Foi o 8 de março - dia das mulheres - mais lindo, sagrado e revolucionário que já vivi. Interessante notar que não escolhemos essa data por ser dia das mulheres... mas simplesmente por ser "o dia que deu". Mais sincronico, impossível.
Não existe dia das mulheres. Todas essas datas comemorativas/especiais não são nada além de instituições humanas, pois nós, na nossa arrogância de nos acharmos donos do tempo, ficamos colando esses rótulos nas datas e criando esses dias disso e daquilo para termos a ilusão de que essas datas são propriedade nossa e existem exclusivamente para nós: as mulheres, para se sentirem especiais e importantes, precisam ter a ilusão de que o dia 8 de março lhes pertence; as crianças, o dia 12 de outubro; as mães, o dia que foi instituído para elas (que eu nem sei qual que é e nem vou pesquisar para saber qual que é); os pais, o dia que foi instituído para eles (que eu também nem sei qual que é), e por aí vai...
Aliás, essas datas comemorativas são apenas datas comerciais, pois mesmo que elas não tenham sido criadas por esse motivo, no fim das contas é sempre isso que elas acabam se tornando: o dia das mulheres acaba sendo só uma desculpa para comprar presentes e flores para as mulheres; a Páscoa, para comprar ovos de chocolate; o Natal, para comprar presentes, panetones, pisca pisca e perus; o dia das crianças, dos namorados, das mães e dos pais, também desculpas para comprar presentes... Pois na cultura consumista e materialista em que vivemos, a maior prova de que supostamente gostamos dos outros (sim, porque ninguém gosta de ninguém, as pessoas só fingem que gostam umas das outras) é gastar dinheiro comprando um bem material para eles (como a propaganda nos manda comprar presentes para os outros nessas datas especiais e como todo mundo faz isso, nós, meros seguidores de tradições sem sentido e imitadores incapazes de viver com o mínimo de autenticidade, compramos também; afinal, quem somos nós para não fazer o que já tá todo mundo fazendo, não é mesmo?). Ou então esses dias são uma mera desculpa para ter um feriado.
Além do mais, muitas dessas datas comemorativas são frutos do nosso apego ao passado, uma vez que elas são criadas para ficar nos relembrando de coisas e acontecimentos que já se foram. O Natal, por exemplo, é a comemoração do aniversário de uma pessoa que nasceu há mais de dois mil anos; ou seja, além de um ato de idolatria (o que é algo pernicioso), é uma tentativa nossa de manter vivo aquilo que já está morto e enterrado – sim, pois o passado é algo morto e enterrado (e eu não sei por que as pessoas dão presentes umas para as outras nesse dia, pois se o aniversariante é Jesus, de acordo com os costumes ele é quem deveria ganhar presentes; mas como nós vamos presentear alguém que há muito já amanheceu com a boca cheia de formiga, não é mesmo?). A propósito, o aniversário por si só já é algo egocêntrico: uma criança, ao ver que uma festa está sendo feita para ela e que há várias pessoas lhe dando presentes e lhe parabenizando (e, para piorar tudo, no final do “Parabéns” ainda cantam às vezes aquele “com quem será, com quem será que fulano vai casar?”, como se o destino da criança já fosse conhecido por todos ali e ela estivesse condenada ao matrimônio) – retomando o fio da meada, a criança, ao ver isso, começa a se sentir importante, começa a achar que é grande coisa, começa a ter seu ego inflado, e aí, quando ela cresce, continua fazendo festas de aniversário para si mesma, como se o simples fato de completar mais um ano de vida (ou seria menos um?) fosse motivo para celebração.