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Nietzsche

.Gabiru

Artífice esporulante
Membro Ativo
09/10/2011
266
85
Abismo
tópico dedicado ao filósofo alemão e bigodudo Nietzche. poste o que quiser.

Um texto que me deixa feliz sempre (auto-ajuda):

– Alguém quer descer o olhar sobre o segredo de como se fabricam ideais na terra? Quem tem a coragem para isso?... Muito bem! Aqui se abre a vista a essa negra oficina. Espere ainda um instante, senhor Curioso e Temerário: seu olho deve primeiro se acostumar a essa luz falsa e cambiante... Certo! Basta! Fale agora! Que sucede ali embaixo? Diga o que vê, homem da curiosidade perigosa – agora sou eu quem escuta. –
– “Eu nada vejo, mas por isso ouço muito bem. É um cochichar e sussurrar cauteloso, sonso, manso, vindo de todos os cantos e quinas. Parece-me que mentem; uma suavidade visguenta escorre de cada som. A fraqueza é mentirosamente mudada em mérito, não há dúvida – é como você disse” –
– Prossiga!
“e a impotência que não acerta contas é mudada em ‘bondade’; a baixeza medrosa, em ‘humildade’; a submissão àqueles que se odeia em ‘obediência’ (há alguém que dizem impor esta submissão – chamam-no Deus). O que há de inofensivo, fraco, a própria covardia na qual é pródigo, seu aguardar-na-porta, seu inevitável ter-de-esperar, recebe aqui o bom nome de ‘paciência’, chama-se também a virtude; o não-poder-vingar-se chama-se não-querer-vingar-se, talvez mesmo perdão (‘pois eles não sabem o que fazem – somente nós sabemos o que eles fazem!’). Falam também do ‘amor aos inimigos’ – e suam ao falar disso.”
– Prossiga!
– “São miseráveis, não há dúvida, esses falsificadores e cochichadores dos cantos, embora se mantenham aquecidos agachando-se apertados – mas eles me dizem que sua miséria é uma eleição e distinção por parte de Deus, que batemos nos cães que mais amamos; talvez essa miséria seja uma preparação, uma prova, um treino, talvez ainda mais – algo que um dia será recompensado e pago com juros enormes, em ouro, não! Em felicidade. A isto chamam de ‘bem-aventurança’, ‘beatitude’.
– Prossiga!
– “Agora me dão a entender que não apenas são melhores que os poderosos, os senhores da terra cujo escarro têm de lamber (não por temor, de modo algum por temor! E sim porque Deus ordena que seja honrada a autoridade) – que não apenas são melhores, mas também ‘estão melhores’, ou de qualquer modo estarão um dia. Mas basta, basta! Não agüento mais. O ar ruim! O ar ruim! Esta oficina onde se fabricam ideais – minha impressão é de que está fedendo de tanta mentira!”
– Não! Um momento! Você ainda não falou no golpe de mestre desses nigromantes, que produzem leite, bancura e inocência de todo negror – não percebeu a consumada perfeição do seu refinamento, a sua mais ousada, sutil, engenhosa e mendaz estratégia de artista? Preste atenção! Esses animais cheios de ódio e vingança – que fazem justamente do ódio e da vingança? Você ouviu essas palavras? Você suspeitaria, ouvindo apenas as suas palavras, que se encontra homens do ressentimento?...
– “Compreendo; vou abrir mais uma vez os ouvidos (ah! E fechar o nariz). Somente agora escuto o que eles tanto diziam: ‘Nós, bons – nós somos os justos’ – o que eles pretendem não chamam acerto de contas, mas ‘triunfo da justiça’; o que eles odeiam não é o seu inimigo, não! Eles odeiam a ‘injustiça’, a ‘falta de Deus’; o que eles crêem e esperam não é a esperança de vingança, a doce embriaguez da vingança (– ‘mais doce que mel’, já dizia Homero), mas a vitória de Deus, do deus justo sobre os ateus; o que lhes resta para amar na terra não são os meus irmãos no ódio, mas seus ‘irmãos no amor’, como dizem, todos os bons e justos da terra.
– E como chamam aquilo que lhes serve de consolo por todo o sofrimento da vida? – sua fantasmagoria da bem-aventurança futura antecipada?
– “Quê? Estou ouvindo bem? A isto chamam de ‘Juízo Final’, o advento do seu reino, do ‘Reino de Deus’ – mas por enquanto vivem ‘na fé’, ‘no amor’, ‘na esperança’.”
– Basta! Basta!

