Muito bom o relato
@upGrade, me identifiquei com algumas partes de sua experiência. Inclusive, sinto-me compelido a dizer o que penso sobre os tais superpoderes.
Imagino que o fundamento geral das relações interpessoais esteja alçado na vontade (inerente) de domínio sobre os outros (viva Nietzsche!). Principalmente se levarmos em consideração o atual contexto (secularmente falando) socioeconômico, político e religioso em que vivemos.
Incessantemente, tentamos dominar as relações que envolvem outra pessoa que não sejamos nós mesmos. Às vezes, fazemos isso de forma tão esdrúxula que se torna perceptível. E os artifícios utilizados são deveras incontáveis, pois somos muito criativos.
Entretanto, imagino ser possível, através meios básicos (como p.ex.: agressão, sedução, sapiência, falsa modéstia, etc) com os quais costumamos tentar nos impor, exemplificar alguns desses momentos:
Quem nunca presenciou, por exemplo, uma situação onde um indivíduo qualquer, por motivos quase sempre desconhecidos, tenta se provar mais inteligente do que outro, ou exarceba arrogância, sem razão ou preocupação com o processo de produção do conhecimento (imprescindível para o aprendizado)? E aquelas situações onde nos deparamos com alguém que se insinua promiscuamente/vulgarmente para o outro? Ou até mesmo em outras, quando nos deparamos com um sujeito fisicamente mais forte que os demais, e que se regozija por ser assim – tirar a camisa mesmo estando frio, é típico – ou por levar vantagem sobre o franzino em alguma situação. Ninguém?
Esse processo, dentro dos padrões compreendidos como normais, pode ser imaginado como uma balança de equilíbrio para consigo mesmo. Pois, se fulano é mais forte que eu, alguma coisa eu tenho que fazer para não ficar por baixo. Uma piada talvez? E se ele é mais inteligente do que eu, vai sucumbir ao meu sorriso e à minha educação, ou humildade. Não importa, são muitas as armas com que lutamos.
Agora, imagine se misturarmos esses conceitos e tentarmos reduzí-los, a fim de que caibam em uma única situação. Conseguem conceber uma conversa de bar com os amigos? Uma reunião da empresa? Porque eu imagino ser bem por aí.
Ocorre que o cogumelo (não só ele, como também outros enteógenos) age em nossa mente de tal maneira, que tudo o que foi dito acima sofre uma profunda e brusca modificação.
A experiência enteógena parece fazer com que nossa capacidade autorreflexiva aumente tanto, que em certo momento, já não nos enxergamos mais como "nós mesmo", e se insistirmos, enxergaremos 'O culpado' – e quem não for, que atire a primeira pedra –. Simplesmente perdemos o fio da meada e deixamos de acompanhar o fluxo temporal contínuo que delimita nossa realidade, a fim de iniciar uma investigação interna sobre nós mesmos. Assim, regrediremos ou transgrediremos. Para relembrar, reinterpretar e reentender àquilo que ficou obscuro demais na nossa memória. Por não termos tido a capacidade de apreendê-lo de forma equitativa à concepção de mundo que sustentávamos naquele momento específico do primeiro contato. A intencionalidade à que somos estimulados pelo cogumelo, parece fazer isso.
Um outro exemplo é o da criança que entra no quarto dos pais e encontra ambos na cama, fazendo sexo selvagem. O que ela irá pensar dessa situação, se seu cérebro ainda não tiver desenvolvido a estrutura responsável por enteder a sexualidade da forma devida? Vai dar "pane", uai. Como não? A dissonância cognitiva é uma característica inerente à
raça humana. Será necessário uma reeleitura dessa situação no futuro, para que a criança possa corrigir esse mal entendido. Uma situação assim, representaria para a criança uma agressão do pai à mãe.
Porém, isso é só um exemplo simplista das coisas. Pois não chegará a dar
bad no futuro. Nem precisamos sair da infância para começar a entender a vida sexual. Imagine, entretanto, uma criança que é estuprada...
E sobre essa regressão/transgressão, o papel ocupado pelo cogumelo, será o de reacender a fagulha da inocência dentro nós (a criança interior dentro de cada
psiconauta), mesmo que seja somente enquanto os efeitos do cogumelo durarem – o que não imagino se restringir somente à
trip em si –.
Nesse sentido, a inocência, por se apresentar como o inverso da maldade (característica egoica), acaba impulsionado a força para que nos sintamos estimulados a formar uma nova concepção do mundo e dos objetos nele existentes; uma 'nova ideia' (mais humilde e aberta a novas possibilidades do que a anterior) de sobre como as coisas funcionam ou devem funcionar. E é partir daí que imagino a origem do despertar espiritual.
