Não existe mundo espiritual.
O ser humano adora ver e fazer separação onde não existe, e uma dessas separações que ele faz é entre matéria e espírito. Não existe separação entre o mundo material e o mundo espiritual simplesmente porque não existe um mundo material e nem um mundo espiritual. Matéria é um conceito abstrato que o ser humano usa para se referir a algo que ele não sabe o que é (no caso, a essência, a verdadeira substância dos objetos) e espírito é apenas outro conceito abstrato que o ser humano usa para se referir a algo que ele também não sabe o que é (a essência, a verdadeira substância do sujeito).
Nós estamos sempre tentando nos preencher de alguma forma, estamos sempre tentando nos tornar algo ou alguém. E por que queremos nos tornar algo ou alguém? É porque no fundo nós sentimos que não somos nada, que não somos ninguém, que há um vazio dentro de nós. Nós buscamos nos sentir completos porque nos sentimos incompletos, insuficientes, imperfeitos, enfim, sentimos que não somos bons o bastante.
Muitas pessoas buscam se realizar e se tornar alguém no mundo “material”, enquanto outras buscam se realizar e se tornar alguém no mundo “espiritual”. Geralmente os espiritualistas se acham melhores e mais sábios que os materialistas, mas na verdade eles são todos iguais: ambos os tipos levam uma vida de imenso sofrimento e ignorância. Não há diferença alguma entre ser “espiritual” e ser “mundano”; tentar se autopreencher por meios “espirituais” ou por meios “materiais” dá no mesmo.
Aliás, uma das formas pelas quais buscamos nosso preenchimento e satisfação é por meio de experiências e do acúmulo delas. Por exemplo, muitas pessoas acham que quanto mais experiências prazerosas e agradáveis elas têm, mais felizes são. De modo similar, muitos creem que quanto mais passam por experiências espirituais e místicas, mais se tornam pessoas boas e sábias e mais próximos estão da verdade e da felicidade plena (quando na verdade é o contrário, pois a felicidade e a sabedoria não são resultado de qualquer espécie de acúmulo, mas sim do seu oposto, isto é, do esvaziamento, do abandono, da ausência de quaisquer tipos de acúmulo).
A propósito, além dos materialistas e espiritualistas, há um terceiro tipo, que é o intelectual - aquele indivíduo que tenta se autopreencher por meio da aquisição de conhecimento, por meio do cultivo do intelecto. Para o intelectual um dia sem ler pelo menos algumas páginas de um livro é um dia perdido, ele está sempre buscando se sentir uma pessoa bem informada, culta e erudita, está sempre consumindo arte, vendo filmes (de preferência aqueles bem cults e undergrounds)... E basicamente por trás dessa ânsia por posse e acúmulo de conhecimento está a vontade de se sentir superior aos outros: “eu sei mais do que você”, “eu sou mais inteligente que você”, “eu já li mais livros do que você”, “eu entendo de física quântica, você não entende; logo, eu sou melhor do que você” etc. E assim como os materialistas e os espiritualistas, os intelectualistas levam uma vida de alienação, ignorância (pois eles só têm conhecimento do que não importa realmente), futilidade e pura dor e sofrimento.
E obviamente muitas pessoas não tentam se realizar em apenas um desses três âmbitos (o material, o espiritual e o intelectual), mas em dois deles ou nos três. Enfim, o materialismo, o intelectualismo e a espiritualidade são três formas pelas quais o indivíduo (ou, para usar uma palavra que me faça ser mais bem entendido, o ego) tenta se autopreencher, se autoafirmar, se fortalecer, se expandir e se perpetuar. Materialistas, intelectuais e espiritualistas diferem apenas na superfície e na aparência, pois no fundo são tudo farinha do mesmo saco.