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A Dissonância Cognitiva De Leon Festing

Ecuador

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22/12/2007
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Leon Festinger, um psicólogo americano (8 de maio de 1919 - 11 de fevereiro de 1989), propôs uma teoria bem interessante, a dissonância cognitiva. Em resumo, ela diz que quando há, no indivíduo, crenças ou opiniões incompatíveis gerando um conflito geralmente desconfortável, ou crenças e comportamentos incompatíveis idem, os indivíduos procuram acrescentar "elementos de consonância", mudar uma das crenças, ou as duas, para torna-las mais compatíveis

Em alguns casos isso pode levar a mudanças apelativas de opinião e descolamento da realidade, quando há necessidade de se justificar um comportamento anterior que conflite com as evidências de fato.

A teoria da dissonância cognitiva não é uma teoria do comportamento humano como um todo. Foca apenas em uma classe de fenômenos, sociais ou individuais.

O texto a seguir está no quinto capítulo - Acalmando a mente - Os experimentos de Leon Festing - do excelente livro de Lauren Slater, Mente e Cérebro. Fora o livro mais material pode ser consultado pela net, como nesse blog.



O nome dela era Marion Keech. O nome dele era Dr. Armstrong. Viviam em Lake City, Minneapolis, um lugar frio de muitos ventos, onde os invernos eram todos brancos, a neve caía de nuvens manchadas, cada floco corno uma pequena mensagem, um desenho a ser decifrado.

E nesta vasta paisagem, Marion Keech, uma dona-de-casa comum, recebeu um certo dia uma cana de um ser chamado Sananda. Veio não em um envelope, mas cm uma vibração de alta densidade, que fazia sua mão tremer na página do caderno de notas. As palavras diziam o seguinte: "O levante do fundo do Atlântico submergirá a terra da orla Atlântica; a França afundará... A Rússia tornar-se-á um grande mar... uma grande onda investe contra as Montanhas Rochosas.., com a finalidade de purificá-la dos terráqueos e criar a nova ordem." As mensagens, depois daquela, vieram rápidas e furiosas até Marion Keech. Avisavam de um dilúvio iminente, à meia-noite, em 21 de dezembro. Mas todos os que acreditassem em um deus chamado Sananda seriam salvos.

Marion Keech acreditou. Dr. Armstrong, um médico que tinha um cargo de prestígio numa faculdade próxima e que conheceu a Sra. Keech em um clube de discos voadores, também veio a acreditar. E também Bertha, Don, Andrew e uma porção de outros. Eles tornaram-se um culto e fizeram seus preparativos. Era novembro e as noites caíam rápido, a escuridão descendo, tão tangível quanto o alcatrão. O grupo enviou um único press release a uma agencia de notícias, mas, exceto por isso, se esquivou de publicidade, pois apenas poucos foram escolhidos por Sananda, e espalhar pânico parecia cruel. Mesmo assim, a notícia se espalhou e moradores do meio-oeste, de Idaho a Iowa, ficaram curiosos, desconcertados. Leon Festinger, um psicólogo de 31 anos de idade da vizinha Universidade do Minnesota, ouviu falar do culto e decidiu se infiltrar nele. O que aconteceria, ele se perguntava, quando chegasse a meia-noite de 21 de dezembro e nenhuma espaçonave aterrissasse, nenhuma chuva viesse? O grupo perderia a fé? Como Os seres humanos reagem, Festinger queria saber, quando uma profecia falha?

Festinger organizou uns poucos grupos para que fossem disfarçados, posando de crentes e ganhando ingresso no culto. Eles observaram as intensas preparações dos membros para o evento do solstício. Kitty, um membro do culto, demitiu-se do emprego, vendeu a casa e saiu com sua filha bebê para ir morar com a Sra. Keech. O Dr. A rmstrong também estava tão convencido do dilúvio iminente que arriscou seu emprego de médico por ficar rezando na sala de exames e, portanto, foi sumariamente despedido, deixado em dificuldades com um simples estetoscópio e um martelo de reflexo — não importava. Os bens mundanos, os títulos prestigiosos, eram irrelevantes para o salvador Sananda e o novo planeta para onde essas pessoas estavam indo, muitíssimo longe daqui, invisível no céu, exceto por um lampejo ocasional de luz, como um rasgo vermelho se abrindo e sendo então sugado de volta à escuridão.