Quantos eram ateus e abriram o coração para a espiritualidade, ou no mínimo se tornaram abertos à possibilidade de teorias e hipóteses que transcendam a razão? Não soa comum para a realidade experimentada aqui no fórum?
Estamos perdendo nossa inocência desde o momento que nascemos. Nascemos puros (embora alguns possam discordar, o fato é que o nascimento representa o marco 0 de nossa vida, ou nova vida), e a pureza choca o mundo.
As pessoas se sentem demasiado pequenas quando defrontam o "númeno crescido" (inventei agora, hehe). Ora, um bebê humano ainda pode ser, pois é compreensível que o inocente seja frágil e irracional – é aceitável congnitivamente. Agora, um adulto com a capacidade de exprimir seus pensamentos, racionalmente, para a análise e resolução de problemas alheios, isento das dores e da contingencia que compõem a vida cotidiana (o que é "impossível"), e que intenta com seu comportamento, somente ajudar (sendo um "espelho" e não um idealista) e não levar vantagem. Isso as pessoas não suportam, não, ao menos, sem perder a compostura.
Estamos tão emaranhados nessa realidade contingencial e já bastante conhecida nossa, que pressupomos conhecê-la de "cabo a rabo". Fulano é "assim e assado", e a partir disso eu posso depreender 'n' coisas sobre ele – observem que o preconceito nasce aqui.
Já o
psiconauta, acostumado que é com suas viajens metafísicas, já se assemelhou, intuitivamente, à ideia de uma conduta que lhe permita ir fundo em suas viajens, sem que para isso ele tenha de sofrer uma
PEIA ou
bad toda vez que decidir ingerir os cogumelos. Essa conduta, por sinal, também é outorgada pelas religões que conhecemos, embora os métodos sejam ortodoxos, retrógradas e não eficazes, como podemos perceber na maioria das vezes.
Sem contar que a falta de clarezae atenção devida à subjetividade de cada um, nos ensinamentos, acaba tornando a religião, de fato, em religião – na acepção pejorativa do termo.
A ideia de transcendência (espiritual) evidenciada acima, nos remete ao desconhecido, ao Nada. O Nada que causa fascínio, já que é indeterminação pura. E nesse sentido, o
psiconauta carrega consigo parte dessa Nada. E as pessoas ao tomarem ciência disso, tendo contato com alguém que já tenha se aventurado no mundo dos psicoativos, vislumbram, "ao vivo e a cores", a ferramenta que lhes só é acessível por meio dos sonhos e devaneios mais profundos, cujo elas são fortemente desencorajadas a terem, em razão do juízo sintético a priori (vontades determinadas).
Essa ideia constitui para mim o cenário perfeito em que alcunho o "psiconauta engajado" (viva Sartre!), e que não passa de um mediador "competente" da realidade, consciente de si e do mundo e psicólogo involuntário por atração (cármica?). Alguém que confrontou os limites da razão e que já não a encara como finalidade, mas ferramenta. Alguém que vive lembrando as pessoas "normais" desse detalhe.
Lembremo-nos de OSHO, o Guru dos Ricos, por exemplo. Ele, quando discursa eloquentemente seus sermões – muito personalizados, diga-se de passagem – parece distorcer o fluxo normal do tempo com seus trejeitos, seu conhecimento, sua capacidade oratória, retórica e por fim, sua maneira extremamente lenta de se comunicar. Chego a me recordar do filme O Mágico de Oz (1939), quando Dorothy encontra o Mágico e o "desmascara".
O Mágico em questão, nada mais é do que um intelectual (um acadêmico, quiçá?) que gira a manivela da realidade. Que dita o que ela deve ser. E é parte desse poder que o psiconauta apresenta para o mundo quando sua "pira" termina e ele volta a interagir com os outros – se seguidos os
insights tidos durante sua
trip.
O "conhecimento" (entenda consciência ou contemplação) do Mistério, sua "cogumelística" capacidade de "surfar na crista da realidade", mesmo sendo um sujeito sem conhecimento de causa.
A noção de que não existe Verdade é profunda (assim como a trip), e esse conceito, a Verdade, só existe por ser insuportavelmente angustiante, para nós, seres mortais que não detém o conhecimento
post-mortem, o fato de que o "pau tá quebrando e é isso aí"; de que as coisas simplesmente São, e de que em determinado momento deixarão de ser.
EDIT: Peço desculpas pela densidade do texto, pelos axiomas, pelo excesso de romantizações (quando me falta razão, sobra poesia), pelos erros, pela série de pressuposições de conhecimento filosófico que fiz à quem se dispôs a lê-lo, e também pelos incontáveis edit's.
É tudo só um "vômito" de ideias que ainda tento entender e organizar em minha cabeça, para assim conseguir explicar aos outros.