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No sacerdócio do Pink Floyd (2ª Experiência)

sísifo

Esporo
Cadastrado
14/09/2018
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Após um ano da minha primeira experiência, já relatada aqui no fórum, resolvi fazer uma segunda incursão, agora melhor planejada.

Estudando o assunto, fui convencido da importância do set/setting e fiquei mais ou menos um mês me preparando para a viagem. O dia programado, porém, era após o primeiro turno das eleições presidenciais de 2018, cujo resultado me deixou mal de cabeça. Resolvi abortar a missão.


Umas semanas depois, quando já estava mais calmo, entendi que era chegado o momento, apesar de não haver mais todo o contexto que havia programado. Improvisei um setting. Fiquei três dias sem beber álcool, um dia sem comer carne e, antes da viagem, fiz quatro horas de jejum. À noite, enrolei um baseado, separei um caderno de anotações e uma colcha preta, deitei na rede da varanda do meu apartamento, acendi um incenso, coloquei para tocar uma playlist com todos os álbuns do Pink Floyd em sequência. Em cerca de quinze minutos ingeri 5g de cubensis secos, mastigando bem cada um.


Comecei a sentir sede, mas achei que a água poderia atrapalhar a viagem e por isso resisti. Fechei os olhos para tentar meditar, mas acabei me concentrando na música. Após cerca de trinta minutos, como nada acontecia, resolvi acender o baseado.


Fiquei prestando a atenção, no teto da varanda, aos reflexos das luzes noturnas que se mexiam conforme o vento balançava as folhas das árvores que as encobriam. Lembrei de quando eu era criança e acordava à noite, e ficava contando os reflexos no teto dos faróis dos carros que passavam na rua, até que o sono viesse.


Senti que a música começou a me levar a lugares místicos. Cobri até a cabeça com a colcha preta, semicerrei os olhos e comecei a visualizar duas luzes claras vibrando intensamente e percebi que a viagem estava começando para valer. Depois dessa vibração, a coisa estabilizou, e me vi/senti em uma espécie de templo religioso, com um teto abobadado, no qual eu flutuava com a música e, em alguns momentos, a música me fazia sentir uma espécie de êxtase.


O teto desta “capela” não era muito definido, ora emulava um céu, ora parecia um palco de teatro, mas o que me chamou a atenção era que eu o percebia com clareza e ele permanecia parado sobre mim, como se estivesse em três dimensões. Percebi que toda a estrutura deste espaço era composta por linhas paralelas, semelhantes às linhas de uma impressão digital. Tais linha, a primeira vista, pareciam pretas e brancas, mas olhando melhor, era possível constatar, entre elas, resquícios das cores primárias, vermelho, verde e azul.


Escutando a música “Corporal Clegg” (que desde então está grudada feito chiclete na minha cabeça), vi um castelo em chamas e uma espécie de batalha entre um demônio e seres celestiais.


Quando abri meus olhos, vi um olho felino, azulado, em meio à escuridão, possivelmente formado pela posição das minhas pernas contra a luz que iluminava a rede por baixo. Imaginei que aquele templo, debaixo do meu cobertor, era guardado por aquele olho, que chamei de “olho da noite”.


Baixei a coberta e acendi novamente o baseado. Fiquei vidrado, olhando para a chama do isqueiro, que dançava freneticamente. Isto causou a persistência retiniana de uma mancha, que durou alguns minutos. Neste momento, olhei para o lado e, sobre o morro do Corcovado, vi a estátua do Cristo Redentor, iluminada de azul. Só que vendo-a de lado, me pareceu que os braços da estátua não estavam mais abertos, mas caídos na lateral do corpo, e a cabeça meio inclinada para frente. Fiquei com a impressão que o Cristo estava um tanto cabisbaixo.


Voltei para a minha coberta-templo-espaçonave e deixei a música inundar meu coração. Fiquei pensando que a música e a arte em geral são o que, para mim, mais se aproxima de uma religião.


A partir daí fui escrevendo e desenhando qualquer coisa que me viesse à mente. Os desenhos utilizavam basicamente o conceito das linhas paralelas que, na minha concepção, estruturavam o mundo.


Enquanto eu desenhava a música do Pink Floyd guiava minha mão. As luzes da rua invadiam meu campo de visão como rios luminosos e isto, de alguma maneira, impregnava minha mente e avançava para os desenhos.


Lá pelas tantas notei que um cara gritava na rua. Tentei compreender o que ele dizia e notei que era tipo um rap. Ele ficou nisso a madrugada inteira. Não consegui entender quase nada o que ele dizia. Sei que, em um momento, ele cantou “Pesadelo. Paraíso. Mercenário. Mercadoria. Na poesia. Na histeria. Na bateria. Virgem Maria”. Na loucura me identifiquei com ele, e fiquei pensando em paralelos entre o artista e o louco.


Comecei a sentir que a onda estava baixando e fiquei observando uma nuvem avermelhada no céu. Nela pude enxergar a forma de uma águia se transformando em um mastiff prestes a abocanhar um pequeno ser que poderia ser um lagarto ou um escorpião. Notei, então, que no meio dessa nuvem se erguia uma torre ocre e fiquei realmente admirado com a nitidez com que conseguia identificar esta construção. Imediatamente pensei em cidades nos céus e em discos voadores. Fiquei pensando que a observação do céu poderia explicar muitas de nossas crenças.


Comi uma bananada e fui deitar. Demorei a pegar no sono enquanto o poeta berrava na rua.
 
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