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Em defesa do “espiritual”

Ecuador

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22/12/2007
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Em defesa do “espiritual”


Autor: Sam Harris
Traduzido por: Camilo Gomes Jr.
Original em inglês: Sam Harris’s Blog

Obs.: O texto abaixo combina os posts “In defense of ‘spiritual’” e “Look into my eyes” do blog do autor, nos quais ele fala de espiritualidade, critica céticos e ateus que acham que palavras como essa deveriam ser extirpadas do léxico dos não religiosos de hoje e ainda tece comentários negativos e positivos sobre alguns gurus espiritualistas (N. do T.).

"De envelhecer, qualquer animal é capaz. Desenvolver-se é prerrogativa dos seres humanos. Apenas uns poucos reivindicam esse direito." (Osho)



Ao escrever meu próximo livro, terei de confrontar a animosidade que muitas pessoas sentem pelo termo “espiritual”. Sempre que uso a palavra — como ao me referir à meditação como uma “prática espiritual” —, eu inevitavelmente acabo ouvindo falar de colegas céticos e ateus que acham que cometi um terrível erro.

A palavra “espírito” vem do latim spiritus, que, por sua vez, é uma tradução do grego pneuma, que quer dizer “sopro”. Por volta do século 13, o termo ganhou estreita relação com ideias de almas imateriais, seres sobrenaturais, fantasmas etc. Ele adquiriu outras conotações também — falamos do espírito de uma coisa como sendo seu princípio mais fundamental, ou (em inglês) certas substâncias voláteis ou bebidas alcoólicas são também chamadas spirits (espíritos). No entanto, muitos ateus consideram que, hoje, a palavra “espiritual” encontra-se completamente envenenada por sua associação com superstições medievais.

Eu me esforço para obter precisão em meu uso da língua, mas não compartilho de tais preocupações semânticas. E eu destacaria ainda que meu falecido amigo Christopher Hitchens — que não era nenhum inimigo dos dicionaristas — tampouco compartilhava delas. Hitch acreditava que “espiritual” era um termo que não poderíamos dispensar e, repetidas vezes, arrancou-o da lama do sobrenaturalismo em que tem definhado por quase mil anos.

É verdade que Hitch não pensava em espiritualidade precisamente como eu penso. Ele falava, por outro ângulo, dos prazeres espirituais proporcionados por certas obras poéticas, musicais e artísticas. A simetria e beleza do Partenon incorporavam esse feliz extremo para ele — sem qualquer exigência de que admitamos a existência da deusa Atena, muito menos de que nos devotemos à sua adoração. Hitch também usava os termos “numinoso” e “transcendente” para designar ocasiões de grande beleza ou significância — e, para ele, o Campo Profundo Observável do Hubble era um exemplo de ambos. Tenho certeza de que ele estava ciente de que excursões pedantes ao Dicionário Oxford também produziria constrangimentos etimológicos no tocante a essas palavras.

Nós podemos exigir boas palavras e dar bom uso a elas — e isso é o que pretendo fazer com “espiritual”. Não tenho implicância alguma com o uso genérico que Hitch dava a ela, no sentido de algo como “beleza ou significância que provoca arroubo”, mas também posso usá-la em um sentido mais estreito e, de fato, mais transcendente.

É claro que “espiritual” e seus cognatos têm algumas infelizes associações não relacionadas à sua etimologia — e farei o melhor possível para cortar esses vínculos também. Mas parece não haver nenhum outro termo (além do ainda mais problemático “místico” ou do mais restritivo “contemplativo”) com o qual se possa discutir os esforços deliberados que algumas pessoas fazem para superar seu sentimento de distinção ou alteridade — por meio de meditação, de alucinógenos ou de outras formas de induzir estados de consciência incomuns. E eu acho neologismos algo pretensioso e chato. Por isso, parece que não tenho escolha: é “espiritual” mesmo.

Estou atualmente correndo contra o prazo final para finalizar meu próximo livro. O título de trabalho é Waking Up: A Scientist Looks at Spirituality [Despertar: um cientista olha para a espiritualidade]. Esse título pode muito bem ser alterado, mas já deve lhes dar um indício de com que tenho me ocupado. Meu objetivo é escrever um livro “espiritual” para pessoas inteligentes e céticas — que lide com questões como a ilusão do eu, a eficácia das práticas de meditação, o cultivo de estados mentais positivos etc.

Escrever esse livro forçou-me a revisitar o trabalho de gurus e mestres espirituais em cada ponto do espectro entre sabedoria e bizarrice — o que foi bastante divertido.

Um comportamento, por exemplo, que se pode prontamente notar em muitos gurus, bem como em seus alunos, é um comprometimento atípico com a manutenção do contato visual. Na melhor circunstância, tal comportamento emerge de um conforto genuíno na presença de outras pessoas e de um profundo interesse no bem-estar delas. Dado esse estado psicológico temporário, pode simplesmente não haver razão alguma para olhar em qualquer outra direção. Porém, manter contato visual pode também se tornar numa maneira de “agir como alguém espiritualizado” — e numa afetação intrusiva. Não é preciso dizer que há pessoas que encaram outras com um olhar fixo não inspirados por uma atitude de abertura ou interesse — ou por um desejo de parecerem abertas e interessadas —, mas sim como uma demonstração agressiva e narcisística de domínio. (Psicopatas tendem a manter contato visual com excepcionalidade.) Qualquer que seja o motivo por trás de um olhar firme, pode haver nele um tremendo poder.

A maioria de vocês sabe do que estou falando, mas, se quiserem testemunhar um exemplo glorioso da grandiosidade que os olhos de uma pessoa podem transmitir, assistam a alguns minutos da seguinte entrevista com Osho (Bhagwan Shree Rashneesh). Eu nunca me encontrei com Osho, mas já estive com muitas pessoas como ele. Ele não era, de forma alguma, o pior que a Nova Era tinha a oferecer. Sem dúvida, prejudicou muitas pessoas no fim — e, talvez, também no início e no meio —, mas não era meramente um lunático ou um vigarista como muitos outros gurus. Osho sempre pareceu um homem genuinamente perspicaz que tinha muito a ensinar, mas que foi ficando cada vez mais embriagado pelo poder de seu papel, e, finalmente, perdeu-se nisso. Quando você passa os dias cheirando óxido nitroso, exigindo felação a cada 45 minutos, transformando os pedaços cortados de suas próprias unhas em presentes sagrados e comprando seu nonagésimo-quarto Rolls Royce… você já deveria saber muito bem que saiu um passo ou dois de seu caminho.

De qualquer forma, acho simplesmente hilária a maneira como Osho pratica o jogo do contato visual nessa entrevista. É para isso que serve a internet… Curtam!

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(O vídeo tem opção de legendas em Português do Brasil. Cliquem no botão CC e ativem-nas. [N. do T.])


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