F. Nietzsche - A Genealogia da Moral - Uma Polêmica
 
Última edição:
Culpa, ressentimento e a inversão dos valores em Nietzsche
Para ser feliz, o homem precisa afirmar sua potência de vida. Quando essa é reprimida, ele leva uma existência submissa, apenas reativa. Sentimentos como culpa e ressentimento decorrem de valores estabelecidos pelo homem reativo

Amauri Ferreira, filósofo e escritor. Ministra cursos, coordena grupos de estudos e desenvolve pesquisas pela Escola Nômade de Filosofia (www.escolanomade.org) Blog: amauriferreira.blogspot.com


Qual é a origem do pecado, da culpa, e do ressentimento? São sentimentos que se tornaram tão comuns que podem nos levar a acreditar que eles são inerentes ao homem. O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), em sua genealogia, nos diz que esses sentimentos são inseparáveis da moral judaico- cristã. É por essa moral que o homem experimenta continuamente uma repressão de seus impulsos ativos. Mas como esses impulsos não somem, é inevitável que haja um conflito entre uma moral que reprime e a nossa vontade de potência, que quer expandir-se. Assim, segundo o filósofo, o homem torna-se reativo quando vive limitado apenas à conservação da sua existência, o que faz multiplicar o seu sofrimento e a necessidade de viver cada vez mais submetido às promessas de recompensa oferecidas pelo poder sacerdotal. Dessa forma, o homem passa a ignorar um aspecto primordial da existência que é a criação, ou seja, é somente por meio da efetuação da sua natureza que o homem torna-se capaz de criar novos valores, de afastar para longe de si a culpa e o ressentimento.

Nesse sentido, Nietzsche nos diz que a felicidade corresponde ao crescimento da nossa potência, a uma constante diferenciação de si mesmo, o que torna desnecessária toda crença em um ideal ascético, isto é, em um modelo de perfeição que esmaga as diferenças.


Para Nietzsche, há duas morais: a do senhor e a do escravo. Na moral do escravo, há uma hierarquia, em que a autoridade do senhor é assegurada apenas por meio de uma lei. Ao contrário, na moral do senhor, o mais fortalecido - em potência - torna-se senhor do mais fraco

Vontade de potência

Para Nietzsche, a natureza é constituída por uma multiplicidade de forças (ou impulsos) que estão permanentemente em conflito: forças que, ao assimilarem outras forças, crescem e expandem a sua potência; forças que, ao serem exploradas, reagem e tentam resistir à dominação. Nesse sentido, toda força é vontade de potência (ou vontade de poder), isto é, um impulso constante ao crescimento intensivo: "A vontade de poder só pode externar-se em resistências; ela procura, portanto, por aquilo que lhe resiste. [...] A apropriação e a incorporação são, antes de tudo, um querer-dominar, um formar, configurar e transfigurar, até que finalmente o dominado tenha passado inteiramente para o poder do agressor e o tenha aumentado" (A vontade de poder, 656). Portanto, as relações entre as forças envolvem necessariamente um desequilíbrio ou uma desigualdade entre elas, por isso sempre vão existir forças que são dominantes e outras que são dominadas. É evidente que se trata de uma hierarquia estabelecida pela potência das forças conflitantes e não uma hierarquia determinada pela representação da potência, que seria assegurada por intermédio de uma lei: "Acautelo-me de falar em 'leis'químicas: isso tem um sabor moral. Trata-se antes de uma verificação absoluta de proporções de poder: o mais fortalecido torna-se senhor do mais fraco, à medida que este não pode impor justamente o seu grau de autonomia, - aqui não há nenhum compadecer-se, nenhuma preservação, ainda menos um respeito a 'leis'!" (A vontade de poder, 630).

"Cada conquista do conhecimento decorre do ânimo, da dureza contra si, do anseio para consigo" Nietzsche

A força dominante é ativa, pois seu domínio ocorre em circunstâncias em que ela é capaz de agir e modificar a realidade estabelecida, expandindo, dessa forma, a sua potência. Já a força dominada é passiva ou reativa, pois, limitada pela mais forte, apenas reage ou adapta-se à dominação: "O que é 'passivo'? Ser tolhido no movimento que avança açambarcando: portanto, um agir da resistência e da reação. O que é 'ativo'? É o que açambarca poder, dirigindo-se para fora" (A vontade de poder, 657). Por isso Nietzsche faz a importante distinção entre nobres e plebeus, senhores e escravos: os nobres ou senhores são os que podem dominar os mais fracos, e os plebeus ou escravos são os explorados pelos mais fortes e, enquanto estiverem submetidos às forças mais potentes, estão impedidos de exercer um domínio sobre outras forças.

