- 25/01/2010
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Musa sagrada
Se você ainda não assistiu Avatar, você deve estar em outro planeta. O longa em 3D que levou 14 anos pra ficar pronto é mais do que “entretenimento de primeira”, ou o novo recorde de bilheteria de todos os tempos. É uma revolução na consciência, um manifesto tão anti-tecnológico e anti-civilizatório quanto os livros do anarquista John Zerzan (entrevistados no filme Surplus, disponível no nosso site), tão psicodélico quanto as dissertações de Terence Mckenna, e, sim, glorificando a visão de mundo indígena e xamânica acima de tudo.
Numa sala de cinema Imax, completamente absorvido pela experiência psicodélica que o filme de Cameron proporciona, percebe-se que a “árvore dos espíritos” que conecta o povo Na’vi com Eywa, a sabedoria dos ancestrais – e representa o núcleo de uma floresta que “tem mais conexões que o cérebro humano” (frase da cientista botânica interpretada por Sigourney Weaver, mas que bem poderia ser atribuída a McKenna) -, trata-se de uma analogia com o “cipó dos espíritos”. Outra personagem do reino vegetal no filme, a gigantesca árvore que serve de lar para o povo de pele azul, tem em seu centro oco uma estrutura de raízes que sobe em espiral, como uma escada, em forma de hélice dupla, o formato do DNA e – pasmem – também o formato do cipó mariri, uma das metades que compõe a temida bebida “alucinógena” (ainda sobre o DNA, Francis Crick, Prêmio Nobel e descobridor do “segredo da vida”, era usuário assumido de LSD para “pensar criativamente”. Kary Mullis, Nobel de Química em 1993 por inventar o PCR, o método mais comum de se detectar e trabalhar o DNA, coroou a questão: “Se eu teria inventado o PCR se não tivesse tomado LSD? Duvido.“).
De qualquer forma, como diz o jornalista israelense Ido Hartogsohn num ótimo artigo sobre o filme (em inglês), “os blockbusters e filmes de ficção científica funcionam como uma sombra jungiana de nossa visão racional e materialista da realidade” (Jung alertava que o mundo moderno conta em demasiado com a ciência natural e o positivismo lógico, e que poderia se beneficiar ao integrar espiritualidade e apreciação de domínios inconscientes). Por esta perspectiva, o texto terrorista, repleto de positivismo lógico simplista e pseudo-ciência cartesiana como “atua nos sistemas cerebrais reguladores da produção e absorção, pelos neurônios, de serotonina, dopamina e noradrenalina” (tentando colocar o mundo numa caixinha, ou reduzir as cores a uma lógica em preto e branco) serve apenas como um retrato de que ainda temos um longo caminho a percorrer para evoluir o nível do debate científico na mídia deste país.
trecho de obra do pintor ayahuasqueiro Pablo Amaringo e o mundo bioluminescente de Avatar
Enquanto isso, Cameron conquista o mundo. O diretor disse em entrevista que queria fazer um novo Guerra nas Estrelas. Mas pouca gente captou a mensagem nas entrelinhas. Ele não queria apenas produzir um clássico universal de ficção científica, ou um blockbuster lendário. Era mais do que isso. Era provocar uma revolução de paradigmas pelo inconsciente. A mística que se forma em torno destes filmes não gira apenas em sua eficiência como entretenimento, mas por serem veículos de expressão dos nossos “sombras jungianas”, abusando de referências culturais e arquétipos do mito primordial (“Os mitos estão perto do inconsciente coletivo e por isso são infinitos na sua revelação” – Joseph Campbell), além de interesses contemporâneos, como o movimento ecológico, a guerra pelo petróleo, o poder das grandes corporações etc.
A “força” dos filmes de George Lucas não é muito diferente de Eywa, que não é muito diferente da visão indígena sobre a natureza. E o fato do mestre jedi se chamar Yoda, que lembra Yoga, também não é coincidência. Assim como o fato de os Na’vi terem uma feição humana-felina (os gatos são considerados animais altamente espirituais) e pele azul (já ouviu falar nas crianças índigo?), também não ser à toa. Apesar de supostamente terem sido inspiradas em montanhas da província de Hunan, na China, para quem já foi à cidade sagrada de Machu Picchu e subiu a montanha de madrugada, antes do sol nascer (prática comum entre mochileiros), sabe que a visão grandiosa que se tem lá de cima, com os picos ao redor emergindo por cima das nuvens e da neblina da manhã, lembra muito as montanhas flutuantes de Avatar. Realidade e ficção se misturam.
o cipó Banisteriopsis Caapi e a casa-árvore dos Na'vi, cujo interior se entrelaça em formato de hélice dupla
O pressuposto básico do filme, o de se poder migrar entre realidades distintas, é lugar comum entre adeptos do uso de enteógenos (o túnel luminoso psicodélico que leva o personagem de Jake Sully ao corpo de seu Avatar ilustra esta passagem). Parafraseando uma entrevistada do filme Vine of the Souls, de Richard Meech (ainda em produção), “Uma coisa é intelectualizar algo. Outra completamente diferente é tocá-lo, e experimentar outras energias maiores que são inteligentes”. O coração espiritual da história de Avatar está na relação dos nativos com uma planta/árvore sagrada, que representa Eywa, a entidade mística inteligente, divina, ou “uma rede de energia que flui por todos os seres vivos”. Eywa. Aya. Gaia.
