- 03/10/2022
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Ser um acompanhante de viagem psicodélica, ou "tripsitter", não é necessariamente a atividade mais divertida do mundo, e não é algo que eu faça com frequência. No entanto, neste caso específico, uma amiga de longa data pediu não apenas para ser apresentada ao universo enteógeno, mas também para que eu a acompanhasse durante o processo.
Conheci-a há muitos anos, nos tempos de escola. Quando decidi sair da minha zona de conforto e explorar outras oportunidades, descobri que ela também tinha seguido um caminho semelhante e retomamos o contato. Para quem já viveu a rotina de expatriado, sabe como é. Nos primeiros três anos, convivemos bastante, e ela me ajudou muito a me organizar. Ela conseguiu ingressar em um doutorado com bolsa de pesquisa na Finlândia, e eu comecei a trabalhar em outra empresa. Passamos alguns anos sem contato até que decidi sair do Facebook, e ela, vendo minha mensagem de despedida, entrou em contato comigo. Retomamos a amizade e acabamos nos encontrando em Londres, para onde ela havia se mudado.
A vida seguiu seu curso para ambos. Ela estava em um relacionamento e trabalhando em uma multinacional, enquanto eu tinha outras perspectivas. Acabei contando a ela tudo o que tinha vivido nos últimos anos, inclusive minha experiência com cogumelos. Ela já tinha experimentado várias substâncias, mas nunca cogumelos, e nunca com esse propósito. Ficou apenas na conversa, entre outros assuntos. Então veio a pandemia, e nos falamos por chamada de vídeo no início, mas depois perdemos contato novamente. Quando foi meu aniversário, ela me enviou uma mensagem com felicitações. Umas semanas passaram e como precisei ir ao Reino Unido a trabalho, lembrei de procurá-la em Londres. E, nossa, ela estava em frangalhos... Sua mãe havia morrido de câncer de pulmão grau IV, e ela não pôde se despedir por causa da COVID-19. Seu relacionamento, que parecia ir muito bem, escondia violência doméstica e outros problemas ainda mais sinistros. Tudo isso, somado à perda de uma gravidez, transformou uma pessoa cheia de alegria e luz em uma sombra de si mesma. Ela já havia tentado de tudo e estava pensando em suicídio, pois não conseguia lidar com tantas coisas acumuladas ao longo dos anos.
Admito, aconselhei-a a procurar um psicólogo antes de qualquer outra coisa. Enfatizei que os cogumelos não são uma solução mágica e que eu não sou um profissional de saúde mental. Mas no fim das contas, ela era minha amiga e precisava de ajuda. Se eu pudesse ajudá-la, faria isso; se não, pelo menos, passaríamos cinco dias de férias juntos, o que já seria um alívio para ela.Atualmente morando na Espanha, aproveitei cinco dias de folga após retornar da sede da empresa na Suíça e convidei-a para me encontrar em Sevilha, onde faríamos uma road trip. Caso ela quisesse embarcar em uma jornada interior também, eu levaria os cogumelos. Ela aceitou o convite e exploramos juntos alguns lugares que conhecia. No entanto, apesar de nossas conversas e de meus esforços para distraí-la e elevar seu ânimo, ela estava determinada a fazer a viagem psicodélica. Então, preparei algumas perguntas:
"O que você aprendeu sobre si mesma ou sobre a vida que poderia ser valioso para o seu futuro?" - Eu queria encorajá-la a explorar suas experiências internas, sentimentos e percepções durante a viagem, e possivelmente obter insights que pudessem ter um impacto positivo em sua vida.
"Qual é a conexão ou relação mais profunda que você sente com outras pessoas ou com o mundo ao seu redor?" - Eu desejava incentivá-la a explorar seus sentimentos de conexão e empatia, algo que muitas vezes é ampliado durante uma experiência psicodélica. Isso poderia ajudá-la a refletir sobre a importância das relações interpessoais e do seu lugar no mundo.