Bom e ruim

Essa distinção é fundamental para uma problematização da geração de valores. Ao mesmo tempo em que domina, o homem nobre interpreta, avalia, isto é, cria e impõe valores que derivam de uma afirmação da vida, de uma afirmação dos sentidos do corpo. Dessa maneira, ele considera "bom" todo aquele que é capaz de expandir a sua potência, metamorfoseando- se, e, ao contrário, considera "ruim" os que vivem entravados no impulso ao crescimento da potência, impedidos de se diferenciarem. Portanto, a origem do conceito "bom" está relacionada à própria ação efetuada pelo homem nobre - ele afirma a sua diferença. Isso quer dizer que "o juízo 'bom' não provém daqueles aos quais se fez o 'bem'! Foram os 'bons' mesmos, isto é, os nobres, poderosos, superiores em posição e pensamento, que sentiram e estabeleceram a si e a seus atos como bons, ou seja, de primeira ordem, em oposição a tudo que era baixo, de pensamento baixo, vulgar e plebeu. Desse phatos da distância é que eles tomaram para si o direito de criar valores, cunhar nomes para os valores: que lhes importava a utilidade!" (Genealogia da moral, primeira dissertação, 2).

[continua]
matéria completa: http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/36/artigo141682-1.asp
vale a pena
 
O Eterno Retorno

“E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: “Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e seqüência – e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez – e tu com ela, poeirinha da poeira!“ Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: “Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!” Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: “Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?” pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?”

Nietzsche - A Gaia Ciência

+ : http://www.eternoretorno.com/2008/06/03/eterno-retorno-nietzsche/
 
Última edição:
Vontade de Potência

E sabeis sequer o que é para mim "o mundo"? Devo mostrá-lo a vós em meu espelho?

Este mundo: uma monstruosidade de força, sem início, sem fim, uma firme, brônzea grandeza de força, que não se torna maior, nem menor, que não se consome, mas apenas se transmuda, inalteravelmente grande em seu todo, uma economia sem despesas e perdas, mas também sem acréscimo, ou rendimentos, cercada de "nada" como de seu limite, nada de evanescente, de desperdiçado, nada deinfinitamente extenso, mas como força determinada posta em um determinado espaço, e não em um espaço que em alguma parte estivesse "vazio", mas antes como força por toda parte, como jogo de forças e ondas de força ao mesmo tempo um e múltiplo, aqui acumulando-se e ao mesmo tempo ali minguando, um mar de forças tempestuando e ondulando em si próprias, eternamente mudando, eternamente recorrentes, com descomunais anos de retorno, com uma vazante e enchente de suas configurações, partindo das mais simples às mais múltiplas, do mais quieto, mais rígido, mais frio, ao mais ardente, mais selvagem, mais contraditório consigo mesmo, e depois outra vez voltando da plenitude ao simples, do jogo de contradições de volta ao prazer da consonância, afirmando ainda a si próprio, nessa igualdade de suas trilhas e anos, abençoando a si próprio como Aquilo que eternamente tem de retornar, como um vir-a-ser que não conhece nenhuma saciedade, nenhum fastio, nenhum cansaço... esse meu mundo dionisíaco do eternamente-criar-a-si-próprio, do eternamente-destruir-a-si-próprio, esse mundo secreto da dupla volúpia, esse meu "para além de bem e mal", sem alvo, se na felicidade do círculo não está um alvo, sem vontade, se um anel não tem boa vontade consigo mesmo, - quereis um nome para esse mundo? Uma solução para todos os seus enigmas? Uma luz também para vós, vós, os mais escondidos, os mais fortes, os mais intrépidos, os mais da meia-noite? - Esse mundo é a vontade de potência - e nada além disso! E também vós próprios sois essa vontade de potência - e nada além disso!