Eu acredito, sinceramente e do fundo do coração, que todo curioso, interessado ou iniciante na temática da expansão de consciência, enteógenos, espiritualidade etc deveria começar por este filme. Está pra surgir uma explicação mais apropriada para o que se encontra nestas viagens.
fonte: Matéria parcialmente extraída e modificada de plantandoconsciencia.wordpress.com
Se você ainda não assistiu Avatar, você deve estar em outro planeta. O longa em 3D que levou 14 anos pra ficar pronto é mais do que “entretenimento de primeira”, ou o novo recorde de bilheteria de todos os tempos. É uma revolução na consciência, um manifesto tão anti-tecnológico e anti-civilizatório quanto os livros do anarquista John Zerzan (entrevistados no filme Surplus, disponível no nosso site), tão psicodélico quanto as dissertações de Terence Mckenna, e, sim, glorificando a visão de mundo indígena e xamânica acima de tudo.
Numa sala de cinema Imax, completamente absorvido pela experiência psicodélica que o filme de Cameron proporciona, percebe-se que a “árvore dos espíritos” que conecta o povo Na’vi com Eywa, a sabedoria dos ancestrais – e representa o núcleo de uma floresta que “tem mais conexões que o cérebro humano” (frase da cientista botânica interpretada por Sigourney Weaver, mas que bem poderia ser atribuída a McKenna) -, trata-se de uma analogia com o “cipó dos espíritos”. Outra personagem do reino vegetal no filme, a gigantesca árvore que serve de lar para o povo de pele azul, tem em seu centro oco uma estrutura de raízes que sobe em espiral, como uma escada, em forma de hélice dupla, o formato do DNA e – pasmem – também o formato do cipó mariri, uma das metades que compõe a temida bebida “alucinógena” (ainda sobre o DNA, Francis Crick, Prêmio Nobel e descobridor do “segredo da vida”, era usuário assumido de LSD para “pensar criativamente”. Kary Mullis, Nobel de Química em 1993 por inventar o PCR, o método mais comum de se detectar e trabalhar o DNA, coroou a questão: “Se eu teria inventado o PCR se não tivesse tomado LSD? Duvido.“).
De qualquer forma, como diz o jornalista israelense Ido Hartogsohn num ótimo artigo sobre o filme (em inglês), “os blockbusters e filmes de ficção científica funcionam como uma sombra jungiana de nossa visão racional e materialista da realidade” (Jung alertava que o mundo moderno conta em demasiado com a ciência natural e o positivismo lógico, e que poderia se beneficiar ao integrar espiritualidade e apreciação de domínios inconscientes). Por esta perspectiva, o texto terrorista, repleto de positivismo lógico simplista e pseudo-ciência cartesiana como “atua nos sistemas cerebrais reguladores da produção e absorção, pelos neurônios, de serotonina, dopamina e noradrenalina” (tentando colocar o mundo numa caixinha, ou reduzir as cores a uma lógica em preto e branco) serve apenas como um retrato de que ainda temos um longo caminho a percorrer para evoluir o nível do debate científico na mídia deste país.
trecho de obra do pintor ayahuasqueiro Pablo Amaringo e o mundo bioluminescente de Avatar
Enquanto isso, Cameron conquista o mundo. O diretor disse em entrevista que queria fazer um novo Guerra nas Estrelas. Mas pouca gente captou a mensagem nas entrelinhas. Ele não queria apenas produzir um clássico universal de ficção científica, ou um blockbuster lendário. Era mais do que isso. Era provocar uma revolução de paradigmas pelo inconsciente. A mística que se forma em torno destes filmes não gira apenas em sua eficiência como entretenimento, mas por serem veículos de expressão dos nossos “sombras jungianas”, abusando de referências culturais e arquétipos do mito primordial (“Os mitos estão perto do inconsciente coletivo e por isso são infinitos na sua revelação” – Joseph Campbell), além de interesses contemporâneos, como o movimento ecológico, a guerra pelo petróleo, o poder das grandes corporações etc.
A “força” dos filmes de George Lucas não é muito diferente de Eywa, que não é muito diferente da visão indígena sobre a natureza. E o fato do mestre jedi se chamar Yoda, que lembra Yoga, também não é coincidência. Assim como o fato de os Na’vi terem uma feição humana-felina (os gatos são considerados animais altamente espirituais) e pele azul (já ouviu falar nas crianças índigo?), também não ser à toa. Apesar de supostamente terem sido inspiradas em montanhas da província de Hunan, na China, para quem já foi à cidade sagrada de Machu Picchu e subiu a montanha de madrugada, antes do sol nascer (prática comum entre mochileiros), sabe que a visão grandiosa que se tem lá de cima, com os picos ao redor emergindo por cima das nuvens e da neblina da manhã, lembra muito as montanhas flutuantes de Avatar. Realidade e ficção se misturam.
o cipó Banisteriopsis Caapi e a casa-árvore dos Na'vi, cujo interior se entrelaça em formato de hélice dupla
O pressuposto básico do filme, o de se poder migrar entre realidades distintas, é lugar comum entre adeptos do uso de enteógenos (o túnel luminoso psicodélico que leva o personagem de Jake Sully ao corpo de seu Avatar ilustra esta passagem). Parafraseando uma entrevistada do filme Vine of the Souls, de Richard Meech (ainda em produção), “Uma coisa é intelectualizar algo. Outra completamente diferente é tocá-lo, e experimentar outras energias maiores que são inteligentes”. O coração espiritual da história de Avatar está na relação dos nativos com uma planta/árvore sagrada, que representa Eywa, a entidade mística inteligente, divina, ou “uma rede de energia que flui por todos os seres vivos”. Eywa. Aya. Gaia.
Eu acredito, sinceramente e do fundo do coração, que todo curioso, interessado ou iniciante na temática da expansão de consciência, enteógenos, espiritualidade etc deveria começar por este filme. Está pra surgir uma explicação mais apropriada para o que se encontra nestas viagens.
fonte: Matéria parcialmente extraída e modificada de plantandoconsciencia.wordpress.com