por. Uma luz de por do sol estendia-se pelo campo. Os menires estavam iluminados por aquela luz e tinham as costas escuras. Comecei a andar por entre eles e sentia as pessoas que os tinham disposto, mas ao mesmo tempo me sentia cansado. Resolvi voltar para a pedra onde estava deitado e beber água.

Estava a ser uma experiência esmagadora, o que consigo relatar é uma pequena fração, pois existe muita coisa que é difícil descrever com palavras e outras que ainda precisam de ser incorporadas...

Voltei a deitar-me e coloquei os fones de ouvido. Como conheço a playlist já sabia que havia passado mais de 3 horas. Os efeitos estavam mais brandos. O céu estava coberto de estrelas e a lua já estava no horizonte.

Senti como se as estrelas ligassem-se aos menires... emanavam energia entre eles. Como se as estrelas mais importantes estivesse representadas naquelas pedras. Conseguia ver a constelação do Caçador e parecia que os 3 menires entre os círculos representavam o cinto daquela constelação.

Estava me sentindo muito agradecido e feliz. Resolvi tirar os fones novamente para sentir os barulhos enquanto apreciava todas as sensações de luz e cores. Ouvi os grilos, os pássaros e sentia corujas.

Tive muitos insights pessoais nesse período.

Voltei a playlist e já estava na marca das 5 horas. Os efeitos já estavam no mínimo e tinha acabado a água. Resolvi voltar para o carro que havia estacionado a 3 km do local. Acabei por perceber que tinha esquecido a lanterna e tive de apelar para a lanterna do celular pois já se fazia noite.

Voltei para o carro, rebati o banco e resolvi cochilar por 2 horas antes de ir para o hotel que tinha reservado.

Na manha seguinte, após dormir, mas com alguma ressaca fui até a capela dos ossos. Um alerta no topo para a transitoriedade da vida: Nós ossos que aqui estamos, pelos vossos esperamos.

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Será que vale se concentrar nas coisas tão pequenas, ou é melhor viver as grandes coisas?

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Ainda não integrei a experiência como um todo, devo dizer que esta foi uma das experiências mais significativa
 

Anexos

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