Na véspera do dilúvio real, os seguidores e os pesquisadores incógnitos se reuniram na sala de estar de Marion Keech para receber instruções, que vieram na forma de textos automáticos e telefonemas dos homens do espaço se fazendo passar por pessoas pregando peças, mas que realmente tinham mensagens codificadas a entregar. Por exemplo, um dos que telefonaram disse: "Ei, tem um dilúvio no meu banheiro, querem vir e celebrar?", e isso era tão obviamente um sinal secreto do assistente especial de Sananda que o grupo expressou satisfação. Uma mensagem veio na forma de um misterioso pedaço de lata encontrado na trama do tapete da sala de estar. O pedaço de lata era um aviso de que os membros do grupo deviam remover todo metal de suas roupas antes de entrar na espaçonave, que estacionaria na calçada da rua em apenas mais dez minutos! Freneticamente, as mulheres começaram a arrancar os ilhoses e ganchos de seus sutiãs; os homens retiravam os botões; um dos pesquisadores, que tinha um zíper de metal nas calças, foi impetuosamente removido até um quarto de dormir, onde o Dr. Armstrong, num acesso de pânico, respirando pesadamente e de olho no relógio cortou fora a entreperna, e, portanto, havia um grande talho por onde o vento do meio-oeste se infiltrava.

Eram 23h e 50min, então, dez minutos até a hora da aterrissagem. As pessoas tinham se demitido dos empregos, vendido as casas, alienado membros da família — estavam extremamente envolvidas. Os dois relógios na casa da Sra. Keech tiquetaqueavam ruidosamente, no início como um som tão constante quanto um coração e, depois, um som mais e mais ameaçador à medida que a meia-noite se aproximou e se foi. Clique-clique fazia o relógio, o estalo de uma língua, nem uma gota caindo do céu congelado, a terra lá fora ressecada como Canaã, densa em sua escuridão. Alguns membros do culto, visivelmente chocados, choravam com as mãos no rosto. Outros simplesmente se prostraram nos sofás, com um olhar perplexo no ar vazio. Outros, ainda, perscrutavam entre as cortinas os grandes holofotes que varriam o jardim, holofotes não de uma espaçonave, como tanto esperaram, mas das estações de noticias, que vieram para se divertir um pouco.


Antes do Grande Evento, os membros do culto tinham se esquivado de quase toda a publicidade, exceto por um único aviso em um press release, isso apesar de a notícia da catástrofe vindoura ter se espalhado por todo o meio-oeste e os membros terem recebido muitos pedidos para falar em frente às câmeras. Agora, porém, à medida que a noite se esgotava e o céu permanecia seco, Festinger observou uma coisa estranha começar a acontecer. Os membros do culto deixaram abertas as cortinas para as equipes com câmeras. Eles as convidaram a entrar, galante e maniacamente, oferecendo-lhes chá e bolachas. Marion Keech, sentada na cadeira da sala de estar, recebeu uma mensagem urgente de um ser de alta densidade que disse, depois que ela havia escrito apressadamente, para que entrasse em contato com o máximo possível dc estações da mídia e anunciasse que o dilúvio não viria porque "o pequeno grupo sentado a noite toda tinha espalhado tanta luz que deus salvou o mundo da destruição". A Sra. Keech chamou a ABC, a CBS e o The New York Times e isso foi uma mudança de 180 graus; agora ela queria falar. Por volta das 4 horas, um repórter telefonou. Ele tinha telefonado há apenas poucos dias e perguntado, com muito sarcasmo, se a Sra. Keech gostaria de vir ao seu programa e participar de uma festa de fim do mundo, ao que ela havia respondido batendo com o telefone, exaltada, furiosa. Agora, quando ele telefonava de volta para tentar apanhá-la pelo fracasso da profecia, ela disse: "Venha já! Neste mi-nu-to!" Membros do culto telefonaram para Life, Time e Newsweek e, nos dias que se seguiram, deram dezenas de entrevistas a repórteres, tudo numa tentativa de convencer o público de que suas ações e crenças não tinham sido em vão. Eles saudaram a notícia de um terremoto em 21 de dezembro na Itália com alegria e danças. "A pele da Terra [está] deslizando."

Dissonância. Um milhão de racionalizações, linhas falhas na Terra, no cérebro e toda espécie de maneira para costurá-los. Só podemos imaginar a diversão de Festinger e também seu pesar, enquanto via o modo como as pessoas pulavam para as mentiras, faziam vista grossa, esquadrinhavam, separavam, nivelavam. Para Festinger, o dramático aumento no proselitismo público após um fracasso tão óbvio foi inteiramente contra-intuitivo e tornou-se a base para uma teoria e um conjunto de experimentos planejados para testar a teoria: dissonância cognitiva. O que Festinger descobriu, em sua infiltração no culto e sua leitura da história, foi que é precisamente quando uma crença é desconfirmada que os grupos religiosos começam o proselitismo, uma espécie de mecanismo de defesa desesperado. A disjunção entre aquilo em que se acredita e a evidencia factual é altamente incômoda, como arranhar a lousa. O alívio só virá se mais e mais pessoas se alistarem à espaçonave, por assim dizer, porque se todos nós estivermos voando juntos nesta coisa, então certamente deveremos estar certos.
 
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