Nietzsche - Obras Incompletas
 
Última edição:
Avante. – Assim, avante no caminho da sabedoria, com bom passo, com firme confiança! Seja você como for, seja sua própria fonte de experiência! Livre-se do desgosto com seu ser, perdoe a seu próprio Eu, pois de toda forma você tem em si uma escada com cem degraus, pelos quais pode ascender ao conhecimento. A época na qual, com tristeza, você se sente lançado, considera-o feliz por essa fortuna; ela diz que atualmente você partilha experiências de que homens de uma época futura talvez tenham de se privar. Não menospreze ter sido religioso; investigue plenamente como teve um genuíno acesso à arte. Não é possível, exatamente com a ajuda de tais experiências, explorar com maior compreensão enormes trechos do passado humano? Não foi precisamente neste chão que às vezes tanto lhe desagrada, no chão do pensamento impuro, que medraram muitos dos esplêndidos frutos da cultura antiga? É preciso ter amado a religião e a arte como a mãe e a nutriz – de outro modo não é possível se tornar sábio. Mas é preciso poder olhar além delas, crescer além delas; permanecendo sob o seu encanto não as compreendemos. Igualmente você deve familiarizar-se com a história e o cauteloso jogo dos pratos da balança: “de um lado – de outro lado”. Faça o caminho de volta, pisando nos rastros que a humanidade fez em sua longa e penosa marcha pelo deserto do passado: assim aprenderá, da maneira mais segura, aonde a humanidade futura não pode ou não deve retornar. E, ao desejar ver antecipadamente, com todas as forças, como será atado o nó do futuro, sua própria vida adquirirá o valor de instrumento e meio para o crescimento. Está em suas mãos fazer com que tudo o que viveu – tentativas, falsos começos, equívocos, ilusões, paixões, seu amor e sua esperança – reduza-se inteiramente a seu objetivo. Este objetivo é tornar-se você mesmo uma cadeia necessária de anéis da cultura, e desta necessidade inferir a necessidade na marcha da cultura em geral. Quando o seu olhar tiver se tornado forte o bastante para ver o fundo, na escura fonte de seu ser e de seus conhecimentos, talvez também se tornem visíveis para você, no espelho dele, as distantes constelações das culturas vindouras. Você acha que uma vida como essa, com tal objetivo, seria árdua demais, despida de coisas agradáveis? Então não aprendeu ainda que não há mel mais doce do que o do conhecimento, e que as nuvens de aflição que pairam acima lhe servirão de úberes, dos quais você há de extrair o leite para o seu bálsamo. Apenas ao chegar a velhice você nota como deu ouvidos à voz da natureza, dessa natureza que governa o mundo inteiro mediante o prazer: a mesma vida que tem seu auge na velhice tem seu auge na sabedoria, no suave fulgor solar de uma constante alegria de espírito; ambas, a velhice e a sabedoria, você as encontra na mesma encosta da vida, assim quis a natureza. Então é chegado o momento, e não há por que se enraivecer de que a névoa da morte se aproxime. Em direção à luz – o seu último movimento; um grito jubiloso de conhecimento – o seu último som.

Bigodão - Humano, Demasiado Humano - Um livro para espíritos livres
 
Última edição:
Minha fórmula para a grandeza do homem é amor fati: não querer nada de outro modo, nem para diante, nem para trás, nem em toda eternidade. Não meramente suportar o necessário, e menos ainda dissimulá-lo - todo o idealismo é mendacidade diante do necessário -, mas amá-lo...

Nietzsche - Ecce Homo
 
na real acho que nossa geraçao ainda está travada na fase do Niilismo passivo. Übermensch está além do niilismo.

Niilismo passivo - Segundo Nietzsche, o niilismo passivo, ou niilismo incompleto, podia ser considerado uma evolução do indivíduo, mas jamais uma transvaloração ou mudança nos valores. Através do anarquismo ou socialismo compreende-se um avanço; porém, os valores demolidos darão lugar para novos valores. É a negação do desperdício da força vital na esperança vã de uma recompensa ou de um sentido para a vida; opondo-se frontalmente a autores socráticos e, obviamente, à moral cristã, nega que a vida deva ser regida por qualquer tipo de padrão moral tendo em vista um mundo superior, pois isso faz com que o homem minta a si próprio, falsifique-se, enquanto vive a vida fixado numa mentira. Assim no niilismo não se promove a criação de qualquer tipo de valores, já que ela é considerada uma atitude negativa.

