- 29/03/2018
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Na última semana tive uma incursão cogumelistica digna de nota, devido principalmente aos efeitos práticos positivos no meu dia-a-dia. Seria impossível falar de todos os aspectos importantes dessa viagem sem escrever um livro inteiro, rsrs - que ainda assim deixaria a desejar – mas vou tentar resumir ao máximo os acontecimentos principais.
Outra motivação para escrever um relato assim, é expor uma reflexão sobre “o que são, e como funcionam os cogumelos quando combinados ao nosso corpo e mente”, percebo 3 tendências de uso entre as pessoas: 1- assustadoramente frequente: pessoas que enxergam apenas o potencial recreativo do uso e tratam o cogu de maneira leviana; 2- pessoas que percebem o potencial “enteógeno” do cogu (e de outros psicodelicos, como a ayahuasca), mas que atribuem a ele um caráter análogo ao do deus cristão, heterônomo, como se esperassem dele uma salvação, uma resposta dos céus sobre o que fazer, de outra dimensão, de algum lugar de fora de si mesmo (o que no fundo “isenta psiquicamente” a pessoa de buscar as próprias respostas, já que é como se se esperasse que “o chá revela a verdade” sozinho, sem esforço pessoal; 3- pessoas que usam o cogu para catalisar a própria evolução pessoal, espiritual; e que apesar de reconhecer a beleza e sacralidade da existencia desse serzinho incrível que mexe tanto com nossa psiqué, não se acomodam em sua imagem sagrada, não esperam uma salvação externa. É como se o cogu fosse capaz de “deixar cair véus”, mas o que você vai ver, e o que vai entender, diz mais sobre você do que sobre eles, e é importantissimo saber disso.
Sem mais delongas, cá está um relato de auto-análise catalisado pelos incríveis coguzitos, vai que serve de alguma coisa pra alguém, não é mesmo?
….........................
Preparei direitinho o local, musica clássica, pedras, incenso, alongamento, meditação, concentração e good vibes. 2 horas depois de ter comido tava ótimo e tals, mas eu tava achando tudo leve demais pros 5g ingeridos... será que fui descuidada no armazenamento e uma parte da psilocibina degradou? Será que estou criando resistência à substância? Ou será que apenas estou acostumando com os efeitos?
“Se eu tivesse com meu pote de cogus aqui... seria o dia ideal para testar os famigerados 10g”. Como não estava, dei umas poucas tragadas em uma ponta de beck... e voilá! Em pouco tempo, ao fechar os olhos, estava imersa naquela paisagem hiperespacial à lá Alex Grey (tipo o meio/final do clipe Vicarious do Tool), onde costumo visitar. Inclusive, sempre tive a duvida sobre se minhas viagens foram imageticamente influenciadas por eu gostar desse tipo de arte, ou se o hiperespaço se apresenta assim, de maneira semelhante para todas ou para a maioria das pessoas. Com os cogumelos minha visualização desse hiperespaço é mais onírica do que real, mas ainda assim bastante intenso.
Olhava pra baixo, pros lados... não existia fim, e o “abaixo e acima” não existiam de verdade, mas apenas em relação a mim. Infinito. Descansei um bom tempo nessa paisagem. Pensei: “será que o paraíso é parecido com isso?”; “será que quando eu morrer minha mente vagará, em algum momento, por um hiperespaço semelhante?”.
Abri os olhos, e o corredor cimentado de uns 5, 6 m², aberto para o céu, era meu paraíso.
Nenhum olhar sobre mim. Nenhum julgamento. Com-ple-ta-men-te à vontade! Nin-guém pra me encher o rái do saco!
Dava pra sentir a atmosfera caótica do além muros, a confusão mental coletiva, a humanidade se implodindo em ignorância... mas ali era meu refúgio. Um ponto no tempo, no espaço, e na minha própria psiqué em que eu podia ser com-ple-ta-men-te livre! Meu direito verdadeiramente inalienável. Descansando intocável na minha própria paz. Impossível explicar a sensação, mas era como se eu estivesse em uma “praia mental”, eu via cimento e muro, mas sentia praia. Curti demais a praia.