"Como você descreveria a natureza da realidade que está experienciando agora e o que isso pode lhe ensinar?" - A ideia era fazer com que ela explorasse suas percepções alteradas da realidade durante a experiência psicodélica e considerasse como essas percepções poderiam fornecer insights sobre si mesma, seus pensamentos e suas crenças.
"Se você pudesse levar consigo um único insight ou lição dessa experiência, qual seria e como isso poderia impactar a sua vida?" - O objetivo era fazer com que ela sintetizasse sua experiência psicodélica e identificasse algo significativo que pudesse ser aplicado à sua vida cotidiana.
Fiquei satisfeito ao encontrar um espaço adequado para a experiência; ela queria um local aberto e em contato com a natureza. Disse que estava cansada de estar em lugares fechados e sob luz artificial. Para quem vem do Brasil e enfrenta o inverno europeu, os ambientes fechados e a iluminação artificial não são nada agradáveis.
Lembrei-me do Peñón de Bernal, em Almeria. Embora fosse uma imagem minha bem elaborada, acredito que ela não percebeu. Talvez eu tenha sido um pouco rebuscado demais.
Encontramos o local perfeito, sob o calor do sol, e os únicos curiosos ao redor eram algumas raposas. Estendi uma toalha no chão e coloquei água e frutas à disposição.
Dei a ela 3,5 gramas dos cogumelos, em sua maioria chapéus. Os esporos que compartilhei com @SpiritualMind vieram deles.
Coloquei a playlist para tocar e ofereci os cogumelos com chocolate. Em 45 minutos, ela decolou. As próximas quatro horas foram de pânico.
Acho que o uso constante da mesma cepa, que sempre produzo da mesma maneira, me deu a ilusão de que saberia exactamente o que poderia acontecer. Estava errado. Essa é a arrogância perigosa de quem se sente muito confiante. Ela começou com imagens idílicas e logo enfrentou a tempestade de trevas que a atormentava.
O mostrengo que está no fim da mente
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme tremendo
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do inconsciente?»
E o homem do leme tremeu.
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo;
Manda a vontade, que me ata ao leme.
Como acompanhante da viagem, minha obrigação era mantê-la segura e apoiá-la nos momentos difíceis. Mas ela não estava apenas passando por momentos baixos; ela estava no abismo de sua existência.
Quando nos encontramos em Sevilha, ela compartilhou muito do que havia passado, e durante a viagem, ela revelou tudo o que havia vivido. Tornou-se um livro aberto. Eu sei que em minhas próprias experiências psicodélicas, sinto o mesmo. Fiquei profundamente triste e empático, pois nunca imaginei que todas aquelas coisas pudessem acontecer a alguém que eu conheço. Não entrarei em detalhes.
Ela chorou e me abraçou. Senti como se estivesse segurando em minhas mãos os pedaços de um vaso quebrado... tentando reunir todos os cacos e colocá-los juntos novamente...
O Cogumelo não deu tréguas. Ela era um barco num oceano enfurecido. E este se portava como se quisesse se vingar.
Neste momento apercebi-me que... provavelmente ela estaria a tomar algum medicamento tarja preta... e que não me disse com medo de eu não querer prosseguir... E assim seguiu por 2 longas horas... Ela acalmou-se e calou-se... Senti que estava a resolver as coisas na cabeça dela... Ela teve uma conversa com a mãe e afastei-me para ela ter esse espaço. Pelo que percebi a mãe e o bebe que perdeu estava agora juntos.
Quando o pior estava a passar ela entrou em uma fase de êxtase. Teria sido um alívio, mas isso significou ela despir-se toda e não conseguir ficar sentada. Dei-lhe água, dei-lhe comida e açúcar. Tinha perdido toda a inibição... e decoro. Urinou "diamantes" e resolveu masturbar-se. Já estava na fase caleidoscópica da experiência. Contou-me a vida sexual dela e como a abertura dela de algo puro, levou que o namorado na altura a levasse para as cenas dele que a faziam se sentir suja. E que naquele instante ela se sentia purificada e liberta.
