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Amsterdã

sísifo

Esporo
Cadastrado
14/09/2018
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Há cerca de um ano estava em Amsterdã com dois camaradas. Um tinha tido uma experiência prévia com cogumelos e tinha falado coisas incríveis. Eu era um completo ignorante. Só sabia que um cogumelo que crescia na bosta da vaca dava um barato. Fomos a um smartshop e cada um comprou um pacotinho de cogumelos, identificado como Mexican, que seria o mais leve dos oferecidos. Comi todos os meus e fomos para o Vondelpark. Não senti nada, apesar de que alguma coisa aconteceu, pois li uma passagem de Os Irmãos Karamazov que me fez chorar copiosamente, coisa que nunca me acontece. E só. O outro entrou em uma viagem maravilhosa e eu só fiquei aborrecido, com uma ponta de inveja.


Dois dias depois, resolvi tentar novamente. Fui orientado a tentar a Cubensis.


Já na saída da smartshop comecei a mastigar, um a um, todos os cogumelos do envelope. Mastiguei muitas vezes, até que virassem uma pasta, coisa que não havia feito da primeira vez.


Andamos, novamente, em direção ao Vondelpark e no caminho, me senti mais atento aos barulhos ao redor, como do tram passando.


Um me chamava a atenção para as diferentes tonalidades de verde das folhas, mas eu não via isso. Chamava-me mais atenção os tons marrons, de outono, que sob o sol ficavam avermelhados. Fui tirando fotos das coisas que me chamavam a atenção. Se alguém tiver curiosidade, e isso não for contra as regras do fórum, posso postar aqui. Mas adianto que não foi nada muito “psicodélico”.


Em um momento, encontrei uma pista do parque interditada em razão de uma competição de ciclistas cadeirantes.


Parei ao lado de uma reta da pista e fiquei tirando fotos utilizando como ponto de fuga o final da reta, no qual se via um túnel entrando para a floresta. Fiquei observando este túnel, pois ele vibrava, assim como a floresta em seu entorno. Veio-me à mente o conceito de “chamado da aventura”, da jornada do herói. Lembrei especialmente uma cena com dolly zoom de O Senhor dos Anéis (Redirect Notice).


Fiquei um bom tempo tirando fotos e pensando que os deficientes eram os únicos que iam em direção ao tal túnel, atendendo ao chamado da aventura. Enquanto eu, “eficiente” não fazia porra nenhuma da minha vida.


Nessas conjecturas acabei ficando para trás. O outro veio me chamar. Atravessamos a pista de corrida e comecei a tirar fotos da pista, agora pelo lado oposto. Descolei um lugar debaixo de um alto falante, que tocava música eletrônica, que entrou na minha mente como a trilha sonora perfeita para aquele momento de superação, em que via os competidores saindo da luz e vindo em minha direção.


Fui ao encontro dos parceiros na beira do lago.


No centro do lago, havia algumas pedras. Sobre elas estava pousada, de forma imponente, uma espécie de garça. Fui fotografá-la. Vi-me agachado na beira da água como um índio, apenas observando o pássaro, que parecia o dono do pedaço.


Imaginei que seus ancestrais dinossauros, de fato, haviam dominado a terra do planeta. Eu, na terra, mais precisamente em um parque artificialmente projetado para simular, com segurança, o ambiente natural, pretendia me afirmar como espécie dominante. Pensava que a ave estava iludida de que tinha controle sob aquele habitat, porque o ser humano, sim, teria o controle. Mas a ave me olhava. E em seu olhar eu via a sabedoria de milhões de anos de evolução, que me dizia que o iludido era eu mesmo. Que a natureza é indomável. Haja vista a extinção dos dinossauros. O outro comentou que, para sobreviverem, os dinossauros tiveram que criar asas, e o quão longe disso estamos os humanos.


De cócoras na beira do rio, enquanto dialogava silenciosamente com o pássaro, me veio à mente a ideia de animal guia, figura recorrente no xamanismo, pelo menos na ideia de xamanismo moldada pelo cinema que eu tenho.


Imerso em pensamentos, distante do mundo real, sou subitamente trazido de volta quando toca o telefone celular de um. A call from Babylon, me lembrando onde eu estava.


Na beira do lago talvez um salgueiro chorão. Seu tronco, até certo ponto, avançava horizontalmente sobre as águas do lago, a partir daí, crescia verticalmente, em direção à luz. Fiquei pensando e discutindo a história dessa árvore. Minha ideia era de que, um dia, a árvore caiu, mas suas raízes permaneceram vivas, e ela continuou crescendo. O que, para mim, fez uma rima poética com relação à corrida de bicicleta dos deficientes. A vitória dos supostamente menos aptos.


Não chegamos a um consenso sobre a árvore, isto é, se ela foi plantada assim, ou se foi preservada assim graças ao gosto do homem pela estética, pela beleza. Sei que, vendo-a contra o sol, a árvore parecia em chamas, como mágica.


Pegamos uma trilha pelo mato, entrando por um túnel que me lembrou a viagem anterior do senhor dos anéis e do chamado da natureza.


Logo no início da trilha, um tronco de árvore de uns quatro metros de altura, cortado pelo homem, me fez pensar, imediatamente em um totem, e voltei à viagem do xamanismo.


Mais à frente, na trilha, uma bifurcação, de um lado, o caminho fazia uma curva à esquerda. Do outro lado uma ponte sobre um rio. Decidimos que a estética é importante para o homem de modo que devíamos seguir o caminho ornamentado pela ponte.


Em um poste, na beira subida da ponte, um cartaz: a moment for shitty poetry. Enquanto comentávamos sobre isso, chega um casal de bicicleta. A garota era linda, tinha feições orientais, mas a pele morena, o que lhe dava um aspecto indígena. Seus braços nus, raros naquele clima europeu, revelavam músculos bem definidos. O sol batia em sua pele e em seus cabelos pretos que balançavam ao vento, criando uma espécie de aura, que a tornava luminosa. Parecia uma deusa. Ela seguiu pela ponte. Nós também.


Chegamos a um ponto onde várias árvores faziam belos reflexos em poças d'água de chuva. Uma criança de galocha brincava nas poças com seus pais, criando reflexos coloridos. Uma bela imagem que me fez pensar, imediatamente no meu filho e em sua galocha amarela.


Continuamos caminhando até chegar a um amplo descampado, onde as pessoas se exercitavam e brincavam com seus cachorros. As nuvens, com tonalidades cinza, sob o sol, brilhavam e pareciam divinas. Do caminho de que viemos, surge uma senhora com uma matilha. Vários vão correndo brincar com outros cães enquanto um deles a fim de se apropriar, urina em uma folha seca caída, que por alguma razão lhe pareceu interessante. Fica um tempo parado, cabeça erguida, apenas observando, e segue seu caminho. Pensei que deveria ser o macho alfa.


Seguimos em frente. Comemos uma frutinha sem gosto no caminho. Chegamos a um lago, onde arrumamos um banco para sentar e comer. Ficamos lá, deixando a onda acabar, observando um homem brincar de jogar a bola dentro do lago para seu cachorro buscar. Depois de alguns mergulhos, o cachorro pareceu inseguro para continuar pulando.
 
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