Aaah se essa galera que tá ai fora soubesse... Em algum momento começei a pensar o quanto nossa espécie é, a nível individual e coletivo, refém do próprio inconsciente. Eu mesma estava tentando solucionar um problema mental no qual um conteúdo inconsciente meu tinha tanta autonomia, que tomava forma de comportamentos automáticos, contrários à minha vontade (o que, mais à frente, rendeu a reflexão mais significativa da trip); da mesma maneira, percebo com clareza o quanto os comportamentos de massa, de grupos, são majoritariamente de caráter irracional, uma externalização de respostas violentas a sentimentos de frustração e medo, dirigidas contra qualquer outro ser ou grupo que seja pano de fundo para despejarem suas projeções nubladas por ódio. E o que nos deixa vulnerável é justamente a ignorância, o contraposto de “tomar consciencia”.
“Ninguém nos contou sobre como a mente funciona, sobre nossos processos psiquicos, sobre como lidar de maneira saudável com as emoções, nem sobre as regras de ouro da convivencia harmoniosa.” É fácil entender porque tá todo mundo tão perdido. Muitas culturas, em muitas épocas, durante gerações, conseguiram construir bons “mapas para a sabedoria”, e que bom que hoje em dia podemos recorrer a eles ou a parte deles. Mas e os nossos? Com nossa identidade cultural? Construídos pelo nosso olhar... cadê? Nossa cultura é muito falha em construir símbolos e mitos capazes de nos guiar por caminhos de sabedoria, muito pelo contrário... as histórias que são massivamente contadas alimentam valores questionáveis e tem heróis de caráter duvidoso, quando não psicopata mesmo, rs. Entendi o Joseph Campbell como nunca ( e mandei-lhe um abraço mental, rsrs) quando ele disse em uma entrevista que nossa sociedade é a confusão que é, muito em decorrência da falta de bons mitos, que estruturam nossa visão de mundo e sobre nós mesmos.
“Psicodelia mesmo é a vida, e muito provavelmente a morte”, afirmava embasbacada pra mim mesma, ao enxergar tudo como um grande processo mental, no micro-universo de cada um, e no macro. Psicodelia é a mente, o cogu é “'apenas” (na falta de palavra mais digna) uma lanterna, ou uma luneta psiquica. A “viagem” com cogu é uma curta expedição para “religar-se com seu intimo e com o todo”, um reforço, um lembrete sobre o que de fato se trata essa vida. O intervalo de tempo entre minha concepção e minha morte é a verdadeira trip. E o além-morte outra fase da trip, onde muito provavelmente ainda estarei imersa nas minhas formas-pensamento, na minha bolha mental (como afirma o Livro Tibetano dos Mortos, sem duvidas um dos livros mais importantes que já li, obrigada @Speisepilz ).
Estamos todos aqui nesse planeta, nascidos em carne, sem mapa, imersos em nossa própria viagem mental, em nossas próprias formas-pensamento; que ao mesmo tempo é parte interdependente de uma viagem mental construida coletivamente. Ninguém nos deu as regras do jogo da vida de mão beijada, a regra é achar as regras e seguí-las. Se isso não é psicodelia, querides, não tenho ideia do que possa ser!
Descansando no meu céu, religando-me com o divino que há em mim e em todas as coisas, recarrego meus ânimos e minha força para viver no caos samsárico, para buscar compreendê-lo, e trabalhar para melhorar a mim e para transformar a realidade à minha volta. O que nos prende são “apenas” formas mentais, é a maneira pela qual nos tornamos escravos de nós mesmos, individual e coletivamente. A boa noticia é que, sendo formas mentais, são passíveis de tomada de consciência e mudança.
Nesse momento lembrei-me da última experiencia que tive com os cogumelos, A primeira bad , a sensação abismal de solidão que eu havia sentido, e pude ter uma compreensão cristalina sobre o que aconteceu naquele dia - que mesmo eu tendo refletido bastante sobre a experiência depois, não tinha chegado a ter em momento algum. Sempre gostei de fazer coisas sozinha, sempre me senti muito bem com a minha própria companhia.... por que a sensação intensa de solidão aquele dia? Seria porque estou convivendo com poucos amigos? Achava que sim, embora a situação não tivesse mudado tanto, já que eu sempre tive poucas mas importantissimas amizades
A resolução desse enigma veio num lampejo: a solidão não é sentir falta do outro, é sentir falta de si. Eu estava completamente voltada a cuidar das pessoas à minha volta, completamente imersa no exercício dos meus papéis sociais, e não é que haja um problema em fazer isso, mas fazer “só isso”, sem um tempo para descansar em si, no seu “céu interno”, leva à fadiga e à exaustão.