Niilismo activo - ou niilismo-completo, é onde Nietzsche se coloca, considerando-se o primeiro niilista de facto, intitulando-se o niilista-clássico, prevendo o desenvolvimento e discussão de seu legado. Este segundo sentido segue o mesmo rumo, mas propõe uma atitude mais activa: renegando os valores metafísicos, redirecciona a sua força vital para a destruição da moral. No entanto, após essa destruição, tudo cai no vazio: a vida é desprovida de qualquer sentido, reina o absurdo e o niilista não pode ver alternativa senão esperar pela morte (ou provocá-la). No entanto, esse final não é, para Nietzsche, o fim último do niilismo: no momento em que o homem nega os valores de Deus, deve aprender a ver-se como criador de valores e no momento em que entende que não há nada de eterno após a vida, deve aprender a ver a vida como um eterno retorno, sem o qual o niilismo seria sempre um ciclo incompleto.

fonte: wikipedia
 
O niilismo e "morte de Deus"

Por tudo isso, sob a aparente dispersão dos aforismos vai se desenhando um projeto rigorosamente unitário. A história que Nietzsche traça de nossa civilização não é um simples agregado de temas, mas a tentativa de mostrar que o percurso "ideológico" do Ocidente se estende em três períodos.

Estes três períodos são aqueles indicados pelas metamorfoses do espírito com as quais se abre o Assim Falou Zaratustra: como o espírito se transformou em camelo, como o camelo se transformou em leão e como o leão se transformou em criança.

Compreenda-se: nossa civilização passou primeiro pelo domínio do "tu deves", quer dizer, pelo primado da moral e da religião (= CAMELO); esta primeira etapa do espírito cede seu lugar ao domínio do "eu quero", que designa o eclipse do mundo do dever e a liberação da vontade (= LEÃO) ; enfim, o "eu quero" supera-se no "eu sou", que será uma nova relação do indivíduo com sua existência (= CRIANÇA).

Para apreender do interior estes períodos, vale a pena situar-se na etapa intermediária - domínio do "eu quero" -, que é o período do niilismo europeu. "Quem vos fala", diz Nietzsche, "é o primeiro niilista perfeito da Europa. " O niilismo é antes de tudo o território onde Nietzsche se situa para falar.

O niilismo é um cristal de várias facetas, que designam tanto acontecimentos de nossa civilização quanto um certo modo de se experimentar a existência, humana.

Em primeiro lugar, ele é um episódio de nossa civilização, pois designa o momento histórico em que se desvalorizaram os valores supremos.

Na consciência do europeu do final do século XIX, segundo Nietzsche, já se vive a morte de Deus. E o que os europeus não haviam percebido ainda era que a morte de Deus implicava a desvalorização dos valores morais: o fim do Deus cristão será o fim da moral por ele sancionada e de todos os substitutos laicizados do cristianismo.

Isso já é o niilismo: desvalorização dos valores supremos que, por isso mesmo, torna crepuscular a idéia de "dever".

Mas por que a morte de Deus deve implicar a desvalorização de todos os demais valores?

Para compreender isso deve-se levar em conta que, para Nietzsche, a morte de Deus é apenas um capítulo de uma história bem mais longa: a morte do mundo-verdade, ou seja, o fim do platonismo. Assim, o niilismo significará também que nada é verdadeiro, e por isso mesmo tudo é permitido.

É nesse momento do niilismo europeu que Nietzsche se situa: no momento em que se perdeu qualquer ilusão sobre a chance de se estabelecer verdades definitivas sobre as coisas. É esta consciência que estará na origem do tipo de análise filosófica de Nietzsche: se não há mais um "mundo-verdade", então o "espírito livre" saberá que existem apenas diferentes "interpretações". E sua tarefa será agora interpretar as interpretações: se o "cristianismo" não é mais a "verdade" mas apenas uma "perspectiva entre outras", é enquanto tal que ele deve ser analisado.

A partir de agora, a nossa "civilização" tornou-se um texto a mais submetido à análise do filólogo.

Senhores e escravos - Esta análise da civilização vai dirigir-se por uma pergunta bem determinada, que já apontará para o niilismo enquanto modo de se sentir a existência humana. Antes de lamentar a morte de nossos Ideais, convém perguntar previamente pelo valor destes valores: eles são um estímulo ou urna barreira para a vida? Será esse, antes de tudo, o tópico de Nietzsche. E se agora os valores morais detiverem mais do que os outros a atenção de Nietzsche, será pela convicção de que eles comandam todos os demais.

Para analisar o valor de nossa moral, Nietzsche vai opor dois universos espirituais: o dos senhores e o dos escravos. Esta oposição designa ao mesmo tempo um contraste entre ideais e entre modos de existência. A nossa moral é de escravos, e seus valores vão se tecendo em torno de um certo ideal de convivência.

O nosso imaginário social desenha como seu ponto ótimo uma convivência isenta de conflitos, onde se pensa que viveremos nossa "felicidade". Nada como o século XIX para procurar este estado idílico onde os conflitos desapareceriam, as "contradições" estariam enfim "superadas" e o rebanho humano poderia viver a paz, o seu sábado dos sábados.