Aquilo foi passando... e passando... e ela acalmou-se.
No dia seguinte era outra pessoa.
Eu me senti muito estranho por vários dias.
Conheci-a há muitos anos, nos tempos de escola. Quando decidi sair da minha zona de conforto e explorar outras oportunidades, descobri que ela também tinha seguido um caminho semelhante e retomamos o contato. Para quem já viveu a rotina de expatriado, sabe como é. Nos primeiros três anos, convivemos bastante, e ela me ajudou muito a me organizar. Ela conseguiu ingressar em um doutorado com bolsa de pesquisa na Finlândia, e eu comecei a trabalhar em outra empresa. Passamos alguns anos sem contato até que decidi sair do Facebook, e ela, vendo minha mensagem de despedida, entrou em contato comigo. Retomamos a amizade e acabamos nos encontrando em Londres, para onde ela havia se mudado.
A vida seguiu seu curso para ambos. Ela estava em um relacionamento e trabalhando em uma multinacional, enquanto eu tinha outras perspectivas. Acabei contando a ela tudo o que tinha vivido nos últimos anos, inclusive minha experiência com cogumelos. Ela já tinha experimentado várias substâncias, mas nunca cogumelos, e nunca com esse propósito. Ficou apenas na conversa, entre outros assuntos. Então veio a pandemia, e nos falamos por chamada de vídeo no início, mas depois perdemos contato novamente. Quando foi meu aniversário, ela me enviou uma mensagem com felicitações. Umas semanas passaram e como precisei ir ao Reino Unido a trabalho, lembrei de procurá-la em Londres. E, nossa, ela estava em frangalhos... Sua mãe havia morrido de câncer de pulmão grau IV, e ela não pôde se despedir por causa da COVID-19. Seu relacionamento, que parecia ir muito bem, escondia violência doméstica e outros problemas ainda mais sinistros. Tudo isso, somado à perda de uma gravidez, transformou uma pessoa cheia de alegria e luz em uma sombra de si mesma. Ela já havia tentado de tudo e estava pensando em suicídio, pois não conseguia lidar com tantas coisas acumuladas ao longo dos anos.
Admito, aconselhei-a a procurar um psicólogo antes de qualquer outra coisa. Enfatizei que os cogumelos não são uma solução mágica e que eu não sou um profissional de saúde mental. Mas no fim das contas, ela era minha amiga e precisava de ajuda. Se eu pudesse ajudá-la, faria isso; se não, pelo menos, passaríamos cinco dias de férias juntos, o que já seria um alívio para ela.Atualmente morando na Espanha, aproveitei cinco dias de folga após retornar da sede da empresa na Suíça e convidei-a para me encontrar em Sevilha, onde faríamos uma road trip. Caso ela quisesse embarcar em uma jornada interior também, eu levaria os cogumelos. Ela aceitou o convite e exploramos juntos alguns lugares que conhecia. No entanto, apesar de nossas conversas e de meus esforços para distraí-la e elevar seu ânimo, ela estava determinada a fazer a viagem psicodélica. Então, preparei algumas perguntas:
"O que você aprendeu sobre si mesma ou sobre a vida que poderia ser valioso para o seu futuro?" - Eu queria encorajá-la a explorar suas experiências internas, sentimentos e percepções durante a viagem, e possivelmente obter insights que pudessem ter um impacto positivo em sua vida.
"Qual é a conexão ou relação mais profunda que você sente com outras pessoas ou com o mundo ao seu redor?" - Eu desejava incentivá-la a explorar seus sentimentos de conexão e empatia, algo que muitas vezes é ampliado durante uma experiência psicodélica. Isso poderia ajudá-la a refletir sobre a importância das relações interpessoais e do seu lugar no mundo.
"Como você descreveria a natureza da realidade que está experienciando agora e o que isso pode lhe ensinar?" - A ideia era fazer com que ela explorasse suas percepções alteradas da realidade durante a experiência psicodélica e considerasse como essas percepções poderiam fornecer insights sobre si mesma, seus pensamentos e suas crenças.