Somente intercalando com descanso e prazer é possível executar qualquer serviço, principalmente os mais pesados. Bater lage de 8h às 18h com horário de almoço cansa, mas é possível; bater lage 24h por dia, 7 dias por semana, sem intervalo... é humanamente impossível.
Eu estava cansada de exercer meus papéis sociais 24h por dia, e caí no equivoco mental – nada consciente – de que eu estava cansada de mim. Eu estava identificada com meus papéis sociais. Não sou meus papéis sociais... apenas os desempenho. Detesto, mas tenho que admitir - naquele dia tomei cogu numa tentativa desesperada de 'fugir de mim mesma', da minha realidade diária, o que obviamente é um graaaaande equivoco. Cogu nuuuunca vai te deixar fora de si, pelo contrário, é sempre um mergulho em si mesma, e incorre na amplificação dos próprios estados mentais.
Comparei o despreparo semi-intencional que tive no dia da bad: sem playlist, sem meditação, sem nada; com o que vivia no momento: tudo organizado, cristais, playlist, chá gelado, creme pra auto-massagem, incenso, velas, panos de textura gostosa: “É assim que se recebe uma deusa” - pensei.
Tomar cogumelos é uma invocação da própria divindade interna. Fazendo uma analogia com “figura e fundo”, sinto que em estados ordinários (comuns) da consciência, a figura em evidência é o ego; enquanto o self, o eu-superior ou divino, é pano de fundo. Em estados não ordinários de consciência induzidos por psicodélicos, e particularmente por cogumelos - e em ambiente adequado - o self manifesta-se de maneira mais evidente, passa a ser a figura; e o ego, dissolvido, compõe o fundo. Se eu vou invocar e receber uma divindade... não dá pra fazer de qualquer jeito, nem em qualquer lugar.
Estava ali, a personificação da minha própria divindade, forte, linda e poderosérrima, rsrs.
Voltei meus olhos de deusa à observação de como venho vivendo essa existência. Concluí que tenho feito tudo o que acredito que devo fazer, e o mais importante, da melhor maneira possível – ainda que não isenta de erro - e dizer isso a mim mesma trouxe uma sensação de paz, de dever sendo cumprido.
Decidi então olhar pra uma parte terrível de mim que vinha me fazendo refém nos últimos tempos... impulsos auto-agressivos muito fortes, e em relação aos quais eu tinha pouquissimo ou nenhum controle... Isso tava me trazendo um sofrimento mental-físico extremamente cansativo, e eu estava decidida a encontrar uma maneira de retomar as rédeas da situação e não ficar à mercê desse conteúdo inconsciente que frequentemente me tomava de assalto.
Mas como? Se ao tentar fugir de um pensamento/sentimento/comportamento, ele se impõe de maneira ainda mais forte? Dizer “Não pense em um elefante rosa” faz o mesmo efeito que dizer “Pense em um elefante rosa”... e eu sentia isso de maneira muito forte ao tentar apenas “lutar contra”. No dia-a-dia, passei a observar melhor quais eram os gatilhos, o que eu pensava e no que sentia quando vinham, etc, etc. Consegui traçar o caminho psiquico, digamos, que me levava à vontade auto-destrutiva, e as emoções subjacentes. Entendi racionalmente como o problema se manifestava, mas não resolvi o problema. A maldição continuava lá me assombrando.
Ao olhar para a questão naquele momento, o conselho da deusa interior foi certeiro: o verdadeiro problema é o desejo de perfeição. Desapegue do desejo de perfeição. VRÁÁÁÁÁÁÁÁ. Simples assim! “Carái, zé!”. “O desejo é a fonte de todo sofrimento” já me alertaram..
(EDIT. Na real, como pertinentemente lembrou o @Salaam`aleik : "ou, como disse Buda, o apego. As Quatro Nobres Verdades. Convém sempre se lembrar delas.
")
como-que-eu-não-tinha-pensado-nisso-assim-antes!? E é mais do que pensar ne... é vivenciar a resposta. Agora era só aplicar no dia-a-dia, coisa que tenho feito e tenho tido um progresso muuuuuuuuuuuuuuito perceptível. Quando aparece, e tem aparecido pouco, mentalizo e sinto o “desapegue do desejo de perfeição” naquela situação e pronto, deixo passar a inhaca. E ela passa! Mano, passa mesmo! É só deixar passar, só que eu não sabia como deixar passar. Lutar contra não é deixar passar. Felizmente, descobri o 'como'. Que alívio!