Ora, este ideal de convivência supõe, tacitamente, uma determinada antropologia: se estes indivíduos não entram em conflito, é porque eles não aspiram a mais nada, suas vontades estão paralisadas, e por isso mesmo eles vivem a felicidade espinosiana, definida como um repouso.

Assim, nossa moral vai pregar no seu "tu deves" todas as qualidades que adocicam a vida, como o altruísmo, a piedade, o desinteresse, todo um ideário de "esgotados", que apenas exprime uma vontade anêmica. E é esta mesma vontade anêmica que está na origem de nosso desejo de crenças e convicções, nossa perpétua necessidade de apoio em uma verdade, uma religião ou uma consciência de partido.

Por isso, nossa civilização enaltece a obediência e coloca o comando ao lado da má consciência, promovendo como figura do homem alguém preparado apenas para obedecer, um escravo, um ser domesticado, o "animal do rebanho".


Ora, ao lado de nossa moral e de nosso ideal de convivência, que se pensam únicos, existiu segundo Nietzsche, uma outra moral e um outro modo de encarar a existência. É o universo dos senhores que Nietzsche pensa redescobrir analisando a vida grega antes da "decadência" platônica.

Desde sua juventude, quando pesquisava a vida grega no mundo homérico, Nietzsche discernira ali um ideal de convivência exatamente oposto ao nosso: uma vida construída a partir de um elogio do conflito, não de sua supressão.

É o que se depreende, por exemplo, daquilo que seria o "verdadeiro significado" do ostracismo enquanto instituição na Grécia Antiga.

Se os gregos expulsavam da cidade alguém que se sobrepunha aos demais, isto não significava um freio, mas um estimulante: se expulsava o grande, o que sobressaía excessivamente, era para que os mecanismos da luta se restabelecessem, para que a disputa voltasse entre todos. É que um grego do bom período, garante Nietzsche, não conhecia felicidade sem luta, nem vitória sem disputa ulterior.

Sua vida, em suma, era a expressão mesma da vontade de potência. E foi este mundo do conflito permanente que encontrou sua expressão filosófica no vir-a-ser de Heráclito, enquanto representação de um universo onde as tensões e os conflitos perduram pela eternidade. Este homem da luta homérica será o indivíduo sujeito à moral dos senhores, onde a afirmação de si substitui as virtudes cristãs.

O mundo do escravo será agora aquele onde o indivíduo sofre com o mundo, se ressente dele. E o ressentimento será a mola propulsora deste sofredor que desejará agora vingar-se do senhor e negar o seu mundo.

O escravo, filósofo e o sacerdote serão então os personagens de um enredo através do qual se negará o mundo do vir-a-ser, graças à hipótese de três grandes mundos fictícios: o mundo moral, o mundo divino e o mundo-verdade.

Através deles, o escravo quer não abolir a dor, mas encontrar um sentido para o seu sofrimento. E o que Nietzsche nos ensina ao final da Genealogia da Moral: não foi a dor, mas a falta de sentido da dor que atormentou os fracos, e para encontrar este sentido eles inventaram seus ideais. E toda a nossa civilização cristã será um anestésico ideológico para uma existência sofredora.

A superação do niilismo - E exatamente este sentido da dor que desaparece quando ocorre a desvalorização dos valores. E seu resultado será o niilismo enquanto estado psicológico: a experiência de que a existência "não vale a pena". Em outras palavras: o niilismo enquanto desvalorização dos valores faz surgir o niilismo enquanto desvalorização da existência.


Ela é apenas dor, e dor sem sentido. E este fenômeno que Nietzsche pensa ler no pessimismo filosófico do século XIX.

Ora, este mal-estar que irrompe agora não é senão a decadência originária que exigiu o nascimento do cristianismo. O que ressurge é, nua, a experiência da vida que tinham os "fracos", despojada apenas da vestimenta ideológica que lhe dava um sentido. E o niilista será agora uma consciência infeliz: ele sabe que o mundo, tal como deveria ser, não existe, e sente que o mundo que existe não deveria ser.

Nietzsche dirá que esta situação poderá dar origem tanto à debilitação ainda maior da vontade quanto ao seu revigoramento. No fim do mundo do dever, resta um "eu quero" que poderá ser forte ou fraco. "Quem vos fala" diz Nietzsche, "é o primeiro niilista perfeito da Europa. Que superou o niilismo."

