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Amanita Muscaria, Rig Veda e Urina (Claude Lévi-Strauss)

Mahasamādhi

Gnossos Papadopoulis
Membro Ativo
09/09/2010
310
55
Salve salve galera, muita gente já conhece estes aspectos da cultura cogumelística, mas não custa nada aumentar o repertório para os curiosos de plantão, abraço. :greyalien:


"Existem muitas variedades de Amanita Muscaria, cuja cor vai do vermelho vivo ao amarelo ouro. Para descrever o Soma, o Rig Veda emprega constantemente o qualificativo hári, que abarca esta gama de cores, e quando recorre a substitutos, prefere os de coloração vermelha. De acordo com crenças populares bem comprovadas no que diz respeito aos cogumelos, os hinos védicos concebem o Soma como o filho do trovão e do raio. Todas as metáforas do Rig Veda, ou que se tomavam como tais, adquirem um valor literal descritivo ao considerarmos as diversas fases do crescimento da amanita e os aspectos variados que ela pode ter.

Só este cogumelo, e não uma planta qualquer, poderia ser comparada ao disco vermelho do sol ou assimilado ao Agni, o fogo, do qual se pode dizer que “ele deixa transparecer sua cor quando abandona seu envoltório” (que consiste, como se sabe, numa película branca cujos fragmentos maculam muito tempo o chapéu); que “ele faz do leite sua roupa de gala”; que “ de dia aparece cor de fogo (“de alazão” na tradução de L. Renou), e de noite, “branco prateado”; que “sua pele é de touro, sua roupa de carneiro”; que é “o olho único”, “o esteio do céu”, “o umbigo do mundo; que “com seus mil módulos conquista o renome poderoso”; etc. E se o soma não é um cogumelo, como se poderia compará-lo a uma mama e a uma teta; imagens que se esclarecem quando se pensa no chapéu arredondado e no pé deste agárico inchado na base? Da maneira mais engenhosa e persuasiva para o leitor, Wasson ilustrou cada uma dessas imagens com uma fotografia colorida, que evidencia este ou aquele aspecto da Amanita mata-mosca e mostra a correspondência, muitas vezes surpreendente, com as figuras retóricas às quais se acreditava que recorriam os velhos hinos.

Mais inquietante ainda, surge o que se poderia chamar de argumento irreplicável de Wasson. Entre tantas passagens obscuras do Rig Veda, uma foi particularmente estudada pelos especialistas. Trata-se de uma frase do quarto verso do hino IX, 74, que Renou traduz desta maneira: “Os senhores da bexiga cheia expelem o Soma com propriedades ativadas” e Wasson, de modo mais prosaico: “Os homens intumecidos urinam o Soma que escorre”. O que isto pode significar senão, como todos os observadores notaram na Sibéria Oriental, que a urina do consumidor de amanita era altamente valorizada? Bebida por um comparsa ou pelo próprio intoxicado, ela tem o dom de causar ou renovar a mesma embriaguez provocada pelo cogumelo fresco, ou, mais frequentemente, seco. Ainda mais: os documentos etnográficos relativos aos Páleo-asiáticos fazem pensar que esta urina podia ser preferida à primeira substância; mais poderosa segundo alguns, ou, para outros, porque certos componentes químicos, existentes no cogumelo e responsáveis por sintomas desagradáveis, seriam eliminados durante sua passagem pelo corpo, enquanto que o, ou os alcalóides alucinógenos seriam preservados.

Os Siberianos praticavam, pois, dois tipos de consumo diferentes: seja do próprio cogumelo, seja da urina expelida por uma pessoa em estado de embriaguez. Ora, muitas vezes, os textos védicos afirmam que o Soma existe sob duas formas (IX,66, versos 2, 3, 5; Wasson: 25-27), e o Avesta (48:10) condena, num texto que Wasson considera incompreensível, a menos que se adote a interpretação proposta, “os que se deixam enganar pelos sacerdotes com a urina da embriaguez”. Nosso autor cita igualmente um episódio do Mahabharata (Asvamedha Parvan), 14.54, 12-35) durante o qual o deus Krishna concede a seu protegido, como bebida, a urina de um Intocável que se revela ser Indra, e a própria urina uma bebida de imortalidade.

Não menos coerente com esta interpretação aparece a menção, nos textos védicos, de três filtros sucessivos que servem para a preparação do Soma. O segundo filtro, de lã, parece ter sido um objeto técnico que não coloca nenhum problema. Ao contrário, a natureza do primeiro, comparado com um carro celeste, atravessado de raios de sol, só pode corresponder ao cogumelo: a planta produtora de Soma é muitas vezes assimilada ao fogo e ao sol, e o cogumelo, quando novo, tem o chapéu vermelho e brilhante, e conserva ainda espalhados, em intervalos regulares, fragmentos da película, oferecendo um aspecto reticulado que evoca um filtro. Quanto ao terceiro filtro, sua natureza e seu papel permanecem inexplicáveis, a menos que se reconheça nele o próprio corpo do consumidor – no caso, o sacerdote que personifica Indra – através do qual o Soma passa classificando-se para jorrar sob a forma de urina. Com efeito, numerosos versículos dão uma grande atenção ao percurso do Soma no estômago, no ventre e nas entranhas do deus.

De tudo isso, parece resultar que os Indo-Arianos, afeitos ao consumo ritual da Amanita muscaria em seu habitat primitivo, se teriam esforçado, depois de sua entrada na Índia, para conservar as fontes de abastecimento adquirindo o cogumelo seco dos povos selvagens da montanha; cortados destas fontes, durante um longo período, eles teriam mantido o culto tradicional, graças a plantas substitutivas mais ou menos eficazes, que a literatura brâmane descreve e discute. Em seguida, o antigo culto teria desaparecido completamente."

Fonte: 'Antropologia Estrutural Dois'
 
Achei esse texto muito pertinente. De fato, consta que a urina dos nobres da idade média era disputada pelos servos, pois a mesma era rica nos alcaloides e outros psicoativos que os nobres tomavam em suas festas. Tem tudo a ver!
 
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