Depois das duas últimas experiencias consegui ainda entender um pouco mais sobre umas perguntas que vinha fazendo a respeito da variável “Set”, do tripé “Set, Setting e Substância”. Uma coisa é ler sobre Set. Outra coisa é experiênciar a variável Set. E a experienciei a partir de uma analogia que vou deixar ai, foi de grande ajuda pra mim, tomara que seja pra mais alguém.
Na minha percepção atual, acredito que é importante marcar que o Set tem pelo menos duas camadas: o estado mental no momento; e o estado mental mais profundo, que diz respeito à própria personalidade, visão de mundo, e visão “de si mesma” da pessoa.
Se no momento de uso do cogumelo, os pensamentos estão à milhão - a água mental está turva, como um copo de água com terra sendo agitado - a grande lanterna psicodélica irá iluminar e amplificar a terra que flutua, a própria confusão mental/sentimental daquele momento, e ai é bem fácil se perder, não entender nada, ou se deixar descontrolar. Se ao contrário, busca-se aquietar a mente, deixando a terra decantar no fundo do copo em repouso, a lanterna amplifica o estado cristalino da água, e ai é possível buscar ao fundo (ou permitir que emerjam desaceleradamente), grãozinho por grãozinho de pensamento, tornando possível observá-los com atenção e compreendê-los de maneira absurdamente cristalina. Não sei se deu pra passar a ideia, mas acho que valia a pena tentar.
É isso, obrigada mesmo a quem se aventurou a me acompanhar por essas tantas linhas, que apesar do “tantas” são ainda insuficientes para transmitir a grandeza da experiência em sua totalidade, e do impacto disso na minha vida.
Agradeço (e agradeci muito durante a trip) a cada um que mantém viva a troca de informações sobre o cultivo e a experiência com os cogumelos. Isso é verdadeiramente sagrado. Agradeci muito pela existência desse fórum. É um serviço de valor inestimável para a humanidade, e acredito que quem esteja envolvido tenha noção da grandeza disso tudo. Não vou cansar nunca de repetir: Cs são foda! Obrigada! Assim que eu estiver minimamente segura financeiramente, tratarei de contribuir materialmente pra esse rolê, porque pqp... como tem sido importante pra mim.
Outra motivação para escrever um relato assim, é expor uma reflexão sobre “o que são, e como funcionam os cogumelos quando combinados ao nosso corpo e mente”, percebo 3 tendências de uso entre as pessoas: 1- assustadoramente frequente: pessoas que enxergam apenas o potencial recreativo do uso e tratam o cogu de maneira leviana; 2- pessoas que percebem o potencial “enteógeno” do cogu (e de outros psicodelicos, como a ayahuasca), mas que atribuem a ele um caráter análogo ao do deus cristão, heterônomo, como se esperassem dele uma salvação, uma resposta dos céus sobre o que fazer, de outra dimensão, de algum lugar de fora de si mesmo (o que no fundo “isenta psiquicamente” a pessoa de buscar as próprias respostas, já que é como se se esperasse que “o chá revela a verdade” sozinho, sem esforço pessoal; 3- pessoas que usam o cogu para catalisar a própria evolução pessoal, espiritual; e que apesar de reconhecer a beleza e sacralidade da existencia desse serzinho incrível que mexe tanto com nossa psiqué, não se acomodam em sua imagem sagrada, não esperam uma salvação externa. É como se o cogu fosse capaz de “deixar cair véus”, mas o que você vai ver, e o que vai entender, diz mais sobre você do que sobre eles, e é importantissimo saber disso.
Sem mais delongas, cá está um relato de auto-análise catalisado pelos incríveis coguzitos, vai que serve de alguma coisa pra alguém, não é mesmo?
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Preparei direitinho o local, musica clássica, pedras, incenso, alongamento, meditação, concentração e good vibes. 2 horas depois de ter comido tava ótimo e tals, mas eu tava achando tudo leve demais pros 5g ingeridos... será que fui descuidada no armazenamento e uma parte da psilocibina degradou? Será que estou criando resistência à substância? Ou será que apenas estou acostumando com os efeitos?