Esta superação do niilismo não será equivalente ao encontro de uma nova "meta da existência", um novo "sentido" para o sofrimento. Não será uma reedição do cristianismo. A verdadeira superação do niilismo será antes de tudo o desenraizarnento daquilo que tornava o cristianismo desejável para o escravo: a sua apreensão da existência como sendo uma fonte de sofrimento.

Será através da doutrina do eterno retorno que Nietzsche pensará a sua superação do niilismo. O eterno retorno é uma doutrina cosmológica, que tem um significado existencial. E sua formulação estará condicionada pela idéia de um universo desdivinizado: ela será a conseqüência de dois princípios cuja negação implicaria, para Nietzsche, a aceitação tácita da hipótese de Deus.

São os princípios que afirmam: 1) o tempo é infinito; 2) as forças são finitas.


Destes princípios decorrerá que tudo já retornou, pois as configurações das forças, sendo finitas, já se repetiram. E como o mundo não caminha para um estado final (que, se existisse, já teria ocorrido), então tudo retorna eternamente.

Desta doutrina Nietzsche espera um determinado efeito sobre o existente. Ela deverá operar como um postulado prático que me ensinara a viver de modo a desejar viver outra vez aquilo mesmo que ocorrer - porque assim será em todo caso.

Agora, tal postulado prático levará a uma aprovação integral da existência, ao amor aos fatos, o. dionisíaco dizer-sim à vida. Será o último ato da filosofia de Nietzsche. Que terá como preço o casamento entre a eternidade e o devir.


"Os Pensadores", Nova Cultural, 1987, fascículo 50, p. 600-604
 
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Os animais e a moral

As práticas que são exigidas na sociedade refinada, o evitar cuidadosamente o ridículo, o que dá na vista, o pretensioso, o preterir suas virtudes assim como seus desejos mais veementes, o fazer-se igual, pôr-se na ordem, diminuir-se - tudo isso, como moral social, se encontra, a grosso modo, por toda parte até o mais profundo do mundo animal - e somente nessa profundeza vemos o propósito que está por trás de todas essas amáveis precauções: quer-se escapar de seus perseguidores e ser favorecido na busca de sua presa. Por isso os animais aprendem a se dominar e disfarçar de tal maneira que muitos adaptam suas cores à cor do ambiente (em virtude da assim chamada função cromática"), fazem-se de mortos ou adotam formas e cores de um outro animal ou de areia, folhas, algas, esponjas (aquilo que os pesquisadores ingleses designam como "mimicry"). Assim se oculta o indivíduo sob a generalidade do conceito "homem ou sob a sociedade, ou se adapta a príncipes, classes, partidos, opiniões do tempo ou do ambiente: e para todos os refinados modos de nos fazermos de felizes, gratos, poderosos, amados, se encontrará facilmente o equivalente animal. Também aquele sentido de verdade, que no fundo é o sentido de segurança, o homem o tem em comum com o animal: não quer deixar-se enganar, não quer deixar-se induzir em erro por si próprio, ouve com desconfiança a voz persuasiva de suas próprias paixões, reprime-se e permanece em guarda contra si; isso tudo o animal sabe igual ao homem, também nele o autodomínio brota do sentido do efetivo (da prudência). Ele observa, igualmente, os efeitos que exerce sobre a representação de outros animais, aprende a voltar o olhar sobre si mesmo a partir dali, a se tomar "objetivamente", tem seu grau de autoconhecimento. O animal julga os movimentos de seus adversários e amigos, aprende de cor suas peculiaridades, orienta-se por elas: contra indivíduos de uma espécie determinada ele renuncia de uma vez por todas ao combate e, do mesmo modo, adivinha na aproximação de muitas espécies de animais o propósito de paz e acordo. Os inícios da justiça, assim como os da prudência, comedimento, bravura -,em suma, de tudo o que designamos com o nome de virtudes socráticas, é animal: uma conseqüência daqueles impulsos que ensinam a procurar por alimento e escapar dos inimigos. Se ponderamos agora que também o mais elevado dos homens só se elevou e refinou justamente no modo de sua alimentação e no conceito de tudo aquilo que lhe é hostil, não deixará de ser permitido designar todo fenômeno moral como animal.