"Se você pudesse levar consigo um único insight ou lição dessa experiência, qual seria e como isso poderia impactar a sua vida?" - O objetivo era fazer com que ela sintetizasse sua experiência psicodélica e identificasse algo significativo que pudesse ser aplicado à sua vida cotidiana.
Fiquei satisfeito ao encontrar um espaço adequado para a experiência; ela queria um local aberto e em contato com a natureza. Disse que estava cansada de estar em lugares fechados e sob luz artificial. Para quem vem do Brasil e enfrenta o inverno europeu, os ambientes fechados e a iluminação artificial não são nada agradáveis.
Lembrei-me do Peñón de Bernal, em Almeria. Embora fosse uma imagem minha bem elaborada, acredito que ela não percebeu. Talvez eu tenha sido um pouco rebuscado demais.
Encontramos o local perfeito, sob o calor do sol, e os únicos curiosos ao redor eram algumas raposas. Estendi uma toalha no chão e coloquei água e frutas à disposição.
Dei a ela 3,5 gramas dos cogumelos, em sua maioria chapéus. Os esporos que compartilhei com @SpiritualMind vieram deles.
Coloquei a playlist para tocar e ofereci os cogumelos com chocolate. Em 45 minutos, ela decolou. As próximas quatro horas foram de pânico.
Acho que o uso constante da mesma cepa, que sempre produzo da mesma maneira, me deu a ilusão de que saberia exactamente o que poderia acontecer. Estava errado. Essa é a arrogância perigosa de quem se sente muito confiante. Ela começou com imagens idílicas e logo enfrentou a tempestade de trevas que a atormentava.
O mostrengo que está no fim da mente
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme tremendo
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do inconsciente?»
E o homem do leme tremeu.
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo;
Manda a vontade, que me ata ao leme.
Como acompanhante da viagem, minha obrigação era mantê-la segura e apoiá-la nos momentos difíceis. Mas ela não estava apenas passando por momentos baixos; ela estava no abismo de sua existência.
Quando nos encontramos em Sevilha, ela compartilhou muito do que havia passado, e durante a viagem, ela revelou tudo o que havia vivido. Tornou-se um livro aberto. Eu sei que em minhas próprias experiências psicodélicas, sinto o mesmo. Fiquei profundamente triste e empático, pois nunca imaginei que todas aquelas coisas pudessem acontecer a alguém que eu conheço. Não entrarei em detalhes.
Ela chorou e me abraçou. Senti como se estivesse segurando em minhas mãos os pedaços de um vaso quebrado... tentando reunir todos os cacos e colocá-los juntos novamente...
O Cogumelo não deu tréguas. Ela era um barco num oceano enfurecido. E este se portava como se quisesse se vingar.
Neste momento apercebi-me que... provavelmente ela estaria a tomar algum medicamento tarja preta... e que não me disse com medo de eu não querer prosseguir... E assim seguiu por 2 longas horas... Ela acalmou-se e calou-se... Senti que estava a resolver as coisas na cabeça dela... Ela teve uma conversa com a mãe e afastei-me para ela ter esse espaço. Pelo que percebi a mãe e o bebe que perdeu estava agora juntos.
Quando o pior estava a passar ela entrou em uma fase de êxtase. Teria sido um alívio, mas isso significou ela despir-se toda e não conseguir ficar sentada. Dei-lhe água, dei-lhe comida e açúcar. Tinha perdido toda a inibição... e decoro. Urinou "diamantes" e resolveu masturbar-se. Já estava na fase caleidoscópica da experiência. Contou-me a vida sexual dela e como a abertura dela de algo puro, levou que o namorado na altura a levasse para as cenas dele que a faziam se sentir suja. E que naquele instante ela se sentia purificada e liberta.
Aquilo foi passando... e passando... e ela acalmou-se.
No dia seguinte era outra pessoa.
Eu me senti muito estranho por vários dias.