“Se eu tivesse com meu pote de cogus aqui... seria o dia ideal para testar os famigerados 10g”. Como não estava, dei umas poucas tragadas em uma ponta de beck... e voilá! Em pouco tempo, ao fechar os olhos, estava imersa naquela paisagem hiperespacial à lá Alex Grey (tipo o meio/final do clipe Vicarious do Tool), onde costumo visitar. Inclusive, sempre tive a duvida sobre se minhas viagens foram imageticamente influenciadas por eu gostar desse tipo de arte, ou se o hiperespaço se apresenta assim, de maneira semelhante para todas ou para a maioria das pessoas. Com os cogumelos minha visualização desse hiperespaço é mais onírica do que real, mas ainda assim bastante intenso.
Olhava pra baixo, pros lados... não existia fim, e o “abaixo e acima” não existiam de verdade, mas apenas em relação a mim. Infinito. Descansei um bom tempo nessa paisagem. Pensei: “será que o paraíso é parecido com isso?”; “será que quando eu morrer minha mente vagará, em algum momento, por um hiperespaço semelhante?”.
Abri os olhos, e o corredor cimentado de uns 5, 6 m², aberto para o céu, era meu paraíso.
Nenhum olhar sobre mim. Nenhum julgamento. Com-ple-ta-men-te à vontade! Nin-guém pra me encher o rái do saco!
Dava pra sentir a atmosfera caótica do além muros, a confusão mental coletiva, a humanidade se implodindo em ignorância... mas ali era meu refúgio. Um ponto no tempo, no espaço, e na minha própria psiqué em que eu podia ser com-ple-ta-men-te livre! Meu direito verdadeiramente inalienável. Descansando intocável na minha própria paz. Impossível explicar a sensação, mas era como se eu estivesse em uma “praia mental”, eu via cimento e muro, mas sentia praia. Curti demais a praia.
Aaah se essa galera que tá ai fora soubesse... Em algum momento começei a pensar o quanto nossa espécie é, a nível individual e coletivo, refém do próprio inconsciente. Eu mesma estava tentando solucionar um problema mental no qual um conteúdo inconsciente meu tinha tanta autonomia, que tomava forma de comportamentos automáticos, contrários à minha vontade (o que, mais à frente, rendeu a reflexão mais significativa da trip); da mesma maneira, percebo com clareza o quanto os comportamentos de massa, de grupos, são majoritariamente de caráter irracional, uma externalização de respostas violentas a sentimentos de frustração e medo, dirigidas contra qualquer outro ser ou grupo que seja pano de fundo para despejarem suas projeções nubladas por ódio. E o que nos deixa vulnerável é justamente a ignorância, o contraposto de “tomar consciencia”.
“Ninguém nos contou sobre como a mente funciona, sobre nossos processos psiquicos, sobre como lidar de maneira saudável com as emoções, nem sobre as regras de ouro da convivencia harmoniosa.” É fácil entender porque tá todo mundo tão perdido. Muitas culturas, em muitas épocas, durante gerações, conseguiram construir bons “mapas para a sabedoria”, e que bom que hoje em dia podemos recorrer a eles ou a parte deles. Mas e os nossos? Com nossa identidade cultural? Construídos pelo nosso olhar... cadê? Nossa cultura é muito falha em construir símbolos e mitos capazes de nos guiar por caminhos de sabedoria, muito pelo contrário... as histórias que são massivamente contadas alimentam valores questionáveis e tem heróis de caráter duvidoso, quando não psicopata mesmo, rs. Entendi o Joseph Campbell como nunca ( e mandei-lhe um abraço mental, rsrs) quando ele disse em uma entrevista que nossa sociedade é a confusão que é, muito em decorrência da falta de bons mitos, que estruturam nossa visão de mundo e sobre nós mesmos.
“Psicodelia mesmo é a vida, e muito provavelmente a morte”, afirmava embasbacada pra mim mesma, ao enxergar tudo como um grande processo mental, no micro-universo de cada um, e no macro. Psicodelia é a mente, o cogu é “'apenas” (na falta de palavra mais digna) uma lanterna, ou uma luneta psiquica. A “viagem” com cogu é uma curta expedição para “religar-se com seu intimo e com o todo”, um reforço, um lembrete sobre o que de fato se trata essa vida. O intervalo de tempo entre minha concepção e minha morte é a verdadeira trip. E o além-morte outra fase da trip, onde muito provavelmente ainda estarei imersa nas minhas formas-pensamento, na minha bolha mental (como afirma o Livro Tibetano dos Mortos, sem duvidas um dos livros mais importantes que já li, obrigada @Speisepilz ).