Nietzsche - Aurora
 
"(...)qual é o pensamento que deverá ser doravante para mim a razão, a garantia e a suavidade de viver! Eu quero aprender sempre cada vez mais a considerar como bonito o que existe de necessário nas coisas: - assim eu farei parte daqueles que tornam as coisas belas. Amor fati: que este seja doravante meu amor. Eu não quero entrar em guerra contra ao que é feio. Eu não quero acusar, eu nem quero acusar os acusadores. Desviar meu olhar, que isto seja a minha ùnica negação! E, finalmente, para ver grande: eu quero ser um dia apenas alguém que diz sim!"

Nietzsche - A Gaia Ciência
 
No horizonte do infinito

Deixamos a terra firme e embarcamos ! Queimamos a ponte - mais ainda, cortamos todo laço com a terra que ficou para trás! Agora, tenha cautela, pequeno barco! Junto a você está o oceano, é verdade que ele nem sempre ruge, e às vezes se estende como seda e ouro, como devaneio de bondade. Mas virão momentos em que você perceberá que ele é infinito e que não há coisa mais terrível que a infinitude. Oh, pobre pássaro que se sentiu livre e agora se bate nas paredes dessa gaiola! Ai de você, se for acometido de saudade da terra, como se lá tivesse havido mais liberdade - e já não existe mais “terra”.

A Gaia Ciência
 
Algumas coisas do Nietzsche soh fui entender depois de muito tempo, após ter lido umas trocentas vezes e ter vivido outras tantas experiências..
Acho um crime o que a irmã dele fez: vendeu boa parte dos escritos dele pro nazismo, daí eles fizeram uma readaptação e colocaram como autoria dele..

Friedrich Nietzsche
Em O Viajante e sua sombra.

31 – A vaidade como impulso exagerado de um estado anti – social

“Por razões de segurança pessoal, os homens decretaram que são todos iguais para formar uma comunidade, mas visto que essa concepção é, em última análise, contrária à natureza de cada um e aparece como algo de forçado, quanto mais a segurança geral é garantida tanto mais novos ímpetos do velho instinto de preponderância começam a se mostrar: assim, na delimitação das castas, nas pretensões às dignidades e às vantagens profissionais e em geral nos aspectos de vaidade (maneiras, vestuário, linguagem, etc.).

Mas a partir do momento em que se começa a prever algum perigo para a comunidade, a grande maioria, que não fez valer sua preponderância nos períodos de tranqüilidade pública, restabelece novamente o estado de igualdade: os privilégios e vaidades absurdos desaparecem por algum tempo.

Se, no entanto, a comunidade social desmoronar completamente, se a anarquia se tornar universal, o estado natural brilhará de novo, com a desigualdade despreocupada e absoluta, como foi o caso na ilha de Córcira, segundo o relato de Tucídides.

Não há nem direito natural nem injustiça natural”.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. O Viajante e sua Sombra. Tradução: Antonio Carlos Braga e Ciro Miranda. São Paulo: Editora Escala, 2007.

Gostei mto do livro 'Nietzsche - biografia de uma tragédia', de Rüdiger Safranski..
 
Niet não era anti-semita. há varios aforismos onde ele se posiciona contra.

"(..)se tem, em resumo, qualquer acesso de imbecilidade; assim, por exemplo, os alemães da atualidade cultivaram a demência anti-francesa, outras, a anti-semita, a anti-polaca, a romântico-cristã, a wagneriana, a teutônica, a prussiana (..)Mas os judeus são incontestavelmente a raça mais vigorosa, mais tenaz e mais genuína que vive na Europa, sabem caminhar nas piores condições (e talvez muito melhor que em condições favoráveis) e isto quanto a tais virtudes (..)seria adequado afastar, de todos os países, os agitadores antisemitas. (..)"

Para Além do Bem e do Mal, af. 251

a irma dele realmente foi de uma pobreza de espirito sem tamanho ao distorcer sua obra. ela até entregou a bengala do bigode ao proprio fuhrer numa solenidade nazista.
aposto que essa tosca nao entendeu sequer uma palavra do legado de seu irmão.

mas é fato que Hitler se encantou com a obra de Nitzsche e pode ter se influenciado, mesmo que de maneira bastante distorcida.
 
A suposta loucura dele eh questionável..


Pelas descrições que eu li, não.

E sífilis realmente provoca demência em muitos dos infectados. Alguns autores inclusive dividem a obra de Nietzsche em antes e depois do surgimento dos sintomas.
 
Um fato curioso e ao mesmo tempo poético de sua vida é que ao final, quando já louco, ele assinava como Dionísio.

Um dos meu preferidos:
É preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante.

Assim falou Zaratustra
 
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