Estamos todos aqui nesse planeta, nascidos em carne, sem mapa, imersos em nossa própria viagem mental, em nossas próprias formas-pensamento; que ao mesmo tempo é parte interdependente de uma viagem mental construida coletivamente. Ninguém nos deu as regras do jogo da vida de mão beijada, a regra é achar as regras e seguí-las. Se isso não é psicodelia, querides, não tenho ideia do que possa ser!
Descansando no meu céu, religando-me com o divino que há em mim e em todas as coisas, recarrego meus ânimos e minha força para viver no caos samsárico, para buscar compreendê-lo, e trabalhar para melhorar a mim e para transformar a realidade à minha volta. O que nos prende são “apenas” formas mentais, é a maneira pela qual nos tornamos escravos de nós mesmos, individual e coletivamente. A boa noticia é que, sendo formas mentais, são passíveis de tomada de consciência e mudança.
Nesse momento lembrei-me da última experiencia que tive com os cogumelos, A primeira bad , a sensação abismal de solidão que eu havia sentido, e pude ter uma compreensão cristalina sobre o que aconteceu naquele dia - que mesmo eu tendo refletido bastante sobre a experiência depois, não tinha chegado a ter em momento algum. Sempre gostei de fazer coisas sozinha, sempre me senti muito bem com a minha própria companhia.... por que a sensação intensa de solidão aquele dia? Seria porque estou convivendo com poucos amigos? Achava que sim, embora a situação não tivesse mudado tanto, já que eu sempre tive poucas mas importantissimas amizades
A resolução desse enigma veio num lampejo: a solidão não é sentir falta do outro, é sentir falta de si. Eu estava completamente voltada a cuidar das pessoas à minha volta, completamente imersa no exercício dos meus papéis sociais, e não é que haja um problema em fazer isso, mas fazer “só isso”, sem um tempo para descansar em si, no seu “céu interno”, leva à fadiga e à exaustão.
Somente intercalando com descanso e prazer é possível executar qualquer serviço, principalmente os mais pesados. Bater lage de 8h às 18h com horário de almoço cansa, mas é possível; bater lage 24h por dia, 7 dias por semana, sem intervalo... é humanamente impossível.
Eu estava cansada de exercer meus papéis sociais 24h por dia, e caí no equivoco mental – nada consciente – de que eu estava cansada de mim. Eu estava identificada com meus papéis sociais. Não sou meus papéis sociais... apenas os desempenho. Detesto, mas tenho que admitir - naquele dia tomei cogu numa tentativa desesperada de 'fugir de mim mesma', da minha realidade diária, o que obviamente é um graaaaande equivoco. Cogu nuuuunca vai te deixar fora de si, pelo contrário, é sempre um mergulho em si mesma, e incorre na amplificação dos próprios estados mentais.
Comparei o despreparo semi-intencional que tive no dia da bad: sem playlist, sem meditação, sem nada; com o que vivia no momento: tudo organizado, cristais, playlist, chá gelado, creme pra auto-massagem, incenso, velas, panos de textura gostosa: “É assim que se recebe uma deusa” - pensei.
Tomar cogumelos é uma invocação da própria divindade interna. Fazendo uma analogia com “figura e fundo”, sinto que em estados ordinários (comuns) da consciência, a figura em evidência é o ego; enquanto o self, o eu-superior ou divino, é pano de fundo. Em estados não ordinários de consciência induzidos por psicodélicos, e particularmente por cogumelos - e em ambiente adequado - o self manifesta-se de maneira mais evidente, passa a ser a figura; e o ego, dissolvido, compõe o fundo. Se eu vou invocar e receber uma divindade... não dá pra fazer de qualquer jeito, nem em qualquer lugar.
Estava ali, a personificação da minha própria divindade, forte, linda e poderosérrima, rsrs.
Voltei meus olhos de deusa à observação de como venho vivendo essa existência. Concluí que tenho feito tudo o que acredito que devo fazer, e o mais importante, da melhor maneira possível – ainda que não isenta de erro - e dizer isso a mim mesma trouxe uma sensação de paz, de dever sendo cumprido.
Decidi então olhar pra uma parte terrível de mim que vinha me fazendo refém nos últimos tempos... impulsos auto-agressivos muito fortes, e em relação aos quais eu tinha pouquissimo ou nenhum controle... Isso tava me trazendo um sofrimento mental-físico extremamente cansativo, e eu estava decidida a encontrar uma maneira de retomar as rédeas da situação e não ficar à mercê desse conteúdo inconsciente que frequentemente me tomava de assalto.
Mas como? Se ao tentar fugir de um pensamento/sentimento/comportamento, ele se impõe de maneira ainda mais forte? Dizer “Não pense em um elefante rosa” faz o mesmo efeito que dizer “Pense em um elefante rosa”... e eu sentia isso de maneira muito forte ao tentar apenas “lutar contra”. No dia-a-dia, passei a observar melhor quais eram os gatilhos, o que eu pensava e no que sentia quando vinham, etc, etc. Consegui traçar o caminho psiquico, digamos, que me levava à vontade auto-destrutiva, e as emoções subjacentes. Entendi racionalmente como o problema se manifestava, mas não resolvi o problema. A maldição continuava lá me assombrando.
Ao olhar para a questão naquele momento, o conselho da deusa interior foi certeiro: o verdadeiro problema é o desejo de perfeição. Desapegue do desejo de perfeição. VRÁÁÁÁÁÁÁÁ. Simples assim! “Carái, zé!”. “O desejo é a fonte de todo sofrimento” já me alertaram..
(EDIT. Na real, como pertinentemente lembrou o @Salaam`aleik : "ou, como disse Buda, o apego. As Quatro Nobres Verdades. Convém sempre se lembrar delas.
como-que-eu-não-tinha-pensado-nisso-assim-antes!? E é mais do que pensar ne... é vivenciar a resposta. Agora era só aplicar no dia-a-dia, coisa que tenho feito e tenho tido um progresso muuuuuuuuuuuuuuito perceptível. Quando aparece, e tem aparecido pouco, mentalizo e sinto o “desapegue do desejo de perfeição” naquela situação e pronto, deixo passar a inhaca. E ela passa! Mano, passa mesmo! É só deixar passar, só que eu não sabia como deixar passar. Lutar contra não é deixar passar. Felizmente, descobri o 'como'. Que alívio!
Depois das duas últimas experiencias consegui ainda entender um pouco mais sobre umas perguntas que vinha fazendo a respeito da variável “Set”, do tripé “Set, Setting e Substância”. Uma coisa é ler sobre Set. Outra coisa é experiênciar a variável Set. E a experienciei a partir de uma analogia que vou deixar ai, foi de grande ajuda pra mim, tomara que seja pra mais alguém.
Na minha percepção atual, acredito que é importante marcar que o Set tem pelo menos duas camadas: o estado mental no momento; e o estado mental mais profundo, que diz respeito à própria personalidade, visão de mundo, e visão “de si mesma” da pessoa.
Se no momento de uso do cogumelo, os pensamentos estão à milhão - a água mental está turva, como um copo de água com terra sendo agitado - a grande lanterna psicodélica irá iluminar e amplificar a terra que flutua, a própria confusão mental/sentimental daquele momento, e ai é bem fácil se perder, não entender nada, ou se deixar descontrolar. Se ao contrário, busca-se aquietar a mente, deixando a terra decantar no fundo do copo em repouso, a lanterna amplifica o estado cristalino da água, e ai é possível buscar ao fundo (ou permitir que emerjam desaceleradamente), grãozinho por grãozinho de pensamento, tornando possível observá-los com atenção e compreendê-los de maneira absurdamente cristalina. Não sei se deu pra passar a ideia, mas acho que valia a pena tentar.
É isso, obrigada mesmo a quem se aventurou a me acompanhar por essas tantas linhas, que apesar do “tantas” são ainda insuficientes para transmitir a grandeza da experiência em sua totalidade, e do impacto disso na minha vida.
Agradeço (e agradeci muito durante a trip) a cada um que mantém viva a troca de informações sobre o cultivo e a experiência com os cogumelos. Isso é verdadeiramente sagrado. Agradeci muito pela existência desse fórum. É um serviço de valor inestimável para a humanidade, e acredito que quem esteja envolvido tenha noção da grandeza disso tudo. Não vou cansar nunca de repetir: Cs são foda! Obrigada! Assim que eu estiver minimamente segura financeiramente, tratarei de contribuir materialmente pra esse rolê, porque pqp... como tem sido importante pra mim.
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